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segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Pequeno dicionário de conceitos invertidos - Denis Lerrer Rosenfield, O Estado de S. Paulo

 Hamas

Denis Lerrer Rosenfield, 
O Estado de S. Paulo (23/10/2023) 
Desinformação propagada por Lula, PT e seus satélites exige uma espécie de pequeno dicionário para analisar a junção entre a ideologia e a estupidez humana 

 A desinformação propagada pelo governo Lula, pelo PT e por seus satélites, como PSOL, PCdoB e MST, exige que se faça o esclarecimento do significado de certas palavras, sob pena de afundarmos no abismo moral. Exigiria, mesmo, uma espécie de pequeno dicionário, voltado para a análise da junção entre a ideologia e a estupidez humana. As palavras perdem o seu significado e são substituídas pela irrupção disfarçada da maldade. 

Terror. O ataque do Hamas a Israel foi um ato inequívoco de terror. Visados foram bebês, trucidados e queimados, crianças assassinadas na frente de seus pais e vice-versa, sequestros de crianças levadas para Gaza, idosos e mulheres feitos reféns, jovens assassinados numa festa rave no sul do país e assim por diante. Tais atos se inscrevem na história humana da maldade, cujos antecedentes recentes são o Isis (Estado Islâmico) e as ações nazistas conduzidas pela SS. Himmler ficaria orgulhoso de seus herdeiros e simpatizantes de esquerda. 

Dois Estados. Os que não condenam o Hamas supostamente com o intuito de garantir a neutralidade do País, a exemplo das notas vergonhosas do Itamaraty e de membros do governo, esquecem um fator central: o Hamas não defende a solução de dois Estados, Israel e Palestina. Defende, sim, um único Estado: o do Hamas, do Mediterrâneo ao Rio Jordão, sob a sua dominação e a imposição da Lei Islâmica. O Hamas não representa os interesses dos palestinos. Tal função é exercida pela Autoridade Palestina, que desfruta de reconhecimento internacional. A Justiça encontra-se na criação de dois Estados, sem que o terror seja utilizado para destruir o outro, como é pregado pelo Hamas, desde a sua fundação. 

Campos de concentração. Outra pérola da estupidez encontra-se no dizer de pseudojornalistas que consideram, seguindo a propaganda do terror, que Gaza seria um “campo de concentração”. Os judeus seriam os novos nazistas. Talvez essa esquerda debiloide tenha razão apesar dela. Sim, Gaza é um campo de concentração criado, administrado e supervisionado pelo Hamas, que exerce a sua autodeterminação, uma vez que Israel desocupou o seu território. É essa organização terrorista que desvia recursos de saúde, emprego, educação e saneamento para a construção de túneis subterrâneos, compra e manufatura de foguetes, mísseis e armamentos. Oprime mulheres e reprime e assassina homossexuais. Nos túneis fica o exército terrorista, acima fica a população civil servindo de escudo humano. Eis por que o Hamas procura impedir o deslocamento da população civil. 

Cessação de hostilidades. Os diferentes chamamentos para a interrupção das hostilidades, em que pese a sua fachada humanista, visam simplesmente a interromper a contraofensiva israelense, voltada para a aniquilação dos terroristas. Procuram, isto sim, assegurar a vitória do Hamas, mantendo a sua estrutura militar intacta. A cobertura humanista do PT é apenas a manifestação de sua conivência com o terror. Segundo sua perversa lógica, quem se defende de atentados terroristas comete “genocídio”! Contribuição inestimável à história universal da ignomínia. Lula, embora tenha condenado o “atentado terrorista” em Israel, travou a língua e não conseguiu pronunciar a palavra Hamas. Talvez tenha ainda presentes as congratulações que recebeu deste exército do terror ao ganhar a eleição presidencial. À esquerda, assinalese a posição digna do presidente do PSB, Carlos Siqueira, que condenou sem ambiguidades o terror islâmico. Artistas. O silêncio dos artistas apoiadores do PT (exceção feita a Gilberto e Preta Gil) é ensurdecedor. Fizeram algazarra para eleger Lula, mas agora estão mudos. Ao se calarem, mostram-se coniventes com o terror e com o assassinato de 260 jovens num evento musical. Imaginem o barulho que fariam aqui, no Brasil, se uma só pessoa fosse assassinada num festival. Agora, acolá, os critérios desaparecem ao cruzarem o Atlântico. Jovens judeus e não judeus são exterminados, como se isso fosse justificado. É uma vergonha. 

Antissionismo e antissemitismo. O ataque terrorista do Hamas mostra claramente o seu caráter antissemita, voltado para a destruição do Estado de Israel e a aniquilação dos judeus. Nada diferente do que tentaram fazer os árabes e o mufti de Jerusalém ao não reconhecerem a existência do Estado judeu e ao recusarem a criação de um Estado palestino igualmente inexistente. Prometeram jogar os judeus ao Mediterrâneo. Eram contra a criação de dois Estados, tal como o Hamas. Um importante líder social-democrata do final do século 19 e início do século 20, August Bebel, já dizia que o antissemitismo é o socialismo dos idiotas. Princípios morais. A esquerda petista, com os seus assemelhados, mostra de uma forma contundente a sua ausência de princípios morais. A sua defesa dos direitos humanos é mero disfarce para incautos. O governo deveria alterar o nome de seu Ministério dos Direitos Humanos para Ministério dos Direitos Inumanos. Questão de coerência. 

Epílogo. E o destino dos reféns, aterrorizados?

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Israel-Hamas: o posicionamento de Denis Lerrer Rosenfield

Ignomínia
Todos os recursos do Hamas são canalizados para o treinamento militar
Denis Lerrer Rosenfield
O Globo, 28/07/2014

