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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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domingo, 2 de junho de 2024

Alinhamento do Brasil com China e Rússia ameaça relação com o Ocidente - Lourival Sant'Anna (OESP)

Alinhamento do Brasil com China e Rússia ameaça relação com o Ocidente 

Além de contrariar um princípio caro da política externa brasileira, o da soberania, a Rússia atraiu contra si uma união militar no Ocidente inédita desde a 2.ª Guerra Mundial

Por Lourival Sant'Anna

 Opinião - É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

O Estado de S. Paulo, 25/05/2024 


A simpatia do governo Lula pelo expansionismo militar russo tornou-se ainda mais explícita na reunião do chanceler chinês, Wang Yi, e do assessor especial brasileiro, Celso Amorim, em Pequim. As conclusões do encontro colocaram na órbita da China a política do Brasil para a Ucrânia.

Em comunicado conjunto divulgado depois do encontro, Brasil e China apelam para que todas as partes envolvidas se comprometam em não expandir o campo de batalha, não escalar os combates e não provocar a outra. Não houve condenação à invasão.

Essas condições equivalem a dizer que a Ucrânia não tem o direito de se defender. Já que ela é o país invadido, os combates terrestres se concentram, por definição, na Ucrânia, com os ucranianos tentando conter os avanços russos e recuperar território.

Desde a invasão em grande escala da Rússia, em fevereiro de 2022, a Ucrânia recuperou 54% do novo território ocupado. Outros 18% continuam ocupados, incluindo os 8% invadidos em 2014. A atitude do Ocidente de normalizar essa ocupação em 2014, a mesma que Brasil e China adotam até hoje, incentivou Vladimir Putin a ampliá-la.

Amorim, que esteve na Rússia há um mês, contou com otimismo a repórteres brasileiros em Pequim ter ouvido de um de seus interlocutores russos que eles querem uma “neutralização”, e “uma zona tampão com tamanho suficiente para que não haja armas que atinjam diretamente Moscou.”

O assessor especial brasileiro demonstra crer que a Rússia invadiu a Ucrânia para se defender de uma ameaça. Não há a menor base factual para essa leitura, promovida pela propaganda de Putin.

Ao contrário, o governo de Volodmir Zelenski fez de tudo para não dar pretextos à invasão russa. Mesmo quando mais de 100 mil soldados russos se concentravam na fronteira, e a Rússia promovia um bloqueio naval contra a costa ucraniana, em dezembro de 2021, Zelenski desautorizou providências típicas para a defesa de um país sob ataque iminente, como a convocação de reservistas ou a escavação de trincheiras.

Em várias etapas da agressão russa à Ucrânia, o Kremlin enviou sinais contraditórios sobre suas intenções de tentar congelar o front ou agarrar mais território. Esses sinais dependeram, em parte, da dinâmica no terreno e da disposição de EUA e Europa de seguir ajudando a Ucrânia, e em parte das táticas russas de guerra informacional.

Putin nunca demonstrou disposição real de negociar garantias de segurança em troca da devolução de território ucraniano. Aceitar, como fazem Brasil e China, uma solução que não contemple essa devolução é renunciar ao princípio da soberania.

Para a China, esse racional é conveniente. Primeiro, porque Xi Jinping tem deixado claro que pretende anexar Taiwan. A China assedia a ilha regularmente, por mar e ar, como fez nos últimos dias com 46 aviões de guerra. 

Em segundo lugar, as sanções impostas pelo Ocidente à Rússia criaram uma dependência do país em relação à China, que aproveita para comprar seu petróleo e gás a preços abaixo do mercado, vender-lhe produtos industrializados e até instalar fábricas para substituir as mais de mil empresas ocidentais que se retiraram do país.

Por último, ao obrigar o Ocidente a ajudar a Ucrânia, a campanha russa drena recursos das democracias na América do Norte e na Europa, que rivalizam com a China na disputa por influência global.

O alinhamento do Brasil, um país grande e democrático, é valioso para a China, porque demonstra capacidade de atrair para seu campo não apenas ditaduras africanas e asiáticas dependentes de seu poder econômico, projeção política e militar e ideologia autoritária.

E o que o Brasil ganha com isso? Wang Yi declarou que China e Brasil “têm economias altamente complementares e interesses profundamente integrados, que é o ativo estratégico mais precioso”. A primeira parte é verdadeira: o Brasil é exportador de alimentos e a China, de manufaturados.

Mas a própria complementaridade torna desnecessário um alinhamento geopolítico para impulsionar o comércio: ele se movimenta por si, e não depende da proximidade entre os governos, como ficou claro quando Jair Bolsonaro, detrator da China, era presidente.

A segunda parte é problemática. Alinhar-se à China não corresponde aos interesses nacionais do Brasil.

Além de contrariar um princípio caro da política externa brasileira, o da soberania, a Rússia atraiu contra si uma união militar no Ocidente inédita desde a 2.ª Guerra Mundial. A complacência com a agressão russa aliena o Brasil do Ocidente e o coloca como um parceiro não confiável.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais


segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Lula mira no G20 após entraves na América Latina - Eliane Oliveira (O Globo)

 Lula mira no G20 após entraves na América Latina 

Eliane Oliveira
O Globo, 8/01/2024

No primeiro ano do terceiro mandato, presidente resgata imagem do Brasil no exterior, mas sofre revés na integração da América do Sul; atuação na presidência do grupo de maiores economias do mundo será prioridade em 2024, dizem analistas.

Em 2023, afirmam especialistas ouvidos pelo GLOBO, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu tirar o Brasil da condição de pária internacional e levar o país de volta aos grandes debates da agenda mundial, como prometido durante a campanha. A diplomacia voltada para a América Latina, no entanto, não saiu como esperado. 

Sem sucesso em seu projeto de integração sul-americana, Lula terá agora que intensificar seus esforços em uma região cada vez mais dividida em 2024, ano em que o governo estará concentrado na presidência do G20, grupo formado pelas maiores economias do planeta. Ainda no começo de 2023, Lula tentou ressuscitar a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), abolida no governo do então presidente Jair Bolsonaro. Promoveu, em maio, uma reunião de líderes da região em Brasília, mas, sem receptividade nem entre os governantes de esquerda, teve de desistir da ideia.

 Durante a cúpula, Lula dedicou tratamento diferenciado ao presidente venezuelano, Nicolás Maduro — aposta que também não deu certo. O chefe de Estado brasileiro causou polêmica à época ao declarar que as denúncias de desrespeito aos direitos humanos na Venezuela eram uma questão de “narrativa”. Atraiu críticas até mesmo de governos de esquerda na região, como o do chileno Gabriel Boric. Fator Milei Meses depois, foi apanhado de surpresa pela ameaça de Maduro de invadir a região do Essequibo, na Guiana, rica em petróleo — confronto que, caso saia da retórica, atinge diretamente o Brasil.  
Para dificultar ainda mais seu empenho na América do Sul, o economista ultradireitista Javier Milei, amigo da família Bolsonaro e que atacou duramente o presidente brasileiro durante a campanha, foi eleito na Argentina. Lula e Milei não se falam, mas a diplomacia dos países trabalha por uma boa relação. — Como se fosse pouco, a vitória de Milei e sua anunciada aproximação com os Estados Unidos subtrai de Lula seu principal trunfo diplomático no continente como interlocutor privilegiado e partícipe da mesma visão de mundo — afirma o ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente Rubens Ricupero, que chefiou as embaixadas do Brasil na Itália e nos EUA. 

