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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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domingo, 2 de junho de 2024

Itamaraty nega engajamento do país em conflito após ucraniano apontar alinhamento com Rússia - Eliane Oliveira (O Globo); O Antagonista

Sobre a afirmação do assessor presidencial dizendo que "respeita o sofrimento do povo ucraniano". Trata-se de uma zombaria e de uma ofensa

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 2 de junho de 2024

A afirmação do assessor internacional é estranha, começando pelo fato dele dizer, em nome do Brasil, que "respeitamos o sofrimento do povo ucraniano."

Respeitar sofrimento é uma forma de diminuir a importância do verdadeiro morticínio a que vem sendo submetido aquele povo sob mísseis e bombardeios diários (e noturnos) sobre alvos civis, justamente para causar o maior número de mortos. São incontáveis, milhares os crimes de guerra, contra a paz e contra a humanidade perpetradas pelas forças russas na Ucrânia.

A afirmação seguinte é ainda mais desprovida de sentido e de qualquer conexão com a realidade, ao mencionar que é preciso "levarmos em consideração as preocupações das partes, o que pressupõe diálogo entre elas". Uma frase velha, equivocada e deliberadamente enganosa, como se houvesse, antes e agora qualquer ameaça à segurança da Rússia vinda da Ucrânia ou mesmo da OTAN, que não tem a Ucrânia entre seus membros. A Rússia NUNCA pretendeu diálogo: invadiu sem sequer um ultimatum, que costuma ser uma prévia a uma declaração de guerra, segundo as leis da guerra, que a Rússia nunca respeitou e desrespeita continuamente. 

O Brasil está sim alinhado com a Rússia e não é apenas por razões comerciais ou econômicas, como afirmou Zelensky (o que não deveria ter feito), mas que não deixa de ser uma verdade, mas apenas meia verdade, e talvez 1/4 de verdade. Independentemente de qualquer comércio, antes e depois da guerra de agressão – e cabe ressaltar que Lula aumentou em mais de 200% a importação de combustíveis russos para o Brasil, o que não deixa de ser uma forma de alimentar a máquina de guerra de Putin –, vamos convir que Lula e o lulopetismo já estavam predispostos a apoiar Putin EM QUALQUER CIRCUNSTÂNCIA, dada a aproximação e a verdadeira aliança politica-ideológica com o regime russo, no seu empreendimento de se opor ao "hegemonismo americano" no mundo e de construir uma "nova ordem global", como Lula, o próprio Putin e Xi Jin Ping já proclamaram várias vezes.

Considero a postura de Lula, do PT, do governo brasileiro e do Itamaraty (por submisso) indigna das tradições diplomáticas brasileiras, de respeito (sim) e de defesa ativa do Direito Internacional, da solução pacífica das controvérsias (como reza a Constituição) e de real neutralidade nos conflitos interimperiais. Mas não é disso que se trata e sim de uma agressão ilegal e criminosa contra um país soberano, com o qual mantemos relações diplomáticas, mas que não mereceu até aqui qualquer sombra de apoio na sua luta dificílima contra uma superpotência agressora e criminosa.

Lula e a sua diplomacia petista envergonham o Brasil e os brasileiros, a mim particularmente.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 2 de junho de 2024


Ministério nega engajamento do país em conflito após ucraniano apontar alinhamento com Rússia
ELIANE OLIVEIRA
BRASÍLIA
O Globo, 1/06/2024

Em resposta às declarações do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que acusou o Brasil de se aliar à Rússia por razões comerciais, o Itamaraty negou ontem que o governo brasileiro tenha tomado partido na guerra entre os dois países. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, não há e jamais houve engajamento brasileiro no conflito.

Por sua vez, o assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República, Celso Amorim, disse que o Brasil "respeita o sofrimento dos ucranianos".

- Respeitamos o sofrimento do povo ucraniano. Queremos contribuir para uma paz alcançável. Isso só será possível se levarmos em consideração as preocupações das partes, o que pressupõe diálogo entre elas, preferencialmente com apoio de países que gozem de confiança de ambos - declarou.

Em entrevista a um grupo de jornais latino-americanos na quinta-feira, da qual O GLOBO fez parte, Zelensky insinuou que o Brasil se aliou à Rússia por razões comerciais.

- A economia é importante até que chega uma guerra, e quando a guerra chega os valores mudam - disse.


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Zelensky critica Lula por "priorizar aliança" com Putin
Redação O Antagonista, 31/05/2024

Em entrevista a jornalistas latino-americanos, Zelensky ressaltou o clima de perplexidade que existe na Ucrânia em relação ao Brasil

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, voltou a criticar Lula (PT) por "priorizar a aliança com um agressor", referindo-se à Rússia, do ditador Vladimir Putin.

Em entrevista a jornalistas latino-americanos em Kiev, publicada por O Globo, o chefe de Estado ucraniano expressou desejos de cooperação com países da região como Argentina, Chile, Colômbia, Peru e El Salvador, mas ressaltou o clima de perplexidade que existe na Ucrânia em relação ao Brasil.

"O Brasil deve estar do nosso lado e dar um ultimato ao agressor [a Rússia] por que temos de voltar a repetir estas coisas? Pela memória histórica, por temas econômicos? A economia é importante até que chega uma guerra, e quando a guerra chega os valores mudam. Pesam mais as crianças, a família, a vida, só depois está o comércio com a Federação Russa", afirmou.

"Acho que uma aliança do Brasil com os países da América Latina é muito mais potente do que apenas com a Rússia. E seria justo que nos dessem esse apoio. Não tive uma declaração conjunta com o presidente Lula, ou entre Ucrânia e Brasil por que é assim, se nós somos os atacados?", questionou.

A visita de Amorim, do Itamaraty paralelo, a Pequim

Segundo o jornal, a recente declaração conjunta de Brasil e China, dada durante a visita de Celso Amorim a Pequim, na qual os dois países defenderam que Moscou participe da conferência que será realizada em junho, na Suíça, sobre a invasão russa à Ucrânia, apenas reforçou a convicção de Zelensky e dos diplomatas ucranianos de que Lula está do lado de Putin.

"Não entendo. Por que não confirmar [a participação dos presidentes no encontro]? A última sinalização é de que Brasil e China estariam dispostos a participar se a Rússia participar. Mas a Rússia nos atacou. Por acaso o Brasil está mais próximo da Rússia do que da Ucrânia? A Rússia é hoje um país terrorista", disse Zelensky.

"Estamos esperando os líderes de todos os países do mundo que querem terminar com esta guerra, mas não nas condições e com os ultimatos russos", acrescentou o presidente ucraniano, que acusa a Rússia de ter bloqueado todas as tentativas de negociações realizadas.

As consequências da queda da Ucrânia

Para Zelensky, falta ao governo Lula "prever as consequências de uma [eventual] queda da Ucrânia".

"Isso faria com que existisse uma alta probabilidade de que países pequenos possam ser suprimidos por países grandes", afirmou.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Lula mira no G20 após entraves na América Latina - Eliane Oliveira (O Globo)

 Lula mira no G20 após entraves na América Latina 

Eliane Oliveira
O Globo, 8/01/2024

No primeiro ano do terceiro mandato, presidente resgata imagem do Brasil no exterior, mas sofre revés na integração da América do Sul; atuação na presidência do grupo de maiores economias do mundo será prioridade em 2024, dizem analistas.

Em 2023, afirmam especialistas ouvidos pelo GLOBO, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu tirar o Brasil da condição de pária internacional e levar o país de volta aos grandes debates da agenda mundial, como prometido durante a campanha. A diplomacia voltada para a América Latina, no entanto, não saiu como esperado. 

Sem sucesso em seu projeto de integração sul-americana, Lula terá agora que intensificar seus esforços em uma região cada vez mais dividida em 2024, ano em que o governo estará concentrado na presidência do G20, grupo formado pelas maiores economias do planeta. Ainda no começo de 2023, Lula tentou ressuscitar a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), abolida no governo do então presidente Jair Bolsonaro. Promoveu, em maio, uma reunião de líderes da região em Brasília, mas, sem receptividade nem entre os governantes de esquerda, teve de desistir da ideia.

 Durante a cúpula, Lula dedicou tratamento diferenciado ao presidente venezuelano, Nicolás Maduro — aposta que também não deu certo. O chefe de Estado brasileiro causou polêmica à época ao declarar que as denúncias de desrespeito aos direitos humanos na Venezuela eram uma questão de “narrativa”. Atraiu críticas até mesmo de governos de esquerda na região, como o do chileno Gabriel Boric. Fator Milei Meses depois, foi apanhado de surpresa pela ameaça de Maduro de invadir a região do Essequibo, na Guiana, rica em petróleo — confronto que, caso saia da retórica, atinge diretamente o Brasil.  
Para dificultar ainda mais seu empenho na América do Sul, o economista ultradireitista Javier Milei, amigo da família Bolsonaro e que atacou duramente o presidente brasileiro durante a campanha, foi eleito na Argentina. Lula e Milei não se falam, mas a diplomacia dos países trabalha por uma boa relação. — Como se fosse pouco, a vitória de Milei e sua anunciada aproximação com os Estados Unidos subtrai de Lula seu principal trunfo diplomático no continente como interlocutor privilegiado e partícipe da mesma visão de mundo — afirma o ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente Rubens Ricupero, que chefiou as embaixadas do Brasil na Itália e nos EUA. 