Certa cobertura jornalística e posicionamentos de determinados governantes, aí incluindo a diplomacia brasileira, deveriam fazer parte de uma história da ignomínia. Versões tomam o lugar de fatos, a ideologia vilipendia a verdade e terroristas são considerados como vítimas inocentes.
Os episódios protagonizados pela ONU, em Gaza, deveriam escandalizar qualquer pessoa sensata. Em duas escolas da ONU foram encontrados foguetes, lá depositados pelos grupos jihadhistas. Supõe-se que lá não chegaram caminhando sozinhos, mas contaram com uma explícita colaboração de funcionários da própria organização internacional. Trata-se de uma clara violação da lei internacional.
A ONU, curiosamente, não quis fornecer as fotos desses foguetes, pois elas teriam forte impacto midiático, mostrando o pouco caso do Hamas com as crianças e mulheres que diz, para a imprensa internacional, defender. Ou seja, a organização fez o jogo do terror, pretendendo, porém, apresentar-se como neutra. Ademais, posteriormente, entregou os mesmos foguetes para as “autoridades governamentais”, isto é, o próprio Hamas!
Nada muito diferente do que aconteceu na guerra passada. Durante semanas fomos bombardeados, com manchetes, de que uma sede da ONU teria sido bombardeada pelas Forças Armadas de Israel. Era uma mentira deslavada. A própria organização internacional demorou, no entanto, 30 dias para fazer o desmentido. Como assim? O desmentido apareceu um mês depois nas páginas internas de jornais, como uma pequena notícia irrelevante. O estrago midiático foi feito com a colaboração da própria ONU.
E quando digo que o Hamas não se preocupa com a vida de crianças, idosos e mulheres quando fala para a imprensa internacional, refiro-me apenas a um fato. Em seu estatuto, essa organização terrorista prega abertamente a “educação” das crianças para a “guerra santa”, inculcando em suas mentes que devem estar preparadas para o martírio.
Várias lideranças do Hamas também têm dito claramente que elas utilizam mulheres e crianças como “escudos humanos”, embora a sua apresentação seja, evidentemente, a do combate pelo Islã, onde vidas devem ser sacrificadas. Por que divulgação não é dada a este fato?
As Forças Armadas israelenses são cuidadosas do ponto de vista de preservação de vidas humanas. Telefonam e enviam mensagens às populações das áreas que serão bombardeadas. Ocorre que o Hamas impede que essas pessoas possam escapar, com o intuito de produzir o maior número de vítimas civis, que logo serão filmadas e fotografadas. São essas imagens que serão utilizadas para a formação da opinião pública mundial. É macabro!
O Terror se caracteriza por não ter nenhuma preocupação com a vida dos civis. Assim é com os mais de dois mil foguetes lançados contra o Estado de Israel. Assim é com os comandos que foram enviados para assassinar a população civil dos kibutzim próximos à fronteira. Assim é com os palestinos que se tornam reféns e vítimas dessa estratégia terrorista.
O Hamas se mistura com a população civil. Utiliza escolas, mesquitas, instalações da ONU e hospitais como esconderijos de armamentos e bases de seus ataques. Seus dirigentes máximos estão alojados em um bunker em um hospital na cidade de Gaza. Vivem também em seus túneis, que são inacessíveis para a população civil que, lá, poderia se proteger.
O Estatuto do Hamas é um claro libelo antissemita, que busca pura e simplesmente a destruição do Estado judeu: “Israel existirá e continuará existindo até que o Islã o faça desaparecer, como fez desaparecer a todos aqueles que existiram anteriormente a ele.”
O seu alvo são os judeus e os cristãos. Aliás, esses últimos já são as vítimas do terror por organizações jihadistas na Síria e no Iraque. Assim está escrito: “Fazei o bem e proibis o mal, e credes em Alá. Se somente os povos do Livro (isto é, judeus [e cristãos]) tivessem crido, teria sido melhor para eles. Alguns deles creem, mas a maioria deles é iníqua.”
Para eles, os judeus fazem parte de uma grande conspiração internacional, à qual terminam associando também os cristãos. Utilizam, para tal fim, um livro antissemita do século XIX, forjado pela polícia czarista, para justificar o massacre de judeus. Eis o Estatuto: “O plano deles está exposto nos Protocolos dos Sábios de Sião, e o comportamento deles no presente é a melhor prova daquilo que lá está dito.” Mais clareza impossível, porém alguns teimam em não ler. É a miopia ideológica.
Enganam-se redondamente os que dizem que o Hamas procura a negociação. Para eles: “Não há solução para o problema palestino a não ser pela jihad (guerra santa)”, isto é, o extermínio dos judeus.
Israel aceitou todas as propostas de cessar-fogo, relutando, mesmo, em empreender a invasão terrestre. O que fez o Hamas: não cessou o lançamento de foguetes e rompeu todas as tréguas. Aliás, foi coerente com os seus estatutos: “Iniciativas de paz, propostas e conferências internacionais são perda de tempo e uma farsa.”
Neste contexto, falar de “desproporcionalidade” na resposta militar israelense revela desconhecimento ou má-fé. O país não poderia continuar vivendo sob o fogo de foguetes, como se aos judeus estivesse destinado viver debaixo da terra, em abrigos subterrâneos. Aliás, essa é uma boa distinção entre Israel e o Hamas. Os abrigos são para os civis, enquanto em Gaza são para os terroristas.
Observe-se que todos os recursos do Hamas são canalizados para o treinamento militar, a construção de túneis (agora de ataque) e a compra de armamentos e foguetes. O resultado está aí: a miséria de sua população.
As manifestações pró-Hamas que tiveram lugar em Paris tiveram a “virtude” de mostrar sua natureza antissemita, onde se misturam declarações contra o capitalismo, morte aos judeus e ataque a sinagogas. Tiveram, por assim dizer, o “mérito” da coerência. Esse setor da esquerda se associa ao terror, expondo toda a sua podridão. Será que certos setores da esquerda brasileira estariam trilhando também esse caminho da ignomínia?

Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

terça-feira, 11 de março de 2014

Venezuela: uma ditadura eleita (fraudulentamente) - Denis Lerrer Rosenfield

E provavelmente não eleita, ou seja, não pelos bons métodos, e sim pela manipulação dos eleitores, pela mentira, e por roubar, claramente as eleições.
Concordo com meu amigo Orlando Tambosi, que se trata, não de uma democracia totalitária, mas de uma ditadura, simplesmente, apenas que recorrendo a eleições, sempre manipuladas, a partir de certo momento.
Paulo Roberto de Almeida

Democracia e ditadura

10 de março de 2014 | 2h 07
Denis Lerrer Rosenfield* - O Estado de S.Paulo

O discurso da diplomacia brasileira acerca da Venezuela e dos demais países bolivarianos segue a doutrina do PT, segundo a qual estaríamos diante de uma democracia pelo simples fato de lá haver eleições. Eleições seriam, então, o único critério de definição de Estados democráticos, com evidente desprezo pelas instituições da sociedade civil. Mais concretamente, há total desconsideração pelo equilíbrio entre Poderes e pela independência dos Poderes Judiciário e Legislativo. A liberdade de imprensa e dos meios de comunicação em geral é sistematicamente pisoteada, se não aniquilada.

