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segunda-feira, 21 de março de 2022

Desafios do agronegócio brasileiro no contexto da economia global: entrevista para o Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio - Paulo Roberto de Almeida

Meu trabalho mais recente, na verdade, simples notas para entrevista online, mas na qual desenvolverei outros temas oralmente: 

4108. “Desafios do agronegócio brasileiro no contexto da economia global”, Brasília, 18 março 2022, 6 p. Notas para entrevista online ao Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio, organizado pelo Centro de Estudos de São Gotardo (MG), focando as temáticas da política agrícola, comercial e internacional, assim como as conexões entre agricultura e desenvolvimento; via Youtube: www.cesg.edu.br; dia 21/03/2022; 19:30hs. Disponível em formato pdf na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/81728280/4108_Desafios_do_Agronegocio_Brasileiro_em_um_contexto_de_Economia_Global_2022_). Abaixo a transcrição de meu texto em Word: 

Desafios do agronegócio brasileiro no contexto da economia global

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com; pralmeida@me.com)

Notas para entrevista online ao Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio, organizado pelo Centro de Estudos de São Gotardo (MG), focando as temáticas da política agrícola, comercial e internacional, assim como as conexões entre agricultura e desenvolvimento; via Youtube: www.cesg.edu.br; dia 21/03/2022; 19:30hs.

 

 

1) É fato que o agronegócio brasileiro tem, em muito, se desenvolvido e atinge, hoje, patamar de principal sustentáculo da economia nacional, também, pouco temos dúvidas sobre a capacidade produtiva do país. Infelizmente, porém, às vezes no chocamos com preocupações quanto ao abastecimento de matérias-primas e insumos à produção. Nesse sentido, gostaria de saber, pela sua experiência, como entenderia que a política agrícola brasileira poderia e deveria ser melhor direcionada para mitigarmos esses gargalos?

 

PRA: Depois de quatro séculos sendo um país essencialmente agrícola, mas com base numa agricultura bastante atrasada em seus fundamentos tecnológicos, com pouca interação com os demais setores da economia brasileira e uma ainda mais baixa integração aos mercados mundiais, a agricultura começou a deslanchar a partir dos anos 1970, a partir de um duplo movimento determinado por políticas governamentais: a capacitação do capital humano, sobretudo por parte da Embrapa, mas também nas demais escolas agrícolas, e a conquista do cerrado central, feita tanto pela iniciativa dos novos bandeirantes – em grande medida gaúchos –, como por programas de adaptação daquele bioma à grande agricultura comercial e a uma pecuária extensiva. Não obstante o enorme crescimento da oferta agrícola e dos ganhos de produtividade obtidos desde então, o peso da agricultura também diminuiu na formação do PIB e na incorporação de mão de obra, pois que a indústria também dava um enorme salto a partir dessa época, convertendo esse setor no grande sustentáculo da economia nacional, em termos de emprego, renda e emprego, inclusive no plano do comércio exterior.

A deterioração econômica dos anos 1980 e 90, com a crise da dívida externa e, depois, a aceleração inflacionária subsequente a diversos planos frustrados de estabilização, resultou em profundas mudanças nas políticas macroeconômicas – a partir do Plano Real – e em diversas políticas setoriais, entre elas a agrícola, liberalizando o setor de vários controles e constrangimentos anteriores. A essa altura já tínhamos nos transformado num grande exportador de produtos agrícolas, mas ainda muito relutante no plano das negociações comerciais multilaterais, a despeito de nossa inserção no Grupo de Cairns, dos países exportadores de produtos agrícolas competitivos e não subvencionistas, como Canadá, Austrália e os latino-americanos, ao contrário dos Estados Unidos e da União Europeia (além de diversos outros países, como Japão, Coreia do Sul, Suíça e outros, entre eles a própria Índia e a China). Os ganhos de produtividade e a nova desenvoltura no plano global tornam o Brasil um megaplayer na oferta agrícola mundial, sobretudo depois do término da Rodada Uruguai de negociações comerciais multilaterais, que também aprovou um inédito Acordo Agrícola, que deu início ao desmantelamento gradual das subvenções internas à produção (mas ainda subsistentes) e os subsídios à exportação (progressivamente reduzidos). 