 Ricupero cita, ainda, como fatores complicadores, o fato de o 
Chile não ter conseguido adotar uma nova Constituição, após dois referendos; o Peru seguir mergulhado em aguda instabilidade política; e a Colômbia, parceiro incontornável na Amazônia, ter-se convertido em promotora da tese de proibição da prospecção petrolífera na região, posição oposta à brasileira. — Parece natural, assim, que o eixo de prioridades da política exterior de Lula se desloque da América do Sul e dos problemas intratáveis da guerra da Ucrânia e da Faixa de Gaza [foco do conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas] para a ênfase no desafio de presidir o G20 e preparar sua grande reunião de cúpula no Rio em novembro de 2024. O diplomata reconhece, no entanto, que as prioridades de política externa definidas por Lula dominaram boa parte deste primeiro ano de governo. Segundo ele, pode-se dizer que algumas “foram finalizadas”, entre elas a de se garantir em pouco tempo que o Brasil estivesse de volta ao cenário mundial “como ator de primeira linha”. 

 — A expressão visível do atendimento dessas prioridades consistiu na rápida sucessão de viagens ao exterior: Buenos Aires, Montevidéu, Washington, Pequim, Lisboa, Bruxelas, além de visitas expressivas ao Brasil de personalidades como o chanceler alemão [Olaf Scholz], a presidente da União Europeia [Ursula von der Leyen] e altos funcionários americanos. A precondição para viabilizar tudo isso foram as profundas medidas internas de combate ao desmatamento e ao garimpo ilegal na Amazônia, a decisão de realizar em Belém a COP30 [Conferência Mundial sobre o Clima, em 2025], e a política em relação aos povos indígenas e aos direitos humanos. Creio que toda essa parte do programa foi concluída. Reposicionamento Marcos Caramuru, conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e ex-embaixador na China e na Malásia, concorda que é preciso melhorar a coordenação dos países da América do Sul, num contexto de governos com diferentes orientações ideológicas e baixa capacidade de diálogo. 

Mas avalia que, em cenário em que as lideranças mundiais reconhecidas estão perdendo espaço e diversos países se posicionando de forma independente no quadro internacional, novas oportunidades se abrem. — O Brasil, que parecia haver desistido de ocupar um espaço próprio no cenário mundial, soube se reposicionar como ator visível e atuante. Em alguns momentos, a política externa alimentou a ambição de interferir em questões que não podemos resolver, o que não obscurece os acertos. Para Dawisson Lopes, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais, Lula cumpriu objetivos estabelecidos na transição: o Brasil retornou ao cenário internacional, participou de mesas negociadoras na América Latina e ao redor do mundo, e tem sido um articulador em temas como a governança ambiental. Lopes também cita o pagamento das dívidas com organismos internacionais e a volta do Brasil à Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). E afirma que o mais importante está por vir: a atuação brasileira na presidência do G20. Nesse quesito, Lula busca agenda consensual: a luta contra a fome e a desigualdade; o combate ao aquecimento global e a reforma do sistema internacional.

 — O primeiro ano foi um ensaio para o que virá na política externa. É natural que alguns objetivos ainda não tenham sido atingidos, como a normalização democrática na Venezuela — diz o acadêmico. Principal formulador da diplomacia presidencial, o assessor para Assuntos Internacionais de Lula, Celso Amorim, confirma que o esforço de integração da América do Sul é prioridade. E destaca a presidência do G20 — o mandato do Brasil vai até novembro —, a preparação para a COP30, a aproximação com a África e a administração de impactos causados por crises. — O papel do Brasil em ajudar a resolver conflitos é reconhecido internacionalmente — afirma Amorim.  


quinta-feira, 20 de julho de 2023

A novela do acordo Mercosul-UE ainda não acabou - Eliane Oliveira (O Globo)

 Governo vai propor à UE vantagens para firmas brasileiras em licitação 


Brasil vai propor à UE vantagem para firmas brasileiras em licitação
Governo fecha contraposta para avançar com o acordo de livre comércio e envia texto aos outros parceiros do Mercosul
Por Eliane Oliveira — Brasília e Bruxelas
O Globo, 20/07/2023 

O governo Lula decidiu que vai exigir dos europeus ao menos três alterações nas chamadas “compras governamentais” para prosseguir com a negociação do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia (UE).

Em primeiro lugar, o Brasil quer que empresas da Europa que ganharem concorrências para fornecer ao governo brasileiro sejam obrigadas a oferecer algum tipo de contrapartida, como investimentos no país e transferência de tecnologia.

Em segundo, o governo propõe, nas disputas, uma margem de até 20% no preço do bem ou serviço em favor das empresas brasileiras. Ou seja, elas ganhariam a licitação mesmo com preço até 20% mais alto que o de europeias. Por fim, a ideia é que essa seja uma vantagem também para empresas de médio e grande porte do Brasil, não só para pequenas.

As compras feitas pelas Forças Armadas e, em alguns casos pontuais, pelo Sistema Único de Saúde (SUS) já eram exceções no texto fechado há três anos por negociadores dos dois blocos. A ideia agora é retirar do acordo todas as aquisições do SUS.

A isonomia a empresas brasileiras e europeias nas disputas por contratos do governo é um dos pontos de maior discordância entre o Brasil e a União Europeia para que o acordo entre em vigor. Ontem, em Bruxelas, o presidente Lula afirmou que o Mercosul vai enviar sua contraproposta aos europeus em um prazo “de duas a três semanas”.

Segundo interlocutores envolvidos diretamente no assunto ouvidos pelo GLOBO, a contraproposta já foi encaminhada pelo Brasil aos demais integrantes do Mercosul (Argentina, Paraguai e Uruguai) e deverá ser apresentada aos europeus na primeira quinzena de agosto. Os termos também valerão para as concorrências públicas destes países.

— Nós fizemos a resposta brasileira. Está sendo discutida com os quatro países e, daqui a duas semanas, três semanas, vamos entregar definitivamente a proposta para a UE — disse Lula, em entrevista sobre a reunião de líderes da América Latina e UE.

Pela nova proposta, quanto mais sustentáveis ambientalmente forem as empresas brasileiras, mais altos os percentuais que elas poderiam ter como vantagem em uma licitação, até esse teto de 20%. No documento fechado em 2019, não havia previsão desse tipo de compensação nas compras governamentais, apenas uma margem de 10% restrita a micro e pequenas empresas, explicou um técnico do governo.

Aprovado na sexta-feira por Lula, o documento é uma resposta ao instrumento adicional ao acordo apresentado pela UE em março ao Mercosul. O texto prevê sanções em caso de descumprimento de compromissos ambientais.

A contraproposta não fala em retaliações, reforça os compromissos assumidos pelo Brasil — como o fim do desmatamento ilegal na Amazônia até 2030 — e sugere parcerias.

O novo texto elaborado pelo Brasil está literalmente nas mãos dos demais sócios do país no Mercosul. Não foram feitas versões digitais, apenas de papel, para evitar vazamentos, ressaltou uma fonte.

No caso do SUS, um dos argumentos é o de que as negociações entre Mercosul e UE foram concluídas em meados de 2019, antes da Covid-19. O Brasil se viu refém da importação de insumos para vacinas e equipamentos de respiração artificial, o que reforçou a avaliação de que o setor é estratégico. As compras públicas são um instrumento para incentivar a produção local de insumos médicos.

A única exceção prevista no texto atual é para parcerias de desenvolvimento tecnológico com o setor privado. Com as novas regras propostas, o Brasil espera fortalecer a indústria nacional.

Em entrevista ao GLOBO, o assessor para assuntos internacionais de Lula, Celso Amorim, reforçou a motivação:

— Há um desejo de reindustrialização. Não é uma repetição do modelo antigo, mas mais adequada ao meio ambiente, ao clima. Isso tem que ser com algum apoio do Estado.

Em compras governamentais, o governo quer desenvolver uma política nacional de offset (compensações ou contrapartidas) e margens de preferência, que se estenderia tanto à UE como a outros parceiros internacionais. São mecanismos previstos na nova Lei de Licitações (14.133), que vai substituir a 8.666 a partir de 2024, explicou um interlocutor do governo.