Nesse sentido, a "democracia" poderia prescindir das liberdades civis e políticas, devendo contentar-se com eleições e referendos, cada vez mais restritos, pois as condições de competitividade são progressivamente reduzidas. De fato, a democracia representativa nesses países "socialistas" é substituída, para retomar um conceito de J. L. Talmon, pela democracia totalitária.
A democracia representativa caracteriza-se por ser constitucional, obedecendo a princípios que fogem a qualquer deliberação popular. Consequentemente, não pode ser objeto de deliberação a igualdade de gêneros ou de raças. Uma maioria popular machista ou racista não se poderia impor numa democracia representativa, graças aos limites constitucionais, de princípios e valores, por ela assegurados.
Segundo a democracia totalitária, o poder reside na vontade popular encarnada pelo líder carismático. Não tem este, em razão da delegação popular recebida, nenhuma limitação, como se eleições o autorizassem, virtualmente, a fazer qualquer coisa. Basta um referendo para que isso ocorra. Foi o que aconteceu com o "socialismo do século 21", nas figuras de Hugo Chávez e de sua caricatura, Nicolás Maduro, que aboliram a separação de Poderes, emascularam o Judiciário e o Legislativo, fazendo do Executivo o único Poder que conta.
A economia de mercado, por sua vez, foi cerceada, quando não aniquilada, tendo como consequência o domínio do Estado, cujos efeitos mais nítidos são a inflação galopante e a falta de produtos básicos - o papel higiênico é o mais emblemático deles. Já a liberdade de imprensa e dos meios de comunicação em geral foi sendo suprimida, só sobrando, hoje, o resquício de uma sociedade livre. Milícias no melhor estilo das SA nazistas aterrorizam a população, fazendo uso da violência e do assassinato sempre e quando o líder máximo o exigir. Tudo, evidentemente, em nome da "revolução" e do "socialismo".
Não obstante, o Itamaraty e setores do PT continuam a justificar a "democracia venezuelana", como se os protestos do que ainda resta de oposição fossem o real perigo. Ora, as posições estão totalmente invertidas. A dita "cláusula democrática", bem entendida, significaria, apenas, a "cláusula democrática totalitária".
Do ponto de vista diplomático, por uma questão de pudor, não se pode acatar o argumento de que o Brasil não se ingere em assuntos de outros países, uma vez que foi bem isso que fez no Paraguai. O então presidente Fernando Lugo foi afastado do poder por um impeachment, segundo a legislação paraguaia. O governo brasileiro não reconheceu o impeachment e aproveitou a ocasião para suspender esse país do Mercosul, tornando viável, dessa maneira, a entrada da Venezuela. É evidente o uso de dois pesos e duas medidas.
Nessa perspectiva, poderíamos aplicar os mesmos critérios para o que se denomina ditadura militar brasileira, com o intuito de melhor apreciarmos a "verdade" do período, contrastada com o juízo "democrático" do atual governo a propósito do "socialismo do século 21".
Considera-se a ditadura militar como se estendendo desde o governo Castelo Branco até o final do governo Figueiredo, quando há diferenças significativas nesse longo período. O governo Castelo Branco, por exemplo, tinha inclinação liberal, enquanto o governo Geisel foi fortemente estatizante. Segundo esse critério, o governo Dilma Rousseff se encaixaria na concepção geiselista, com forte intervenção do Estado na economia, a escolha de empresas e setores privilegiados a serem apoiados e o uso da política fiscal e de subsídios para o apoio a esses grupos. Seria Geisel de esquerda, conforme essa concepção? Mais ou menos democrático? E Lula, em seu primeiro mandato, seria castelista?
Durante o período do governo Castelo Branco (1964-1967) até o Ato Institucional n.º 5, promulgado por Costa e Silva em setembro de 1968, o País desfrutava ampla liberdade. Foi esse ato extinto em 1978 por Geisel e o habeas corpus, restaurado. Penso não ser atrevido dizer que as liberdades civis eram muito mais respeitadas do que o são nos países que, atualmente, encarnam o "socialismo do século 21".
A gozação, para não dizer a sátira e a ironia, do Pasquim começou em 1969, quando o regime militar havia endurecido e a ditadura propriamente dita se estabeleceu. Isto é, a ditadura tolerou o Pasquim, enquanto os governos bolivarianos não toleram nenhuma crítica, muito menos a que se faz pela sátira que atinge os seus líderes.
A greve do ABC sob liderança de Lula, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, foi um marco no Brasil, abrindo efetivamente caminho para a liberdade de participação sindical. Ocorreu em 1974, sob o governo Geisel. A partir dela novas greves se estenderam de 1978 a 1980, já no governo Figueiredo. Imaginem algo semelhante nos países bolivarianos. Por muito menos os "socialistas" enviam as suas milícias e fazem uso de perseguições, prisões, tortura e assassinato.
A Lei da Anistia, negociada entre militares democratas, políticos do establishment e a oposição do MDB, com amplo apoio da sociedade civil, foi assinada por Figueiredo em agosto de 1979, abrindo realmente caminho para a redemocratização do País. Foram os próprios militares que tomaram a iniciativa de abandonar o poder.
Sem dúvida a "democracia" bolivariana consegue ser mais dura do que a ditadura brasileira nesses períodos!

*Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. E-mail: denisrosenfield@terra.com.br.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Depois do dilmes, o marines: Brasil avanca na terminologia do nada - Denis Lerrer Rosenfield

O marinês

21 de outubro de 2013 | 3h 14
Denis Lerrer Rosenfield* - O Estado de S.Paulo
O marinês é uma nova língua política que se caracteriza por abstrações e fórmulas vagas com o intuito de capturar o apoio dos incautos. Suas expressões aparentemente nada significam, porém procuram suscitar a simpatia de pessoas que aderem ao politicamente correto. Mas só aparentemente nada significam, pois carregam toda uma bagagem teórica que, se aplicada, faria do Brasil um país não de sonháticos, mas de pesadeláticos.
Marina Silva ganhou imenso protagonismo nas últimas semanas ao ingressar no PSB do governador Eduardo Campos, fazendo um movimento político inusitado. Ao, aparentemente, aderir ao candidato socialista acabou roubando para ela a cena política, como se fosse, de fato, a protagonista. De segunda posição, a de vice, age como se encarnasse a primeira, de candidata a presidente.
No afã de ganhar espaço midiático, não cessa de dar entrevistas e declarações: num único dia conseguiu o prodígio de ser entrevistada pelos maiores jornais do País, Estadão, O Globo e Folha de S.Paulo, que fizeram manchetes dessas declarações. Nada disse, porém não parava de falar. Vejamos algumas dessas expressões, sob a forma de um dicionário explicativo.
Coligação ou aliança programática - eis uma fórmula das mais utilizadas. Numa primeira abordagem, significaria uma aliança de novo tipo, baseada em programas, e não mais em acordos meramente pragmáticos. Seu objetivo é mostrar que as ideias são prioritárias, não os meros interesses partidários.
Acontece que um escrutínio mais atento dessas ideias mostra uma concepção extremamente conservadora da relação homem-natureza, devendo ele abandonar a "civilização" do "lucro" e do "consumo" e voltar à floresta. É como se o homem atual fosse uma espécie de excrescência natural. A natureza é endeusada sob a forma de um neopanteísmo, como se mexer numa árvore constituísse uma agressão a algo sagrado.
Se há desmatamento é porque os seres humanos precisam alimentar-se, e não por simples ímpeto destrutivo. O Brasil, lembremos, é o país mais conservacionista do planeta: preservou 61% de sua cobertura natural nativa, além de mais de 80% da Amazônia. A oposição de Marina à agricultura e à pecuária, se viesse a ser governo, se traduziria por um imenso prejuízo para o País, hoje celeiro do mundo. A candidata, quando ministra do Meio Ambiente, mostrou-se claramente avessa ao progresso, procurando, por exemplo, de todas as formas tornar inviável não só a comercialização dos transgênicos, mas a própria pesquisa. Ou seja, ela se colocou contra o conhecimento científico. O "novo" significa aqui opor-se ao progresso da ciência e ao desenvolvimento econômico. O alegado "princípio da precaução" era nada mais do que o "princípio da obstrução".
Digna de nota também é sua concepção dos indígenas, como se seus direitos se sobrepusessem a quaisquer outros. Ela tem uma aversão intrínseca ao direito de propriedade, não se importando nem com os agricultores familiares e os pequenos produtores. Justifica pura e simplesmente sua expropriação, devendo eles ser abandonados. Ademais, seguindo suas ideias, os indígenas deveriam ser consultados - na verdade, decidiriam - sobre quaisquer projetos em áreas próximas às deles ou sobre as quais tenham pretensões de direito.
Convém lembrar que o País tem, segundo o IBGE, uma população indígena, em zona rural, em torno de 530 mil pessoas (um bairro de São Paulo), à qual se acrescentam outras 300 mil em zona urbana. Já ocupam 12,5% do território nacional. Ora, se todas as pretensões de ONGs indigenistas fossem contempladas, com o apoio militante da Funai, chegar-se-ia facilmente a 25% do território. Nem haveria índios para ocupar toda essa vasta extensão de terra.
Acrescentem-se regras cada vez mais restritivas em relação ao meio ambiente - algumas das quais, até o novo Código Florestal, que ela procura reverter, tinham o efeito totalitário da retroatividade - e outras aplicações em curso de quilombolas e populações ribeirinhas, os "povos da floresta", no marinês, para que tenhamos as seguintes consequências: 1) O País não poderia mais construir hidrelétricas na Amazônia, impedindo a utilização nacional dos recursos hídricos. A oposição à hidrelétrica de Belo Monte é um exemplo disso. 2) Ficaria cada vez mais difícil a extração de minérios, impossibilitando a exploração de jazidas, o que produziria um enorme retrocesso econômico e social. 3) A construção de portos e rodovias se tornaria inviável em boa parte do território nacional, quando se tem imensas carências nessas áreas. 4) A construção civil seria outra de suas vítimas. 5) A agricultura e a pecuária e de modo geral o agronegócio, os motores do desenvolvimento econômico, seriam os novos bodes expiatórios.
Democratizar a democracia - eis outra expressão muito bonita que encobre sua função essencial. Trata-se, na verdade, de instituir formas de consulta que confeririam poder decisório aos ditos movimentos sociais, que compartilham as "ideias" marinistas. Assim, para qualquer projeto seria necessário fazer consultas às seguintes entidades (a lista não é exaustiva): Comissão Indigenista Missionária e Comissão Pastoral da Terra, órgãos esquerdizantes da Igreja Católica, que seguem a orientação da Teologia da Libertação, avessa ao lucro, à economia de mercado e ao estado de direito; MST e afins, como a Via Campesina e outros, que seguem a mesma orientação esquerdizante, propugnando a implementação no Brasil dos modelos chavista e cubano; ONGs nacionais e internacionais (algumas delas financiadas por Estados e empresas estrangeiros), como o Greenpeace e o Instituto Socioambiental, que passariam a decidir igualmente sobre os diferentes setores listados da economia nacional.
Palavras muitas vezes encobrem significados inusitados, sobretudo dos que se dizem puros, não contaminados pela política.
*Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. E-mail:denisrosenfield@terra.com.br 

