O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

Mostrando postagens com marcador Janaína Figueiredo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Janaína Figueiredo. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 10 de março de 2023

Lula envia Amorim em missão secreta à Venezuela para ampliar relação com Maduro - Janaína Figueiredo (O Globo)

Lula envia Amorim em missão secreta à Venezuela para ampliar relação com Maduro

Por Janaína Figueiredo — Brasília

09/03/2023


Por iniciativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma pequena delegação liderada pelo assessor especial da Presidência Celso Amorim chegou a Caracas na tarde de quarta-feira para o primeiro encontro de alto nível do governo com o chefe de Estado venezuelano, Nicolás Maduro. A reunião, mantida em segredo pelo Palácio do Planalto, foi informada quase em tempo real pelo governo venezuelano, através da conta de Maduro no Twitter.


Segundo O GLOBO apurou, Amorim foi até Caracas ter uma primeira conversa com o governo venezuelano sobre a situação política no país, a importância das eleições presidenciais de 2024, além de temas da relação bilateral, entre eles a dívida que o país tem com o Brasil, de cerca de US$ 1 bilhão (dos quais 80% são com o BNDES).


Uma parcela desta dívida, de em torno de US$ 100 milhões, vence em breve, e o governo Lula vem discutindo internamente como lidar com a questão. A viagem de Amorim surpreendeu até mesmo integrantes do Itamaraty, embora o chanceler, Mauro Vieira, tivesse sido informado, segundo fontes do Ministério das Relações Exteriores. O encarregado de Negócios do Brasil em Caracas, o embaixador Flávio Macieira, nomeado recentemente, está no Brasil.


Enquanto Amorim realiza a primeira viagem de alto nível do governo Lula à Venezuela, o chanceler está no Paraguai, para reunir-se com autoridades do governo de Mario Abdo Benítez. A parceria entre Amorim e Vieira, confirmam fontes próximas a ambos, está funcionando muito bem, e o chanceler era uma das poucas pessoas que sabia da missão secreta do assessor especial do presidente.


Em pouco mais de dois meses, o ministro teve mais de 50 reuniões com colegas de pasta de outros países, e outros ministros e autoridades estrangeiras.

Já Amorim acompanhou Lula a Buenos Aires, Montevidéu, Washington e irá com o presidente à China. A possibilidade de uma viagem de Lula a Caracas ainda é incerta — mas considerada importante pelo governo brasileiro —, e o assessor presidencial foi, justamente, para iniciar a retomada das conversas diretas entre os dois governos, antes de um encontro de chefes de Estado.

Na mesma semana em que o Brasil se posicionou pela primeira vez sobre a situação na Nicarágua, e os abusos cometidos pelo governo do presidente Daniel Ortega em matéria de violações dos direitos humanos, foi dado o primeiro grande passo para começar a trabalhar sobre a crise venezuelana. O governo Lula está disposto a conversar com membros da oposição, principalmente os que estão envolvidos no diálogo — atualmente interrompido — no México, mediado pela Noruega.

Na véspera do encontro com o assessor presidencial brasileiro, Maduro se reuniu com o chanceler da Colômbia, Álvaro Leyva, também em Caracas. Na Venezuela, a sensação entre fontes locais ouvidas pelo GLOBO é de que os governos de Gustavo Petro e Lula querem contribuir para que a situação política da Venezuela se normalize e estabilize.O assunto tem sido discutido entre funcionários do governo brasileiro e representantes do governo de Joe Biden, um dos mais interessados em que o Brasil se envolva mais em iniciativas sobre Venezuela. As eleições de 2024 são vistas por brasileiros e americanos como uma oportunidade que não pode ser perdida, em termos de recomposição da democracia venezuelana.


Se, de acordo com fontes brasileiras, Ortega é visto pelo governo Lula como um problema e uma ameaça para a região, no caso de Maduro a intenção é trabalhar para que o Brasil tenha um papel relevante no que se espera que seja uma transição política pacífica e civilizada, seja qual for o resultado das eleições presidenciais de 2024. Se o chavismo perder, a expectativa do Brasil é de que o poder seja entregue ao vencedor legítimo do pleito, sem sobressaltos.

Já a Nicarágua é um caso bem mais complexo, que preocupa o governo e incomoda profundamente o presidente Lula, que conhece há mais de 30 anos o país e teve um vínculo direto com Ortega.

https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2023/03/lula-envia-amorim-em-missao-secreta-a-venezuela-para-ampliar-relacao-com-maduro.ghtml

terça-feira, 11 de outubro de 2022

A direita latino-americana aposta num fascista de extrema-direita no Brasil - Janaína Figueiredo (O Globo)

 Após derrotas, direita sul-americana aposta em Bolsonaro para recuperar fôlego


Resultado do primeiro turno brasileiro foi tubo de oxigênio para direita e extrema direita regionais depois de triunfos consecutivos da esquerda

Por Janaína Figueiredo — Buenos Aires
O Globo, 10/10/2022 04h30 

Depois das derrotas sofridas nas eleições presidenciais no Chile e no Peru, em 2021, e na Colômbia, este ano, o resultado do primeiro turno da eleição brasileira foi um tubo de oxigênio para a direita latino-americana. Em Santiago, Bogotá, Buenos Aires, Lima, Quito e Assunção, o desempenho do presidente Jair Bolsonaro e do bolsonarismo devolveu fôlego à direita e à extrema direita da região.

Esses setores apostam na reeleição do brasileiro como uma tábua de salvação que evite, nas palavras de uma fonte que participou de vários governos na Colômbia até a chegada ao poder em agosto de Gustavo Petro, primeiro presidente de esquerda da História do país, “muitos anos de domínio da esquerda em nosso continente”.

Na véspera do primeiro turno no Brasil, a campanha de Bolsonaro divulgou nas redes sociais um vídeo com mensagens de apoio à reeleição gravadas por líderes e dirigentes de direita latino-americanos, entre eles o ex-candidato à Presidência do Chile José Antonio Kast, derrotado no segundo turno pelo presidente Gabriel Boric, e o deputado argentino Javier Milei. Também participaram a senadora colombiana Maria Fernanda Cabal e Juan Guaidó, reconhecido pelo Brasil como presidente legítimo da Venezuela.

No caso de Guaidó, o recado foi mais cauteloso e focou no agradecimento ao acolhimento de refugiados venezuelanos pelo Brasil. Seus assessores quiseram evitar o pedido explícito de voto por Bolsonaro, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez por Nicolás Maduro nas eleições venezuelanas de 2013.

Num contexto de pouca relevância da América Latina para o governo do americano Joe Biden, avaliam fontes da direita colombiana, o Brasil se torna um aliado ainda mais importante. Se Bolsonaro for reeleito, diz a fonte, toda a direita latino-americana recuperaria impulso eleitoral. Em 2023, será a vez dos argentinos.

— O fato de que Jair Bolsonaro, depois de todas as pesquisas terem dito que perdia a eleição por mais de 15 pontos, ter conseguido mais votos do que em 2018 demonstra que o morto de que falavam não estava morto. É uma esperança para todos os movimentos que defendem a liberdade — afirma Álvaro Zicarelli, assessor internacional de Milei.

