(Grato a Julio Hegedus pela transcrição)
Em entrevista, criador do Orkut diz que futuro das redes sociais é assutador
Por Bruno Romani, do Estadão (30/09/2024)
São Paulo, 29/09/2024 - Orkut Büyükkökten, criador do serviço que leva seu primeiro nome, está de saco cheio de redes sociais. Não que o engenheiro turco esteja cansado de um mercado que tenha ajudado a desbravar quando a internet brasileira era “mato”. Mas ele não vê com bons olhos os rumos que serviços do tipo tomaram nos últimos 10 anos, virando atalho para desinformação, polarização e degradação da saúde mental.
A mudança dos serviços coincide com o período no qual a rede social Orkut esteve desativada. Neste dia 30 de setembro, completa-se dez anos do dia em que o Google encerrou o site que ensinou a muitos brasileiros o que é rede social, comunicação online e comunidades virtuais. Ao Estadão, Orkut refletiu sobre toda as transformações pelas quais passaram as redes sociais durante esse período - e a sua avaliação não é nada animadora.
“Se você olhar para o que aconteceu com as mídias sociais hoje, elas se tornaram extremamente tóxicas. Há polarização política. Há isolamento. Há vergonha, ansiedade, depressão, problemas de saúde mental. E eles estão realmente prejudicando nossa sociedade, e especialmente crianças e a geração Z”, disse ele.
Para mudar, ele afirma que precisamos de líderes que pensam no futuro - e, talvez, a saída esteja fora de redes sociais atuais, que são turbinadas por algoritmos e viraram plataformas de consumo de conteúdo.
Na conversa, ele também lembrou dos momentos finais de sua rede social, falou sobre moderação de conteúdo e também criticou Elon Musk e Mark Zuckerberg pela maneira como administram suas redes sociais. Leia os melhores momentos abaixo.
Estadão: O que você se lembra dos seus últimos dias no Orkut?
Orkut Buyukkokten: Tínhamos mais de 300 milhões de usuários em todo o mundo. Mas a rede nunca se tornou uma grande prioridade para o Google. E tínhamos uma equipe muito pequena que operava principalmente nos EUA e no Brasil. Então, o Google decidiu tornar o elemento social uma prioridade da empresa. Eles queriam adicionar uma camada social em todos os serviços do Google, como a pesquisa, o Gmail e o Google Fotos. Foi assim que surgiu o Google Plus. Quando você pensa no Google, você pensa em pesquisa, você pensa em empresas, você não pensa em rede social. Eu sempre acreditei que uma plataforma social deve ter sua própria marca. Essa foi uma das principais razões pelas quais o Plus nunca decolou. A pessoa que estava no comando do Google Plus cancelou todos os projetos de rede social no Google, para que não houvesse conflito. E o Orkut foi um deles. Foi um momento muito triste.
Estadão: O sr. tentou argumentar para que o Google mantivesse o serviço?
Orkut: Vic Gundotra, gerente geral do Google, estava encarregado dos produtos de rede social da empresa. E o Google Plus era a visão dele. E foi uma decisão executiva dele fechar todos os produtos do Google. Eu não culparia o Google, mas foi uma execução muito ruim da parte deles. O único produto bem-sucedido que tinha um componente social era o Orkut, então eles tentaram muito forçar uma migração para o Google Plus. Obviamente não funcionou. E muitos usuários acabaram migrando para outras plataformas.
Estadão: O que o sr. aprendeu sobre moderação de conteúdo com o Orkut?
Orkut: Para ter boa moderação, você precisa de três componentes. Você precisa de tecnologia, e hoje há muita inteligência artificial (IA) e aprendizado de máquina que podem ser incorporados à moderação. O segundo é a própria base de usuários, a comunidade. Com o Orkut, sempre demos ferramentas para nossa base de usuários sinalizar e denunciar conteúdo questionável. E a terceira parte é ter moderadores humanos. E sabemos como a moderação não deve ser feita. Por exemplo, quando Elon Musk assumiu o Twitter, uma das primeiras coisas que ele fez foi se livrar de todos os moderadores. Durante a covid, houve campanhas massivas de desinformação no Facebook e no Instagram sobre vacinação.
