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segunda-feira, 14 de março de 2022

As loucuras e paranoias amazônicas dos militares brasileiros - Marcelo Godoy (OESP)

 Transcrevo a partir de postagens de Carmen Licia Palazzo:

"Sempre comentei que essa visão dos militares era absurda. O Villas Bôas a essas alturas poderia se privar de passar vexame. É o que eu acho, SIM, e não é de agora."

Carmen Lícia Palazzo


"Villas Bôas usa canção antifascista para provocar Macron às vésperas de eleição

General faz publicação sobre a Amazônia em meio à campanha eleitoral francesa; bolsonaristas se identificam com a extremista de direita Marine Le Pen

Marcelo Godoy

O Estado de S.Paulo, 14 de março de 2022 | 10h43

Ex-comandante do Exército, o general Eduardo Villas Bôas tuitou no dia 11 de março a seguinte frase: "O que espera Macron na Amazônia". Em seguida, postou um vídeo em que militares brasileiros – guerreiros de selva – cantam uma versão verde-oliva da música Bella Ciao, o famoso canto partigiano nascido durante a 2.ª Guerra, nos Apeninos Modenenses, região onde lutou a Força Expedicionária Brasileira. 

A canção da resistência italiana conta a história de um jovem que acorda pela manhã, encontra o invasor nazista e decide seguir os guerrilheiros. Ele diz à sua amada, que, se morrer, deve ser enterrado num alto de montanha ao lado de uma flor para que digam os que passarem por ali: "essa é flor do partigiano, morto pela liberdade". A versão verde-oliva fala dos guerreiros de selva que devem pegar suas armas para "se for preciso, matar ou morrer pela Nação e liberdade". 

O paralelo entre os partigiani e a estratégia de defesa para a Amazônia é evidente. Os militares brasileiros – sobretudo os do Exército – dedicaram-se a desenvolver uma teoria de defesa para a região em grande parte baseada na percepção de que as principais ameaças ao Brasil estão no hemisfério Norte. Os pesquisadores Celso Castro e Adriana Marques acrescentam um ponto nessa equação ao associarem "a crescente importância simbólica da batalha de Guararapes para o Exército à percepção institucional de que a Amazônia é alvo da cobiça internacional e deve ser defendida".

Assim, se a campanha de Guararapes, com suas emboscadas, "remete implicitamente à doutrina de resistência que foi desenvolvida pelo Exército na década de 1990", a música dos partigiani tem o mesmo papel simbólico, ainda que a memória oficial da FEB, como escreveu Teresa Isenburg, em sua obra O Brasil na Segunda Guerra Mundial, tenha quase apagado da história o papel dos guerrilheiros italianos que lutaram ao seu lado. Para quem já esqueceu, 69 mil deles – liberais, socialistas, democratas-cristãos e comunistas – morreram na luta contra os nazi-fascistas; outros 62 mil desapareceram no conflito. 

Foi a Divisão Modena/Armando, chefiada por Mario Ricci, que libertou a cidade de Porretta Terme, localidade que serviu depois de quartel-general para a FEB. Ricci, o Comandante Armando, era um comunista veterano da guerra civil espanhola. Sua unidade foi enquadrada no 5.º Exército Americano e acabou reconhecida como força beligerante. Bella Ciao é desde então canção presente em toda comemoração do 25 de abril, o Dia da Libertação da Itália.

O general Villas Bôas comandou na Amazônia. É dado a polêmicas no Twitter. Em 2018, teve Lula e a impunidade como alvo. Fez coro em 2019 com Jair Bolsonaro, escalando a crise com a França, quando Emmanuel Macron sugeriu um status internacional para a floresta diante do recorde de queimadas registrado no primeiro ano do governo do capitão. Agora, resolve voltar à carga contra o francês, no momento em que Macron se prepara para disputar o primeiro turno da eleição presidencial, em 10 de abril. 