Para ele, “um bom resultado no Brasil ajudará a frear expressões do populismo e da extrema esquerda na região”.

— Está sendo derrubada a mentira de que nossas propostas não têm apoio em setores populares — diz Zicarelli.

Venezuela de lado
Depois do primeiro turno, Bolsonaro reforçou o discurso de que um eventual terceiro governo Lula transformaria o Brasil numa Argentina, num Chile ou numa Colômbia, hoje os alvos preferidos do chefe de Estado — que deixou um pouco de lado a Venezuela.

Para a direita latino-americana, tão importante quanto a votação de Bolsonaro no primeiro turno é o crescimento do bolsonarismo no Congresso. “Um grande resultado para @jairbolsonaro no Brasil. Derrotando todas as pesquisas e meios de comunicação, conseguiu uma grande votação e resultados no Congresso, se posicionando com força para o segundo turno. A corrupção não pode vencer!”, escreveu Kast no Twitter.

Os resultados no Brasil tiveram grande destaque na imprensa chilena, conta Fernando Schmidt, ex-embaixador do país em Brasília que deixou o posto em março deste ano, após a posse de Boric.

— Participei de alguns programas de TV e minha avaliação é de que o bolsonarismo é um fenômeno social, e não apenas eleitoral — afirma.

Ele explica que “para a direita moderada chilena, que é a grande maioria, Lula não é bem visto. No caso de Bolsonaro, é importante que sejam mantidas atitudes republicanas”. A euforia, frisa, ficou concentrada na figura de Kast.

Na Argentina, a direita mais moderada também evitou tomar partido após o primeiro turno. A aliança Juntos pela Mudança, do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), divulgou uma nota na qual parabeniza os brasileiros por “uma nova demonstração de fortaleza de sua democracia”. O texto foi considerado “morno” por Milei, já em campanha para as presidenciais de 2023. No Twitter, o deputado compartilhou um post da conta The Right Times que destaca “um grande primeiro turno para Bolsonaro, destruindo e deixando no ridículo todos os canais de TV, institutos de pesquisa de ultraesquerda que davam Lula como vencedor por mais de 20 pontos”.

— Bolsonaro mostrou que não é apenas ele, que existem outras figuras com capacidade de conseguir votos e que ele expressa um conglomerado de votos que antes iam para outras direitas. Se o presidente brasileiro vencer o segundo turno, seu segundo governo seria mais forte e poderia projetar-se na região — aponta o historiador e jornalista argentino Pablo Stefanoni, autor do livro “A rebeldia passou a ser de direita?”.

Balanço regional
Em conversas informais e trocas de mensagens, dirigentes da direita sul-americana têm celebrado o fato de a direita não estar morta na região, como muitos pensavam. Segundo contou uma fonte que participou de várias das conversas, eles dizem que apoiar Bolsonaro é uma causa necessária para o futuro de todos.

A eleição de Lula é vista como um grande perigo, por seus antigos vínculos com o chavismo na Venezuela e com Daniel Ortega, presidente da Nicarágua. Na última quinta-feira, na Organização dos Estados Americanos (OEA), uma iniciativa de 11 países que defendia a revogação das credenciais do representante de Guaidó não teve votos suficientes para entrar na agenda. O Brasil e oito países se abstiveram e quatro votaram contra (EUA, Canadá, Guatemala e Paraguai). Num governo Lula, o governo brasileiro provavelmente apoiaria a iniciativa.

Outro país que está de olho no Brasil é o Peru, onde o direitista Rafael López Aliaga acaba de ser eleito prefeito de Lima. O segundo colocado foi o ex-militar Daniel Urresti, indiciado pela morte de um jornalista. O resultado na capital confirmou o desgaste do presidente Pedro Castillo, eleito em 2021. López Aliaga, que obteve 11,75% dos votos nas eleições presidenciais de 2021, é conhecido como o Bolsonaro peruano, mas publicamente se distancia do brasileiro.

segunda-feira, 2 de maio de 2022

MILICOS BURROS DO PLANALTO estão impedindo o Itamaraty de fazer Política Externa - matéria do Globo (Janaína Figueiredo, Lauro Jardim)

 A CACOFONIA na área externa do Brasil. Se os milicos BURROS do Planalto querem que o Itamaraty seja como eles – Hierarquia, Disciplina, aquelas bobagens –, eles teria de deixar o Itamaraty funcionar como se faz em operações de guerra: UNIDADE DE COMANDO, coerência nas ordens e acatamento disciplinado.

Se todo mundo se julga no direito de opinar e mandar, só pode dar confusão no pedaço.
APRENDAM MILICOS BURROS: deixem o Itamaraty trabalhar. Outro que está sempre interferindo é o incompetente do Guedes, um cara que nunca aprendeu o que é política externa ou mesmo política comercial.
Paulo Roberto de Almeida


Após um ano no posto, chefe do Itamaraty sofre desgaste com interferências em sua área
Guerra e discussões sobre a posição do Brasil no cenário internacional geram rumores de fritura de Carlos França, ratificado por Bolsonaro
Janaína Figueiredo
O Globo, 02/05/2022

A invasão da Ucrânia pela Rússia, iniciada em 24 de fevereiro, encerrou o que poderia ser chamado de período de graça do ministro das Relações Exteriores, Carlos França, que chegou ao posto em março de 2021. Desde então, questionamentos internos ao chanceler têm se intensificado, provocando o que fontes do governo consideram um “tiroteio” do qual, até agora, França saiu ileso.

Semana passada, o presidente Jair Bolsonaro, com quem o chanceler mantém uma excelente relação, ratificou França no cargo, na tentativa de pôr panos quentes em rumores sobre a possibilidade de uma troca de comando no Itamaraty, em plena campanha eleitoral.

— A nossa política externa, que tem à frente o ministro Carlos França, é realmente reconhecida por todos nós e por todo o mundo afora. Todos querem fazer comércio conosco — disse o presidente durante a abertura de uma feira de agricultura em Ribeirão Preto (SP).

França navegou em águas tranquilas durante quase um ano, mas hoje enfrenta fortes interferências em sua área, e elas têm alimentado versões sobre a fritura do ministro. Em palavras de uma fonte do governo, “hoje todo mundo dá pitaco sobre a guerra: temos a ala militar, a Faria Lima [em referência à equipe econômica], os ideológicos, e o Itamaraty”.

Bolsonaro ouve todos, e hoje continua respaldando o ministro das Relações Exteriores que, por seu passado como chefe de protocolo do Palácio do Planalto, tem acesso privilegiado ao poder e ao mundo político.

Poucos acreditam que França deixará o cargo antes das eleições, mas esse cenário não pode ser totalmente descartado. O desgaste é evidente. Relações que fluíam com facilidade alguns meses atrás, hoje, confirmaram fontes do governo, enfrentam tensões.

Uma delas é do chanceler com o secretário de Assuntos Estratégicos, almirante Flávio Viana Rocha, que circula com assídua frequência pelas embaixadas de Brasília, recebe muitos embaixadores no Palácio do Planalto e tem uma agenda internacional que, segundo fontes, “provoca desajustes”. França e o almirante sempre tiveram um vínculo cordial, e Viana Rocha, conhecido por sua simpatia e capacidade (entre outras, fala vários idiomas), trabalha em permanente contato com o Itamaraty. Mas os tempos mudaram, insistem as fontes.