Estadão: O Orkut teve todos os recursos necessários para moderar bem a plataforma?
Orkut: O Orkut moderava muito bem. Você não via nenhum conteúdo como está causando ansiedade, depressão ou abuso ou assédio online. Tínhamos muitas pessoas trabalhando muito duro, como engenheiros, a própria comunidade de usuários e moderadores internos que garantiam que tivéssemos um ótimo conteúdo e conteúdo saudável. As mídias sociais se tornaram extremamente tóxicas. Há polarização política. Há isolamento. Há vergonha, ansiedade, depressão, problemas de saúde mental. E eles estão realmente prejudicando nossa sociedade, e, especialmente, crianças e a geração Z. Se você olhar para o Instagram, alguns dos conteúdos criam problemas de imagem em meninas de 13 anos. E mesmo que a empresa soubesse disso, eles não tomaram as medidas necessárias para se livrar desse conteúdo. Mas a sociedade e a humanidade não têm sido uma prioridade nas corporações de mídia social. Isso trouxe o colapso da sociedade.
Estadão: O que mudou no cenário das redes sociais desde então?
Orkut: Três coisas principais mudaram bastante. A primeira é óbvia: A maioria do consumo de redes sociais está em nossos smartphones. Naquela época, as pessoas usavam desktops ou laptops para acessar o Orkut. A segunda coisa é que as pessoas passavam o tempo compartilhando, postando e enviando mensagens. E foi assim que eles se conectaram, foi assim que eles criaram comunidades, e foi assim que eles promoveram um ambiente saudável. Hoje, você fica rolando o feed e navegando em conteúdo sem sentido. A terceira coisa que mudou foi o surgimento do vídeo. Naquela época, eram textos e fotos. E agora que temos esses dispositivos poderosos é ótima banda larga, vemos as pessoas postando e consumindo muito vídeo.
Estadão: Agora há também a mediação de conteúdo por algoritmos…
Orkut: Exatamente. Esses algoritmos são otimizados para engajamento e monetização. Com o Orkut, o feed era cronológico, certo? Hoje, é reordenando, dependendo se aquele conteúdo específico gera reação. Eles escolhem as postagens que geram ódio e raiva. Então, as redes estão espalhando loucamente ódio, raiva e desinformação. Estão espalhando negatividade porque lucram com a negatividade. Eles lucram com o ódio. E essa é uma das razões pelas quais as redes se tornaram tão tóxicas. É a priorização da monetização sobre a sociedade.
Estadão: Ao criar o Orkut, o sr. imaginava que redes sociais poderiam ser usadas para corromper democracias em todo o mundo?
Orkut: As redes sociais hoje são administradas por aproveitadores. Eles só se importam com dinheiro e poder, certo? Quando você tem um tipo de plataforma que incentiva a polarização política, faz isso porque ela gera mais receita. Esse é o mal dessas pessoas que estão no comando. Com o Orkut, sempre garantimos que nossos usuários estavam felizes, nossas comunidades eram saudáveis. Não tínhamos conteúdo ilegal. O conteúdo era moderado diretamente. A maioria das pessoas nem se lembra que havia anúncios no Orkut, e ele era extremamente lucrativo. Mas sempre foi para melhorar a experiência.
Estadão: Estou com a sensação de que o sr. não está muito feliz com a maneira como Elon Musk e Mark Zuckerberg estão administrando suas plataformas atualmente.
Orkut: Eu acho que ninguém está feliz. Você acha que as pessoas estão felizes com como o Facebook, Instagram, TikTok e Twitter são administrados? Acho que não.
Estadão: O sr. se sente feliz por ter deixado o Orkut antes da chegada da ‘era sombria’ das redes sociais, quando a maiorias dos problemas dos serviços começaram a acontecer?