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Diplomacia e ideologia - Denis Lerrer Rosenfield

Diplomacia e ideologia

09 de setembro de 2013 | 2h 12
Denis Lerrer Rosenfield * - O Estado de S.Paulo
A diplomacia é uma arte de defesa dos interesses nacionais, no que tradicionalmente se considera a soberania de cada país. Como toda arte, tem de demonstrar habilidades, no caso, nas negociações. E, certamente, noção precisa de limites que não podem ser ultrapassados, sob pena de tornar inviável uma negociação diplomática e, no mundo atual, uma negociação comercial.
Historicamente, a diplomacia sempre esteve associada a guerras, sendo um instrumento quer para evitá-las, quer para conduzir negociações que levassem ao seu fim. Nesse sentido é que foi criado o instituto da inviolabilidade de embaixadas, mesmo em situações extremas de conflito, para que canais de negociação permanecessem abertos. Hoje em dia, além de suas funções clássicas, temos a entrada em pauta de organismos internacionais na regulação de questões comerciais e financeiras, que se tornaram poderoso instrumento de exercício do poder das nações.
Negociações comerciais entraram também com mais força na pauta diplomática, fazendo diplomatas se tornarem "mercadores" dos interesses econômicos de seus países, algo muito claro na política americana e de vários países europeus e asiáticos, como China e Japão. Apesar de a diplomacia brasileira ainda resistir parcialmente a essa tendência, deverá a ela resignar-se, pois, como dizia Hegel, estamos diante do "espírito do tempo". Assim, não há lugar para devaneios ideológicos como alinhamentos em concepções que retomam pautas esquerdistas, antieconomia de mercado, há muito ultrapassadas.
O Brasil nos governos petistas, contudo, segue um alinhamento ideológico que contraria mesmo políticas pragmáticas, de corte social-democrático, adotadas por esses governos em várias questões internas e em reorientações de órgãos governamentais. É como se na política externa o País resistisse a um aggiornamento necessário. Doutrinariamente, a política externa brasileira permanece presa a dogmas do PT, abandonados em outras áreas. A troca de chanceleres poderia propiciar uma mudança de atitude. Não é isso, porém, que parece estar sendo sinalizado.
O episódio de espionagem da presidente Dilma Rousseff pelo governo dos EUA é um exemplo em que o antiamericanismo está sendo potencializado, usado como uma espécie de bode expiatório de fracassos da política externa brasileira, como os ocorridos recentemente na Argentina e na Bolívia. Não se trata, evidentemente, de justificar o injustificável: o fato de os EUA interferirem na soberania nacional, espionando o governo brasileiro, e até além dele, buscando obter informações comerciais que beneficiariam seus interesses. Nesse aspecto, a reação brasileira de considerar tal invasão inadmissível e inaceitável é plenamente condizente com uma resposta altiva e necessária.
Entretanto, o tom acima do apropriado pode levar a uma situação insustentável. O Brasil, é evidente, não poderia dar-se ao luxo de cancelar uma viagem de Estado da presidente aos EUA, em vista da maior relevância das relações entre os dois países. Muito menos poderia chamar seu embaixador para consultas, numa exacerbação da resposta. Inimaginável cortar as relações. Logo, o jogo de cena está atingindo o limite, obrigando as duas partes a um faz de conta que permita a retomada das relações normais. O país do norte é a maior potência do planeta - na verdade, a única -, tem uma insuperável força militar, inigualável desenvolvimento científico e tecnológico e a economia mais pujante do mundo. Não é com o Mercosul que o Brasil equilibraria suas relações comerciais!
Melhor faria o País em olhar para o lado. O Mercosul é um projeto hoje inviável, constituído por países que têm horror à economia de livre-mercado, se aferram a ideias socialistas, pregam maior intervenção estatal na economia e se comprazem com diatribes "anti-imperialistas". A Argentina está praticamente falida, sem acesso a financiamentos internacionais, gastando suas reservas internacionais, submetida a processos em Cortes norte-americanas pelo calote dado a credores e em pouco tempo terá problemas para honrar compromissos de suas importações. Ou seja, o mercado argentino importará cada vez menos do Brasil e não se vislumbra nenhuma saída. É a crônica de uma falência anunciada. Apesar disso, o Brasil continua se alinhando à Argentina em foros internacionais, tomando posição conjunta contra o livre-comércio, como acabamos de ver na reunião do G-20, em São Petersburgo.
Já no caso da Bolívia, a omissão brasileira, que se tornou completa indiferença, foi a tônica no episódio do salvo-conduto para o senador Roger Pinto Molina, abandonado à própria sorte num cubículo da embaixada. De acordo com tratados internacionais assinados pelos dois países, o salvo-conduto deveria ter sido expedido imediatamente. O governo Evo Morales participou de um faz de conta com o Itamaraty, levando um diplomata digno a insurgir-se contra tal desprezo à lei internacional e à mínima consideração pelos direitos humanos. O fiasco do Itamaraty foi total, levando a uma crise que culminou na demissão do ministro das Relações Exteriores.
A comunhão ideológica em torno do projeto bolivariano/socialista preponderou, como já se havia expressado na lamentável participação brasileira na suspensão do Paraguai do Mercosul, dando ensejo ao ingresso da Venezuela. Goste-se ou não da Constituição paraguaia, todos os trâmites foram seguidos na destituição do ex-presidente Lugo, o que não foi o caso dos trâmites venezuelanos que levaram Maduro a ascender ao poder, na agonia e morte de Chávez. Com tudo isso o País compactuou em nome de uma ideologia comum.
Já passa da hora de o Brasil revisar as suas prioridades e adotar a defesa pragmática de seus interesses nacionais e comerciais, dando adeus a ideologias de antanho.
*Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. E-mail:denisrosenfield@terra.com.b
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segunda-feira, 29 de julho de 2013