Guedes e a OCDE
Hoje, França é mais cobrado internamente, e as brigas por espaço e por influenciar a posição do país sobre a guerra — condenação à agressão russa, mas não alinhamento aos EUA e à União Europeia — se acentuaram.

Alguns votos recentes do Brasil em organismos internacionais, como na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), causaram “desconforto” no Ministério da Economia e, hoje, segundo fontes, existe um “receio” pela possibilidade de que políticas do Itamaraty que estão causando mal-estar entre americanos e europeus possam prejudicar a agenda econômica.

A visão nessa ala do governo é de que existem falhas de comunicação sobre a posição brasileira e, partindo dessa avaliação, o ministro Paulo Guedes tem falado sobre o assunto, no Brasil e no exterior.

— O Brasil vai trabalhar sempre no sentido de reforçar os valores das instituições multilaterais e abraçar a OCDE. Vamos avançar em todas as frentes. Queremos acesso à OCDE, queremos o acordo Mercosul-União Europeia, para garantir a segurança alimentar e energética dessa grande comunidade de nações — declarou o ministro da Economia, recentemente.

Depois de o Brasil se abster numa votação sobre a exclusão da Rússia do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, alinhada com seus sócios dos Brics (China, Índia e África do Sul, além de Rússia), Guedes criticou as guerras atuais, as quais chamou de “retrocesso”. O medo é de que o estremecimento das relações, sobretudo com os europeus, possa causar danos colaterais.

No próximo mês, o conselho de embaixadores e ministros da OCDE (organismo com sede em Paris e dominado amplamente pelos europeus) deve aprovar o chamado roteiro de ascensão para os seis países em processo de adesão, entre eles o Brasil. Estão se aproximando instâncias-chave no caminho para alcançar uma meta traçada por Guedes no começo do governo, o que eleva ainda mais as tensões.

As falas do ministro da Economia não caem bem em setores do Ministério das Relações Exteriores, que defendem a entrada do Brasil em organismos como a OCDE com uma voz própria e não abaixando a cabeça para as cada vez mais explícitas pressões externas, sobretudo de países da UE.

‘Demoras e titubeios’
Existe entre diplomatas estrangeiros em Brasília a sensação de que muitas vozes dentro do governo estão opinando sobre a política externa desde que a guerra estourou, o que leva a demoras e titubeios do Brasil, termos usados por uma das fontes consultadas, que enfraquecem a gestão de França. O chanceler é visto como um equilibrista, que deve conciliar a visão do Planalto, para muitos observadores estrangeiros claramente pró Rússia, com as demandas de outros ministérios, a ala militar e tradições diplomáticas brasileiras.

As declarações de França defendendo a permanência da Rússia no G-20, na contramão do que pregam europeus e americanos, foram consideradas “inadmissíveis” por diplomatas de países da UE. Uma das fontes consultadas afirmou que “com a Rússia dentro, não haverá cúpula do G-20”.

— Você pode imaginar uma reunião com Putin e [o chanceler Serguei] Lavrov sentados à mesma mesa que autoridades europeias? Isso seria impensável — disse a fonte.

Não são tempos tranquilos para França. Sinais de fogo amigo apareceram pela primeira vez na gestão do chanceler, que continua sendo visto como a melhor opção por diplomatas ativos e já afastados. Na visão do embaixador Rubens Barbosa, que já chefiou as embaixadas brasileiras em Washington e Londres e atualmente preside o Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), uma mudança agora seria ruim para o Brasil.

— Não creio que o presidente vá fazer uma mudança neste momento. Uma mudança agora pareceria uma capitulação diante dos EUA e da UE — diz Barbosa.

Ambiguidades
O deputado federal Marcel van Hatten (Novo-RS), integrante da Comissão de Relações Exteriores e Defesa da Câmara, concorda que “no momento, França é a pessoa mais adequada para o posto”.

— O chanceler acomoda os interesses do presidente com os do país — opina ele.

Não é a mesma opinião que predomina em embaixadas estrangeiras em Brasília. As críticas pelo que é considerado falta de clareza e ambiguidade do Brasil em relação à guerra aumentam a cada semana, e os supostos massacres cometidos pelos militares russos na Ucrânia aprofundam o mal-estar.

Mas França está firme, e fontes do governo que defendem sua gestão garantem que “o ministro é ponderado, equilibrado, o melhor que poderíamos ter neste momento. O Brasil precisa ter uma política externa independente”.



O apelido de Flávio Rocha entre os diplomatas no Itamaraty

Por Lauro Jardim
O Globo, 01/05/2022

No Itamaraty, o ministro Flávio Rocha, chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), tem sido chamado de "chefe da SAI", ou seja, uma inexistente Secretaria de Assuntos Internacionais.

O motivo, na visão dos diplomatas, é a quantidade de vezes em que Rocha se mete em temas de relações exteriores.


sexta-feira, 1 de abril de 2022

Apesar de pressão dos EUA e da UE, Brasil não vai aderir a sanções contra a Rússia - Janaína Figueiredo (O Globo)

 Apesar de pressão dos EUA e da UE, Brasil não vai aderir a sanções contra a Rússia


Fontes diplomáticas dizem que país não vai entrar na mesma lógica de guerra dos americanos e dos europeus

Janaína Figueiredo
O Globo, 01/04/2022 - 05:30

Apesar das pressões de europeus e americanos, o Brasil não vai aderir às sanções contra a Rússia de Vladimir Putin, que o governo Jair Bolsonaro vem criticando nos seus votos nas Nações Unidas. Tanto no Conselho de Segurança — onde ocupa uma vaga rotativa por dois anos — quanto na Assembleia Geral, o Brasil tem votado pela condenação da invasão da Ucrânia, mas a posição de crítica às sanções causa mal-estar entre europeus e americanos, que consideram, segundo fontes diplomáticas, que o Brasil “deve escolher um lado na guerra”.

A última votação na ONU foi em 24 de março. Por 140 votos a favor, cinco contra e 38 abstenções, foi aprovada uma resolução promovida por França e México sobre ajuda humanitária no conflito. O texto pediu o fim imediato das hostilidades, a proteção de civis e o respeito às leis humanitárias internacionais. Além de condenar novamente a Rússia pelo ataque à Ucrânia, o texto pediu a retirada de civis de cidades sob cerco russo, como Mariupol.

O Brasil votou a favor, mas, na explicação do voto, o embaixador Ronaldo Costa Filho mais uma vez criticou as sanções econômicas como parte da estratégia para parar a guerra: “Lamentamos profundamente que a Assembleia Geral não tenha consigo falar com uma única voz hoje”, escreveu ele, lamentando que a resolução tivesse “claros elementos divisivos, muitos dos quais vão além de aspectos humanitários do conflito”.

O embaixador também citou as “consequências humanitárias de sanções  econômicas indiscriminadas, que, inevitavelmente, afetarão todos os países, especialmente os em desenvolvimento”. Por último, enfatizou que “não devemos politizar mensagens humanitárias”.