O francês tem sua reeleição praticamente garantida. Sua popularidade cresce nas pesquisas desde a invasão da Ucrânia, levada a cabo por Vladimir Putin, um aliado de Bolsonaro. Enquanto isso, a candidata in pectore do bolsonarismo na França – Marine Le Pen – patina e luta para se desvencilhar da incômoda proximidade com o líder russo. Diante de tudo isso, o que faz Villas Bôas? Tuíta. O general parece ter predileção por períodos eleitorais para lançar suas declarações polêmicas.

Emmanuel Macron, França

A França mantém com o Brasil uma fronteira terrestre de 730 quilômetros, próxima da foz do Amazonas. Na Guiana, está estacionado, desde 1973, o 3.º Regimento Estrangeiro de Infantaria (3.º REI), que protege a base de lançadores de foguetes em Kourou. É tropa especializada em guerra na selva. O Estado brasileiro mantém acordos militares com os franceses, como o projeto para a construção de quatro submarinos da classe Scorpène para a Marinha. Trata-se, portanto, de países aliados. 

Em vez de se prestar a fazer provocações que servem apenas para excitar a base bolsonarista nas redes sociais, generais do Planalto, como Villas Bôas, contribuiriam mais para o País se lembrassem que as principais características dos conflitos de hoje são a letalidade seletiva e efetiva, o maior alcance e a precisão das armas e a robotização do campo de batalha. Para não falar das ações no espaço cibernético, do domínio aéreo e espacial e de conflitos nas áreas urbanas, como a Rússia mostra na Ucrânia. O Raymond Aron de Pensar a Guerra, Clausewitz, explica mais o momento atual do que David Galula, com seu Contrainsurreição, Teoria e Prática. 

Há perguntas sobre dissuasão de ameaças extrarregionais que um tuíte não responde. Os Comandos Militares da Amazônia e do Norte são dotados de capacidade dissuasória convencional, segundo o conceito estratégico A2/AD – antiacesso e negação de área – usado pelas maiores potências militares do planeta? O Brasil tem em suas Forças de Prontidão (FORPRON) brigadas de emprego estratégico e geral. Mas apenas duas das seis brigadas de infantaria de selva fazem parte desse sistema. É necessário acrescentar outras? Os comandos da Amazônia têm defesa antiaérea de média e grande altura? Vão receber no futuro os mísseis AV-TM 300? 

Submarino Riachuelo

De origem francesa, o Riachuelo, de 75 metros, 2.200 toneladas, é alto como um prédio de quatro andares e tem grande poder de fogo; primeiro de uma frota de quatro novos submarinos da Marinha do Brasil, foi ao mar pela primeira vez em dezembro de 2018 

A Defesa do Brasil não precisa de provocações tolas aos seus aliados, mas de um debate que explique à população por que o País tem 80 mil homens em sua Marinha e menos da metade dos navios e submarinos do Reino Unido, que mantém 35 mil homens na Armada de Sua Majestade. É preciso discutir a qualidade, onde e como são gastos os recursos do Ministério da Defesa. Assim como reconhecer que a melhor dissuasão que o Brasil pode ter é se livrar da política ambiental negacionista, que se acumplicia com criminosos florestais, garimpeiros ilegais e oportunistas em busca de botim nas terras indígenas.

Em vez disso, o bolsonarismo cria o fantasma do porta-aviões Charles de Gaulle para espantá-lo com um tuíte. Macron se torna o símbolo de uma tal Nova Ordem Mundial, que reuniria degenerados, apóstolos do politicamente correto, ateus, gays, feministas, ambientalistas, intelectuais, jornalistas, liberais, comunistas e... George Soros. A extrema direita é assim: trata Putin como aliado, o homem que vende armas a Nicolás Maduro e bombardeia a Ucrânia, mas vota contra a securitização do meio ambiente na ONU. Quem sabe se um dia vai achar 'cool' invadir a Guiana? Jânio quis o mesmo em agosto de 1961; a renúncia nos poupou dessa aventura."

