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quinta-feira, 1 de junho de 2023

Chances de um encontro entre Lula e Zelensky diminuem sensivelmente, depois de entrevista de ucraniano - Eliane Oliveira, Alice Cravo (O Globo, Estadão)

 Itamaraty rebate Zelensky e diz que foram oferecidos três horários para reunião com Lula no Japão

Em entrevista publicada nesta quinta-feira, presidente da Ucrânia afirmou que desencontro com Lula não foi culpa dos ucranianos. Ele insinuou que o presidente brasileiro não tinha tempo para a reunião
Eliane Oliveira — Brasília
O Globo, 01/06/2023 13h13 

O Itamaraty rebateu as declarações do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, publicadas em entrevista a sete veículos de imprensa da América Latina, incluindo a "Folha de São Paulo", de que o encontro que havia sido acertado com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante uma reunião do Grupo dos Sete (G7), não aconteceu por causa do brasileiro. O Ministério das Relações Exteriores reafirmou ao GLOBO que foram oferecidos três horários a Zelensky, que não foram aceitos pelos ucranianos.

A reunião do G7 aconteceu em Hiroshima, no Japão, no mês passado. Ao chegar ao evento, Zelensky pediu uma audiência com o presidente Lula. De acordo com uma fonte que acompanhou as negociações, o governo brasileiro tem registradas todas as mensagens trocadas pelos respectivos chefes de cerimonial dos dois países.

Na entrevista publicada nesta quinta-feira, Zelensky afirmou que "definitivamente não foi por nossa causa" que a reunião bilateral não ocorreu. Brasil e Ucrânia estavam entre os convidados para o encontro do G7, formado por Estados Unidos, Reino Unido, França, Japão, Itália, Alemanha e Canadá.

A ida do presidente ucraniano a Hiroshima já era esperada pelo governo brasileiro, que foi comunicado pelo menos duas vezes no dia 10 de maio: pelos japoneses, anfitriões do evento; e durante uma reunião, em Kiev, entre Zelensky e o assessor para assuntos internacionais de Lula, Celso Amorim.

Momentos antes de deixar o Japão, Zelensky foi irônico, ao dizer que Lula deveria estar "desapontado", porque o encontro não aconteceu. Na entrevista desta quarta-feira, ele afirmou que "Lula quer ser original", com sua ideia de criar um clube de paz para negociar a paz entre Rússia e Ucrânia. Ele insinuou que o presidente brasileiro não teve tempo para a reunião.

— Ele encontrará tempo para responder a essa questão [se Lula concordaria com a punição dos assassinos na guerra]? Ele não achou tempo para se reunir comigo, mas, talvez, tenha tempo para responder a essa pergunta — afirmou Zelensky.


'Lula acha que assassinos em massa deveriam ser condenados e presos?', questiona Zelenski
O Estado de S. Paulo, 01/06/2023

O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, cobrou nesta quinta-feira, 1, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo uma posição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma posição sobre os crimes de guerra cometidos pela Rússia em seu país.

“Lula precisa responder a algumas perguntas muito simples. O presidente acha que assassinos devem ser condenados e presos? Creio que, se tiver a oportunidade, ele dirá que sim. Ele encontrará tempo para responder a essa questão? Ele não achou tempo para se reunir comigo, mas, talvez, tenha tempo para responder a essa pergunta”, questionou Zelenski, em referência aos relatos de execução em massa e tortura de civis nas cidades de Bucha e Mariupol. A Rússia também é acusada de roubar crianças ucranianas e tirá-las do país.

“Se milhares de pessoas foram assassinadas na Ucrânia —não sabemos quantas dezenas de milhares foram mortos e torturados nas partes de nosso território ocupadas pelos russos—, os assassinos estavam cumprindo ordens? Se foi um assassinato em massa, deveria ser presa a pessoa que mandou outras pessoas fazerem isso? Acho que [Lula] dirá: bom, provavelmente, os assassinos em massa são sádicos. E, portanto, deveriam estar na prisão”, prosseguiu Zelenski.

“Se o presidente quiser ser original, ele pode dizer: ‘O tribunal que a Ucrânia propõe não é adequado, mas eu sei –dirá o presidente Lula– como colocar os assassinos atrás das grades de uma maneira mais rápida, sem tribunal’. Bom, aí a Ucrânia ficará muito contente em receber este conselho do presidente Lula de como colocar os assassinos do Kremlin na prisão de forma ainda mais rápida. Estamos sempre abertos a qualquer inovação na aplicação das leis.”