Essas ressalvas, que incomodam as potências ocidentais, são explicadas da seguinte forma por fontes diplomáticas brasileiras: o Brasil não está na Europa nem pertence à Otan, a aliança militar ocidental; o país compartilha valores do Ocidente, mas isso não implica um alinhamento total; a preocupação pelo impacto das sanções no mundo é grande, sobretudo quando se fala em alimentos e produtos fundamentais para o Brasil como fertilizantes; esta não é uma guerra na qual o Brasil esteja envolvido e, portanto, o Brasil não vai entrar na lógica da guerra de europeus e americanos. 

Uma das fontes lembrou que países europeus não romperam relações com a Rússia, continuam comprando gás e petróleo russos, e não parece lógico, ampliou, exigir do Brasil que seja “mais realista do que o rei”.

Embaixadores europeus em Brasília têm conversado com frequência com interlocutores no Itamaraty. Os votos de condenação da invasão trouxeram alívio, mas preocupa a insistência do governo em criticar a principal estratégia contra a Rússia. Afinal, disse uma das fontes estrangeiras ouvidas, “numa guerra é preciso, sempre, estar do lado do agredido, e ajudá-lo”.

Possíveis  consequências dessa divergências nas relações do Brasil com a UE e os EUA são minimizadas por fontes do governo, que frisam a necessidade de o Brasil manter uma posição independente, que não sacrifique as relações com dois parceiros de peso na geopolítica global: Rússia e China.

Esta posição é, em grande medida, compartilhada por assessores internacionais do ex-presidente e candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva. Alguns deles, incluindo o ex-chanceler Celso Amorim, já defenderam que, em circunstâncias diferentes, o Brasil deveria ter se abstido nas votações da ONU, em sintonia com seus sócios do Brics (China, Índia e África do Sul, além da Rússia). Na visão de Amorim, uma abstenção permitiria ao Brasil, se tivesse um peso que o ex-ministro considera que o país não tem atualmente, colaborar ativamente com esforços por um cessar-fogo na Ucrânia. 

https://oglobo.globo.com/mundo/apesar-de-pressao-dos-eua-da-ue-brasil-nao-vai-aderir-sancoes-contra-russia-25457452

segunda-feira, 14 de março de 2022

Brasil condena invasão russa, mas teme guerra econômica: ex-chanceleres e embaixadores opinam sobre a posição do Itamaraty - Janaína Figueiredo (O Globo)

 Brasil condena invasão russa, mas teme guerra econômica: ex-chanceleres e embaixadores opinam sobre a posição do Itamaraty


BUENOS AIRES Depois de ter acompanhado o voto de condenação da Rússia pela invasão da Ucrânia na Assembleia Geral e no Conselho de Segurança das Nações Unidas, em sintonia com a posição dos Estados Unidos e dos países da União Europeia (UE), entre muitos outros, o Brasil . Gera tensão, também, afirmaram fontes diplomáticas, o que alguns têm chamado de politização pelos principais adversários do governo de Vladimir Putin de organismos multilaterais, para acuar ainda mais a Rússia.

Na semana passada, depois de ter proibido a importação de vodca, caviar e diamantes russos e solicitado ao Congresso americano que interrompa o livre comércio com a Rússia, o governo de Joe Biden e seus aliados europeus começaram a articular uma jogada que visa suspender os direitos de voto de Moscou no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Bando Mundial (Bird).



A outra guerra:

O objetivo dos EUA e da União Europeia é cortar todo o acesso da Rússia a fontes de financiamento externo. Em palavras da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, vamos nos assegurar de que a Rússia não possa obter créditos ou qualquer outro tipo de benefícios nestas instituições. O objetivo final, caso um acordo que permita alcançar um cessar fogo seja alcançado nas próximas semanas, seria expulsar a Rússia da ordem econômica internacional. Nas sanções mais duras já aplicadas contra uma potência, o país que é a 11ª economia do mundo já teve muitos de seus bancos suspensos do sistema de transações internacionais Swift e as reservas de seu Banco Central depositadas nos EUA, na Europa e no Japão foram congeladas.

Limitações:

A ofensiva anti-Rússia em organismos internacionais deve avançar em âmbitos como a Organização Mundial de Comércio (OMC), onde os países do G-7 Alemanha, França, Reino Unido, Canadá, Japão e EUA pedirão que seja revogado seu status de nação mais favorecida (MFN, na sigla em inglês). Este estatuto é concedido aos 164 integrantes da OMC, para garantir a igualdade de condições a todos os países-membros cujos governos se comprometem a tratar uns aos outros em pé de igualdade e sem qualquer tipo de discriminação. Dessa forma, eles têm acesso a tarifas mais baixas, menos barreiras comerciais e cotas de importação mais elevadas.



Os EUA, a UE e outros aliados da Ucrânia no conflito estão, com essa atitude, afirmou uma fonte do Itamaraty, minando o funcionamento de organismos essenciais na governança econômica global e o avanço de processos considerados importantes para o Brasil em âmbitos como a OMC, FMI, Bird e G-20, entre outros. Essa ofensiva, ressaltou a fonte, vai trazer graves consequências não somente para Putin, mas para muitos outros países.

Por enquanto, o Brasil não expressou publicamente seus temores pela politização de organismos internacionais. Até agora, a delegação brasileira na ONU expressou questionamentos à dimensão das sanções econômicas anunciadas e, também, ao envio de armas à Ucrânia. Ou seja, houve aval à condenação, mas, também, críticas à frente contra Moscou liderada por EUA e UE.

Ciberguerra:

Ouvidos pelo GLOBO, os ex-chanceleres Celso Amorim e Celso Lafer e os embaixadores Rubens Ricupero e Marcos Azambuja avaliaram as posições adotadas até agora pelo Brasil e pelas partes envolvidas no conflito.

Na visão de Amorim, o ataque da Rússia à Ucrânia é uma ação condenável, além de um erro político. No entanto, se o Brasil quisesse ter alguma participação em esforços pela paz, seria melhor se abster nas votações, como fizeram os demais países do Brics, incluindo a Índia, que é parte do Quarteto, fórum asiático liderado pelos EUA. O ex-chanceler e Azambuja destacaram a necessidade de levar em consideração as preocupações da Rússia por sua segurança.



Já Lafer defendeu uma posição mais incisiva do Brasil, sem abrir espaço para a neutralidade abdicante que ele identifica nas declarações do presidente Jair Bolsonaro. Já Ricupero foi o mais crítico em relação à atuação da missão brasileira na ONU: Em termos concretos, ela equivale a condenar a vítima a ser massacrada.

Conheça as opiniões de Amorim, Lafer, Ricupero e AzambujaCelso Amorim: Invasão é condenável, mas em outro momento Brasil teria condições de mediação

"É uma situação muito complexa. A Rússia sempre se preocupou com a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que também foi criticada, mesmo condenada, por pensadores americanos. A Ucrânia não era apenas um país da Europa Oriental, era parte da antiga União Soviética e do Império Czarista. Diferentemente de outros países e regiões, tem um componente emocional muito forte para os russos.Mas isso não justifica a guerra, sou contra a ação militar unilateral. Fui embaixador na ONU e prezo especialmente por suas normas. A Carta da ONU foi construída em torno do não recurso à guerra para resolver problemas. Só admite o uso da força quando autorizada pelo Conselho de Segurança ou em legítima defesa. Diferentemente do que pregavam os EUA antes da Guerra do Iraque, não existe legítima defesa preventiva. Não tenho dúvida de que a ação é condenável, além de um erro político.