A partir dos anos 2000 o agronegócio se tornou não exatamente um sustentáculo da economia brasileira – os serviços representam 70% do total, mas o peso do conjunto do agronegócio na formação do PIB cresceu de forma exemplar, chegando a mais de 27% em 2021, enquanto a indústria reduzia, sim, sua participação no valor e no emprego –, mas ele se tornou o eixo central dos superávits comerciais e um fator absolutamente essencial na manutenção do equilíbrio das transações correntes, compensando praticamente totalmente o déficit crônico nos serviços do balanço de pagamentos. Ocorreu igualmente uma transformação estrutural no próprio setor agrícola, com cadeias de valor organizadas de forma relativamente satisfatória internamente, e a formação de um complexo agrícola-industrial e de serviços que compõe, sim, um eixo central de política econômica, e até de ganhos políticos e eleitorais, que jamais havia sido tão relevante desde quando o Brasil começou a se industrializar de forma consistente 80 anos atrás. Com a diminuição relativa do peso da indústria no PIB e no comércio exterior, o Brasil voltou a ser um país essencialmente agrícola, como até os anos 1950, mas dotado de um peso, complexidade e modernidade produtiva totalmente moderna e amplamente qualificado nos mercados agrícolas internacionais, ainda que prejudicado por várias deficiências de infraestrutura, de logística adequada e carente de uma necessária e proporcional sustentação financeira (capitalização e securitização) para nossa penetração ainda maior nos grandes mercados de insumos e na oferta de produtos processados, de maior sofisticação, aos consumidores (cortes finos, por exemplo). Ou seja, o Brasil tem um brilhante futuro pela frente no agronegócio.

A despeito desses enormes progressos na frente produtiva e na conquista de novos e prometedores mercados na frente do comércio agrícola, o setor do agronegócio, assim como o da agricultura familiar – grande parte da qual também participa das cadeias de valor do setor na oferta interna e também na grande agricultura comercial de exportação – enfrentam grandes problemas, que têm suas fontes no aprovisionamento interno inadequado de insumos (como os fertilizantes e defensivos) e também na baixa abertura econômica do setor às grandes cadeias de valor internacionais, o que está vinculado à política industrial, assim como a agrícola e comercial. Apesar de sermos um grande competidor externo – um killer como se diz, em quase todas as commodities agrícolas e nos vários ramos das proteínas animais –, somos ainda muito protecionistas internamente, em detrimento e no contexto do Mercosul, assim como em diversas interfaces da economia agrícola mundial. Nesse campo, precisamos acompanhar de forma mais próxima ainda as grandes mudanças que se processam nos mercados agrícolas, de consumo e de insumos, o que significa dispor de adidos agrícolas e de economistas e advogados especializados no setor, observar os debates que se processam na OMC (normas fitossanitárias-SPS, regulamentos aplicados ao setor), na OCDE (comércio agrícola), na FAO (segurança alimentar), Codex Alimentarius (ou seja, sanidade, ou safety), nas cadeias varejistas e nas grandes tradings de comercialização. 

 

2) Em um mercado mundialmente integrado, dificilmente conseguimos visualizar um desenvolvimento econômico de nações sem o apoio e a entrada de capital estrangeiro. Nesse sentido, como o senhor visualiza as atuais relações comerciais brasileiras e quais caminhos visualiza para uma fortificação do Brasil enquanto importante player no mercado agrícola internacional?

 

PRA: O Brasil foi, durante algum tempo, um grande exportador manufatureiro, tanto em produtos industrializados leves, quanto no setor automobilístico, por exemplo, mas, infelizmente, perdeu muito de sua competitividade externa nas manufaturas por erros grosseiros nas suas políticas macro e setoriais, o que praticamente deixou o agronegócio como o grande salvador do balanço de pagamentos. Alguns desses erros estão justamente vinculados a uma introversão no mercado interno dificilmente aceitável para qualquer economia moderna, na era da terceira onda de globalização. Mas o agronegócio apresenta igualmente uma introversão que não se justifica sob nenhum pretexto, inclusive chegando a certas medidas ridículas, como poder a limitação de terras brasileiras por estrangeiros, como se estes pudesse fazer outra coisa senão produzir no Brasil e exportar. 

O Brasil sempre foi um país extremamente protecionista, desde quando recuperamos a liberdade tarifária em 1844, e assim continuou durante o resto do Império e na República, quando uma Lei do Similar Nacional vigorou até os anos 1990. Desde essa época, nos governos Collor e FHC fizemos alguns progressos no caminho de maior abertura econômica e liberalização comercial, mas ainda insuficientes quando vistos em escala comparativa internacional, e mesmo na perspectiva do Mercosul, que se esperava fosse uma plataforma para a projeção externa do Brasil e dos seus sócios, assim como para a maior inserção do bloco na economia global. Mas, desde a era Lula, o Mercosul estagnou, foi transformado em palanque político e até retrocedeu, dadas as discordâncias entre os seus dois principais países com respeito aos acordos de livre comércio – com a União Europeia, por exemplo – ou às grandes iniciativas de liberalização ampliada, como o TPP e o RCEP. Olhando visualmente um mapa mundial das cadeias de valor – que se situam quase todas no Atlântico Norte e na Ásia Pacífico – vemos que o Brasil e o Mercosul participam muito pouco nesses eixos de produção integrada e de intercâmbios globais, e são eles que trazem crescimento econômico, prosperidade e desenvolvimento social. 

Olhando, por exemplo, a recente crise no abastecimento de fertilizantes, registramos vários apelos à conquista da autossuficiência no setor, o que além de impossível, no curto e médio prazo, seria ineficiente no plano puramente econômico. A solução está mais na busca de diversificação de provedores, quando na própria organização interna da produção agrícola, que pode tornar-se menos dependente desses insumos ao se adotar outras técnicas de gestão dos terrenos e dos modos de plantio. Os dois grandes choques do petróleo provocaram uma das revoluções tecnológicas mais relevantes do último meio século, que foi a redução do conteúdo em petróleo nos processos industriais. A agricultura, mediante pesquisas e adoção de outras técnicas, também deveria ser capaz de reduzir sua dependência do NPK; a grande agricultura comercial prefere importar, mas a pequena pode substituir esses compostos.

 

3) A União Europeia é um bloco econômico de relevante força internacional e, em muito, impacta as transações comerciais ao redor do mundo. Nesse sentido, como o senhor visualiza o impacto de restrições efetuadas – a exemplo, produtos brasileiros que utilizam fertilizantes ou agroquímicos – na economia brasileira? O senhor visualiza alguma saída para mitigação desses impactos ou utilização desses de forma favorável ao desenvolvimento econômico nacional?

 

PRA: A UE, segundo maior parceiro comercial do Brasil, possui uma tradição fortemente protecionista na área agrícola, introduzindo critérios nem sempre transparentes na regulação de sua política comercial. Um exemplo é o princípio da precaução, que costuma ser invocado sem qualquer embasamento científico, ou justamente por causa de evidências suficientes quanto à incorporação de hormônio, de agroquímicos ou até de OGMs nos alimentos, para justificar restrições abusivas às compras externas. O caso mais flagrante é justamente o da identificação componentes que já fizeram parte do arsenal produtivo ou defensivo, mas que passaram a ser substituídos por outros, com efeitos pouco conclusivos sobre a saúde humana. Esta é uma batalha que precisa ser vencida pela ciência, nos foros multilaterais apropriados, mas também pela via da elevação constante dos padrões internos de produção, no sentido de evitar a maior barreira ao comércio livre, bem mais do que as tarifas. Mas isso tem a ver também com a questão ambiental, como parece evidente a todos. 

Com efeito, um dos maiores fatores que podem impactar negativamente a interação do Brasil com os europeus na área comercial agrícola é a desastrosa política ambiental do atual governo, que representa um contrassenso inacreditável na promoção do agronegócio responsável, que não tem nada a ver com a devastação amazônica, mas que pode vir a pagar um preço inaceitável se medidas restritivas – não apenas dos europeus, diga-se de passagem – forem adotadas em vista da incapacidade demonstrada até aqui para limitar e reduzir o ritmo do desmatamento e, sobretudo, a ação ilegal de grileiros, garimpeiros e invasores de terras indígenas (ao contrário, o governo Bolsonaro tem feito tudo para estimular a depredação do meio ambiente e a ofensiva contra reservas naturais e territórios indígenas). Esse elemento está na origem da paralização completa do processo de ratificação do acordo UE-Mercosul, que não deve ser retomado até que um novo governo inverta completamente o curso atual; mesmo assim deverá demorar certo tempo para que se configure na prática, não somente no discurso, a inversão da política ambiental suicidaria do governo Bolsonaro. É estranho que o próprio agronegócio brasileiro não tenho tomado iniciativas mais fortes para coibir os crimes que vêm sendo cometidos não apenas contra o meio ambiente e os indígenas, mas também contra o setor mais dinâmico da economia brasileira.

 

4) Quais seriam os novos mercados que o senhor entende deve o Brasil explorar para o desenvolvimento de relações agrícolas mercadológicas?

 

PRA: Estados Unidos e União Europeia são grandes mercados de consumo, mas são também os mais protegidos e também aqueles nos quais o fator elasticidade-renda não tornará a nossa oferta agrícola mais competitiva, uma vez que esses mercados já estão saturados nessa área. Os grandes mercados para o nosso agronegócio estão nos emergentes dinâmicos e nos países em desenvolvimento, de maneira geral, nos quais o crescimento da renda, nos próximos anos, vai requerer um consumo elevado de alimentos, com maior ênfase na proteína animal e nos lácteos. Daí o motivo do agronegócio brasileiro avançar rapidamente no seu próprio upgrade no tipo de produção, não apenas produtos brutos, mas oferta processada e devidamente apoiada em campanhas de marketing quanto à qualidade dos nossos produtos.

Por acaso, os dois grandes mercados nos quais o crescimento da oferta brasileira poderia ser o maior estão justamente nos dois sócios maiores do Brics, China e Índia, mas que são, também, grandes protecionistas e subvencionistas na área agrícola. Temos de ser duros com esses dois gigantes quanto somos como os dois grandes mercados avançados do Atlântico Norte. Por outro lado, a China – diferente da Índia, que tem enormes problemas sociais com respeito à propriedade da terra e tecnologia agrícola, assim como a África – tem avançado enormemente numa espécie de revolução agrícola, que combina capitalização, ciência e tecnologia, uma vez que ela possui pouco espaço naqueles fatores que representam nossa pujança: terra, água e sol. 

Mas, esses mercados não podem ser vistos apenas como absorvedores da oferta alimentar brasileira, pois as barreiras comerciais continuarão a existir no futuro indefinido. O Brasil possui tecnologia e conhecimento suficientes para participar do próprio processe de revolução agrícola em curso nesses países, ou seja, exportando serviços, know-how e diversos outros fatores produtivos, pois que um dos objetivos do agronegócio brasileiro deve ser o da sua internacionalização, tanto na área de grãos, quanto na pecuária. A África apresenta outros tipos de problemas que podem se situar, cronologicamente, no início do processo de modernização agrícola brasileiro, embora alguns desses problemas estejam mais vinculados à propriedade da terra e às relações contratuais do que à tecnologia propriamente produtivo no contexto da agricultura tropical, na qual o Brasil é um verdadeiro campeão.

 

5) Muito se diz sobre o Brasil ser um exportador de insumos e de matérias-primas com baixo valor agregado. Em sua experiência, o senhor vê isso como uma realidade? Se sim, como podemos direcionar nossa política agrícola interna para agregação de valor aos produtos? Se não, como podemos direcionar nossa política para sanar o déficit informacional?

 

PRA: Sim, isso é verdade: o Brasil é um produtor primário, e assim tem sido nos últimos 500 anos. No terreno das vantagens comparativas de David Ricardo –cuja teoria ainda é plenamente válida, independentemente da passagem do tempo – não há nada de errado em explorar plenamente essas vantagens competitivas relativas, não só na agricultura e na pecuária, mas também na mineração, nos recursos florestais e pesqueiros, por exemplo. O upgrade na oferta, ou seja, agregar valor às commodities e oferecer produtos processados e até mais sofisticados, não depende só da vontade do agronegócio, mas de todo um complexo de fatores, de políticas governamentais e da iniciativa privada, assim como da existência de condições mercadológicas externas ao domínio brasileiro. A agregação de valor à oferta agrícola brasileira deve ser um processo concomitante à internacionalização do próprio agronegócio brasileiro, ainda excessivamente introvertido e, portanto, protecionista. Esse processo deveria começar pelo Mercosul, que requer amplo exercício de reformas.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4108: 18 março 2022, 6 p.


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