As hipóteses de execução dessa política são variadas. Em uma pandemia, por exemplo, o fornecedor de respiradores teria de transferir tecnologia a fabricantes nacionais. Ou um grupo escolhido para construir uma rodovia teria de contratar empresas de determinado município para reflorestar as margens da estrada.

A expectativa é que as negociações entre Mercosul e UE sejam concluídas até o fim deste ano. O governo avalia que os europeus não devem criar problemas em compras governamentais, pois “o mundo inteiro está indo nessa direção”, priorizando a economia verde. A avaliação é que haverá maior dificuldade na aprovação do tratado nos 27 parlamentos. A equipe de Lula viu a carta adicional ao acordo (side letter, em inglês) da UE como “ameaçadora”. Para integrantes do governo, é preciso equilíbrio, para que os dois lados ganhem. (Colaborou Paola de Orte, especial para O GLOBO)

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Chances de um encontro entre Lula e Zelensky diminuem sensivelmente, depois de entrevista de ucraniano - Eliane Oliveira, Alice Cravo (O Globo, Estadão)

 Itamaraty rebate Zelensky e diz que foram oferecidos três horários para reunião com Lula no Japão

Em entrevista publicada nesta quinta-feira, presidente da Ucrânia afirmou que desencontro com Lula não foi culpa dos ucranianos. Ele insinuou que o presidente brasileiro não tinha tempo para a reunião
Eliane Oliveira — Brasília
O Globo, 01/06/2023 13h13 

O Itamaraty rebateu as declarações do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, publicadas em entrevista a sete veículos de imprensa da América Latina, incluindo a "Folha de São Paulo", de que o encontro que havia sido acertado com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante uma reunião do Grupo dos Sete (G7), não aconteceu por causa do brasileiro. O Ministério das Relações Exteriores reafirmou ao GLOBO que foram oferecidos três horários a Zelensky, que não foram aceitos pelos ucranianos.

A reunião do G7 aconteceu em Hiroshima, no Japão, no mês passado. Ao chegar ao evento, Zelensky pediu uma audiência com o presidente Lula. De acordo com uma fonte que acompanhou as negociações, o governo brasileiro tem registradas todas as mensagens trocadas pelos respectivos chefes de cerimonial dos dois países.

Na entrevista publicada nesta quinta-feira, Zelensky afirmou que "definitivamente não foi por nossa causa" que a reunião bilateral não ocorreu. Brasil e Ucrânia estavam entre os convidados para o encontro do G7, formado por Estados Unidos, Reino Unido, França, Japão, Itália, Alemanha e Canadá.

A ida do presidente ucraniano a Hiroshima já era esperada pelo governo brasileiro, que foi comunicado pelo menos duas vezes no dia 10 de maio: pelos japoneses, anfitriões do evento; e durante uma reunião, em Kiev, entre Zelensky e o assessor para assuntos internacionais de Lula, Celso Amorim.

Momentos antes de deixar o Japão, Zelensky foi irônico, ao dizer que Lula deveria estar "desapontado", porque o encontro não aconteceu. Na entrevista desta quarta-feira, ele afirmou que "Lula quer ser original", com sua ideia de criar um clube de paz para negociar a paz entre Rússia e Ucrânia. Ele insinuou que o presidente brasileiro não teve tempo para a reunião.

— Ele encontrará tempo para responder a essa questão [se Lula concordaria com a punição dos assassinos na guerra]? Ele não achou tempo para se reunir comigo, mas, talvez, tenha tempo para responder a essa pergunta — afirmou Zelensky.


'Lula acha que assassinos em massa deveriam ser condenados e presos?', questiona Zelenski
O Estado de S. Paulo, 01/06/2023

O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, cobrou nesta quinta-feira, 1, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo uma posição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma posição sobre os crimes de guerra cometidos pela Rússia em seu país.

“Lula precisa responder a algumas perguntas muito simples. O presidente acha que assassinos devem ser condenados e presos? Creio que, se tiver a oportunidade, ele dirá que sim. Ele encontrará tempo para responder a essa questão? Ele não achou tempo para se reunir comigo, mas, talvez, tenha tempo para responder a essa pergunta”, questionou Zelenski, em referência aos relatos de execução em massa e tortura de civis nas cidades de Bucha e Mariupol. A Rússia também é acusada de roubar crianças ucranianas e tirá-las do país.

“Se milhares de pessoas foram assassinadas na Ucrânia —não sabemos quantas dezenas de milhares foram mortos e torturados nas partes de nosso território ocupadas pelos russos—, os assassinos estavam cumprindo ordens? Se foi um assassinato em massa, deveria ser presa a pessoa que mandou outras pessoas fazerem isso? Acho que [Lula] dirá: bom, provavelmente, os assassinos em massa são sádicos. E, portanto, deveriam estar na prisão”, prosseguiu Zelenski.

“Se o presidente quiser ser original, ele pode dizer: ‘O tribunal que a Ucrânia propõe não é adequado, mas eu sei –dirá o presidente Lula– como colocar os assassinos atrás das grades de uma maneira mais rápida, sem tribunal’. Bom, aí a Ucrânia ficará muito contente em receber este conselho do presidente Lula de como colocar os assassinos do Kremlin na prisão de forma ainda mais rápida. Estamos sempre abertos a qualquer inovação na aplicação das leis.”

Desencontros no G-7
Lula tem tentado desde que tomou posse intermediar um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia e o Brasil tem adotado uma posição de neutralidade no conflito. Declarações públicas do presidente que responsabilizam Kiev pelo conflito, no entanto, foram interpretadas como um sinal de apoio ao Kremlin.

Lula e Zelenski chegaram a conversar por videoconferência no começo do ano e o presidente enviou seu assessor especial de política externa Celso Amorim para encontrar o líder ucraniano em Kiev. Apesar disso, na cúpula do G-7 em Hiroshima, no mês passado, os dois não se reuniram.

Segundo o Itamaraty, os ucranianos não apareceram ao encontro no horário sugerido, mas Zelenski deu outra versão. “No G-7, tive várias reuniões bilaterais. Disseram que a gente não havia tentado nem se esforçado para encontrá-lo, isto não é verdade. Não é gente séria, substantiva, que está dizendo isso”, disse o presidente da Ucrânia. “Reitero que quero me encontrar com ele. Já ofereci a realização de uma reunião em qualquer formato. Já convidei várias vezes o presidente Lula para vir à Ucrânia. Estivemos em contato com a equipe dele quando ele estava na Espanha e em Portugal, pensei naquele momento porque a distância era menor e talvez ele conseguisse encontrar um tempo.”


Lula recebe presidente da Finlândia, aliada da Ucrânia, e critica invasão do país pela Rússia
Presidente participa de uma bilateral com o presidente da Finlândia, Sauli Niinistö
Alice Cravo — Brasília
O Globo, 01/06/2023

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente da da Finlândia, Sauli Niinistö, discutiram nesta quinta-feira, durante uma reunião bilateral, sobre a guerra entre Ucrânia e Rússia. Em declaração à imprensa, Lula reforçou as críticas à ocupação territorial da Ucrânia e afirmou que o Brasil faz parte de um grupo de países que "quer se manter neutro" para construir possibilidade do fim da guerra.

— O Brasil desde que começou essa guerra fez crítica a ocupação territorial da Ucrânia — afirmou, completando: — Estamos tentando formular a oportunidade, quando convier aos dois presidentes, da Rússia e da Ucrânia, colocar uma proposta de paz na mesa que tem que ser combinada com os dois. Não acontecerá nada enquanto Ucrânia e Rússia não tomarem a decisão de que querem a paz. O Brasil, portanto, faz parte de um grupo de países que querem se manter neutro para construir a possibilidade do fim da guerra.

Em seu pronunciamento, Lula afirmou que ouviu com "interesse" as considerações do outro presidente sobre o conflito e que reafirmou a posição em defesa da integridade territorial da Ucrânia.

— Ouvi com muito interesse as considerações do presidente Niinisto sobre a guerra entre a Ucrânia e a Rússia, país este com o qual a Finlândia partilha mais de mais de mil e trezentos quilômetros de fronteira. Reiterei a posição do Brasil de defesa da integridade territorial da Ucrânia e de condenação da invasão. Afirmei também nossa convicção sobre a necessidade de criar espaços de diálogo, que contribuam para a busca de solução pacífica para o conflito.

O presidente da Finlândia, por sua vez, afirmou que está "plenamente com a mesma opinião" do presidente Lula e que a "paz é a coisa mais importante".

— Estamos plenamente com a mesma opinião. A paz é a coisa mais importante e toda tentativa pela paz é muito valiosa. O nosso pensamento é que a Ucrânia foi atacada ilegalmente pela Rússia e a Ucrânia precisa de uma paz que a Ucrânia tem que aceitar, mas é bastante óbvio que hoje a paz precisa chegar, mas precisa estar de acordo e é preciso discutir como garantir uma paz na região.