Como deveria ser a ação do Brasil? Não tenho certeza. Havia duas posições possíveis. A que foi adotada, votar a favor da condenação, mas dando uma explicação de que se é contra as sanções, defender uma solução pacífica, o que, devo admitir, é razoável. Mas, numa outra situação, em que o Brasil estivesse mais ativo internacionalmente, com a mesma justificação você poderia conceber um voto de abstenção. Continuaria condenando, mas considerando que há preocupações de segurança que são legítimas. Se o Brasil, de alguma maneira, quiser participar de algum esforço em favor da paz, é melhor se abster. Se fosse um governo que conversasse com todos, talvez tivesse sugerido uma abstenção. Na situação atual, não poderíamos esperar isso, até porque uma abstenção de Bolsonaro ficaria sob suspeita."



Marcelo Ninio:

Celso Lafer: Posição deve ser mais incisiva ao condenar guerra de conquista

"A Rússia faz uso da força contra a integridade territorial e a independência da Ucrânia. Desrespeita o Artigo 2, parágrafo 4 da Carta da ONU e põe em questão um dos princípios básicos do direito internacional: o do respeito à soberania territorial dos Estados. A guerra resultou de uma decisão militar para alcançar fins políticos unilateralmente definidos por Putin: pôr termo à Ucrânia como país independente para alcançar a sua incorporação a uma expressão eslava da Rússia e atender preocupações de segurança. Ela denega aspirações majoritárias da população ucraniana a uma identidade nacional própria. A Assembleia Geral da ONU expressou em resolução a condenação da comunidade internacional à agressão da Rússia.

Brasil votou a favor da resolução. Seguiu a tradição diplomática brasileira em consonância com os princípios constitucionais que regem as relações internacionais do país. O Brasil é um país de escala continental que, em contraste com outros, definiu todas as suas fronteiras por arbitragem e negociações. É o que faz da defesa da integridade territorial e da condenação da guerra de conquista parte integrante do capital diplomático do Brasil. Rui Barbosa realçou que entre os que destroem a lei e os que a observam não há neutralidade admissível. (...) Não há imparcialidade entre o direito e a injustiça. Na sua lição, quando existem normas internacionais, como as da Carta da ONU, pugnar pela observância das normas não é quebrar a neutralidade: é praticá-la. Por isso, creio que a posição brasileira deve ser mais incisiva. Não cabe abrir espaço para a impassibilidade de uma neutralidade abdicante que identifico nas manifestações do presidente da República."



Memórias de 1941: 

Rubens Ricupero: Criticar entrega de armas é deixar Ucrânia à mercê da Rússia

"Primeiro é preciso saber qual é a posição brasileira, se é a do Bolsonar ou se é a da missão do Brasil na ONU. A segunda questão é, se chegarmos à conclusão de que quem representa o Brasil é a missão, temos de analisar o conteúdo dessa posição. A posição que o governo tem expressado na ONU é oposta à de Bolsonaro. A posição do Brasil é de concordar e aprovar as duas resoluções que condenaram a invasão russa em todos os sentidos. O que se pode dizer dessa posição é que ela rigorosamente é correta. Mas, a partir daí, é preciso indagar sobre as consequências dessa posição. A delegação brasileira concordou em que a Rússia agrediu a Ucrânia sem provocação, atuando contra os princípios da Carta da ONU, ou seja, uma agressão indiscutível. Ao se declarar contrária ao fornecimento de armas, ela mostra uma incoerência. Se não se quiser o envolvimento direto, só há uma maneira, que é fornecer à vítima meios para se defender.

Por isso, eu chamaria a posição brasileira de ineficaz: ela equivale, no fundo, a deixar a Ucrânia à mercê da Rússia. Num caso como este, no qual mais de 140 países reconhecem que há uma agressão injusta, e, por outro lado, não se pode obter uma resolução do Conselho de Segurança porque a Rússia vai vetar, creio que a posição lógica e consequente seria aprovar as sanções e o fornecimento de armas. É a única maneira, embora insatisfatória, para ajudar o país agredido a se defender. Do ponto de vista legalista ao extremo, a posição brasileira é correta, mas é ineficaz. Em termos concretos, ela equivale a condenar a vítima a ser massacrada. No fundo, significa que perante a História estamos lavando as mãos."



Entrevista: 

Marcos Azambuja: O país tem que se equilibrar entre seus princípios e interesses

"O Brasil tem de ter em vista que essa guerra terá uma duração longa na vida internacional. O país deve fazer, e fez, a reafirmação dos seus princípios de convivência pacífica, de respeito à Carta das Nações Unidas, aos seus compromissos com a própria Constituição brasileira. O Brasil precisa dizer, e disse, que nos princípios e nos valores ele é fiel a sua tradição e a sua história. Mas ele também tem de cuidar dos seus interesses, que estão em jogo. Dos cinco países do Brics, China, Índia e África do Sul se abstiveram de votar na Assembleia Geral pela condenação da Rússia. Só o Brasil votou a favor. Minha preocupação é que o Brasil se reserve para ser valioso mais tarde, na procura de soluções.

Brasil deve manter suas posições de princípio e entender as razões que levaram a Rússia a fazer o que fez. A Guerra Fria terminou com uma derrota tão absoluta dos países do então socialismo real que os derrotados não tinham o que negociar. Agora, a Rússia voltou a ser uma grande potência que tem interesses estratégicos, políticos e econômicos. O Brasil é movido por duas forças que, de certa maneira, são contraditórias. Ao se separar dos Brics, mostrou que continua fiel a seus valores. Mas deve se reservar para um processo negociador que virá. Quem vai conduzir isso? Não podemos fazer nada que agrave mais ainda a situação. A Rússia tem de se dar conta que não pode pretender a recriação de um império. E a Ucrânia tem de se dar conta de que a Crimeia não voltará e a região de Donbass vai se separar. Diplomacia é negociação. O que vejo são gestos truculentos. A solução é que haja algum tipo de interlocução. A negociação, essência da diplomacia, é a procura por meios imperfeitos de soluções imperfeitas."


https://oglobo.globo.com/mundo/brasil-condena-invasao-russa-mas-teme-guerra-economica-ex-chanceleres-embaixadores-opinam-sobre-posicao-do-itamaraty-25430976

terça-feira, 1 de março de 2022

Apesar de Bolsonaro, Brasil está cumprindo seu papel no Conselho de Segurança, apontam diplomatas - Janaína Figueiredo (O Globo)

Apesar de Bolsonaro, Brasil está cumprindo seu papel no Conselho de Segurança, apontam diplomatas

Ouvidos pelo GLOBO, embaixadores destacaram a preservação de pilares essenciais do Itamaraty nas posições expressadas pelo Brasil na ONU

BUENOS AIRES — Diante da dissonância entre declarações do presidente Jair Bolsonaro e as posições expostas pelo Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia, diplomatas ouvidos pelo GLOBO destacaram o que consideram, de forma unânime, uma “atuação correta e apegada a nossas tradições e valores expressados na Constituição” do Ministério das Relações Exteriores comandado por Carlos França, no posto há quase um ano.