Desencontros no G-7
Lula tem tentado desde que tomou posse intermediar um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia e o Brasil tem adotado uma posição de neutralidade no conflito. Declarações públicas do presidente que responsabilizam Kiev pelo conflito, no entanto, foram interpretadas como um sinal de apoio ao Kremlin.

Lula e Zelenski chegaram a conversar por videoconferência no começo do ano e o presidente enviou seu assessor especial de política externa Celso Amorim para encontrar o líder ucraniano em Kiev. Apesar disso, na cúpula do G-7 em Hiroshima, no mês passado, os dois não se reuniram.

Segundo o Itamaraty, os ucranianos não apareceram ao encontro no horário sugerido, mas Zelenski deu outra versão. “No G-7, tive várias reuniões bilaterais. Disseram que a gente não havia tentado nem se esforçado para encontrá-lo, isto não é verdade. Não é gente séria, substantiva, que está dizendo isso”, disse o presidente da Ucrânia. “Reitero que quero me encontrar com ele. Já ofereci a realização de uma reunião em qualquer formato. Já convidei várias vezes o presidente Lula para vir à Ucrânia. Estivemos em contato com a equipe dele quando ele estava na Espanha e em Portugal, pensei naquele momento porque a distância era menor e talvez ele conseguisse encontrar um tempo.”


Lula recebe presidente da Finlândia, aliada da Ucrânia, e critica invasão do país pela Rússia
Presidente participa de uma bilateral com o presidente da Finlândia, Sauli Niinistö
Alice Cravo — Brasília
O Globo, 01/06/2023

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente da da Finlândia, Sauli Niinistö, discutiram nesta quinta-feira, durante uma reunião bilateral, sobre a guerra entre Ucrânia e Rússia. Em declaração à imprensa, Lula reforçou as críticas à ocupação territorial da Ucrânia e afirmou que o Brasil faz parte de um grupo de países que "quer se manter neutro" para construir possibilidade do fim da guerra.

— O Brasil desde que começou essa guerra fez crítica a ocupação territorial da Ucrânia — afirmou, completando: — Estamos tentando formular a oportunidade, quando convier aos dois presidentes, da Rússia e da Ucrânia, colocar uma proposta de paz na mesa que tem que ser combinada com os dois. Não acontecerá nada enquanto Ucrânia e Rússia não tomarem a decisão de que querem a paz. O Brasil, portanto, faz parte de um grupo de países que querem se manter neutro para construir a possibilidade do fim da guerra.

Em seu pronunciamento, Lula afirmou que ouviu com "interesse" as considerações do outro presidente sobre o conflito e que reafirmou a posição em defesa da integridade territorial da Ucrânia.

— Ouvi com muito interesse as considerações do presidente Niinisto sobre a guerra entre a Ucrânia e a Rússia, país este com o qual a Finlândia partilha mais de mais de mil e trezentos quilômetros de fronteira. Reiterei a posição do Brasil de defesa da integridade territorial da Ucrânia e de condenação da invasão. Afirmei também nossa convicção sobre a necessidade de criar espaços de diálogo, que contribuam para a busca de solução pacífica para o conflito.

O presidente da Finlândia, por sua vez, afirmou que está "plenamente com a mesma opinião" do presidente Lula e que a "paz é a coisa mais importante".

— Estamos plenamente com a mesma opinião. A paz é a coisa mais importante e toda tentativa pela paz é muito valiosa. O nosso pensamento é que a Ucrânia foi atacada ilegalmente pela Rússia e a Ucrânia precisa de uma paz que a Ucrânia tem que aceitar, mas é bastante óbvio que hoje a paz precisa chegar, mas precisa estar de acordo e é preciso discutir como garantir uma paz na região.

Lula ainda afirmou que assinou com Niinistö um acordo sobre serviços aéreos na reunião bilateral realizada no Itamaraty.

-- Estou certo de que a delegação empresarial que acompanha o presidente encontrará excelentes oportunidades de negócio e investimento no Brasil. O acordo sobre serviços aéreos que assinamos hoje reforça nossa vontade de aproximação.