 Ricupero cita, ainda, como fatores complicadores, o fato de o 
Chile não ter conseguido adotar uma nova Constituição, após dois referendos; o Peru seguir mergulhado em aguda instabilidade política; e a Colômbia, parceiro incontornável na Amazônia, ter-se convertido em promotora da tese de proibição da prospecção petrolífera na região, posição oposta à brasileira. — Parece natural, assim, que o eixo de prioridades da política exterior de Lula se desloque da América do Sul e dos problemas intratáveis da guerra da Ucrânia e da Faixa de Gaza [foco do conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas] para a ênfase no desafio de presidir o G20 e preparar sua grande reunião de cúpula no Rio em novembro de 2024. O diplomata reconhece, no entanto, que as prioridades de política externa definidas por Lula dominaram boa parte deste primeiro ano de governo. Segundo ele, pode-se dizer que algumas “foram finalizadas”, entre elas a de se garantir em pouco tempo que o Brasil estivesse de volta ao cenário mundial “como ator de primeira linha”. 

 — A expressão visível do atendimento dessas prioridades consistiu na rápida sucessão de viagens ao exterior: Buenos Aires, Montevidéu, Washington, Pequim, Lisboa, Bruxelas, além de visitas expressivas ao Brasil de personalidades como o chanceler alemão [Olaf Scholz], a presidente da União Europeia [Ursula von der Leyen] e altos funcionários americanos. A precondição para viabilizar tudo isso foram as profundas medidas internas de combate ao desmatamento e ao garimpo ilegal na Amazônia, a decisão de realizar em Belém a COP30 [Conferência Mundial sobre o Clima, em 2025], e a política em relação aos povos indígenas e aos direitos humanos. Creio que toda essa parte do programa foi concluída. Reposicionamento Marcos Caramuru, conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e ex-embaixador na China e na Malásia, concorda que é preciso melhorar a coordenação dos países da América do Sul, num contexto de governos com diferentes orientações ideológicas e baixa capacidade de diálogo. 

Mas avalia que, em cenário em que as lideranças mundiais reconhecidas estão perdendo espaço e diversos países se posicionando de forma independente no quadro internacional, novas oportunidades se abrem. — O Brasil, que parecia haver desistido de ocupar um espaço próprio no cenário mundial, soube se reposicionar como ator visível e atuante. Em alguns momentos, a política externa alimentou a ambição de interferir em questões que não podemos resolver, o que não obscurece os acertos. Para Dawisson Lopes, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais, Lula cumpriu objetivos estabelecidos na transição: o Brasil retornou ao cenário internacional, participou de mesas negociadoras na América Latina e ao redor do mundo, e tem sido um articulador em temas como a governança ambiental. Lopes também cita o pagamento das dívidas com organismos internacionais e a volta do Brasil à Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). E afirma que o mais importante está por vir: a atuação brasileira na presidência do G20. Nesse quesito, Lula busca agenda consensual: a luta contra a fome e a desigualdade; o combate ao aquecimento global e a reforma do sistema internacional.

 — O primeiro ano foi um ensaio para o que virá na política externa. É natural que alguns objetivos ainda não tenham sido atingidos, como a normalização democrática na Venezuela — diz o acadêmico. Principal formulador da diplomacia presidencial, o assessor para Assuntos Internacionais de Lula, Celso Amorim, confirma que o esforço de integração da América do Sul é prioridade. E destaca a presidência do G20 — o mandato do Brasil vai até novembro —, a preparação para a COP30, a aproximação com a África e a administração de impactos causados por crises. — O papel do Brasil em ajudar a resolver conflitos é reconhecido internacionalmente — afirma Amorim.  


sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Ministros da defesa da América do Sul se reunem em Brasília e decidem que está tudo em paz - Nota do Itamaraty

 Os ministros e ministras de Defesa têm certaza de que está tudo bem? Vejam este parágrafo:

 Em um momento em que outras partes do mundo enfrentam conflitos armados, instabilidade política e crescentes tensões geopolíticas, as Ministras e Ministros recordaram a visão comum, registrada no Consenso de Brasília, de que a América do Sul constitui uma região de paz e cooperação, onde prevalecem o diálogo e o respeito à diversidade, comprometida com a democracia e os direitos humanos, o desenvolvimento sustentável e a justiça social, o Estado de Direito e a estabilidade institucional, a defesa da soberania e da integridade territorial, a não interferência em assuntos internos e a solução pacífica de controvérsias.”

Poxa vida: pensei que certas ameaças pairam no ar…


Ministério das Relações Exteriores

Assessoria Especial de Comunicação Social

 

Nota nº 542

22 de novembro de 2023

 

Primeira Reunião Sul-Americana de Diálogo entre Ministros da Defesa e das Relações Exteriores

 

Aconvite dos Ministros das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, teve lugar, no Palácio Itamaraty, em 22 de novembro, a Primeira Reunião Sul-Americana de Diálogo entre Ministros da Defesa e das Relações Exteriores, ao amparo do Consenso de Brasília, adotado na Reunião de Presidentes da América do Sul, celebrada no dia 30 de maio.

O evento integra o calendário de atividades realizadas no contexto de relançamento da integração sul-americana, conforme estabelecido no Mapa do Caminho para a Integração da América do Sul, aprovado no último dia 5 de outubro.

O encontro teve por objetivo propiciar reflexões a respeito da atual conjuntura de paz e segurança internacional e regional, bem como dos elementos que deverão nortear a retomada do diálogo e da cooperação sul-americana em matéria de defesa.

Na reunião, também foram exploradas possíveis linhas de ação para o estabelecimento de diálogo regular entre os doze países sul-americanos em áreas consideradas prioritárias pelos Ministros de Defesa e Relações Exteriores. Na agenda do evento, foram realizados debates sobre temas de ajuda humanitária, segurança de fronteiras, defesa cibernética e indústria de defesa.

Adotou-se, ao final do encontro, declaração com diretrizes para a retomada do diálogo e da cooperação sul-americana em matéria de defesa, além de declaração especial sobre a questão das ilhas Malvinas. Para dar seguimento às iniciativas, também se decidiu estabelecer Rede de Contato, que permitirá manter espaço de coordenação permanente sobre os temas tratados na ocasião.

 

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DECLARAÇÃO DA PRIMEIRA REUNIÃO SUL-AMERICANA DE DIÁLOGO ENTRE MINISTROS DA DEFESA E DAS RELAÇÕES EXTERIORES

1. As Ministras e Ministros da Defesa e das Relações Exteriores e os representantes dos países da América do Sul reuniram-se em Brasília, em 22 de novembro de 2023, com o objetivo de realizar a "Primeira Reunião Sul-Americana de Diálogo entre as Ministras e Ministros da Defesa e das Relações Exteriores", com base no mandato conferido pelos Presidentes da América do Sul no Consenso de Brasília, em 30 de maio, e no Mapa do Caminho para a Integração da América do Sul, adotado em 5 de outubro.