O Brasil no limiar de novas turbulencias e instabilidade - Denis Lerrer Rosenfield

Política e economia

29 de julho de 2013 | 2h 10
DENIS LERRER ROSENFIELD *
Toda "política econômica", por definição, é "política" por envolver marcos institucionais, em que tanto se podem fazer presentes formas de intervencionismo estatal quanto modos mais livres de funcionamento do mercado, assim como o respeito ou desrespeito ao direito de propriedade. É graças à maneira como os cidadãos tecem suas relações institucionais e constitucionais que os processos propriamente econômicos encontram seu lugar de funcionamento.

Se tal formulação já é verdadeira no marco mais geral, ganha particular significação quando vista na perspectiva de períodos pré-eleitorais e, mais precisamente, de crise, como a enfrentada pela sociedade brasileira pós-jornadas de junho/julho. Note-se que estas puseram a nu um sério problema de representação política, com os políticos e governantes em geral mostrando-se separados, diria até desapegados, dos cidadãos.

O governo federal (bem como os estaduais e municipais), diante desse quadro, mostrou-se desorientado, dissociando-se dos clamores populares. O País entrou numa disputa partidária sobre a reforma política, que nem nas ruas apareceu. O descolamento aumentou.

Mais particularmente, o País vive num processo de baixo crescimento econômico, com a inflação longe do centro da meta e o governo se contentando em dizer que ela não passará do teto dessa mesma meta, o que é uma evidente distorção. O emprego já começa a dar mostras de desaceleração, mantendo-se estável, com leve tendência de queda. O alarme já soou, num contexto que se apresenta como de difícil reeleição, num jogo que, a persistir a atual situação, se encontra zerado.

Decisões econômicas são urgentes. Seu componente político é inegável. O cálculo eleitoral comparece imediatamente. Acontece que decisões que visem ao bem comum deveriam ser tomadas em perspectivas de médio e longo prazos. Ora, são justamente estas que desaparecem do horizonte. O passado recente do País, envolvendo tanto o PMDB (Plano Cruzado e outros do governo Sarney) como o PSDB (crise cambial no governo FHC), mostra o quanto, por motivos eleitorais, decisões econômicas maiores são postergadas, mergulhando o País, no presente de tais decisões, na crise e no imediatismo.

Como se já não bastassem a inércia econômica e as soluções "criativas", como a da contabilidade fiscal, o governo atual enfrenta-se com anseios cidadãos não atendidos, que podem irromper novamente a qualquer momento, e muito provavelmente nos meses anteriores às eleições de 2014, quando dos preparativos e durante a Copa do Mundo. O que esperar?

O governo optou por uma política econômica dirigista no nível estatal, não hesitando em interferir nos mecanismos de mercado, dos quais guarda visceral desconfiança. Responde aos problemas do mercado com mais intervencionismo, agravando os que tenta resolver. Quanto mais procura regular, mais desregulamentação produz. Os impasses e dilemas não cessam de se reproduzir. Vejamos alguns, salientando o seu caráter propriamente político.

Inflação - Não é de interesse político do governo que a inflação fuja do controle, embora não tome medidas que adequadamente possam trazê-la para o centro da meta, salvo intervencionismos pontuais, como a redução do preço da energia elétrica e a desoneração tributária de alguns setores, entre outros. A equação é política, porque a inflação crescente recai predominantemente sobre as classes mais desfavorecidas, que sentem no bolso o aumento do custo de vida. Ora, estas são beneficiárias do Bolsa Família e constituem a nova classe ascendente. A inflação surge, então, como um problema político-eleitoral. E o que faz o governo? Em vez de diminuir o peso da máquina estatal, reduzindo o seu custeio, responde com mais intervencionismo - e alimentando o processo inflacionário que busca equacionar.

Consumo da classe média - Muito tem sido criticado o fato de o governo privilegiar o crescimento da economia apostando no consumo, em vez do investimento. O modelo baseado no consumo está dando mostras de esgotamento, visível nos pífios índices de crescimento do produto interno bruto (PIB). As autoridades econômicas, diante desse fato, só estão dando respostas pirotécnicas, falando idilicamente de um crescimento futuro que se desmente a cada dia. Perdem legitimidade e nada transmitem de confiança, elementos essenciais para uma economia de livre-mercado.

Do ponto de vista social, não parece haver, no curto prazo, horizonte para que isso se altere, salvo se a presidente optar por uma posição de estadista, alterando o rumo da política econômica, visando o longo prazo. Acontece que sua base eleitoral está ancorada numa política expansionista de consumo, que se traduz em maior compra de automóveis, fogões, geladeiras, etc. Não é casual que depois do Minha Casa, Minha Vida o governo adote uma política de equipamento eletrodoméstico financiado dessas moradias. Os empréstimos bancários multiplicam-se e as dívidas de quem os contrai só crescem. No longo prazo é altamente problemático, no curto rende dividendos eleitorais. 

Responsabilidade fiscal - Nesse contexto, falar de responsabilidade fiscal torna-se, quando muito, um exercício de retórica, visando a transmitir uma confiança inexistente. Aliás, os cortes anunciados nos gastos federais, da ordem de R$ 10 bilhões, só frustram ainda mais as expectativas. Há uma razão política de fundo para isso, pois o governo nem bem consegue implementar suas próprias políticas, por problemas evidentes de gestão. Boas iniciativas, como privatização de aeroportos e rodovias e a nova Lei dos Portos, tendem a ficar presas no emaranhado da incompetência e da burocracia. Faz parte dela também uma desconfiança em relação ao lucro.

Nesse meio tempo, as ruas estão cada vez mais dissociadas do que está sendo discutido no mundo político. A relativa calmaria atual pode ser o prenúncio de novas tempestades futuras.
* DENIS LERRER ROSENFIELD É PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR.

segunda-feira, 25 de março de 2013

O fascismo em construcao no Brasil: o Estado administra a sua vida...