Lula ainda afirmou que assinou com Niinistö um acordo sobre serviços aéreos na reunião bilateral realizada no Itamaraty.

-- Estou certo de que a delegação empresarial que acompanha o presidente encontrará excelentes oportunidades de negócio e investimento no Brasil. O acordo sobre serviços aéreos que assinamos hoje reforça nossa vontade de aproximação.


segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Arminio Fraga alerta para o perigo do excesso de endividamento público- Luciana Rodrigues e Eliane Oliveira (O Globo)

 "ESTAMOS TRILHANDO UM CAMINHO PERIGOSO. O BRASIL É UM PAÍS MUITO ENDIVIDADO" 

ENTREVISTA: Arminio Fraga/ EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL 

Por Luciana Rodrigues e Eliane Oliveira — Rio e Brasília 

O GLOBO | Sábado 19.11.2022 


Após carta a Lula pedindo responsabilidade fiscal do governo eleito, economista afirma que os pobres sofrem mais com instabilidade econômica e propõe âncora que leve à redução da dívida pública.  

A maior garantia para uma democracia é o sucesso dela, avalia Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central durante o governo Fernando Henrique Cardoso e que, ao lado de economistas que formularam o Plano Real, declarou voto em Lula durante a corrida eleitoral.  

Agora, Arminio alerta para o que enxerga como um risco de descontrole nas contas públicas e à estabilidade econômica na “PEC da Transição”, ecoado também nas declarações recentes do presidente eleito. Ele afirma que o mercado financeiro não é um cassino, que a Bolsa é um canal importante de capital para a economia crescer e que a falta de horizonte fiscal pune principalmente os mais pobres. E propõe nova âncora fiscal que leve em conta não só os gastos do governo, como também a dívida pública. 

 

O presidente eleito Lula deu declarações que causaram preocupação no meio econômico. Ele ironizou “a tal responsabilidade fiscal” e, na quinta-feira, disse que “vai aumentar o dólar, vai cair a Bolsa, paciência”. Por que é importante ter estabilidade financeira? Em sua opinião, Lula minimiza isso? 

 

Não existe um único caso de uma economia que tenha se desenvolvido plenamente sem ser através do mercado. Mesmo a China evoluiu nessa direção. O mercado é um mecanismo de coordenação, sinalização, alocação de capital e também um ambiente pra poupar. Pressupõe bom ambiente regulatório e que inspire confiança. Isso coloca na berlinda essas declarações recentes (do Lula). 

 

Isso (o mercado) não é um cassino, onde as pessoas entram e umas ficam ganhando das outras. Não é o que os economistas chamam de um jogo de soma zero. É um jogo muito produtivo. Se for bem estruturado, gera ganhos sociais importantes e é a única forma de se fazer uma economia funcionar bem. Um exemplo: a Bolsa traz capital para a economia real de uma maneira disciplinada. Não se conhece um mecanismo melhor. 

 

Tome-se um caso brasileiro recente: o balanço do BNDES encolheu muito nesses últimos anos, mas foi mais do que compensado pelo mercado de capitais. No caso do câmbio, é a mesma coisa: se conecta direto com a economia real. O Brasil sofreu muito quando tinha o câmbio fixo ou administrado. Volta e meia havia uma crise de balanço de pagamentos (nas trocas do país com o exterior). 

 

O câmbio flutuante ajudou bastante nesse sentido. Por fim, outra questão é a taxa de juros. O Brasil já fez várias experiências voluntaristas nessa área, sempre com resultados desastrosos, e precisa construir um espaço de confiança para ter um juro mais normal. Isso conversa como a responsabilidade fiscal. 

 

Em carta endereçada a Lula na última quinta-feira, escrita pelo senhor, Pedro Malan (ex-ministro da Fazenda) e Edmar Bacha, o impacto nos juros é mencionado. 

 

Na maioria dos países, os maiores devedores são os governos. E, se os governos estiverem com a casa em ordem, em geral as taxas de juros são mais baixas. O Brasil precisa arrumar a casa de uma maneira convincente e sustentável. Mas, no momento, tudo indica que essa ideia está sendo ignorada. Infelizmente, acho que estamos trilhando um caminho perigoso. O Brasil é um país muito endividado. 

 

Para um país que paga 6% na sua dívida, isso é um enorme problema. É um elemento de um potencial círculo vicioso que precisa ser interrompido com certo sangue frio, muita disciplina, apostando no futuro. 

 

Olhando agora essa discussão no Congresso (sobre a PEC da Transição), tenho a impressão de que o governo está querendo ganhar uma eleição daqui a seis meses, que não existe, quando é preciso pensar que a eleição que tem que ser ganha é daqui a quatro anos. Não dá para ganhar de maneira errada, com ações populistas. 

 

O senhor declarou voto em Lula, assim como Edmar Bacha (ex-presidente do BNDES), Pedro Malan (ex-ministro da Fazenda) e Pérsio Arida (um dos pais do Plano Real e hoje na equipe de transição do futuro governo). Na ocasião, afirmou que esperava responsabilidade fiscal do presidente eleito. Como vê a situação agora? 

 

Na realidade, o sentido daquela frase curta, quando falamos que esperávamos responsabilidade fiscal, era de expectativa no sentido de esperança. Tínhamos esperança de que as lições do período em que o PT esteve no poder tivessem sido incorporadas, mas hoje em dia temo que não tenham sido. Naquele momento em que divulgamos nosso voto, nos preocupava era a nossa democracia. Foi essa a razão do nosso voto. 

 

Essa é a questão. E segue sendo uma questão na medida em que a maior garantia para a democracia é o sucesso dela. Todas as grandes nações onde se tem qualidade de vida, não só material, mas institucional, são democracias. As outras não chegaram lá. A União Soviética quebrou, a China ainda é muito cedo para dizer, mas eles já estão começando a enfrentar problemas. Para nós, é algo da maior importância. 

 

Inclusive, falo em nome dos colegas, como o Pérsio, que no momento não está podendo falar, pois está na equipe de transição. Nossa crítica, nossos alertas, são construtivos. Queremos ver as coisas darem certo. As nações funcionam em um contexto democrático. Por exemplo: você gostaria de ter um parente seu preso arbitrariamente, sem ter direito a um julgamento isento? Você gostaria de morar em um país assim? É muita coisa que está em jogo. 

 

A solidez de uma democracia também depende do sucesso que ela entrega em termos de qualidade de vida pra sua população? É importante uma economia estável para que a democracia siga fortalecida? 

 

Uma economia tem sucesso quando consegue, ao longo do tempo, ir melhorando a qualidade de vida das pessoas, de forma percebida como sendo razoável e justa, onde as pessoas têm oportunidades e não importa tanto o código postal onde você apareceu no mundo. Esse grande tema está colocado para nós e é uma via de mão dupla. 

 

Assim como o mercado tem defeitos, a democracia também tem os seus. Mas, nos dois casos, não existe sistema melhor. E que têm que ser permanentemente aperfeiçoados. É preciso que haja, portanto, mecanismos de reflexão e de correção de rumos. Esses assuntos interagem. Há literatura sobre o tema. Não estou inventando nada. 

 

O aumento de impostos pode ser uma forma de o governo evitar que o país fique ainda mais endividado? 

 

Mesmo sem essa expansão fiscal, já não é de hoje que se faz necessário um ajuste. E tenho defendido que o ajuste fiscal vai além do necessário para começar a reduzir o endividamento público. É uma janela para um repensar das prioridades. Isso está embutido no discurso que o presidente eleito fez lá no Egito agora, só que ele fez de um jeito, a meu ver, equivocado. Ele disse que estamos tirando dinheiro da saúde, da educação, da cultura, da ciência para pagar juros. 

 

Por trás do que ele disse, havia uma crítica explícita à responsabilidade fiscal. A pergunta maior é, se o Brasil já tem uma carga tributária tão alta para um país de renda média, por que é que essas áreas não estão atendidas? 

 

Aí fica essa história que a gente conhece bem há décadas: o gasto e a carga tributária vão aumentando e chega um ponto em que o sistema começa a falhar, existe uma exaustão. A carga tributária elevada, mal desenhada, tem um impacto enormemente negativo na produtividade, dos maiores. 

 

Há espaço para aumentar impostos? 

 

Sim. Existem aspectos do Imposto de Renda que precisam ser corrigidos, não apenas por razões fiscais, mas porque eles são injustos. São bem conhecidos, como os regimes especiais. E eu me refiro aqui ao Simples e ao lucro presumido. Há benesses enormes que deveriam ser questionadas. 

 

Uma delas, que é um tema polêmico e aparece sempre na discussão, é a Zona Franca; outra é a tributação da renda do capital. Há brechas para aumentar imposto, mas esse tipo de proposta, em geral, sofre muita resistência. Há grupos poderosos, como o setor de serviços, que representa cerca de 70% do PIB, e se opõe. 