Orkut: Eu saí por causa da era sombria. Eu vi a era sombria chegando, então eu saí do Google para focar em criar uma plataforma que é sobre positividade, conexão e comunidade. Isso é ótimo. Na Hello, nosso maior desafio foi: Podemos criar uma plataforma que realmente faça as pessoas felizes e promova conexão e comunidade? Eventualmente nós acertamos. As mídias sociais são projetadas em torno de publicidade, corporações e lucro. Não são otimizadas em torno de felicidade, positividade, reunir pessoas e criar comunidade. E é por isso que tem sido tão prejudicial.
Estadão: Você usa alguma rede social atualmente?
Orkut: Claro, estou na maioria das redes sociais.
Estadão: Qual é a sua favorita?
Orkut: Eu não tenho uma favorita, e é por isso que estou lançando uma nova.
Estadão: Há espaço para novas redes sociais?
Orkut: Claro. A geração Z está procurando experiências autênticas. Eles não gostam das plataformas atuais. Os jovens agora não tiram selfies, por exemplo. É muito fascinante.
Estadão: O sr. está acompanhando a disputa entre Elon Musk e o Supremo Tribunal Federal aqui no Brasil?
Orkut: Claro.
Estadão: Qual é a sua opinião?
Orkut: Eu não aprovo a maneira como Elon administra o Twitter porque é só monetização. E ele age como se não se importasse se há terrorismo, crueldade animal, pornografia infantil. Ele não parece se importar com essas coisas. Porque se ele realmente se importasse, ele não teria se livrado da equipe de moderação. É muito importante se importar com a comunidade, ter empatia e compaixão. Eu não acredito que Elon esteja focado nas coisas certas. Não surpreende que o X tenha sido banido.
Estadão: Qual é o futuro das redes sociais?
Orkut: O futuro das redes sociais é muito assustador agora por causa desse monte de IA. Tivemos um salto gigante com o ChatGPT e a IA generativa. Resultado: um monte de fotografias no Facebook geradas por IA. A maioria das pessoas nem consegue diferenciar. Se você olhar para o Instagram, há muitas contas falsas onde todas as imagens são geradas por IA. E elas estão respondendo a comentários, que também são gerados por IA. E estamos recebendo mais e mais spam de IA. Você quer falar com máquinas quando está em uma plataforma social? Ou você quer falar com pessoas reais? E estamos apenas vendo a ponta do iceberg. Vai ficar muito pior no futuro próximo. Veja a pesquisa do Google. Parece estar muito pior comparado 10 anos atrás. Mas não é o algoritmo que está pior. O algoritmo é melhor. Mas a internet está muito pior agora porque há tanto spam e desinformação. Reputação vai ser uma das coisas mais importantes nas mídias sociais daqui para frente.
Estadão: Há alguma luz no fim do túnel?
Orkut: Sim. Precisamos de líderes que realmente se importem em criar um futuro melhor. Eu me importo com o futuro. Eu me importo com a sociedade. Eu me importo com nossos filhos. Eu me importo com nossos netos. Você quer que seus filhos conversem com chatbots no smartphone? Ou você quer que eles saiam e brinquem com outras crianças? Precisamos nos certificar de que melhoramos o capital social. E melhoramos o capital social passando tempo com as pessoas. Precisamos sair para jantar e conversar durante as refeições. Precisamos nos encontrar pessoalmente. Se você olhar para a geração X e os millennials, a principal forma de comunicação era por chamadas telefônicas, não pelo smartphone. Para a geração Z, a comunicação é online. E precisamos mudar isso. Há muitas coisas que podemos fazer como sociedade e também como governo. E muitas dessas coisas são fáceis. Por exemplo, a idade de uso do telefone celular precisa ser aumentada. Jovens de 10 anos não deveriam usar celular ou TikTok. Podemos proibir telefones celulares nas escolas, certo? O que podemos fazer também é apoiar o jornalismo. Isso é muito importante.
Estadão: E qual é o futuro para você? Há chances do Orkut retornar?
Orkut: Não posso falar porque não anunciei nada oficialmente. Mas estou levando toda a experiência que tive com as quatro plataformas sociais que lancei: Club Nexus, InCircle, Orkut, Hello. E vou lançar uma nova rede social que é toda otimizada em torno de comunidade e conexão, mas não tenho uma data.
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