2. Em um momento em que outras partes do mundo enfrentam conflitos armados, instabilidade política e crescentes tensões geopolíticas, as Ministras e Ministros recordaram a visão comum, registrada no Consenso de Brasília, de que a América do Sul constitui uma região de paz e cooperação, onde prevalecem o diálogo e o respeito à diversidade, comprometida com a democracia e os direitos humanos, o desenvolvimento sustentável e a justiça social, o Estado de Direito e a estabilidade institucional, a defesa da soberania e da integridade territorial, a não interferência em assuntos internos e a solução pacífica de controvérsias.

3. Nesse contexto, reafirmaram seu compromisso de retomar o diálogo regular sobre temas de interesse estratégico para a região, com o objetivo de consolidar um espaço de concertação e diálogo que permita fortalecer a confiança mútua e aperfeiçoar a coordenação e a cooperação diante de eventuais desafios e ameaças à segurança enfrentados pela região, baseados no respeito à soberania de cada país e nos princípios de autodeterminação, integridade territorial e não intervenção.

4. Reconhecendo a importância de uma abordagem abrangente para a segurança que leve em conta a natureza multidimensional dos desafios de segurança na região, as Ministras e Ministros mencionaram, como foco inicial de atenção, as seguintes áreas prioritárias: avaliação da conjuntura de paz e segurança internacional e regional; intercâmbio de melhores práticas em defesa cibernética; intercâmbio de experiências em ajuda humanitária, bem como prevenção e resposta a desastres; cooperação em indústrias de defesa; diálogo regular entre as Ministras e Ministros da Defesa e das Relações Exteriores, entre outras.

5. Levando em conta os pontos 8 e 9 do Mapa do Caminho para a Integração da América do Sul, acordaram:

a) realizar edições das Reuniões Sul-Americanas de Diálogo entre Ministras e Ministros da Defesa e das Relações Exteriores pelo menos uma vez por ano;

b) estabelecer uma Rede de Contatos composta por representantes dos Ministérios da Defesa e das Relações Exteriores de cada país para aprofundar a cooperação em áreas de interesse prioritário. Salvo decisão em contrário, a presidência rotativa do Consenso de Brasília atuará como facilitadora da Rede;

c) a Rede de Contatos manterá um diálogo regular e se reunirá, presencial ou virtualmente, quantas vezes sejam necessárias para avançar nas decisões adotadas no contexto das Reuniões Sul-Americanas de Diálogo entre Ministras e Ministros da Defesa e das Relações Exteriores. Grupos de trabalho ad hoc poderão ser criados para tratar temas específicos.


domingo, 11 de setembro de 2022

Os planos de Hitler para o Brasil e para o mundo, segundo Hermann Rauschning, antigo aliado do tirano nazista

Os planos de Hitler para o Brasil e para o mundo, segundo Hermann Rauschning, antigo aliadodo tirano nazista


Paulo Roberto de Almeida

Transcrições de passagens do livro de recordações de personagem do regime nazista.

 

   Herman Rauschning, alemão da Prússia, foi chefe do governo da "cidade livre" de Dantzig, aquele pedaço da Prússia que – depois dos acordos sucessivos ao Tratado de Versalhes de 1919, ao final da Grande Guerra, que definiram o território da Polônia, que estava dominada até então pelos impérios da Prússia, da Áustria-Hungria e da Rússia – ficou do "outro lado" da Prússia oriental, mas estabelecendo um corredor polonês para acesso do novo país independente ao mar do Norte, estabelecendo um território "neutro" em torno da cidade de Dantzig (atual Gdansk, na Polônia).

Confidences du Führer sur son plan de conquête du monde

Traduit de l'Allemand par Albert Lehman, Paris: Coopération, 1939 


Dantzig, "administrada" flexivelmente pela Liga da Nações, pode ter sido a primeira e única cidade "internacional" do mundo, ao lado, talvez, de Xangai, que pertencia formalmente à República da China, mas que era de fato administrada por cônsules estrangeiros (sobretudo das grandes potências, que dominavam seus respectivos bairros estrangeiros sob concessões estabelecidas ainda no Império do Meio). Poderia ter sido também o caso de Jerusalém, mas seu status internacional nunca pode ser estabelecido, em função das guerras entre o Estado de Israel, que dominava seu lado ocidental, e os países árabes desde 1948, sendo que Jerusalém oriental ficou sob jurisdição da Transjordânia, depois reino da Jordânia. 

Rauschning foi aliado de Hitler desde a primeira hora, e era membro do partido nazista, durante quase toda a década de 1930. Entre 1931, com Hitler ainda fora do poder, mas sobretudo depois de 1933, até pelo menos 1934, ele foi recebido diversas vezes por Hitler, seja em Berlim, seja no seu reduto da Baviera. Anotou tudo o que Hitler lhe havia confidenciado, e depois publicou o seu livro, já no início da guerra iniciada em setembro de 1939. Foi traduzido imediatamente para o francês e publicado em Paris com introdução de Marcel Ray. 

Seleciono alguns trechos dessas conversações que interessam o Brasil e o mundo: 

X: Invasão da América Latina (p. 78-81)

    No começo do verão de 1933 [ou seja, Hitler chanceler desde o início do ano, em função de chantagem feita contra o velho presidente Hindemburg], fui testemunho... de uma conversação, bem característica das ideias políticas de Hitler sobre a América. Esta conversação é a prova evidente que, nessa época, o Führer já via bem longe e que se enganava muito se os objetivos políticos do nacional-socialismo se limitavam ao Leste e ao Sudeste da Europa. Nesse dia, Hitler tinha convidado um dos mais antigos e mais importantes membros das SA [as milícias armadas montadas por ele mesmo, ao longo dos anos 1920], que retornava de uma visita à América do Sul. Durante todo o almoço Hitler se tinha interessado fortemente pelos relatos desse viajante e tinha colocado muitas questões a ele. 

    O assunto foi retomado por Hitler no café. Visivelmente, ele tinha um conhecimento muito sumário sobre o Novo Mundo; ele remetia argumentos que ele havia recolhido no acaso de suas leituras. O Brasil o tinha particularmente interessado. "Nós edificaremos uma nova Alemanha no Brasil. Nós encontraremos ali tudo do que teremos necessidade." Ele desenvolve, em torno disso, as grandes linhas de ação que poderia exercer um governo paciente e enérgico, e os resultados que poderiam ser ali obtidos. No Brasil, pensava ele, se encontravam reunidas todas as condições de uma revolução que permitiria, em poucos anos, transformer um Estado governado por mestiços corrompidos em um Domínio germânico. "Em suma, nós temos diretos sobre esse continente, onde os Fugger, os Welser [nomes de banqueiros alemães] e outros pioneiros alemães possuíam no passado domínios ou enclaves de comércio. Nosso dever é o reconstituir esse patrimônio, que uma Alemanha degenerada deixou que se dispersasse. Mas o tempo passou no qual deveríamos ceder espaço à Espanha ou Portugal, e desempenhar em todos os lugares um papel de atrasados..."