 

Mas não dá para esse setor, o maior, ser de longe o menos tributado. São questões que vão ter que ser encaradas. Há espaço, mas não muito, mas casa com uma visão mais progressista que ganhou as eleições. 

 

E como conciliar a responsabilidade fiscal com a urgência de lidar com a questão social no Brasil? 

 

É uma questão que precisa ser discutida dentro do Orçamento e com transparência. Os mais pobres, na verdade, não são tão bem representados no Congresso, mesmo com governos de centro, ou de centro-esquerda. O resultado que se manifesta, por exemplo, no desenho do sistema tributário, é muito regressivo. 

 

Pensando do lado da despesa, temos dois grandes blocos: a folha de pagamentos federal, onde já se vão dois anos de congelamento, não tem muito espaço para economias. O gasto com a Previdência é muito grande e será preciso outra reforma, pois muita coisa ficou de fora da última reforma, mas não é claro que isso vá ser feito a curto prazo. 

 

Há que se comparar a chegada de Lula em 2003 e hoje. Em 2002, Lula chegou com um superávit primário (receitas menos despesas do governo, sem contar o pagamento de juros) de 3,5% do PIB, e achou por bem fazer mais algum ajuste. As coisas deram certo e só bem depois descarrilharam. Agora, ele vai pegar um déficit primário em torno de 2% do PIB, com uma dívida maior e continuará com os juros altos, como era lá atrás. 

 

O mercado financeiro reagiu mal às declarações de Lula, aos R$ 200 bilhões fora do teto de gastos na PEC da Transição, mas o governo Bolsonaro fez a PEC dos Precatórios, furou o teto no período eleitoral de maneira explícita, e não vimos essa reação na Bolsa e no dólar. Há preconceito ideológico por parte do mercado? 

 

Pode haver, sim, algum preconceito ideológico, mas não é o caso. Sobre a PEC dos Precatórios (que adiou o pagamento de dívidas judiciais da União), me surpreendeu o mercado ter tido essa reação, porque aquilo ali foi um calote. Só porque veio de uma decisão judicial, não quer dizer que não seja dívida. 

 

Em outros casos, os números fiscais vinham melhorando. Pode ser que haja algum preconceito, mas é bom tomar cuidado para não ser injusto com o mercado. Quando se escuta discurso após discurso explicitamente questionando a ideia de responsabilidade fiscal, e quando na equipe de transição se escala uma seleção nacional da heterodoxia e do fracasso, com uma exceção (na equipe), eu não acusaria tanto o mercado. 

 

Na proposta para uma nova âncora fiscal que o senhor formulou com o economista Marcos Mendes (um dos pais do teto de gastos), mira-se uma meta de dez anos para reduzir a dívida pública a 65% do PIB. Como seria isso? 

 

Esse percentual é arbitrário. Foi uma forma de demonstrar a preocupação que temos com o tamanho da dívida e a importância de se inverter a tendência. Graças à inflação e à alta das commodities, a dívida caiu, mas isso não é recorrente. A dívida vai voltar a crescer e é preciso colocá-la em uma trajetória de queda. 

 

Estamos propondo trazer de volta as duas âncoras que nós já tivemos, uma voltada para o controle da dívida, pois exigia geração de superávits primários; e a mais recente, que é o teto de gastos, ou seja, um limite ao tamanho do Estado. Ou seja, não dá para ficar crescendo em aberto nem a dívida, nem o gasto. 

 

Não defendo o Estado mínimo de jeito nenhum, mas nosso Estado não é pequeno. E como vamos fazer para o Estado crescer mais, sem estourar a dívida e sem entrar em crise macroeconômica? Uma outra novidade seria a adoção dos chamados estabilizadores automáticos. 

 

O que esperar das novas âncoras? 

 

Trariam mais segurança, um fator de redução de incerteza enorme. O Brasil se mostrou useiro e vezeiro na arte de desrespeitar a regras fiscais. Elas tinham seus defeitos? Tinham. Essas duas juntas seriam muito poderosas, mas é preciso deixá-las funcionando por um tempo, pois em minha opinião dariam muito certo e aí tenderiam a se perenizar. 

 

Por quê? 

 

É como aconteceu com a população com a queda da inflação. O povo gostou, porque sabia que se dava muito mal, certamente os mais pobres. Nosso país é um país de renda média, mas muito desigual. Tem muita gente com uma renda bem baixa. E são os que mais sofrem em momentos de instabilidade e de falta de horizonte fiscal. Sofrem com a inflação e com o desemprego.

quarta-feira, 13 de julho de 2022

Chanceler afirma que Rússia é parceiro 'estratégico e confiável' - Ele diz isso porque o Brasil não é vizinho da Rússia

 Chanceler afirma que Rússia é parceiro 'estratégico e confiável', ao falar sobre compra de diesel


Em Nova York, Carlos França disse que Brasil comprará 'tanto quanto formos capazes' para abastecer o agronegócio e os motoristas brasileiros

Por Eliane Oliveira — Brasília
O Globo, 12/07/2022 

O ministro das Relações Exteriores, Carlos França, afirmou nesta terça-feira que a Rússia é um parceiro estratégico e confiável do Brasil, ao explicar os motivos pelos quais o governo brasileiro comprará óleo diesel daquele país. Os russos são alvo de sanções econômicas aplicadas por Estados Unidos e várias nações europeias, por terem invadido a Ucrânia, em fevereiro deste ano.

— A Rússia é um parceiro estratégico do Brasil. Somos parceiros do BRICS (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) — disse França a jornalistas, após participar de uma reunião do Conselho de Segurança da ONU, em Nova York.

— Temos que ter certeza que teremos diesel suficiente para o agronegócio brasileiro e, claro, para os motoristas brasileiros. É por isso que estamos procurando fornecedores de diesel seguros e muito confiáveis, e a Rússia é um deles — ressaltou o chanceler.

Na última segunda-feira, o presidente Jair Bolsonaro anunciou, em conversa com apoiadores na saída do Palácio da Alvorada, que está quase certo um acordo para a compra de diesel mais barato da Rússia.

Os retrocessos no Brasil em 2022
O presidente não deu detalhes sobre a operação, mas ele já havia falado sobre essa possibilidade no fim do mês passado, após uma conversa por telefone com o presidente da Rússia, Vladimir Putin.

França enfatizou que o Brasil não depende apenas de diesel, mas também de fertilizantes da Rússia e da Bielorrússia — país que também sofre sanções econômicas, por ter um governo acusado de violar os direitos humanos. O chanceler lembrou que os russos são grandes fornecedores de petróleo e gás.

— Você pode perguntar à Alemanha sobre isso, você pode perguntar à Europa sobre isso. No Brasil, estamos com falta de diesel — disse França.

Indagado se houve alguma reação das potências ocidentais sobre a intenção do Brasil de comprar diesel dos russos, o ministro respondeu que “estamos na mesma página”. Também perguntado sobre quanto e quando ocorrerá a compra, ele respondeu:

—Tanto quanto formos capazes. Os negócios estão sendo fechados.

França foi, ainda, questionado sobre a interpretação de que o Brasil estaria financiando uma guerra, que foi condenada nas Nações Unidas, e se isso não seria uma violação da carta da ONU.

— Talvez você devesse perguntar ao sr. Scholz (Olaf Scholz, primeiro ministro da Alemanha) sobre isso e então eu respondo.

https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2022/07/chanceler-afirma-que-russia-e-parceiro-estrategico-e-confiavel-ao-falar-sobre-compra-de-diesel.ghtml


Bolsonaro vai resistindo às pressões de Biden para romper com Putin

Governo brasileiro busca mais combustível russo, e diplomacia de Moscou vê 'perspectivas muito sérias de cooperação'

12.jul.2022 às 17h38

Em textos no New York Times, a Casa Branca repisa que vive "fadiga da guerra". Mas ainda "o governo Biden está focado em conquistar os indecisos: Brasil, China, Índia e outros que não aderiram à campanha para isolar a Rússia".

Conseguiu de Bolsonaro um telefonema, daqui a uma semana, para Zelenski. Mas o que ecoa da Bloomberg às agências Tass e Reuters é que ele e seu chanceler prometeram mais contratos para compra de combustível russo.

Entrevistado nesta terça (12) pelo canal de notícias Rússia-24, o diplomata Alexei Labitsky afirmou que Rússia e Brasil "hoje interagem em vários campos", com uma "dinâmica positiva", e "têm perspectivas muito sérias de cooperação".

Bolsonaro já teria resistido a uma pressão maior de Biden, semanas atrás, após a reunião de ambos nos EUA. Foi quando saiu a informação, formalmente do serviço de inteligência holandês, de que um agente russo estava detido no Brasil.

Sites como Bellingcat, baseado na Holanda e que o jornalista Glenn Greenwald descreve como "braço da CIA", veicularam com detalhes e arquivos próprios que o suposto espião do serviço russo GRU queria infiltrar um órgão da ONU, se passando por brasileiro.