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"Mais um artigo que se relaciona com o anterior, que postei. Vale MUITO a leitura."(CLP)

"O que a Ucrânia e Putin têm a ver com a Amazônia e Bolsonaro

Presidente brasileiro viu na discussão sobre a securitização das mudanças climáticas uma ameaça ao seu governo; resolução defendida por EUA, Reino Unido e França foi vetada pela Rússia

Marcelo Godoy

O Estado de S.Paulo, 07 de março de 2022

Caro leitor, 

o presidente Jair Bolsonaro acredita que "alguns chefes de Estado muito conhecidos" querem discutir a soberania da Amazônia. Ele repete um velho hábito da extrema direita: criar fantasmas para assustar o País e passar a acreditar em suas criaturas. É por isso que Bolsonaro se disse grato a Vladimir Putin. Não só pelo russo ser um modelo para a extrema direita europeia – da francesa Marine Le Pen ao italiano Matteo Salvini, ao menos até a invasão da Ucrânia–, mas também pelo voto daquele país na sessão, de 13 de dezembro de 2021, do Conselho de Segurança da ONU. 

Naquele dia, o vice-embaixador da Rússia nas Nações Unidas, Dmitry Polyanskiy, vetou uma resolução proposta pela Irlanda e pelo Níger, que contava com os apoio dos EUA, do Reino Unido e da França. Diante da ameaça global representada pelas mudanças climáticas, os países ocidentais queriam que o tema fosse securitizado, ou seja, passasse a ser tratado não só nos fóruns ambientais, mas também no conselho. O argumento era simples: eventos extremos, secas, inundações e outras catástrofes afetam a paz e a guerra entre as nações e a segurança de territórios e de populações. 

Preocupada em ver sua expansão na região do Ártico ser barrada em razão dos efeitos que traria para o mundo, a Rússia, por meio de seu diplomata, afirmou que achava "contraproducente incluir o componente climático nos mandatos de manutenção da paz e missões políticas especiais": "A avaliação dos riscos relacionados ao clima, a condução das análises e as medidas como resposta devem ser feitas em fóruns especializados".

Esses fóruns têm a sua legitimidade constantemente atacada por Bolsonaro. Candidato à Presidência, cogitou seguir o exemplo de seu guru, Donald Trump, e retirar o Brasil do Acordo de Paris. Mas uma coisa é ter saliva para criticar o Acordo, outra seria ter pólvora para enfrentar uma resolução do Conselho de Segurança. O capitão vê por trás das ONGs e dos ecologistas a ação de potências estrangeiras e dos progressistas do Ocidente. Eis a sua lógica. Ela é igual à de Putin. Mas o russo tem maioria no Parlamento. E força para fechar as organizações e botar na cadeia – ou no cemitério – a oposição. 

É verdade que Emmanuel Macron defendeu a discussão sobre um estatuto internacional da floresta. É também verdade que alguns  acadêmicos viram na ação de madeireiros criminosos, apoiados em uma política ambiental inconsequente, um atentando à responsabilidade de proteger um bioma, cuja destruição ameaçaria a segurança da humanidade. E, quando se fala em responsabilidade de proteção em organismos como o Conselho de Segurança, abre-se o caminho para sanções ao país ou aos grupos de um futuro eixo do mal climático. 

Para além de sua ética do potássio, de esconder com o biombo de uma suposta razão econômica – a dependência do Brasil de fertilizantes russos – suas simpatias pelo presidente Putin, Bolsonaro vê no amigo russo um aliado para seguir sua política ambiental, responsável pelo maior nível de desmatamento da Amazônia em dez anos. Governa-se com ideologia. É ela que vê a proteção do meio ambiente como um atentado à soberania da Nação, em vez de enxergar na sustentabilidade e na economia verde uma oportunidade de desenvolvimento, com sua promessa de riqueza para o País. 

O Brasil perdeu a revolução industrial. Decidiu manter a escravidão por quase todo o século 19 em vez de apostar no trabalho assalariado. Escolheu-se o atraso em vez da indústria em nome de uma soberania em desacordo com a humanidade, que não interessava ao País, mas somente a uns poucos que patrocinavam a cena infame do tráfico negreiro e do estalar do chicote que nos embrutecia a alma. O atraso se manifesta ainda assim agora. 