Este é mais um aspecto do fascismo em construção no Brasil, que vem sendo aceito passivamente pela sociedade. Além de termos um Estado babá, que pretende nos resguardar de certos perigos, para o nosso prórpio bem, temos o Estado feitor, que pretende ditar condutas e nos obrigar a certas coisas, contra nossa própria vontade.
Mentalidades fascistas acham que podem controlar o que fazemos. E conseguem, em certa medida. Depois vão querer controlar o que pensamos...
Paulo Roberto de Almeida

Ciência e liberdades

o Estado de S.Paulo, 25 de março de 2013
Denis Lerrer Rosenfield *
 
Aparentemente, o título deste artigo não faria nenhum sentido, considerando a época em que vivemos, na qual a pesquisa científica goza de uma ampla liberdade, garantida por universidades e institutos de pesquisa. Vai longe o tempo em que Giordano Bruno e Galileu foram condenados à morte, no caso do primeiro, com requintes da fogueira pública.

No entanto, a liberdade de que goza a pesquisa científica vem tendo um contraponto na utilização pelo Estado dos produtos dessa mesma pesquisa. Isso é particularmente visível no uso da ciência por políticas públicas de saúde, como se a certeza do conhecimento devesse traduzir-se por um controle "científico" do comportamento humano. Resultados de pesquisas ou, muitas vezes, meras hipóteses não verificadas são utilizados como instrumentos de ações governamentais, como se assim estivessem justificados.

Tais ações públicas estão particularmente presentes nas políticas conduzidas contra alimentos gordurosos, bebidas açucaradas, bebidas alcoólicas ou cultivo e consumo de tabaco. Governos arrogam-se direitos de intervenção na vida dos cidadãos, supostamente amparados no conhecimento científico. A justificação da restrição das liberdades não seria, então, arbitrária, mas científica. A dominação mudou de nome.

É próprio do progresso científico que seus resultados sejam tornados públicos, vindo a balizar, no caso, a vida das pessoas se elas optarem por seguir esse conhecimento adquirido. Se elas optarem, não se trata, ou não deveria tratar-se, de uma obrigação imposta pelo Estado.

A diferença é de monta. Uma coisa é as pessoas, de posse de certos conhecimentos, optarem por não consumir determinado produto por considerá-lo prejudicial à sua saúde. Nesse sentido, seria função do Estado informar os cidadãos sobre malefícios reais ou prováveis à saúde das pessoas do consumo de tais produtos. Outra, muito diferente, é o Estado impor determinadas condutas restritivas da liberdade de escolha, em nome de um conhecimento científico apropriado pelo governo com vista a seus fins específicos. Os cidadãos seriam despojados de sua liberdade de escolha.

Consequentemente, estaríamos diante de algo extremamente perigoso, a saber, a administração da vida. Pior ainda, a administração "científica" da vida. Cidadãos tutelados são cidadãos administrados, incapazes de discernir por si mesmos o que é "bom" para eles.

A pior administração é a que se diz "verdadeira", "científica", como se coubesse ao Estado optar no lugar dos cidadãos. Cidadãos administrados cientificamente tendem a se tornar servos do Estado. A eles é reservado um lugar específico, o de serem destituídos do conhecimento "verdadeiro", esse que lhes é imposto à sua revelia.

A comunidade científica, à medida que avança no terreno do político, começa a abandonar o seu terreno próprio, vindo a se tornar uma parte do problema, em vez de poder ser um elemento de sua solução. No momento em que entra na seara da política, ela corre o risco de colocar o seu próprio trabalho sub judice.

Melhor fariam os cientistas em avançar em suas pesquisas, mostrando, por exemplo, os elementos e produtos eventualmente prejudiciais à saúde dos indivíduos. Não lhes compete uma conduta de "cruzados" pelo controle "científico" dos cidadãos. Cidadãos devem ser informados, não tutelados. A sua liberdade de escolha deve ser, antes de tudo, preservada, tratando-se de um direito fundamental do ser humano.

A ideia de que caberia ao Estado simplesmente administrar a vida dos cidadãos segundo critérios "verdadeiros" não é nova, tendo produzido historicamente resultados catastróficos. Está amparada numa concepção de que o Estado, graças à sua "sapiência", sabe o que é melhor para os cidadãos, que não têm o alcance desse discernimento.

Em sua forma extrema, ela foi concebida e levada a efeito na extinta União Soviética, que sucumbiu, aliás, ao seu excesso de "verdade" e de "conhecimento". Bukharin, dileto discípulo de Lenin e destacado teórico bolchevique, chegou a escrever que num Estado de uma sociedade sem classes - logo, o Estado "bom" e "verdadeiro" - a sua função essencial seria somente "administrar" a sociedade e os cidadãos.

Tal administração seria, então, conduzida por burocratas "sapientes", "científicos", convenientemente doutrinados, que saberiam impor aos cidadãos o que seria melhor para eles. E não apenas a contragosto, mas pelo uso da força e da imposição, se necessário.

O direito de ser obeso é um direito fundamental, se assim a pessoa optar. Não se trata de impor aos que estão acima do peso considerado normal determinada conduta, que termina, ademais, atingindo todos os cidadãos. Em nome da suposta saúde dos obesos, todos os cidadãos, magros ou não, seriam obrigados a não mais consumir certos produtos.

O direito de beber, mesmo até a embriaguez, se ela não perturbar o próximo, é também um direito fundamental, o exercício que qualquer cidadão faz do seu gosto, sem nenhuma restrição. Cabe, evidentemente, ao Estado informar os cidadãos sobre os malefícios do seu consumo excessivo.

O direito de fumar - assim como a produção de tabaco é um direito proveniente da livre-iniciativa econômica, garantida, aliás, pela Constituição federal - é igualmente um direito fundamental. Proveniente que é da liberdade de escolha, pode ou não ser exercido pelos cidadãos que encontram prazer em fazê-lo. Evidentemente, fumantes não devem importunar o próximo, pois violariam a liberdade deste.

A fogueira, simbolicamente falando, está voltando em algo que se está tornando uma espécie de guerra contra alimentos gordurosos, bebidas alcoólicas, refrigerantes e tabaco. São os novos bodes expiatórios dos que temem a liberdade de escolha. Não nos enganemos: por meio desses produtos e suas proibições, são as liberdades individuais e de escolha que são visadas.

* Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. E-mail: denisrosenfield@terra.com.br.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

A blogueira e os mercenarios, 12 (chega...): o silencio ensurdecedor dos companheiros.. .

Os companheiros -- todos eles: governo, partidos, milícias mercenárias -- meteram os pés pelas mãos, ou por todas as patas, nesse episódio da blogueira que não pode falar, depois de sua visita ter sido objeto de cuidadoso planejamento entre os representantes diplomáticos de uma das duas últimas ditaduras stalinistas do planeta e os representantes dos trapalhões ditos civis, mas que são governamentais, como todo mundo sabe...
Enfim, chega de bater em cachorro morto (no caso os mercenários, cuja presença não será mais requisitada das próximas vezes...).
Paulo Roberto de Almeida

Apropriação indébita

25 de fevereiro de 2013 | 2h 09
Opiniao, O Estado de S.Paulo
Denis Lerrer Rosenfield *
 
A esquerda, sobretudo a de orientação marxista, em suas várias vertentes, ficou completamente desorientada após a queda do Muro de Berlim e a derrocada da União Soviética. Suas bandeiras e seus princípios foram lançados por terra, mostrando uma discrepância aterradora entre a realidade totalitária e os princípios supostamente humanistas.