Porém, "sob o comando do general Augusto Heleno, a inteligência brasileira viu dedo da CIA e tentativa de minar a relação de Bolsonaro com Putin", informa o site Metrópoles. E o palácio ordenou não comprar a versão de espionagem.

VENDEDOR DE ARMAS
No alto do Wall Street Journal, "Biden vai visitar uma Arábia Saudita mais próxima do que nunca da Rússia". E que, "afirmam autoridades sauditas, não planeja ajudá-lo bombeando mais petróleo".

Por outro lado, segundo notícia "exclusiva" da Reuters, "o governo Biden avalia suspender a proibição da venda de armas ofensivas dos EUA para a Arábia Saudita".

INHOTIM INSPIRA MBS
No WSJ, "a Arábia Saudita volta aos holofotes, estimulada pela viagem de Biden", a começar do Vale das Artes (acima), "um impulso multibilionário" de Mohammad bin Salman, o "príncipe" MBS.

Ambiciona "tornar-se local de peregrinação para os amantes da arte, à altura do parque na selva do Brasil, Inhotim". Aliás, "o curador de Inhotim, Allan Schwartzman, está assessorando a comissão saudita".

Também recrutada, Iwona Blazwick, da Whitechapel Gallery, de Londres, "disse que não acredita que boicotes políticos devam se estender a esforços culturais, então não se concentrou no debate sobre direitos humanos" no país.

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/nelsondesa/2022/07/bolsonaro-vai-resistindo-as-pressoes-de-biden-para-romper-com-putin.shtml

sexta-feira, 25 de março de 2022

China: posição quanto à guerra na Ucrânia e sobre o papel do Brasil e da China no conflito - Eliane Oliveira (O Globo)

 ‘China e Brasil têm posições semelhantes ou idênticas’, diz chefe da embaixada chinesa em Brasília sobre guerra


Segundo Jin Hongiun, Estados Unidos e Europa impõem à Rússia sanções ‘extremas e sem precedentes’, mas posicionamento da China sobre a questão da Ucrânia é ‘objetiva e imparcial’

Eliane Oliveira
O Globo, 25/03/2022

BRASÍLIA — À frente do posto desde que o embaixador Yang Wanming voltou para seu país, o encarregado de negócios da Embaixada da China, Jin Hongiun, afirmou ao GLOBO que, mesmo divergindo em votações da ONU, brasileiros e chineses têm posições semelhantes sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia: são contra a aplicação de sanções econômicas aos russos e defendem o diálogo para um acordo de paz. Mas ambos os países têm votado de forma diferente na ONU e em fóruns como os Brics. Esta é a primeira vez que um representante de Pequim em Brasília fala sobre a crise no Leste Europeu e o papel do Brasil, e após o representante da embaixada americana no Brasil, Douglas Koneff, comentar o posicionamento do Itamaraty sob o governo Jair Bolsonaro.  

Por que a China não condenou a ação militar da Rússia contra a Ucrânia? Isto é uma aprovação tácita da invasão? 

A China sempre defende a paz e se opõe à guerra. É desolador ver qualquer país em conflitos armados. Diante da crise na Ucrânia, o que precisamos considerar é o que deve ser feito para resolver de fato o problema. Obviamente, a condenação e as sanções não têm esse efeito. Quanto mais complicada a situação, mais importante é manter a calma e a razão, priorizando o cessar-fogo entre as partes. Em relação ao conflito russo-ucraniano, a China defende que a soberania e a integridade territorial de todos os países devem ser respeitadas, os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas devem ser cumpridos, as legítimas preocupações de segurança de todos os países devem ser levadas a sério, e todos os esforços conducentes à resolução pacífica da crise devem ser apoiados.

O que a China tem feito, como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para ajudar a acabar com a guerra? 

Como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e país responsável, a China vem fazendo todo o possível para trazer as partes à mesa de diálogo e negociações. No primeiro momento do conflito, a China já propôs à Rússia iniciar conversações de paz com a Ucrânia e vem trabalhando com a comunidade internacional para assumir um papel construtivo no processo de aliviar as tensões e promover o diálogo de paz. Ao mesmo tempo, a China acompanha de perto a situação humanitária na Ucrânia, apresentou iniciativas relevantes e tomou medidas concretas nesse sentido. A Cruz Vermelha da China está enviando ajuda humanitária de emergência à Ucrânia, os suprimentos estão chegando às mãos de refugiados. Novas remessas serão enviadas conforme as necessidades. 

O senhor acredita que esse conflito pode gerar uma nova Guerra Fria? 

A crise atual é resultado de uma combinação de fatores e da deflagração de desavenças acumuladas ao longo dos anos. Estrategistas ocidentais como George Kennan, Henry Kissinger e John Mearsheimer já haviam alertado sobre esta crise muito tempo atrás. Para encontrar o cerne da questão, será que não vale a pena refletir sobre a expansão irrestrita da Otan para o leste? A solução de longo prazo para garantir a segurança reside no respeito mútuo entre as principais potências, no abandono da mentalidade da Guerra Fria e de grupos confrontantes, construindo gradualmente uma arquitetura de segurança global e regional equilibrada, eficaz e sustentável. Os Estados Unidos e a Otan devem entrar em diálogo com a Rússia para desvendar o cerne da crise ucraniana e abordar as preocupações de segurança tanto da Rússia quanto da Ucrânia. 

O Brasil foi o único país do Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) que votou a favor de uma resolução condenando os ataques à Ucrânia pela Rússia. Os demais membros abstiveram. Como o Brics deveria se posicionar em relação a essa guerra?  

O Brics é um mecanismo de cooperação entre mercados emergentes e países em desenvolvimento, ao mesmo tempo que constitui uma força importante para a evolução da ordem internacional, o aprimoramento da governança global e a defesa do multilateralismo. Os membros do Brics têm posições semelhantes sobre a crise Rússia-Ucrânia, isto é, defender o princípio do respeito à soberania, independência e integridade territorial de todos os países, apoiar a manutenção do ímpeto das conversações de paz em busca da resolução de disputas através do diálogo e das negociações. Na presidência rotativa do Brics este ano, a China vai manter comunicações intensas com o Brasil sobre a salvaguarda conjunta da paz, da segurança, da justiça e da equidade no mundo, a defesa do multilateralismo e a recuperação estável da economia mundial. 

O Brasil condenou a invasão, mas já deixou claro que não concorda com a aplicação de sanções econômicas contra a Rússia. Como a China vê esse posicionamento da diplomacia brasileira?  

O Brasil é um país soberano e independente e nós respeitamos plenamente sua posição. Em relação à crise ucraniana, devo dizer que nossos dois países compartilham posições semelhantes ou idênticas. Ambos os países repudiam, por exemplo, o abuso das sanções. A China sempre se opõe às sanções unilaterais que não tenham fundamento no direito internacional, nem o aval do Conselho de Segurança. A história tem mostrado em repetidas ocasiões que sanções abusivas são como tentar apagar fogo com lenha, ou seja, em vez de resolver o problema, pioram os conflitos. Os Estados Unidos e a Europa estão impondo à Rússia sanções abrangentes e extremas sem precedentes, que ainda se agravam e se expandem. A essência desta ação é tornar a globalização uma "arma", o que terá severos impactos nas finanças, na energia, nos transportes e nas cadeias de suprimentos do mundo, prejudicando a recuperação da economia global e trazendo danos a todos os povos. A China e o Brasil também compartilham a mesma posição de promover a negociação de paz. O diálogo e a negociação são a maneira correta de lidar com questões internacionais e regionais. Ostentar o confronto jamais propicia a paz. A China apela a todos os países para concentrar seus esforços na criação do ambiente e das condições necessárias para o diálogo e a negociação, ao invés de aumentar o conflito jogando mais lenha na fogueira. 

A China apoiará economicamente ou militarmente a Rússia?  

Há quem alegue que a China sabia dos ataques de antemão ou tomou partido na questão da Ucrânia. Tudo isso não passa de desinformação feita com o propósito sinistro de negar os esforços da China e distorcer suas intenções. A posição da China sobre a questão da Ucrânia sempre foi objetiva e imparcial. Nossos julgamentos e manifestações são feitos de forma independente com base nos méritos dessa questão. O que a China forneceu ao povo ucraniano foi ajuda humanitária, e não armas e munições a um lado ou outro. A Rússia é um vizinho importante da China, e os dois Estados soberanos têm o direito de desenvolver suas relações com base no direito internacional. A relação de confiança mútua com a Rússia permite que a China desempenhe um papel especial nos esforços internacionais para promover as conversações de paz. 

 Os Estados Unidos defendem que os países que têm alguma relação com a Rússia, como a China e o Brasil, usem sua influência sobre Moscou para acabar com o a guerra. O senhor avalia que o Brasil pode ajudar de alguma forma?  