sábado, 2 de abril de 2011

Minitratado dos desencontros - Paulo Roberto de Almeida

Minitratado dos desencontros
Paulo Roberto de Almeida

O que é um desencontro? Dito simplesmente, é uma defasagem, no tempo ou no espaço, entre dois corpos, cada um seguindo vias próprias e diferenciadas, sem qualquer possibilidade de cruzamento. Para fins deste minitratado, no entanto, o desencontro é um descompasso entre dois sentimentos, um pretendendo resposta e reação, o outro permanecendo desatento ou distraído, o que pressupõe alguma instância de reciprocidade ou linha de cruzamento, mesmo virtual.
Na melhor das hipóteses, o desencontro é passageiro, e a correspondência esperada se faz em algum momento, em algum lugar. Na pior, as expectativas de uma parte não logram sensibilizar ou dobrar a vontade da outra parte, e o desencontro se converte em motivo de sofrimento. Todo desencontro, ou toda indiferença é um sofrimento, pelo menos para uma das partes. Todos nós sabemos disso.
Por que existem desencontros? Eu poderia ser economicista e dizer que a reta (sempre crescente) da procura não encontra a “sua” curva da oferta, o que pode ocorrer em face de qualquer falha de mercado ou externalidade negativa. Sendo menos sarcástico, e mecanicista, pode-se dizer que, no terreno dos sentimentos humanos, não existe qualquer equivalência mecânica, como aquela identificada com a “lei de Say”, que pretende que a oferta cria sua própria demanda.
Mas tampouco funciona neste caso a chamada “inversão keynesiana”, que espera que a demanda artificialmente criada pelo poder de emissão de alguma autoridade desperte os “espíritos animais” dos agentes de mercado, que decidem, a partir daí, manter a oferta agregada. Os economistas, assim como os contabilistas, não gostam de desencontros: eles sempre pretendem fechar a equação de equilíbrio, buscando a resposta para déficits ou superávits mesmo por meios artificiais.
No caso das amizades ainda se pode esperar alguma reciprocidade, ou seja, um equilíbrio e correspondência de vontades e prestações mútuas; nas amizades existe, sobretudo, confiança entre as partes. Tudo isso é muito difícil de ser estabelecido no caso de paixões mais “incisivas”, como o amor, que não exige retorno direto; ele pode ser unilateral, unidirecional, não correspondido e assimétrico, como nas relações de dependência ou de assistência entre países avançados e economias miseráveis, que vivem da cooperação ao desenvolvimento (outro nome para a assistência pública).
Como nas relações econômicas, porém, o desencontro é uma expectativa não realizada, por insuficiência de fatores ou de insumos, que atendam aos requisitos dos “consumidores”. Não se trata apenas de uma assimetria de informação, mas de um desequilíbrio sistêmico, que impregna toda a equação de mercado, afetando aquela transação que se esperava realizar. O desencontro, portanto, está muito longe daquela situação que os economistas chamariam de “ótimo paretiano”. Numa figuração de química doméstica, ele seria como a superposição entre a água e o azeite.
Nem todas as culturas, porém, cultivam essa oposição de sentimentos, o confronto de posições, essas cenas dramáticas, típicas de novelas mexicanas. Na tradição oriental, a aparente oposição do yin e do yang acaba conhecendo alguma síntese reconciliadora, assim como na sua gastronomia encontramos o agridoce, que nos enche de prazer, mesmo momentâneo. Mas o desencontro constitui justamente o retorno do azedo sobre o sentimento temporário de doçura e de conforto espiritual.
Existem soluções para os desencontros? Talvez, mas certamente não “a” solução, a fórmula mágica que permitiria eliminar toda frustração e todo sentimento de impotência em face da indiferença alheia. Algumas situações podem ser apenas contornadas, pelo uso dos “estímulos corretos”, geralmente de natureza material. Muitos “compram” o amor, é verdade, ou atuam para criar uma relação de dependência, o que teoricamente pode fazer com que retas paralelas se encontrem em algum ponto do espaço. Mas esse tipo de “equilíbrio” é muito frágil, já que espíritos independentes não suportam a subordinação de sua vontade, justamente.
Qual seria, então, um possível remédio a um desencontro específico? Sem nenhuma garantia de sucesso, como em qualquer empreendimento humano, fazer-se admirar, provocar o reconhecimento da outra parte pelas ações beneméritas, generosas e “desprendidas” que se decide oferecer unilateralmente. Em uma palavra: ser bom, o que implica ser atencioso, prestativo, sempre pronto a confortar a outra parte, aquela com a qual se busca o encontro, justamente. Sinceridade é fundamental, mas confessar a ação calculada poderia parecer oportunismo, interesse egoísta, até maquiavelismo, no sentido vulgar deste conceito.
Sempre se espera que o desencontro seja passageiro, mas o descompasso pode, na verdade, durar anos, ou décadas. Paciência e constância nos sentimentos constituem, neste caso, duas virtudes fundamentais. Feliz final do seu desencontro...

Curitiba-Brasília, 2 de abril de 2011