Um caso interessante dessa desorientação foi a apropriação operada pela esquerda da doutrina dos direitos humanos, como se fosse coisa sua. Isso é particularmente visível no Brasil. Ora, a doutrina dos direitos humanos, no século 20, foi um instrumento dos dissidentes soviéticos e dos países do Leste Europeu para reclamar do controle totalitário e autoritário seguido por seus respectivos governos.

Clamavam eles por liberdade de expressão, de imprensa, de publicação. Lutavam pelo direito de ir e vir, que lhes era proibido. Andrei Sakharov, na extinta URSS, e Vaclav Havel, depois presidente da República Checa, foram símbolos importantes dessa época. Ou seja, os direitos humanos foram elaborados e usados contra os governos de esquerda, de modo a que viessem a aceitar uma liberdade necessária, de valor universal.

Nessa perspectiva, Yoani Sánchez, dissidente cubana e colunista do Estadão, nada mais faz do que se colocar como herdeira dessa tradição dos direitos humanos. Cuba, governo de esquerda tão prezado por alguns setores do nosso país, é um esbirro caribenho dos governos comunistas. Por via de consequência, os defensores da ditadura dos irmãos Castro são liberticidas que desprezam profundamente os direitos humanos.

A vergonha, usando um termo brando, das manifestações esquerdistas, com seus apoios partidários, contra a dissidente cubana mostra o quanto certos setores da esquerda em nosso país continuam presos aos dogmas totalitários do século passado. Uma visitante impedida fisicamente de falar é um exemplo de como essa doutrina, que deveria ter um valor universal, é pervertida ideologicamente.

O governo brasileiro tem uma Secretaria de Direitos Humanos. O curioso é a seleção que opera dos valores ditos universais. Se um policial morre no cumprimento do dever, o mutismo é a regra, como se não fosse algo universal. Se um invasor do MST é preso, lá vão os companheiros conclamando o respeito aos direitos humanos. Eloquente também é a omissão do governo na questão dos direitos humanos em Cuba. A contradição é flagrante.

No caso de Yoani Sánchez, o silêncio da Secretaria de Direitos Humanos é de furar os tímpanos. Será que não há nada a ser dito? Nem indignação a ser externada acerca de grupos que usam da violência para impedir a liberdade de expressão do pensamento de uma digna representante dos direitos humanos?

O outro lado da apropriação manifesta-se no uso que se tornou corrente do politicamente correto, como se fosse a outra face dos direitos humanos. O mais interessante aqui consiste nas restrições que operam na liberdade de escolha, como se fosse um valor que deveria ser relativizado em função de "bens" supostamente maiores.

Há setores da esquerda brasileira, do PT aos tucanos, passando pelo novo partido de Marina Silva, que importam o purismo religioso comportamental dos EUA enquanto símbolo da nova esquerda. Os liberals americanos, cuja tradução correta deveria ser trabalhistas ou social-democratas, para distingui-los dos verdadeiros liberals, os liberais no sentido inglês do termo, estariam fornecendo os novos parâmetros da esquerda. Não deixa de ser interessante constatar que os discursos antiamericanos vêm acompanhados da importação da ideologia esquerdizante norte-americana.

O politicamente correto brasileiro está importando as cotas raciais americanas, apelando para posições morais, como se a solução da miséria no Brasil passasse pela introdução de uma nova forma de racialismo, discriminando, em sentido inverso, as pessoas pela cor. Pior ainda, pela autodeclaração da cor, o que aumenta ainda mais o componente ideológico dessa diferenciação/discriminação. O valor universal da igualdade entre as pessoas perde-se no ralo.

Outra importação é a das restrições à liberdade de fumar e mesmo, por extensão, as tentativas de interferência na própria produção de tabaco, produto, aliás, importante da pauta de exportação brasileira. Não se trata, evidentemente, de defender o direito de alguém dar uma baforada na cara de outro, mas tão simplesmente de guardar o respeito à liberdade de escolha de cada um em lugares adequados e separados. Marina Silva chegou a considerar a indústria do tabaco como "algo sujo", quando se trata de um setor que se caracteriza pelo desenvolvimento sustentável em sua área agrícola, cultivada por agricultores familiares.

Exemplo ainda é a campanha crescente, e que só tende a aumentar, contra o consumo de álcool, alcançando proibições draconianas na direção de veículos. Beber está se tornando um ato que vem a ser identificado com dano irremediável à saúde, podendo se traduzir até pela morte do próximo. Estamos voltando ideologicamente à doutrina da lei seca americana, revigorada de outra maneira pelo purismo comportamental religioso.

Mais uma questão que se encaixa nessa "cruzada" do politicamente correto é o controle quase total da liberdade de escolha dos cidadãos, no exercício legítimo - e universal - do direito à autodefesa. As campanhas em curso pelo desarmamento, deixando as pessoas de bem completamente à mercê de criminosos, num Estado incapaz de assegurar a segurança física de seus cidadãos, mostram o quanto a liberdade se está tornando um valor relativo em função de supostos bens maiores.

Os direitos humanos, tais como foram elaborados e defendidos no século 20, inclusive pelos críticos dos governos de esquerda, apresentam posições de defesa irrestrita da liberdade de escolha em todos os seus níveis, contra as ideologias coletivistas e totalitárias.

* Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. E-mail: denisrosenfield@terra.com.br.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

O modo corrupto de producao no Brasil - Denis Lerrer Rosenfield


Os companheiros adoram o marxismo, de modo religioso, quase fundamentalista. Companheiros gramscianos (mesmo os que não têm a menor ideia do que seja isso, que nunca leram Gramsci ou qualquer outro teórico marxista) são os que transmitem os fabulosos conhecimentos aos alunos do fabuloso sistema educacional brasileiro. As aulas -- eu sei, porque já fui assim, mas nunca fui "religioso" -- costumam ser recheadas de conceitos como processo histórico, modo de produção, exploração, dominação e outras coisas do gênero.
De acordo com suas concepções, eles montaram um modo inventivo de produção de poder político, para manter o monopólio de seu partido neobolchevique sobre as instituições. Os companheiros montaram a mais fabulosa máquina de corrupção, de extorsão e de intimidação de que se tem notícia no Brasil desde tempos imemoriais, ou seja, nunca antes no Brasil se assistiu a tal máquina de poder colocada inteiramente a serviço da vocação totalitária daqueles que pretendem manter controle estrito sobre esse mesmo poder. 
Os companheiros sempre poderão alegar que a corrupção, sobretudo a corrupção política, sempre existiu no Brasil. Isso é verdade. Ela sempre existiu.
Mas existe aqui uma diferença fundamental. Nos velhos tempos da corrupção política normal, políticos, e seus agentes, roubavam artesanalmente, se ouso empregar a mesma terminologia. Estávamos então num "modo de produção pré-capitalista", em termos de corrupção política.
O que os companheiros fizeram, desde que chegaram ao poder, foi passar a um modo superior de produção da corrupção política, agora em escala industrial, sistêmica, disseminada, organizada, quase socialista, se ouso dizer.
Os companheiros transformaram a corrupção política numa etapa superior do desenvolvimento das forças produtivas corruptas que eles controlam, como nenhum outro partido conseguiu fazer anteriormente no Brasil.
Sem dúvida que se trata de um sistema eficiente, provado, experimentado, resiliente. Eles conseguiram comprar quase todos: antigos e novos corruptos, velhacos do sistema político brasileiro, coronéis, oligarcas e caudilhos regionais, grandes burgueses, acadêmicos gramscianos, aliados na "mídia", movimentos sociais (vendidos, como muitas ONGGs), enfim quase todos.
Só não conseguiram comprar as consciências daqueles que resistem, ainda e sempre, aos seus desmandos políticos, a suas patifarias desavergonhadas, a seu sistema totalitário, senão de fato, pelo menos em intenção. 
Enquanto houver resistência, eles não vão triunfar, ainda que isto custe uma longa travessia do deserto, sofrimentos e isolamento para os que resistem.
A verdade sempre triunfa ao final, mesmo que isso demore um tempo penosamente longo, e que isso custe muito trabalho aos que resistem.
Este blog pode ser classificado como um quilombo de resistência intelectual. Eu sempre denunciarei os crimes dos companheiros, seus atentados à liberdade e suas tentativas de controle dos meios de comunicação, suas ameaças canhestras (aqui mesmo) e essa vocação totalitária de comprar e moldar consciências.
Pode funcionar durante algum tempo, mas um dia acaba...
Paulo Roberto de Almeida 
A piada, os marcianos e as instituições
Denis Lerrer Rosenfield
O Estado de S.Paulo, 27/08/2012