O Brasil é uma potência emergente com relevância global e uma força importante na manutenção da paz mundial e na promoção do desenvolvimento global. Certamente pode desempenhar e está desempenhando um papel significativo. A China vai manter uma comunicação frequente com o Brasil sobre a situação regional e internacional para que os dois países possam trabalhar juntos para desempenhar um papel ainda mais construtivo. 

Como a China vê os impactos da guerra no fornecimento global de alimentos e fertilizantes?  

A situação na Ucrânia acentua ainda mais os riscos de crise em alimentos, energia e finanças. Os países do mundo já enfrentam muitas dificuldades, como a pandemia, os conflitos, a recessão, o endividamento, a inflação, o desemprego e a fome. A humanidade está em uma encruzilhada, onde está o futuro? Neste momento, cada país e cada indivíduo deve assumir sua responsabilidade. Devemos prezar pela paz e manter a estabilidade, em vez de praticar um jogo de soma zero e dividir o mundo. Devemos ter respeito mútuo, ser abertos e inclusivos, ao invés de criar confrontos, semear divisões e erguer muros. Devemos ainda nos unir para lidar com os desafios, em vez de agir sempre em interesse próprio e transferir a culpa a terceiros. 

Há quem associe a crise da Ucrânia à questão de Taiwan, dizendo que se a China resolver a questão de Taiwan pela força, será uma ameaça à segurança regional e até mesmo global. Qual é o seu comentário a esse respeito? 

A diferença fundamental entre a questão de Taiwan e a da Ucrânia é que Taiwan é uma parte inseparável da China, portanto se trata de um assunto interno, enquanto a disputa entre Rússia e Ucrânia acontece entre dois Estados soberanos. Não há comparação entre um assunto com o outro. O princípio de “Uma só China" é o consenso geral da comunidade internacional, uma norma reconhecida nos relacionamentos internacionais, assim como uma importante premissa e base política para a China estabelecer e desenvolver relações diplomáticas com qualquer país. Algumas pessoas, enquanto enfatizam o princípio da soberania na questão da Ucrânia, prejudicam a soberania e a integridade territorial da China na questão de Taiwan. É um ato flagrante de duplo padrão. Ao especular "chantagem militar" da parte continental sobre a ilha, criar hostilidade e exagerar tensões, obviamente eles não estão trabalhando para promover a paz e a estabilidade da região. A China sempre defende e contribui para a segurança e estabilidade da região Ásia-Pacífico e do mundo inteiro, e jamais criou problemas. Trabalhamos e continuaremos a trabalhar com a maior boa-fé para solucionar a questão de Taiwan por meios pacíficos. Ninguém está mais preocupado com a paz e tranquilidade de seus compatriotas de Taiwan do que os 1,4 bilhão de chineses, e a segurança e o bem-estar deles dependem inteiramente do desenvolvimento pacífico das relações entre os dois lados do Estreito e da reunificação nacional. O que motivou a tensão atual no Estreito de Taiwan foi a tentativa das autoridades da Ilha de buscar a "independência", desrespeitando os interesses fundamentais dos compatriotas de ambos os lados do Estreito. Aqueles países que equiparam a questão de Taiwan com a crise na Ucrânia devem manter a coerência entre suas palavras e ações. Esperamos que eles coloquem na prática seu compromisso com o princípio de “Uma só China”, se abstenham de emitir sinais errados às forças secessionistas de Taiwan e contribuam de forma positiva para a paz e estabilidade regional. 

https://oglobo.globo.com/mundo/china-brasil-tem-posicoes-semelhantes-ou-identicas-diz-chefe-da-embaixada-chinesa-em-brasilia-sobre-guerra-25447332

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Mister Bozo goes to Moscow: what a wonderful world - Eliane Oliveira, Jussara Soares e Janaína Figueiredo (O Globo)

 Uma pequena parte do que eu declarei na entrevista, da qual pinçaram uma única frase, em torrentes de história e direito internacional.

Política externa vira saia justa para Lula e Bolsonaro na disputa eleitoral

Com acenos ao centro nacionalmente, o petista tem postura condescendente com regimes autoritários de esquerda no cenário internacional; presidente enfrenta cenário de desgaste por sua postura e pelo legado do ex-ministro Ernesto Araújo

Eliane Oliveira, Jussara Soares e Janaína Figueiredo
O Globo, 16/02/2022 - 03:30

BRASÍLIA e RIO — Normalmente relegada a segundo plano em época de eleição, a política externa tem se convertido este ano em um telhado de vidro e servido de alvo na pré-campanha para ataques recíprocos entre os dois principais candidatos à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL).

Internamente, o petista tenta ampliar sua candidatura para o centro, mas, no plano internacional, é condescendente com regimes autoritários de esquerda como Nicarágua, Cuba e Venezuela, historicamente alinhados ao PT. Já Bolsonaro, que ontem iniciou a controvertida viagem à Rússia em meio à crise da Ucrânia, tirou do comando do Ministério das Relações Exteriores um dos expoentes da ala ideológica do governo, Ernesto Araújo, e o substituiu por Carlos França, que tenta desfazer o legado negativo do antecessor, cujos ataques à China, ao meio ambiente, e o discurso negacionista afetaram, por exemplo, relações comerciais e a compra de insumos para vacinas contra a Covid-19.

O novo chanceler, no entanto, enfrenta limitações, como a interferência de um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), e a própria postura do titular do Planalto.

No fim do ano passado, Lula chegou a minimizar, em entrevista, a ditadura de Daniel Ortega na Nicarágua, comparando seu tempo no poder com o da ex-chanceler alemã Angela Merkel. Ele também minimizou a violência policial contra manifestações em Cuba.

— O apoio às ditaduras de Cuba, da Venezuela e da Nicarágua, para satisfazer as alas mais extremistas, abre o flanco para acusações de que transformaria o Brasil numa Cuba ou Venezuela — afirmou o consultor internacional Nelson Franco Jobim, em referência a um discurso recorrente de bolsonaristas.

Já Bolsonaro tem uma agenda estreita, que inclui nomes da extrema-direita, como o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Órban, e está praticamente alijado dos grandes debates da agenda mundial. Além da Hungria, ele visita esta semana a Rússia, onde chegou ontem, em meio às tensões daquele país com a Ucrânia.

—A visita de Bolsonaro à Rússia é altamente inoportuna e não desejável —disse o embaixador Paulo Roberto Almeida.

Único embaixador na ativa que critica abertamente a política externa de Bolsonaro, Almeida lembrou que o convite do líder russo Vladimir Putin foi feito bem antes, mas somente agora foi aceito:

— O Brasil está isolado, o presidente não tem grandes aliados e ninguém o convida na Europa e nas Américas. Sobraram líderes de direita. Putin não é direita, nem esquerda, mas vê na visita do Bolsonaro uma oportunidade para mostrar que ele não estaria isolado no mundo. Seria irônico, se não fosse trágico.


Apesar da troca de chanceler, sepultando a estridência do discurso no Itamaraty, Eduardo Bolsonaro continua exercendo um papel importante na política externa, com conexões com a direita internacional.

— Eduardo tem um papel importante. Há lugares em que o presidente Bolsonaro não tem tempo de ir e ele acaba virando uma espécie de embaixador mesmo e traz resultados— disse o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Cooperação Sul-Sul
Caso Lula seja eleito, estão previstos o fortalecimento do Mercosul, da União das Nações Sul-americanas (Unasul) e da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Essas duas perderam o Brasil como membro no governo Bolsonaro.

O ex-presidente, que realizou uma bem-sucedida visita a líderes europeus no ano passado, já manifestou a intenção de reforçar os laços com a União Europeia (UE), praticamente rompidos com Bolsonaro. Um dos desafios é restaurar o acordo comercial UE-Mercosul.

Os próximos meses devem ser de disputas por protagonismo internacional entre Lula e Bolsonaro. O petista tem uma viagem prevista para o México, em março. Bolsonaro, por sua vez, tenta se destacar nas viagens para a Rússia e Hungria. Na sua última grande apresentação multilateral, na Assembleia da ONU, chocou seus pares ao defender tratamentos ineficazes contra a Covid-19.

Um tema que ganhou relevância nas últimas semanas foi o início das negociações para a adesão do Brasil à OCDE, o “clube dos países ricos”. Pré-candidato à Presidência pelo PDT, Ciro Gomes tem postura crítica em relação a isso. Um dos motivos é que o Brasil terá que abrir mão do status de nação em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Já a política externa desenhada pelo presidenciável Sergio Moro (Podemos) tem como linhas gerais “manter boas relações com todos os países, sem preconceitos, e voltar a ter protagonismo em temas de direitos humanos, acordos comerciais, desenvolvimento sustentável e combate à corrupção”.

Coordenador do programa de governo de João Doria (PSDB), Rodrigo Maia destacou dois pontos para que o Brasil retorne às mesas de negociações internacionais: a defesa da democracia no Brasil e proteção ambiental.

https://oglobo.globo.com/politica/politica-externa-vira-saia-justa-para-lula-bolsonaro-na-disputa-eleitoral-25396262

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Nova turma do Instituto Rio Branco homenageia embaixador morto pela ditadura - Eliane Oliveira (Globo)

 Tem declaração minha sobre essa posse escondida da imprensa no Itamaraty:

Muitos dos meus colegas, ainda hoje, não estavam sabendo de nada… Nem na ditadura militar o Itamaraty realizou formaturas às escondidas, como esta de 2021, inédita nos anais da Casa. Normalmente, os novos diplomatas são apresentados ao chefe de Estado, que costuma fazer discurso sintetizando as grandes linhas da política externa. Qual exatamente? — afirmou Paulo Roberto Almeida, único embaixador na ativa que critica abertamente a política externa do governo Bolsonaro. “

Novos diplomatas homenageiam embaixador morto pela ditadura em cerimônia restrita no Itamaraty

O presidente Jair Bolsonaro não foi à formatura e enviou uma mensagem gravada aos alunos do Instituto Rio Branco; chanceler disse em discurso que José Jobim é 'referência' de dedicação ao país

Eliane Oliveira
O Globo, 01/09/2021 - 16:32 /

BRASÍLIA — Ao contrário do que acontece tradicionalmente, quando os novos diplomatas são apresentados ao presidente da República e ouvem do mandatário quais são as linhas mestras da política externa brasileira, a formatura dos alunos do Instituto Rio Branco deste ano foi marcada pela discrição. A cerimônia, na qual os 20 formandos decidiram homenagear um diplomata morto pela ditadura em 1979, José Jobim, foi realizada nesta quarta-feira sem a presença de Jair Bolsonaro, que preferiu mandar uma mensagem gravada.

Segundo fontes do governo, a escolha de Jobim pela turma do Rio Branco teria causado desconforto no Itamaraty e desagradado Bolsonaro. Diferentemente do que ocorre todos os anos  —  com exceção de 2020, por causa da pandemia —  a imprensa não foi credenciada para cobrir a formatura. Mas, oficialmente, o Ministério das Relações Exteriores sempre afirmou que a decisão dos estudantes era soberana e negou que tenha havido pressões para a troca do patrono.

A cerimônia estava na agenda oficial do chanceler Carlos França, que estava presente e fez um discurso em que elogiou José Jobim. Alguns diplomatas consultados pelo GLOBO disseram que não sabiam do evento.

— Muitos dos meus colegas, ainda hoje, não estavam sabendo de nada… Nem na ditadura militar o Itamaraty realizou formaturas às escondidas, como esta de 2021, inédita nos anais da Casa. Normalmente, os novos diplomatas são apresentados ao chefe de Estado, que costuma fazer discurso sintetizando as grandes linhas da política externa. Qual exatamente? — afirmou Paulo Roberto Almeida, único embaixador na ativa que critica abertamente a política externa do governo Bolsonaro. 

Procurado, o Itamaraty informou que os formandos puderam levar à cerimônia até dois convidados. O número reduzido de participantes se deveu à necessidade de se preservar o distanciamento social por causa da pandemia de Covid-19, afirmou o ministério.

Discurso do chanceler
Em seu discurso, o chanceler Carlos França lembrou que, pela primeira vez, os formando concluíram as etapas do curso virtualmente.

— A turma que hoje acolhemos cumpriu todas as etapas de seu curso no Rio Branco em modo virtual. Pela circunstância da pandemia, nossos colegas formandos não chegaram a conviver no espaço físico das salas de aula — enfatizou.

Os alunos escolheram como paraninfa da turma a embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues, aposentada, mas atuante como presidente da Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB). França elogiou a paraninfa e também citou José Jobim.

— Quero dizer que, até antes de ocupar essa alta função, eu já era testemunha do excelente trabalho realizado pela embaixadora Maria Celina à frente da ADB. Como o embaixador José Jobim, que dá nome à turma, é referência de diplomata e de dedicação ao Brasil — afirmou.

Ele repetiu os três pilares que aponta na política externa brasileira, chamados de "três urgências": a sanitária, a do crescimento e geração de empregos e a climática. Também mencionou a aproximação do Brasil com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o "clube dos ricos", as negociações comerciais e parceiros importantes, como Estados Unidos, Argentina, China, União Europeia e África.

Já Bolsonaro enviou uma mensagem de cerca de três minutos aos novos diplomatas. Elogiou "a excelência dos quadros" produzidos pelo Instituto Rio Branco, disse que os padrões de exigência estão entre os mais elevados e destacou que os formandos terão um grande desafio pela frente.

— As tarefas que atribuí a Carlos França são complexas, mas juntos temos avançado muito e seguiremos avançando — afirmou o presidente.

Reconhecimento em 2018
O Estado brasileiro reconheceu em 2018, por meio da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, que José Jobim foi sequestrado, torturado e morto pela ditadura militar aos 69 anos. Sua certidão de óbito foi então corrigida, depois de anos de esforços de sua filha, Lygia, em provar que o governo forjou a hipótese de suicídio. Jobim desapareceu uma semana depois de revelar que denunciaria o superfaturamento na construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu em um livro de memórias.

A usina custou dez vezes mais que o previsto, totalizando cerca de US$ 30 bilhões. O embaixador, que havia servido no Paraguai, foi em 15 de março de 1979 a Brasília, já aposentado, para a cerimônia de posse do general João Figueiredo na Presidência. Ele mencionou então que estava escrevendo o livro, no qual detalharia irregularidades da obra.

No dia 22, saiu para visitar um amigo e não retornou. Na manhã seguinte, a dona de uma farmácia na Barra da Tijuca ligou para a família de Jobim e informou que ele havia lhe entregado um bilhete meia hora antes. O diplomata contava que fora sequestrado em seu próprio carro e que seria levado para “logo depois da Ponte da Joatinga”.

De acordo com o relatório da Comissão Nacional da Verdade, o corpo foi encontrado por um gari dois dias depois do sequestro, a menos de 1 quilômetro da ponte. Ele estava pendurado pelo pescoço em uma corda de náilon em um galho de uma árvore pequena. Assim como as do jornalista Vladimir Herzog, seus pés, com as pernas curvadas, tocavam o chão, levantando suspeitas sobre a hipótese de suicídio.

Dança das cadeiras
No mesmo dia da formatura restrita, o colunista do GLOBO Lauro Jardim revelou que o ex-chanceler Ernesto Araújo, que deixou o cargo em abril deste ano, vai se desligar da carreira diplomática por um ano. A autorização da licença, não remunerada, passou a vigorar nesta quarta-feira.

Ernesto alegou que precisa tratar de interesses particulares. Sua mulher, a também diplomata Maria Eduarda Seixas Corrêa, foi transferida para Hartford, nos EUA, no mês passado.  Fontes acreditam que o ex-chanceler pode ter se afastado do Itamaraty para concorrer a um cargo eletivo, como deputado federal.

Enquanto isso, Carlos França promove uma dança das cadeiras em postos importantes da diplomacia no exterior. O atual embaixador brasileiro na Espanha, Pompeu Andreucci Neto, assumirá a embaixada em Quito, no Equador. Para sua vaga, o nome mais cotado é o do secretário de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Orlando Leite Ribeiro.

Como a escolha de um embaixador é um processo delicado, que depende da concordância do governo do país de destino antes do nome se tornar público, as informações que correm atualmente são de bastidores. Por exemplo, fala-se na ida de Cláudia Buzzi, assessora parlamentar do Itamaraty, para Berna, capital da Suíça.

Claudia Buzzi deve ser substituída por Bruno Bath, atual delegado permanente do Brasil na Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), com sede em Montevidéu. A vaga de Bath ficaria aberta para o embaixador brasileiro no Uruguai, Antônio José Simões.

Também há especulações em torno de embaixadas em outros países. Um exemplo é o posto em Pequim, hoje sob o comando de Paulo Estivallet, que poderia ir para Genebra representar o Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC). Estivallet é um negociador experiente e a OMC deve passar por uma ampla reforma. O atual embaixador, Alexandre Parola, iria para a Alemanha.

Neste ano, a primeira leva de mudanças foi promovida ainda na gestão de Ernesto. O então embaixador do Brasil em Moscou, Tovar Nunes, foi representar o país em Genebra, com ênfase para a área de direitos humanos. Assumiu no lugar de Maria Nazareth Farani, que foi para o consulado de Nova York. Substituiu Tovar em Moscou Rodrigo Baena, que estavam em Lima.

https://oglobo.globo.com/mundo/novos-diplomatas-homenageiam-embaixador-morto-pela-ditadura-em-cerimonia-restrita-no-itamaraty-25180716