Em vez de incentivar a exploração do potássio em São Gotardo (MG), onde a empresa responsável diz ter reservas suficientes para abastecer o País pelos próximos 60 anos, Bolsonaro usou a crise na Ucrânia para defender outro ponto de sua ideologia: a liberação de mineração nas terras indígenas. Candidato em 2018, o capitão dizia não se importar de ser chamado de capitão Custer, uma referência ao militar americano que travou uma guerra inglória contra os Sioux. No mesmo dia em que retomava sua velha ideia, a mineradora divulgava em Minas que ia dobrar a produção de siltito glauconítico, rocha de cor esverdeada usada há 200 anos nos EUA como fertilizante potássico, mas desconhecida no Brasil.

Isso acontece porque o presidente tem para a Amazônia uma lógica de séculos passados – a ocupação e a integração –, dos tempos em que a rapina se confundia com a empresa colonial. Mas não se deve tratar a autoridade do governo sobre a floresta como a de um imperador, acima das leis e de qualquer responsabilização republicana. Se alguém não sabe a razão disso, pode-se compreender com um exemplo: o dono de um apartamento não pode incendiá-lo, pois, ao fazê-lo, coloca em risco a vida de todos no prédio.

Para ter mãos livres na Amazônia, Bolsonaro sabe que não pode depender nem mesmo de Putin. Em sua live do dia 3 de março, disse: "A Amazônia é nossa e sua soberania não pode ser relativizada. A melhor maneira de não ter sua soberania relativizada é ter Forças Armadas cada vez mais capazes para inibir uma possível agressão ou uma possível interferência externa".  Tem razão. Mas então a a Marinha do Brasil, por exemplo, não poderia ter 80 mil homens, mais que o dobro da Armada britânica, com menos da metade de navios e submarinos do Reino Unido. 

Há muito existe entre os militares brasileiros um sentimento de desconfiança sobre as intenções de nações desenvolvidas a respeito da Amazônia. E uma preocupação enorme com a sua proteção. É, por exemplo, em razão da análise da característica da região que o Brasil não assinou a convenção internacional que baniu as bombas de fragmentação. Para os militares, essa munição – que os russos despejaram na Síria e agora são acusados de fazer o mesmo na Ucrânia – violaria o direito humanitário internacional apenas se usada em áreas urbanas, onde seus efeitos não distinguiriam alvos civis de militares, o que não seria o caso da floresta.  

Mas não é rearmando um País ou mudando o perfil de seus gastos com Defesa – hoje altamente comprometidos com os pagamentos de salários, aposentadorias e pensões – que se afastará a ameaça ligada à securitização do meio ambiente. Não será muito menos escondendo dados sobre desmatamento que o Brasil combaterá suas vulnerabilidades nos fóruns internacionais. O País, como disse ao Estadão o coronel do Exército e especialista em geopolítica Paulo Gomes Filho, precisa ter "uma posição madura": "Não podemos negar as mudanças climáticas. Elas podem ser instrumentalizadas contra nossos interesses e servir ao protecionismo agrícola? Podem. É uma realidade. Mas elas também têm efeitos que devem ser combatidos".


Amazônia

Sobrevoo mostra imagem de região entre Sinop e Brasnorte, no Estado do Mato Grosso. O Brasil vem sendo pressionado internacionalmente para reduzir os indicadores de desmatamento da floresta amazônica

Eis o problema do governo. Bolsonaro e os que o cercam negam a realidade do clima e expõem o Brasil à reação internacional. Depois, o capitão sai mundo afora em busca de "apoios". E os encontra na comunidade de extremistas internacionais da qual faz parte. Nela estão déspotas africanos, árabes e europeus, populistas reacionários e todo tipo de ultraconservador capaz de invadir o Capitólio. A extrema direita virou um movimento internacional. Ela quer ter mãos livres para construir um mundo segundo sua ideologia. Putin entende Bolsonaro. Afinal, ele também quer ter as mãos livres no que pensa ser o seu pedaço do planeta."


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