Certamente Delúbio Soares passará para a História republicana como um cínico e um frasista, pois algumas de suas tiradas tiveram grande repercussão. Assim, ao falar do mensalão, inventou a expressão "recursos não contabilizados", não sem expor um sorriso irônico em suas declarações. Nunca teve o menor pudor em utilizar a linguagem para encobrir todos os seus malfeitos, contando com a impunidade, no futuro. Entre os seus, foi até agraciado com o retorno ao partido, braço-mãe que o acolheu depois de uma encenação de expulsão, apenas retórica, com vista a apaziguar a opinião pública, aterrada, por assim dizer, com o abandono petista da ética na política.
Entre outras considerações de Delúbio, uma encontrou eco bastante grande à época, a de que o "mensalão" em alguns anos viraria "piada de salão". Alguns anos já se passaram e o Supremo Tribunal defronta-se agora com os fatos geradores da "piada" e suas consequências. Seguro de suas posições e de seus apoios, o ex-tesoureiro do PT pretendeu colocar-se como "profeta", anunciando o futuro. Evidentemente, o personagem não tem a estatura dos profetas bíblicos, mas cada sociedade tem os anunciadores do futuro que merece. Mas será que sua profecia se vai realizar?
A "piada" estava alicerçada na alegação - depois difundida por várias lideranças petistas - de que o mensalão não existiu, como se nossa Suprema Corte estivesse agora às voltas com o julgamento de algo inexistente. Como se poderia julgar o inexistente? Seria tal pergunta risível se não estivesse assentada em toda uma campanha de convencimento da opinião pública visando a tornar um fato de desvio de recursos públicos e aparelhamento partidário do Estado, em particular de uma de suas instituições, o Banco do Brasil, num não fato. Ou seja, o irreal seria o fundamento de uma certa concepção partidária, baseada no enfraquecimento sistemático das instituições republicanas e da moralidade pública.
Os advogados de defesa, salvo exceções, adotaram a atitude de marcianos chegando a um planeta desconhecido. Não sabiam de nada do que tinha ocorrido, desconheciam os fatos. Suas defesas apresentaram um conjunto de anjos que não tinham a menor ideia de nada, como se o julgamento do Supremo fosse somente o resultado de um grande equívoco que esses doutos, regiamente pagos, teriam a missão de esclarecer. Abraçaram a concepção da piada, refinada, se é que se pode utilizar esse termo, na formulação de que o mensalão não existiu.
Os réus estariam ali por mera casualidade, fruto provavelmente de uma conjunção astral desfavorável, nada que o tempo e "bons" argumentos não pudessem resolver. E "bons" argumentos seriam precisamente os que demonstrariam a inexistência de crimes, capazes de convencer os ministros de que o mensalão foi uma invenção midiática ou uma tentativa de "golpe de Estado". Ou a maior parte dos advogados vive em Marte ou compartilha o cinismo de Delúbio e seguidores. A piada e a afirmação da inexistência do mensalão pertencem ao planeta deles - esperamos que não ao nosso.
A denúncia do procurador-geral da República, seguida e enriquecida pelo relator, Joaquim Barbosa, e também pelo revisor, Ricardo Lewandowski, permite recolocar a "piada" e as declarações da simples existência de "caixa 2" em seus devidos lugares. Tudo indica, nestes primeiros dias de julgamento, que a "profecia" delubiana não se vai realizar, mostrando um tribunal à altura da defesa das instituições, pois, enfim, é disso mesmo que se trata. Com efeito, as instituições não podem tornar-se uma piada, sob o risco de os risos serem anunciadores de um porvir sombrio.
O relatório do ministro Joaquim Barbosa, extremamente sério, bem argumentado e rico em informações, foi, em linguagem não jurídica, a exposição do mapa do crime, como se falava antigamente em mapa do tesouro, escondido por piratas que assaltavam e agiam à revelia da lei. Seguiu a trilha desses "piratas modernos", que diferem dos antigos por se apresentarem bem vestidos e usarem, alguns, óculos em vez dos tapa-olhos de outrora. Aqueles tinham charme, enquanto os atuais são apenas banais. A vantagem dos antigos, por assim dizer, consistia em mostrar o que eram, que não tinham nada a ocultar, à diferença dos "modernos", que pretendem passar por homens da sociedade, aceitos por suas práticas "criminosas", aliás, "inexistentes".
Os fatos apresentados e demonstrados expõem todo o caminho de desvio de recursos públicos, com dezenas de milhares de faturas falsas, com responsáveis públicos desviando em proveito próprio e de suas agremiações partidárias fundos que pertencem, em última instância, aos contribuintes. Já aparece com nitidez, nesta fase primeira do julgamento, o aparelhamento partidário do Estado no governo Lula, como se as instituições fossem instrumentos carentes de validade e de legitimidade próprias. O risco de tal conduta está em considerar as instituições como meros meios a serviço de finalidades partidárias, que se erigem como primeiras.
O trabalho da Polícia Federal, do Ministério Público e dos ministros do Supremo que até agora se manifestaram permite ver em funcionamento instituições que existem independentemente de governos e partidos. A trilha do tesouro roubado está sendo desvendada, com as primeiras condenações de alguns envolvidos. O mapa foi apresentado. Resta, agora, seguir as pegadas dos que cometeram os atos criminosos.
Nesta altura do julgamento, não será mais possível voltar para a negação dos fatos, para a inexistência do crime. O problema a ser ainda julgado reside nos pés das pegadas, nos agentes que trilharam o caminho do crime. Isto é, cabe agora determinar as responsabilidades individuais, que, elas também, devem ser provadas, sob risco de atentarmos, por outro lado, contra os direitos individuais.
O mapa já foi apresentado, faltam ainda os responsáveis.
* PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS
E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR