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terça-feira, 1 de março de 2022

Apesar de Bolsonaro, Brasil está cumprindo seu papel no Conselho de Segurança, apontam diplomatas - Janaína Figueiredo (O Globo)

Apesar de Bolsonaro, Brasil está cumprindo seu papel no Conselho de Segurança, apontam diplomatas

Ouvidos pelo GLOBO, embaixadores destacaram a preservação de pilares essenciais do Itamaraty nas posições expressadas pelo Brasil na ONU

BUENOS AIRES — Diante da dissonância entre declarações do presidente Jair Bolsonaro e as posições expostas pelo Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia, diplomatas ouvidos pelo GLOBO destacaram o que consideram, de forma unânime, uma “atuação correta e apegada a nossas tradições e valores expressados na Constituição” do Ministério das Relações Exteriores comandado por Carlos França, no posto há quase um ano.

As falas do chefe de Estado — solidariedade à Rússia e “neutralidade” diante da invasão entre outras — são consideradas por alguns parte de uma narrativa para um público interno que, inevitavelmente, causa dano à imagem do país no exterior. Mas hoje, segundo Roberto Abdenur, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, China e Alemanha, “a voz de Bolsonaro não é levada a sério mundo afora. Trata-se de uma pessoa desmoralizada”.

— O que conta perante a comunidade internacional são os pronunciamentos oficiais do Brasil nos principais foros globais, no Conselho de Segurança e na Assembleia Geral das Nações Unidas. Bolsonaro joga para a extrema direita radical — enfatizou o embaixador. 

Os discursos do embaixador Ronaldo Costa Filho, representante do Brasil na ONU, deixam algumas posições do Brasil muito claras: a defesa de princípios básicos do direito internacional como a soberania dos países e a integridade territorial; condenação ao ataque da Rússia e apelo para que as hostilidades cessem; questionamento à aplicação unilateral de sanções contra a Rússia por parte dos EUA e UE, pelos riscos que este tipo de medidas coercitivas implicam para muitos países, não apenas os envolvidos na guerra; e a crítica, também, a iniciativas como o fornecimento de armas para a Ucrânia, que possam arrastar o mundo para uma guerra descontrolada. O Brasil teme, afirmaram fontes diplomáticas, que a ameaça de utilização de armas nucleares, lançada pelo presidente Vladimir Putin, possa se tornar realidade.

O Itamaraty, ressaltaram as fontes, deve encontrar um difícil equilíbrio entre preservar sua relação com uma potência como a Rússia (sócia nos Brics, junto com China, Índia e África do Sul), considerada um aliado estratégico e comercial importante, e, ao mesmo tempo, manter-se apegado aos pilares mais fundamentais da tradição diplomática brasileira.

No Conselho de Segurança, os representantes do Brasil, segundo O GLOBO apurou, conversam com todos os demais membros, de Rússia, China, Índia e Emirados Árabes aos EUA e Noruega. O governo brasileiro não faz, porém, como o México (também membro rotativo que acaba de iniciar um período de dois anos), articulações sobre temas específicos. O governo do presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador se articulou com a França e a Noruega para promover uma resolução sobre a entrada de ajuda humanitária ao território ucraniano. 

Na visão do embaixador Marcos Azambuja, que representou o país na França e Argentina, “o Brasil está desconfortável numa situação na qual deve defender princípios, mas, ao mesmo tempo, interesses que não pode abandonar”.

— O Brasil, na votação de sexta-feira no Conselho de Segurança, tinha de prestar tributo à tradição diplomática. Mas a Rússia é um parceiro importante, e o Brasil tem de se cuidar muito para não cair no automatismo de uma nova Guerra Fria — avaliou Azambuja.

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Quando você tem uma guerra, aponta o embaixador Everton Vieira Vargas, ex-representante do Brasil na União Europeia, Alemanha e Argentina, “deve ficar do lado do agredido, sobretudo num caso tão transparente como este. Isso foi dito por nosso embaixador na ONU”.

— O Brasil fez o que tinha de fazer. Por outro lado, temos uma parceria importante com a Rússia, e é preciso pensar nos interesses brasileiros. O Itamaraty está adotando uma posição que busca preservar esses interesses — apontou Vieira Vargas.

Na mesma linha, o embaixador Rubens Barbosa, que já chefiou as embaixadas brasileiras em Washington e Londres, e atualmente preside o Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), opinou que “o Itamaraty está fazendo prevalecer a linha tradicional da Chancelaria”.

— Estamos conversando com todos e acho que deveríamos, também, conversar com os latino-americanos. O Itamaraty está atuando dentro de suas linhas, com uma posição muito clara sobre questões essenciais como soberania e integridade territorial — ampliou Barbosa.

O Brasil, concordou o embaixador Gelson Fonseca, diretor do Centro de História e Documentação Diplomática da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações  Internacionais (Cebri), “está fazendo o jogo certo”.

— Quando houve de condenar, o Brasil condenou, não tem outro caminho. Nosso comportamento no Conselho de Segurança é correto, estamos seguindo a melhor doutrina multilateral de nossas tradições —  afirmou Fonseca.

A condenação à invasão da Ucrânia por parte da Rússia era algo que, goste ou não Bolsonaro, a diplomacia tradicional que França tenta defender como chanceler devia fazer. Enquanto o presidente fala para sua base interna e para a rede de direita e extrema direita à qual continua pertencendo, ao lado de figuras como o ex-presidente americano Donald Trump, o Itamaraty está, na opinião de todos os entrevistados, cumprindo seu papel com dignidade.

Entre mortos e feridos, o Ministério das Relações Exteriores está, salientaram os diplomatas ouvidos, conseguindo preservar uma tradição histórica e respeitada no mundo. Muitos, pedindo para não serem identificados, asseguraram que as preocupações da Rússia sobre sua segurança também devem ser compreendidas, e lembraram que em 1962 os EUA cogitaram invadir Cuba quando a então União Soviética instalou mísseis balísticos na ilha. 

Exemplos de invasões ocorridas nas últimas décadas também surgiram nas conversas para mostrar que, em outros momentos, outros países atuaram sem o aval do Conselho de Segurança. A aplicação unilateral de sanções também foi questionada. Existe apreensão pelo impacto que possam ter no Brasil, sobretudo no setor de alimentos e, entre outros, nas importações de fertilizantes russos, importantes para o agronegócio brasileiro.

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