As falas do chefe de Estado — solidariedade à Rússia e “neutralidade” diante da invasão entre outras — são consideradas por alguns parte de uma narrativa para um público interno que, inevitavelmente, causa dano à imagem do país no exterior. Mas hoje, segundo Roberto Abdenur, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, China e Alemanha, “a voz de Bolsonaro não é levada a sério mundo afora. Trata-se de uma pessoa desmoralizada”.

— O que conta perante a comunidade internacional são os pronunciamentos oficiais do Brasil nos principais foros globais, no Conselho de Segurança e na Assembleia Geral das Nações Unidas. Bolsonaro joga para a extrema direita radical — enfatizou o embaixador. 

Os discursos do embaixador Ronaldo Costa Filho, representante do Brasil na ONU, deixam algumas posições do Brasil muito claras: a defesa de princípios básicos do direito internacional como a soberania dos países e a integridade territorial; condenação ao ataque da Rússia e apelo para que as hostilidades cessem; questionamento à aplicação unilateral de sanções contra a Rússia por parte dos EUA e UE, pelos riscos que este tipo de medidas coercitivas implicam para muitos países, não apenas os envolvidos na guerra; e a crítica, também, a iniciativas como o fornecimento de armas para a Ucrânia, que possam arrastar o mundo para uma guerra descontrolada. O Brasil teme, afirmaram fontes diplomáticas, que a ameaça de utilização de armas nucleares, lançada pelo presidente Vladimir Putin, possa se tornar realidade.

O Itamaraty, ressaltaram as fontes, deve encontrar um difícil equilíbrio entre preservar sua relação com uma potência como a Rússia (sócia nos Brics, junto com China, Índia e África do Sul), considerada um aliado estratégico e comercial importante, e, ao mesmo tempo, manter-se apegado aos pilares mais fundamentais da tradição diplomática brasileira.

No Conselho de Segurança, os representantes do Brasil, segundo O GLOBO apurou, conversam com todos os demais membros, de Rússia, China, Índia e Emirados Árabes aos EUA e Noruega. O governo brasileiro não faz, porém, como o México (também membro rotativo que acaba de iniciar um período de dois anos), articulações sobre temas específicos. O governo do presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador se articulou com a França e a Noruega para promover uma resolução sobre a entrada de ajuda humanitária ao território ucraniano. 

Na visão do embaixador Marcos Azambuja, que representou o país na França e Argentina, “o Brasil está desconfortável numa situação na qual deve defender princípios, mas, ao mesmo tempo, interesses que não pode abandonar”.

— O Brasil, na votação de sexta-feira no Conselho de Segurança, tinha de prestar tributo à tradição diplomática. Mas a Rússia é um parceiro importante, e o Brasil tem de se cuidar muito para não cair no automatismo de uma nova Guerra Fria — avaliou Azambuja.

ApeloNo 5º dia, ataques russos se aproximam de Kiev e ouço: 'vamos embora enquanto temos chance', relata Yan Boechat

Quando você tem uma guerra, aponta o embaixador Everton Vieira Vargas, ex-representante do Brasil na União Europeia, Alemanha e Argentina, “deve ficar do lado do agredido, sobretudo num caso tão transparente como este. Isso foi dito por nosso embaixador na ONU”.

— O Brasil fez o que tinha de fazer. Por outro lado, temos uma parceria importante com a Rússia, e é preciso pensar nos interesses brasileiros. O Itamaraty está adotando uma posição que busca preservar esses interesses — apontou Vieira Vargas.

Na mesma linha, o embaixador Rubens Barbosa, que já chefiou as embaixadas brasileiras em Washington e Londres, e atualmente preside o Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), opinou que “o Itamaraty está fazendo prevalecer a linha tradicional da Chancelaria”.

— Estamos conversando com todos e acho que deveríamos, também, conversar com os latino-americanos. O Itamaraty está atuando dentro de suas linhas, com uma posição muito clara sobre questões essenciais como soberania e integridade territorial — ampliou Barbosa.

O Brasil, concordou o embaixador Gelson Fonseca, diretor do Centro de História e Documentação Diplomática da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações  Internacionais (Cebri), “está fazendo o jogo certo”.

— Quando houve de condenar, o Brasil condenou, não tem outro caminho. Nosso comportamento no Conselho de Segurança é correto, estamos seguindo a melhor doutrina multilateral de nossas tradições —  afirmou Fonseca.

A condenação à invasão da Ucrânia por parte da Rússia era algo que, goste ou não Bolsonaro, a diplomacia tradicional que França tenta defender como chanceler devia fazer. Enquanto o presidente fala para sua base interna e para a rede de direita e extrema direita à qual continua pertencendo, ao lado de figuras como o ex-presidente americano Donald Trump, o Itamaraty está, na opinião de todos os entrevistados, cumprindo seu papel com dignidade.

Entre mortos e feridos, o Ministério das Relações Exteriores está, salientaram os diplomatas ouvidos, conseguindo preservar uma tradição histórica e respeitada no mundo. Muitos, pedindo para não serem identificados, asseguraram que as preocupações da Rússia sobre sua segurança também devem ser compreendidas, e lembraram que em 1962 os EUA cogitaram invadir Cuba quando a então União Soviética instalou mísseis balísticos na ilha. 

Exemplos de invasões ocorridas nas últimas décadas também surgiram nas conversas para mostrar que, em outros momentos, outros países atuaram sem o aval do Conselho de Segurança. A aplicação unilateral de sanções também foi questionada. Existe apreensão pelo impacto que possam ter no Brasil, sobretudo no setor de alimentos e, entre outros, nas importações de fertilizantes russos, importantes para o agronegócio brasileiro.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Mister Bozo goes to Moscow: what a wonderful world - Eliane Oliveira, Jussara Soares e Janaína Figueiredo (O Globo)

 Uma pequena parte do que eu declarei na entrevista, da qual pinçaram uma única frase, em torrentes de história e direito internacional.

Política externa vira saia justa para Lula e Bolsonaro na disputa eleitoral

Com acenos ao centro nacionalmente, o petista tem postura condescendente com regimes autoritários de esquerda no cenário internacional; presidente enfrenta cenário de desgaste por sua postura e pelo legado do ex-ministro Ernesto Araújo

Eliane Oliveira, Jussara Soares e Janaína Figueiredo
O Globo, 16/02/2022 - 03:30

BRASÍLIA e RIO — Normalmente relegada a segundo plano em época de eleição, a política externa tem se convertido este ano em um telhado de vidro e servido de alvo na pré-campanha para ataques recíprocos entre os dois principais candidatos à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL).

Internamente, o petista tenta ampliar sua candidatura para o centro, mas, no plano internacional, é condescendente com regimes autoritários de esquerda como Nicarágua, Cuba e Venezuela, historicamente alinhados ao PT. Já Bolsonaro, que ontem iniciou a controvertida viagem à Rússia em meio à crise da Ucrânia, tirou do comando do Ministério das Relações Exteriores um dos expoentes da ala ideológica do governo, Ernesto Araújo, e o substituiu por Carlos França, que tenta desfazer o legado negativo do antecessor, cujos ataques à China, ao meio ambiente, e o discurso negacionista afetaram, por exemplo, relações comerciais e a compra de insumos para vacinas contra a Covid-19.

O novo chanceler, no entanto, enfrenta limitações, como a interferência de um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), e a própria postura do titular do Planalto.

No fim do ano passado, Lula chegou a minimizar, em entrevista, a ditadura de Daniel Ortega na Nicarágua, comparando seu tempo no poder com o da ex-chanceler alemã Angela Merkel. Ele também minimizou a violência policial contra manifestações em Cuba.

— O apoio às ditaduras de Cuba, da Venezuela e da Nicarágua, para satisfazer as alas mais extremistas, abre o flanco para acusações de que transformaria o Brasil numa Cuba ou Venezuela — afirmou o consultor internacional Nelson Franco Jobim, em referência a um discurso recorrente de bolsonaristas.

Já Bolsonaro tem uma agenda estreita, que inclui nomes da extrema-direita, como o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Órban, e está praticamente alijado dos grandes debates da agenda mundial. Além da Hungria, ele visita esta semana a Rússia, onde chegou ontem, em meio às tensões daquele país com a Ucrânia.

—A visita de Bolsonaro à Rússia é altamente inoportuna e não desejável —disse o embaixador Paulo Roberto Almeida.

Único embaixador na ativa que critica abertamente a política externa de Bolsonaro, Almeida lembrou que o convite do líder russo Vladimir Putin foi feito bem antes, mas somente agora foi aceito:

— O Brasil está isolado, o presidente não tem grandes aliados e ninguém o convida na Europa e nas Américas. Sobraram líderes de direita. Putin não é direita, nem esquerda, mas vê na visita do Bolsonaro uma oportunidade para mostrar que ele não estaria isolado no mundo. Seria irônico, se não fosse trágico.


Apesar da troca de chanceler, sepultando a estridência do discurso no Itamaraty, Eduardo Bolsonaro continua exercendo um papel importante na política externa, com conexões com a direita internacional.

— Eduardo tem um papel importante. Há lugares em que o presidente Bolsonaro não tem tempo de ir e ele acaba virando uma espécie de embaixador mesmo e traz resultados— disse o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Cooperação Sul-Sul
Caso Lula seja eleito, estão previstos o fortalecimento do Mercosul, da União das Nações Sul-americanas (Unasul) e da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Essas duas perderam o Brasil como membro no governo Bolsonaro.

O ex-presidente, que realizou uma bem-sucedida visita a líderes europeus no ano passado, já manifestou a intenção de reforçar os laços com a União Europeia (UE), praticamente rompidos com Bolsonaro. Um dos desafios é restaurar o acordo comercial UE-Mercosul.

Os próximos meses devem ser de disputas por protagonismo internacional entre Lula e Bolsonaro. O petista tem uma viagem prevista para o México, em março. Bolsonaro, por sua vez, tenta se destacar nas viagens para a Rússia e Hungria. Na sua última grande apresentação multilateral, na Assembleia da ONU, chocou seus pares ao defender tratamentos ineficazes contra a Covid-19.

Um tema que ganhou relevância nas últimas semanas foi o início das negociações para a adesão do Brasil à OCDE, o “clube dos países ricos”. Pré-candidato à Presidência pelo PDT, Ciro Gomes tem postura crítica em relação a isso. Um dos motivos é que o Brasil terá que abrir mão do status de nação em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Já a política externa desenhada pelo presidenciável Sergio Moro (Podemos) tem como linhas gerais “manter boas relações com todos os países, sem preconceitos, e voltar a ter protagonismo em temas de direitos humanos, acordos comerciais, desenvolvimento sustentável e combate à corrupção”.

Coordenador do programa de governo de João Doria (PSDB), Rodrigo Maia destacou dois pontos para que o Brasil retorne às mesas de negociações internacionais: a defesa da democracia no Brasil e proteção ambiental.

https://oglobo.globo.com/politica/politica-externa-vira-saia-justa-para-lula-bolsonaro-na-disputa-eleitoral-25396262

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Governo está destruindo o Mercosul, na maior irresponsabilidade - Janaína Figueiredo (O Globo)

 'O Brasil quer olhar para o mundo e se for com o Mercosul ótimo, senão vamos sozinhos', diz secretário de Comércio brasileiro

Às vésperas de cúpula presidencial, Lucas Ferraz faz um diagnóstico do bloco e alerta para fortes tensões com Uruguai e Argentina

Janaína Figueiredo
O Globo, 13/12/2021 

RIO — Os quatro países do Mercosul chegarão à próxima cúpula de ministros e presidentes do bloco, nos dias 16 e 17 de dezembro, com tensões que envolvem a política mas, também, dificuldades de chegar a acordos técnicos.

Em entrevista ao GLOBO, o secretário de Comércio do governo brasileiro, Lucas Ferraz, afirmou que “se o Mercosul não fizer as reformas necessárias, em matéria de redução de tarifas e flexibilidade negociadora, está  fadado à irrelevância”.

O principal negociador da equipe econômica enfatizou que “o Brasil não quer sair ou abandonar o Mercosul”, mas defende um processo de modernização necessário: “O Brasil quer mais, quer olhar para o mundo. Se puder ser com o Mercosul ótimo, senão, vamos sozinhos”.

Qual é sua sensação pós acordo com a Argentina para reduzir a Tarifa Externa Comum (TEC), que taxa produtos de fora do bloco?

O Brasil conseguiu o acordo possível, aquém, claro, do que queríamos. Sempre defendemos um corte (de 10%) linear, cobrindo 100% do universo tarifário.

A primeira proposta da Argentina chegava a 75%, e o acordo possível foi a cobertura de 87%, ficando excluídos, basicamente, têxteis, calçados e parte do setor automotivo, as autopeças e automóveis que têm tarifas de importação acima de 14%. Isso ficou fora a pedido da Argentina.

Para o Brasil, a reforma da TEC não parou aí. A ideia é insistir nos 100% já no ano que vem, e que tenhamos mais um corte de 10%, totalizando 20%. Estamos trabalhando com esse horizonte.

Ainda neste governo?

Sim, neste governo. Este corte foi baseado no artigo 50 do Tratado de Montevidéu. Fizemos isso como medida de abertura comercial e de minimização dos impactos inflacionários. Não houve muito ruído, nós já tínhamos acordado isso com a Argentina.

Acho que o governo argentino entendeu o momento complicado em termos inflacionários que tanto o Brasil quanto o mundo inteiro está passando e foi construtivo. O Paraguai também. Só não conseguimos anunciar uma redução efetiva da TEC em todo o bloco por conta da posição do Uruguai.

A sensação de muitos era de que se Brasil e Argentina não tivessem conseguido chegar a um acordo o Mercosul corria sérios riscos…

Nossa visão é de que se o Mercosul não fizer as reformas necessárias, principalmente da TEC e de flexibilização negociadora, o bloco esta fadado à irrelevância. O Mercosul, antes do Tratado de Assunção, em 1991, representava 8% das trocas comerciais do Brasil. Oito anos depois, chegou a 18% e, hoje, representa 6%.

Não é que o Brasil seja contra o Mercosul, ou queira sair ou destruir o Mercosul, muito pelo contrário. Nosso entendimento é de que o Mercosul é tão importante que ele precisa ser reformado.

Precisamos alinhar nossa TEC à média dos países em nível de desenvolvimento similar aos do Mercosul, e precisamos de mais flexibilidade negociadora, por conta da complexidade de uma negociação conjunta dos quatro sócios.

Existe uma falsa visão de que o Mercosul senta junto numa mesa para negociar. Quando sentamos, cada um dos quatro sócios está buscando seus próprios interesses.

Na maioria das vezes, os interesses são conflitantes. A flexibilidade já é uma realidade que se impôs, por exemplo, no acordo da Coreia do Sul.

A Argentina não participa da negociação de bens e regras de origem. A discussão da flexibilidade vai ter de acontecer em algum momento, até para ter o cobertor jurídico para o que está acontecendo hoje.

Esse ponto explica a tensão com o Uruguai neste momento?

Veja, o governo brasileiro está alinhado com o Uruguai no sentido de que o Mercosul precisa entregar mais resultados e que pra isso precisa de flexibilidade negociadora. O que ainda não está maduro no governo brasileiro é o que se entende por flexibilidade negociadora.

Diante da atitude que soberanamente o Uruguai tomou de anunciar uma negociação com a China, do ponto de vista do Ministério da Economia, não há problema legal, até porque a resolução 32.00 (que exige consenso em negociações externas) nunca foi internalizada. Mas dentro do governo brasileiro essa posição ainda não é uníssona.

O Itamaraty tem uma posição mais conservadora, acha que o Tratado de Assunção gera um impedimento. Temos um saudável debate interno, que dificulta poder dar ao Uruguai um posicionamento do Brasil como o Uruguai espera.

Mas o Brasil entende que deve haver flexibilidade, o próprio presidente Jair Bolsonaro já defendeu isso em cúpulas, falta uma definição clara de qual seria o formato dessa flexibilidade.

A Argentina, por sua vez, não aceita a flexibilidade.

Argentina e Paraguai têm resistência maior e entendem que contraria o Tratado de Assunção.

O Uruguai está condicionando sua adesão à redução da TEC a que o Brasil, principalmente, dê um apoio explícito e contundente à flexibilidade. Se isso não vai acontecer, agora, corre perigo o acordo sobre a TEC?

Será uma decisão de cada um. O Brasil se apoia numa cláusula de exceção do Tratado de Montevideo. Nada impede que outros façam o mesmo. Ao que parece, não há sentimento de urgência por parte dos outros países.

O Brasil fez isso por uma emergência, pelo nosso entendimento de que precisamos de um choque de oferta para minimizar os impactos inflacionários que, como já disse, é um problema global. Fizemos isso de uma forma unilateral, mas é algo provisório. Vamos lutar para que seja uma redução oficial entre os quatro sócios do Mercosul.

Essa decisão que fizemos é válida até o final de 2022. Nossa ideia é de que até janeiro os quatro sócios  façam o mesmo movimento.

O Uruguai não é contra, mas quer um pacote completo mais ambicioso. Agora, o governo brasileiro já se manifestou e não vai se opor ao início das negociações do Uruguai com a China ou qualquer outro país.

Qualquer país pode anunciar negociações, no único momento que teremos uma questão legal é quando esse acordo tiver de ser internalizado, o que vai demorar anos. A segurança jurídica que o Uruguai pretende só virá se for uma decisão do Mercosul.

Na última cúpula a declaração final, pela primeira vez, foi assinada apenas por três países. Qual é seu diagnóstico hoje do Mercosul?

Vejo o Mercosul com otimismo, você não rompe um equilíbrio de 30 anos sem quebrar alguns ovos. O processo atual é o início de um processo de modernização necessário e já tardio.

O que se discute hoje é qual o nível de reforma que o bloco precisa. Do lado do Brasil, Uruguai e Paraguai está claro que o Mercosul precisa de mais abertura comercial, de maior inserção internacional, que se dá por meio da redução da TEC e mais acordos regionais.

Existe debate interno e a política, naturalmente, interfere. O Brasil tem claro que o Mercosul não serviu ao seu propósito, não houve aumento da inserção internacional.

Temos uma das TECs mais altas do mundo, o menor número de acordo regionais do mundo, então, nos perguntamos para que serve esse arranjo. A União Europeia (UE), por exemplo, tem um comércio intra-bloco muito forte, mas é também um dos maiores players internacionais.

Quando pensamos o que o Brasil poderia ter ganho e não ganhou porque ficou amarrado num bloco pouco dinâmico nos perguntamos a razão disso. O único diagnóstico possível é que na verdade o Mercosul serviu esse tempo todo como grande projeto de reserva de mercado. Ao contrário, queremos um Mercosul que sirva como uma plataforma de maior integração global para os sócios.  

Como se concilia esse diagnóstico com uma Argentina cada vez mais fechada, por conta da escassez de dólares?

Há o reconhecimento por parte do Brasil de que existe um problema macroeconômico de vulnerabilidade externa alto na Argentina, e não é do interesse brasileiro prejudicar mais o país. Por isso, em todo esse processo de reforma da TEC o governo brasileiro vem dizendo que a Argentina não precisa acompanhar o Brasil nesse momento, o que pedimos é um waiver (permissão), ou seja, nós reduzimos a tarifa agora e eles nos acompanham lá na frente. Mas a Argentina resiste, porque perde a reserva de mercado.

O custo dessa reserva de mercado é maior para a maior economia do bloco. Qual é o benefício que isso traz para o Brasil? Então, tudo bem, queremos manter nosso bloco, mas o Brasil quer mais, quer olhar para o mundo. Se puder ser com o Mercosul ótimo, senão, vamos sozinhos.

Do ponto de vista técnico, o Mercosul tem conseguido chegar a acordos. Até que ponto a política e questões como a relação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o atual governo argentino atrapalham?

Se a economia tivesse a palavra final no Mercosul, é muito provável que o Mercosul não existisse mais, tal como ele é hoje. Existe porque a política falou mais alto. Não me refiro a este governo, me refiro aos últimos 30 anos. Esse modelo do Mercosul rígido e pouco dinâmico só existe porque a decisão final foi e é da política, ou seja, gostemos ou não, há que se reconhecer a legitimidade dessas decisões.

O papel dos técnicos e apontar o que se ganha e o que se perde mantendo ou modificando as coisas. Se a política vai atrapalhar ou não ano que vem (pelas eleições no Brasil e a proximidade entre Lula e o governo argentino), o tempo nos dirá.

https://oglobo.globo.com/economia/o-brasil-quer-olhar-para-mundo-se-for-com-mercosul-otimo-senao-vamos-sozinhos-diz-secretario-de-comercio-brasileiro-1-25317192