    Seu convidado, von Pf..., [ nome subtraído por Rauschning] lhe confirma [a Hitler] as oportunidades que a Alemanha parecia ter justamente no Brasil. "Os Brasileiros têm necessidade de nós, se eles pretendem fazer qualquer coisa no país. O que lhes falta não é tanto o capital para o fazer frutificar e sim o espírito empreendedor e o talento de organização. " Aliás, precisava Pf..., o Brasil começava a se cansar dos Estados Unidos, que pretendiam apenas explorar o país, e não desenvolvê-lo.

    "Nós lhe daremos os dois, replica Hitler, capitais e espírito empreendedor. Nós daremos até uma terceira coisa: nossas ideias políticas. Se existe um continente no qual a democracia é uma insanidade e um meio de suicídio, é justamente a América do Sul. Trata-se de convencer essas pessoas que elas podem sem escrúpulos jogar o seu liberalismo e o seu democratismo no lixo. Eles ainda têm vergonha de exibir os seus bons instintos. Eles ainda acreditam em desempenhar a farsa democrática. Muito bem, nós esperaremos ainda alguns anos, se for preciso, e os ajudaremos a descartar essas coisas. Naturalmente, precisaremos enviar para lá nosso pessoal. Nossa juventude deve aprender a colonizar. É um trabalho que não se faz com burocratas corretos e governos complacentes. O que nós precisamos lá são jovens que não tenham qualquer hesitação. Não se trata de enviá-los na floresta, para desmatar terras virgens. Não, precisamos que pessoas que tenham acesso à boa sociedade. Poderemos usar as colônias alemãs que já existem por lá?" O convidado respondeu que ele não estava muito seguro [disso]. Em sua opinião, seria melhor não perder tempo com a boa sociedade e buscar imediatamente o contato com as massas inferiores, os índios e os mestiços. 

    – "Nós nos serviremos de uns e de outros, meu caro Pf..., interrompeu Hitler com uma ponta de impaciência. Nós precisamos montar dois movimentos diferentes: um movimento leal e um movimento revolucionário. Você pensa que seria muito difícil? Nós já demos a prova, creio, que nós sabemos fazer esse gênero de trabalho... Não temos nenhum intenção de fazer como Guilherme o Conquistador [o invasor normando da Inglaterra em 1066] e desembarcar nossas tropas para conquistar o Brasil com armas na mão. Nossas armas são invisíveis. Nossos 'Conquistadores', meu caro, têm um encargo mais difícil do que os do passado, e suas armas são de um manejo mais delicado". 

    Hitler coloca outras questões sobre as chances da Alemanha na América do Sul. A Argentina e a Bolívia o interessavam em primeiro lugar. Havia, disse ele, boas razões para acreditar que a influência do nacional-socialismo poderia encontrar um terreno favorável nesses países. (..) Aliás, o que acabava de ser dito estava em contradição formal com seus princípios enunciados no Mein Kampf. (...)

    Nesse dia, eu escutei pela primeira vez o programa desmesurado de Hitler para de um Império [Reich] alemão do ultramar. Fui surpreendido de ver que Hitler tinha planos de expansão até o Pacífico. O núcleo dessa colonização seria fornecido pelas ilhas que a Alemanha possuía no passado nos mares do Sul; se acrescentaria a isso colônias holandesas e toda a Nova-Guiné; Hitler declara ainda que seria preciso impedir o Japão de se estender em demasia, e desviá-lo para a China e a Rússia. Hitler sonhava ainda com um domínio alemão na África Central e previa, enfim, um imenso empreendimento revolucionário nos Estados Unidos. Com a queda do Império Britânico, Hitler esperava colocar um final à influência dos anglo-saxões na América do Norte e de substitui-la pela cultura e pela língua alemãs como etapa preliminar à incorporação pura e simples dos Estados Unidos no seu grande Império mundial. "

(...)

XI - A conquista dos Estados Unidos (p. 86)

    Hitler tinha, sobre os Estados Unidos, uma opinião pré-concebida que nada poderia mudar. Em sua opinião, a América do Norte não interviria nunca mais numa guerra europeia. Esse imenso país, com seus milhões de desempregados, estava à beira de um abismo revolucionário do qual apenas ele, Hitler, poderia salvá-lo.

    (...)

    "Eu vos garanto, senhores, que no momento oportuno, eu a moldarei à minha vontade, a vossa América, e que ela será o nosso melhor apoio no dia em que a Alemanha saltará da Europa em direção dos espaços ultramarinos." 

    Ele fez uma pausa e concluiu: "Nós temos em mãos todos os meios de despertar esse povo quando quisermos e, em todos os casos, não haverá um outro Wilson para jogar os Estados Unidos contra a Alemanha." (p. 90)


Existem muitas outras passagens interessantes nessas recordações de Rauschning, que transcreverei oportunamente. 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 11 de setembro de 2022

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Caderno do CEBRI sobre a diplomacia regional do Brasil: lançamento em painel no IRI-USP

 Apresentação do vídeo de lançamento neste link: 

https://www.youtube.com/watch?v=xTfaxGwJzmM

Policy Papers do CEBRI

A Hora da Diplomacia Brasileira Voltar a Priorizar o seu Entorno Regional



Nenhum país do mundo consegue ser relevante globalmente se não for relevante em seu tabuleiro regional. Em que pese a importância relativa dos nossos vizinhos em nossas exportações de bens semimanufaturados e manufaturados, o Brasil
atualmente está à deriva na América do Sul e, com isso, deixamos um vácuo de poder na região e promovemos uma enorme retração do processo de integração sul-americano. O Brasil precisa ser um ativo promotor do desenvolvimento na região e dos processos de cooperação e integração entre os países da América do Sul.

Download do paper: 



sexta-feira, 15 de julho de 2022

Resenha de Laços de Confiança, de Celso Amorim, por Sergio Leo

 *Anotações do ex-ministro Celso Amorim revelam disputa e desconfiança na diplomacia brasileira*

Em “Laços de confiança”, ex-chanceler destaca relação com países vizinhos

Por Sergio Leo — Para o Valor, de Brasília

15/07/2022 05h03  Atualizado há 3 horas


“Por que o senhor dá tanta atenção à América do Sul?”

“Porque moro aqui.”

O diálogo, com um repórter, é contado pelo ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa Celso Amorim, na obra recém-lançada “Laços de confiança”, da editora Benvirá; e traduz a tese que inspirou o livro: a atuação do Brasil no mundo exige maior atenção aos vizinhos, e iniciativas para o desenvolvimento dos países sul-americanos. Sem a integração bem-sucedida com a vizinhança, sugere o ex-ministro, a região corre o risco de ficar a reboque de interesses de grandes potências com grande força gravitacional, como os Estados Unidos.

Amorim, ministro de Relações Exteriores nos governos Itamar Franco e Luiz Inácio Lula da Silva, relata sua intensa - e atribulada - interlocução com um leque variado de governantes, do republicano George W. Bush ao bolivariano Hugo Chávez. O título do livro, “Laços de confiança”, é a citação de um comentário do ex-presidente da Colômbia Álvaro Uribe, um dos improváveis parceiros nas iniciativas diplomáticas do ex-ministro.

“Mostrar que a realidade já foi outra e que é possível a construção de uma América Latina e Caribe fortes, unidos em sua diversidade, é um dos objetivos deste livro”, explicita o diplomata, lamentando o amadorismo na diplomacia do governo atual.

Ao lembrar da disputa acirrada entre argentinos e uruguaios em torno da instalação de poluidoras fábricas de celulose no rio Uruguai, Amorim queixa-se de que a briga foi usada pelos críticos de sua política externa “altiva e ativa”, para desdenhar de suas ambições de tornar o Brasil um mediador confiável - até em desafios distantes da região, como no acordo nuclear com o Irã. Outros momentos mais felizes, porém, como a solução de conflitos entre a Colômbia e vizinhos, credenciaram o país a ser visto como interlocutor confiável e importante na formação de consensos, defende.

Os diários de Amorim que inspiram o livro dão pistas sobre, por exemplo, a visão, à esquerda, sobre o acordo de comércio firmado - e ainda não ratificado nos parlamentos - pelo Mercosul com a União Europeia: temas importantes para os europeus e aceitos sem muito debate nos últimos governos brasileiros, como reforço dos direitos de propriedade intelectual, fim de exclusividade de comprar do governo para fornecedores locais e redução da proteção a setores industriais considerados estratégicos foram e continuam assuntos caros ao antigo chanceler e seu entorno político.

Ao contrário da imagem de leniência com países vizinhos popularizada pelos críticos da política externa durante as gestões de Amorim no comando da diplomacia, as anotações reproduzidas pelo ex-ministro mostram inúmeras disputas e desconfianças na diplomacia brasileira para administrar o jogo político e econômico entre os governos de esquerda que eram maioria no continente.

O então presidente Lula é mostrado ora inclinado a aceitar argumentos dos companheiros governantes de esquerda, ora irritado e duro na negociação com eles, como nas discussões com a Petrobras sobre os interesses da empresa na Bolívia. O petista usa o Itamaraty para fazer um jogo ambíguo com os governos vizinhos, temerosos do “sub imperialismo” brasileiro.

Em uma das passagens mais surpreendentes do livro, Amorim revela a orientação recebida do presidente, digna do “brasileiro cordial” descrito por Sergio Buarque de Holanda: “Celso, é melhor você tomar conta da Bolívia. Eu não posso. Fico com muita pena quando vejo aqueles indiozinhos pobres”.

Curiosamente, governos à direita, como os dos colombianos Álvaro Uribe e Juan Manuel Santos, mostram-se, nos relatos de Amorim, de mais fácil diálogo, reconhecidas diferenças evidentemente inconciliáveis em questões como a maneira de tratar a guerrilha colombiana. No caso das atribulações com os guerrilheiros, que ocupam boa parte dos relatos sobre a Colômbia, prevaleceu, com Santos, porém, a lógica defendida por Amorim, de tratar os guerrilheiros como insurgentes, e negociar sua incorporação à política democrática.

“A esquerda às vezes dá mais trabalho”, desabafa Amorim, ao relatar atritos com o uruguaio Tabaré Vasquez e o paraguaio Fernando Lugo. Apesar da convicção em favor dos chamados governos progressistas na região, por suas políticas claramente favoráveis à maior distribuição de renda e autonomia econômica, não faltam críticas ao “radicalismo” de Hugo Chávez, na Venezuela, e do governo Kirchner, na Argentina, dos quais o livro dá inúmeros exemplos.

Chávez é criticado por seus “arroubos” e gestos preocupantes e contraproducentes, “entre o burlesco e o provocador”. “Respeitamos o que Chávez quer fazer dentro da Venezuela”, disse o então presidente da República, em conversa com George Bush relatada por Amorim; “mas quando atua na região”. O diálogo, aliás, é um dos bastidores do esforço lulista de mostrar-se como mediador nas relações dos bolivarianos com governos dos EUA.

Para Amorim, Chávez tinha legítimo interesse em melhorar a vida dos venezuelanos, e enfrentar “com coragem uma elite reacionária, que sempre se locupletou com as receitas do petróleo e cuidou pouco da população pobre”. Mas trazia ameaças à estabilidade da região, que o Brasil tinha o dever de administrar diplomaticamente

“A Venezuela nunca poderá promover a ‘revolução bolivariana’ em países de sociedades complexas como o Brasil e a Argentina, mas pode causar estragos de monta em nações mais frágeis e fragmentadas como a Bolívia e o Equador”, comenta Amorim. “Até aqui, nossa estratégia tem sido a de atrair a Venezuela, integrando-a ao Mercosul.”

O cuidado da edição em trazer notas e índices onomásticos, uma excelente característica dos livros de Amorim, ajuda a atravessar a aridez de alguns trechos com mais concessões ao patuá dos negociadores internacionais. O ex-chanceler deixa um documento importante, fonte de abundantes elementos para analisar a política externa recente e seus possíveis rumos no futuro.

https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2022/07/15/anotacoes-do-ex-ministro-celso-amorim-revelam-disputa-e-desconfianca-na-diplomacia-brasileira.ghtml

quarta-feira, 29 de junho de 2022

Celso Amorim: “Brasil deve ser contrário à influência de EUA e China” - Guilherme Amado (Metrópoles)

 Celso Amorim: “Brasil deve ser contrário à influência de EUA e China”


Amorim diz que áreas de influência são herança do período colonial e que não haverá caça às bruxas no Itamaraty num eventual governo Lula

Guilherme Amado
29/06/2022 2:00, atualizado 29/06/2022 8:27

Chanceler durante os dois mandatos de Lula e ministro da Defesa durante parte do governo Dilma, o embaixador Celso Amorim avalia que a postura mais inteligente para o Brasil seria não tomar partido na disputa entre Estados Unidos e China, em meio à tentativa de estabelecer áreas de influência na América Latina. “Áreas de influência são uma herança colonial”, disse Amorim, em entrevista à coluna. “Não queremos sair de uma dependência para outra.”

O ex-chanceler assegurou que não haverá uma caça às bruxas no Itamaraty caso Lula vença as eleições presidenciais. Amorim criticou a gestão do Itamaraty no governo Bolsonaro e disse que mudanças em cargos de confiança serão naturais com uma eventual troca de governo. Ele afirmou, no entanto, que as substituições serão feitas de acordo com as regras estabelecidas pelo Ministério das Relações Exteriores.

O ex-chanceler, que completou 80 anos no início deste mês, lança pela editora Benvirá o livro “Laços de confiança”, sobre a relação do Brasil com os países da América do Sul, com análises país a país, e prepara ainda um livro de memórias, para novembro, intitulado “Uma visão de Brasil”. A obra será lançada pela editora Civilização Brasileira.

Considera que estamos no início de uma nova configuração da América do Sul, semelhante à que tivemos no período em que foi chanceler?

É fundamental ver o que vai acontecer com o Brasil. Tenho muita confiança, porque o Brasil é metade da América do Sul, um terço mais ou menos da América Latina, mais da metade da América do Sul em termos de população, PIB e território, então qualquer análise do conjunto da América do Sul sem o Brasil é uma análise incompleta. Mas, confiando como eu confio em uma vitória da coligação democrática do Lula com o Alckmin, sem dúvida isso ocorrerá de maneira até mais forte, porque já passamos por um período um pouco ingênuo em relação a reformas. Há mais consciência do que é preciso fazer, das alianças que precisamos fazer e da amplitude das alianças. Por outro lado, há um número maior de países com governos empobrecidos. Hoje em dia nós temos o Chile, Colômbia, que tinha um governo de direita… Aliás, uma curiosidade, que eu tinha que falar agora, porque o título do livro, “Laços de Confiança”, foi uma uma expressão que me ocorreu na saída de um encontro com o [ex-presidente da Colômbia Álvaro] Uribe. Era um governo totalmente diferente do nosso, mas havia uma confiança porque sabíamos que as relações eram estáveis. Cada vez que o Uribe tinha um problema com a Venezuela — e ele teve muitos –, ele não corria para Washington, ele corria para Brasília. Saindo de uma dessas reuniões com o Uribe, veio na minha cabeça, laços de confiança, foi isso que conseguimos criar na América do Sul e na América Latina. O livro se concentra mais na América do Sul, mas isso também era válido para América Latina de modo geral, e hoje em dia mais ainda, porque temos países como o México. Se ganhar a coligação democrática, será a primeira vez que você terá quatro ou cinco dos maiores países da região com governos progressistas.

Sobre a disputa entre China e Estados Unidos pela influência exercida na América Latina, qual que você considera que deve ser a postura brasileira nessa disputa?

Nem uma nem outra. O Brasil deve ser contrário às áreas de influência. As áreas de influências são uma herança colonial. O Brasil tem peso para fazer isso, o presidente Lula tem credibilidade para conduzir um processo desse tipo, trabalhar por um mundo multipolar. Nós temos uma relação estratégica, que nos interessa aprofundar com a União Europeia. Temos com a China também e temos com os Estados Unidos. Não estabelecemos relações estratégicas com o Reino Unido, mas nós tivemos uma relação muito boa, em termos muito complexos, e pretendemos que seja assim. Até porque, veja bem, embora em matéria de política internacional possamos ter alguma crítica, mais até na maneira de fazer a política que o Biden tem levado adiante internamente, há muitas coisas positivas. A falha maior é ele não ter conseguido fazer tudo que quis. Os investimentos em infraestrutura, na erradicação da pobreza, para os jovens, na questão das desigualdades raciais, isso é muito positivo. Acho que isso nos aproxima naturalmente dos Estados Unidos, mas é preciso que os Estados Unidos entendam que tem que ser uma cooperação igual em matéria de dependência, na base de cooperação e respeito mútuo. Isso é possível perfeitamente, já tivemos momentos assim e podemos ter com mais razão ainda com um governo que se autoproclama um herdeiro do Roosevelt. Vamos pegar esse lado, que é um lado mais positivo. E na expectativa de que na parte internacional as correções de rumo vão ocorrendo com mais naturalidade.

Mas você detalhou mais o discurso para os Estados Unidos do que o discurso para China. E para a China, o que deveria ser dito? Qual deveria ser o posicionamento?

Com a China, os números são tão eloquentes que você não precisa falar. É claro que haverá algo a conversar, temas sobre a governança global que temos que discutir, mas temos semelhanças e diferenças. A China só fez crescer, se aprofundar e desenvolver. É um parceiro comercial fundamental. Mas, ao mesmo tempo em que temos um grande superávit comercial, há um grande desequilíbrio qualitativo. Temos que enfatizar a sua operação tecnológica, a sua habilidade de colocação de produtos manufaturados e tudo que é importante na relação comercial com outros países. Agora, o comércio com a China é algo muito forte, é da natureza das coisas, não é só com o Brasil. Aliás, é com quase toda a América do Sul. No caso do Brasil, para você ter uma ideia, o nosso superávit comercial com a China é maior do que o total das exportações para os Estados Unidos. Isso dá uma ideia da grandeza do comércio, mas não queremos sair de uma dependência e passar para outra. Tem que ter um ponto de equilíbrio, por isso a relação com a União Europeia é muito importante. É claro que eu estou falando essas coisas, mas o mundo é muito complexo. Tem a guerra na Ucrânia, essas coisas todas mexem com o conjunto do mundo. Agora, eu confio que o mundo caminhará. Certamente ele saiu da bipolaridade da Guerra Fria e está saindo da unipolaridade, que é a hegemonia norte-americana, mas também não pode cair numa outra bipolaridade da China e Estados Unidos. Tem que caminhar para o mundo multipolar, e o nosso relacionamento com a América Latina, com a América do Sul e com a Europa é muito importante também.

Houve uma coincidência no posicionamento do ex-presidente Lula e do presidente Jair Bolsonaro em relação à guerra da Ucrânia em alguns pontos, principalmente na ponderação sobre o que ambos consideraram contribuições da Ucrânia para a situação. Por que você acha que aconteceu essa convergência, considerando que os dois têm visões de política externa e visões de mundo completamente diferentes?

Eu não diria que é uma coincidência, porque o Bolsonaro sequer exprime as posições dele em termos de valores. São imediatismos, que levaram a permitir, de certa maneira, que o Itamaraty ficasse sufocado por aquela política olavista do Ernesto Araújo, do filho de Bolsonaro, de aliança com a extrema direita. Ele se liberou um pouco dentro disso e defendeu princípios básicos que são corretos. Veja bem, há nessa situação uma “linha vermelha” que não pode ser ultrapassada, que é o uso da força. A Rússia fez o uso da força, começou com a guerra e isso está errado. Agora, você não reconhecer quais são as causas, quais são as circunstâncias que contribuíram para que isso acontecesse, ainda que você condene esse ato, seria errado. Compreendemos bem que a expansão da OTAN e certas atitudes da própria Ucrânia contribuíram para isso, em relação às minorias russas e às dificuldades de chegar a um acordo. É preciso procurar a paz. A Europa Ocidental, a Alemanha e a França têm um papel, mas a China também tem. E aí é que você tem que entender que, num outro contexto, o Brasil também teria. O Brasil faz parte de um grupo de países com a Índia, com a África do Sul, com um grupo grande de países africanos, que veem o mundo não dessa maneira bipolar. Estão fazendo 40 anos desde que foi lançada essa ideia da Nova Ordem Econômica Internacional, que eram os países em desenvolvimento. É isso que temos que trabalhar, sem hostilizar ninguém, sem diminuir a importância da relação com os países desenvolvidos. As pessoas dizem que o Brasil fez uma opção Sul-Sul em relação a outros países, mas não é verdade. O Brasil teve parceria estratégica com a União Europeia, teve diálogo normal com os EUA.

Você diz isso nos governos do PT, certo?

Não só nos governos do PT. O governo do PT aprofundou laços e fez alianças qualitativas, mas seguindo uma tradição que é a que está na Constituição brasileira. A forma como fizemos aquilo que nos difere, creio eu, de outros governos em que eu trabalhei como ministro, como embaixador. Não é que mudou 180º, mas tivemos uma maneira mais ativa e altiva de levar adiante os nossos interesses e os nossos valores.

Você considera acertado o embargo à Rússia?

Não, sanções não resolvem nada. Eu acompanhei de muito perto sanções na ONU, que eram autorizadas com relação ao Iraque, e via as consequências trágicas. As pessoas falam de sanções como se fossem medidas taxativas, mas sanções matam. E no caso da Rússia, além de matar, como matavam no Iraque, elas têm um efeito sistêmico imenso na realidade da Europa. É um imenso tiro no pé, os países estão começando a dizer que precisa racionar, administrar restritivamente o consumo de energia, nós estamos enfrentando uma crise de alimentos. E aí falam sobre “a guerra do Putin”, mas não adianta nada dizer isso e fazer sanções que agravam. O que é preciso em relação a essa guerra é ter urgência em relação à paz, como o papa Francisco tem falado, como outros têm falado. O que eu sinto, e que me aflige muito, é a falta de urgência na negociação da paz. As pessoas ficam mais procurando como conviver em uma situação de guerra, mas é preciso avançar, é preciso haver um entendimento. Nós vivemos uma pandemia, nós temos o aquecimento global, nós temos a desigualdade, são problemas globais que exigem cooperação. Pode até haver uma competição, mas não uma rivalidade de vida ou morte. Volto a dizer, eu não estou defendendo, o Putin errou ao invadir a Ucrânia, porque são dois princípios fundamentais: a integridade territorial do Estado e a renúncia ao uso da força. Não sei os casos específicos que fazem parte da cartilha da ONU. Ele errou, mas isso não quer dizer que a gente não tenha urgentemente que buscar a paz. As sanções afetam muito mais países em desenvolvimento. Você vai ver como votaram os países em desenvolvimento nessa Assembleia Geral, não digo todos, mas principalmente na África. Não é uma opção ideológica, nem de rivalidade e agressividade, é uma postura de defesa do interesse deles.

Se o Lula sair vencedor nas eleições, como as pesquisas apontam hoje, haverá, por parte do PT, uma caça às bruxas no Itamaraty, contra os atuais diplomatas que estão à frente do ministério?

Primeiro que o governo não é do PT, é uma coligação, mas o governo será institucional e não haverá caça às bruxas, mas obviamente cargos mais importantes têm que ser preenchidos por pessoas que gozem da confiança, isso ocorre em qualquer governo. Sem necessariamente estar perseguindo, sem ter que perseguir ninguém. As pessoas também têm que assumir as responsabilidades que elas tiveram, digamos assim, que adotaram posturas que feriram o próprio decoro diplomático. O Itamaraty sempre foi uma instituição muito respeitada. Eu fiz o exame para o Rio Branco em 1962 ou 1963, eu comecei no Itamaraty em 1963. No final de 1964 houve o Golpe Militar, em raríssimas exceções que ocorreram, as pessoas foram mais ou menos respeitadas. Não houve essa coisa insensata e totalmente louca. Essa ofensa que foi feita ao meu grande conterrâneo Alexandre de Gusmão, de fazer seminários sobre o terraplanismo. Isso é uma coisa louca. O chanceler Carlos França, graças a Deus, diminuiu essa sanha, mesmo eu não concordando com várias coisas feitas por ele. As pessoas tinham medo de falar umas com as outras. Uma vez um embaixador me procurou para falar sobre um assunto, que ele sabia que eu conhecia bem, e ele disse assim: “Sabe embaixador, os meus colegas dizem que sou louco de me encontrar com o senhor”. Para você ver que existia um medo, e isso nunca aconteceu. Claro que você pode colocar pessoas em lugares estratégicos que estão na sua linha, mas é muito diferente dessa sanha que ocorreu, que procuraram mentir sobre a realidade e que foram publicados por embaixadores de grande projeção. E outras coisas absurdas em relação aos direitos humanos, ao direito da mulher, dos negros… O Brasil passou a ser uma vergonha e isso tem que ser corrigido, mas tem que corrigir com jeito. Eu não sei quem vai ser o chanceler, mas penso que tem que ser conduzido com jeito, como sempre foi o Itamaraty. Toda transição tem uma mudança, mas sem violências, sem absurdos, sem humilhação.

Queria falar individualmente da relação com alguns países. Hoje, temos quase que uma não relação com a Argentina. Essa relação já esteve até pior do que está agora, mas a impressão que tenho é que há um grande vazio nessa avenida. Você concorda com essa premissa? Quais deveriam ser os primeiros atos para retomar alguma relação com a Argentina?

Eu concordo totalmente. A relação com a Argentina recebeu um grande impulso com a redemocratização e assim foi seguindo, nos mais diversos governos, de governos neoliberais à esquerda. Eu diria que é preciso restabelecer a confiança que não existe hoje em dia. Não temos uma relação de confiança com nenhum país da América Latina, não é só com a Argentina. Talvez sejamos um pouco menos hostis com governos conservadores, mas não é uma relação de confiança. Essa retomada virá com muita naturalidade, é uma amizade daquela época. Que ocorra no Brasil o que todos nós esperamos. É claro que existem alucinações, o Uruguai está com um governo conservador, mas o conjunto da região está mais progressista hoje do que era em 2003. Isso vai ajudar.

Qual o rumo que deveria tomar, na sua visão, a relação entre Brasil e Venezuela?

O maior erro do início do governo do Bolsonaro foi romper relações com Venezuela. Você pode concordar ou não, você pode ter uma aproximação maior ou menor, isso é normal, mas romper relação com um vizinho como a Venezuela… Os parlamentares da base governamental estão indo a Caracas, é claro, é um vizinho que você tem que conviver, isso é absolutamente normal e fundamental. E veja bem, no momento de crise da Venezuela, o país que ajudou controlar foi o Brasil, com o presidente Lula, que criou o Grupo de Amigos da Venezuela. O Grupo de Amigos, contrariamente ao que pretendia o [ex-líder venezuelano Hugo] Chávez, não era um grupo de amigos do Chávez. O Brasil era o coordenador junto com os Estados Unidos. Você tinha Espanha e Portugal, que eram governos conservadores, e foi graças a esse grupo de amigos e a essa pluralidade que conseguimos assegurar a realização do referendo reformatório com observação internacional. Esse tipo de caminho, com diálogo, é um caminho importante. O Brasil esteve à beira de uma guerra com a Venezuela no início do governo, porque não houve aquela alegada intervenção humanitária. O ministro queria atravessar a fronteira, mas vai que leva um tiro de guarda nacional? Aí pronto. É assim que começam as guerras. O Brasil tem uma tradição de paz, o Brasil contribuiu para a paz entre Colômbia e Venezuela, entre Colômbia e Equador… O Brasil teve uma atuação pacificadora no governo Lula, essa é a nossa tradição. O governo Lula teve mais, mas o governo FHC também contribuiu para a pacificação entre Bolívia e Equador. Essa é a tradição brasileira, e com o governo Bolsonaro foi ao contrário. Tivemos atitudes bélicas, veio aqui um secretário de Defesa indo visitar o teatro de batalha. Donald Trump falava que iria invadir e mandou esquadra dele, uma coisa louca, uma coisa contrária. Veja você, você está falando muito do o governo Lula e, é óbvio, tenho muito orgulho de ter trabalhado pelo governo Lula e a respeitabilidade internacional dele é algo que não precisa falar, as imagens falam por si mesmas. Mas deixa eu dizer, a realidade do governo Bolsonaro foi tão fora da tradição brasileira que foi possível ter um grande artigo ocupando uma página inteira, assinado por todos os ex-ministros das Relações Exteriores ou pessoas com condições equivalentes desde a democratização, incluindo ministros lá de trás, do Sarney, até os ministros do Temer. Nunca tinha ocorrido um afastamento tão grande dos princípios constitucionais brasileiros.

Quais oportunidades de relação com a Colômbia, por ter pela primeira vez um governo de esquerda, caso o vitorioso seja o ex-presidente Lula?

Quando penso na integração da América Latina e Caribe, muitas vezes ficavam de fora os países que são nossos vizinhos amazônicos, porque a relação é menos estreita do que é com os nossos vizinhos aqui embaixo do Prata. A Colômbia tem o segundo maior PIB da América do Sul, é maior que o da Argentina inclusive, então é uma relação importantíssima. Podem ter muitas semelhanças na formação cultural e étnica com o Brasil. Vai ser muito importante. Agora, não podemos deixar de valorizar a relação com outros presidentes que são muito importantes. Para citar um exemplo, o próprio presidente da Argentina, da Colômbia, do Chile, uma relação pessoal com o presidente da Bolívia, que haverá certamente com Lula. No caso do Peru também…

Num eventual governo Lula, qual seria o melhor approach com Equador e Uruguai, dois países governados pela direita?

Isso não será um problema. É claro que gostamos dos governos com que temos mais afinidade, mas, como eu lembrei, no começo do governo Lula, o Uruguai tinha um presidente de direita, muito conservador. No Peru havia um governo de centro-direita, mas o Peru ajudou a dar impulso nos acordos da Argentina com o Mercosul. Sem falar no próprio Uribe, que não era uma pessoa extremista, mas estourou como mais direitista com o tempo, embora fosse um homem direito e muito centrado nas questões internas da Colômbia. Era uma pessoa que nos dávamos bem. Eu me lembro da chanceler dele, quando nós fizemos o acordo do Mercosul com a comunidade Andina, ela dizia: “com esse acordo nós estamos criando o livre comércio na América do Sul”. Vamos trabalhar corretamente, sem discriminações, e quando você tem afinidade, você não precisa ficar discutindo, vai direto. Você não mencionou o Paraguai, também com um governo conservador, e nós também tivemos uma boa relação. Claro que um governo progressista facilita num projeto de longo prazo, uma visão integracionista, mais forte. E isso é muito importante, no momento em que o mundo está se organizando em blocos e o Brasil, que é um país muito grande, poderá até ombrear com os principais países europeus, embora não seja grande o suficiente para ombrear com os Estados Unidos ou com a China. Na América do Sul e na América Latina, essa integração se tornará cada vez mais importante nesse mundo fragmentado que estamos vivendo, e digamos, a formação de uma opinião comum progressista será muito importante.

Leia amanhã a segunda parte da entrevista com Celso Amorim.

https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/celso-amorim-brasil-deve-ser-contrario-a-influencia-de-eua-e-china

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Quando o Tio Sam escravagista do Sul queria continuar o regime escravo na América do Sul - H-Diplo

 H-Diplo Article Review 992

28 October 2020

Michael A. Verney.  “‘The Universal Yankee Nation’:  Proslavery Exploration in South America, 1850–1860.”  Diplomatic History 44:2 (April 2020):  337–364.  DOI:  https://doi.org/10.1093/dh/dhz067.

https://hdiplo.org/to/AR992
Editor:  Diane Labrosse | Commissioning Editor:  Dayna Barnes | Production Editor: George Fujii

Review by David Parker, University of Georgia
 

Michael A. Verney’s article is an exciting contribution to a growing wave of scholarship that gives new focus to the international and hemispheric dimensions of the antebellum United States, the sectional crisis, and the origins of the American Civil War.  Analyzing U.S. Navy expeditions to the Amazon River and Rio de la Plata in the 1850s, Verney argues that U.S. proslavery foreign policy reached as far South as Argentina, and that flirtation with imperial expansion into South America was a serious, substantive federal government policy enjoying popular support, rather than “a passing fancy for proslavery elites” (338). 

Though proslavery and white supremacist sentiment enjoyed currency throughout the Americas in the 1850s, Verney argues that U.S. policymakers did not envision their hemispheric proslavery efforts as international collaborations among equals.  Whatever their professed intentions of friendly, collaborative development,  U.S. policymakers and Naval commanders saw both South American expeditions in nakedly imperial terms as hopes for U.S. slavery’s further continental expansion appeared increasingly threatened after the Mexican-American war. 

Verney draws on the official, public claims of U.S. politicians and diplomats and contrasts them with the private correspondences of those same figures to reveal the diplomatic sleight-of-hand and genuine intrigue at play for figures like U.S. Navy Lieutenant Matthew Fontaine Maury, a pioneer in the field of Oceanography and the chief architect of the U.S. Navy’s plan to prepare the Amazon region for annexation. This analysis of both the Amazon and Rio de la Plata expeditions amply supports Verney’s second core argument, “that naval imperialists sought to disguise their intentions in ways that would appeal to their South American hosts” (339). 

Intellectual history plays a key role in this work, as Verney skillfully teases out the varied forms that white supremacist ideology took throughout the Americas, and how the racist visions of the future that were promoted by elites in the U.S., Brazil, Paraguay, Argentina, and Bolivia overlapped, contradicted each other, and tensely coexisted. Brazilian elites, for example, believed that “whitening”—the literal lightening of the national population through encouraging European immigration and intermarriage—was a key to national development, which made U.S. dreams of white U.S. citizens settling and developing the Amazon River Basin at least superficially appealing (345). But the U.S. vision of a “whitened” and “settled” Amazonia carried with it a contempt for the imagined indolence of Latin American creole elites, and a thinly-veiled confidence that superior Anglo-Saxon specimens emigrating from the U.S. would not just accelerate national development, but pave the way for annexation (348-349). 

In both visions of whitening and development, the perceived necessity of black enslaved workers was a contradiction that provoked little anxiety or comment from elite thinkers.  Quotations pulled from Maury’s record of the Amazon expedition provide a fascinating glimpse into the mind of a slaveholding man of science.  Unsurprising is Maury’s conviction that only enslaved African workers, under white domination, were physically capable of performing heavy agricultural labor in the tropical region.  More unexpected is Maury’s belief that jerky made from local manatees could provide a cheap, abundant food source for enslaved workers (349). 

Boosters of the U.S. Navy’s 1853 expedition to the Rio de la Plata, commanded by Lieutenant Thomas Jefferson Page, couched its proslavery goals in the language of science, commerce, and mutually beneficial national development, just as Maury had in his Amazon expedition. Verney points to the intriguing fact that this expedition, perhaps because its leaders more successfully masked their intentions, enjoyed the support of many ostensibly anti-slavery Northerners, particularly merchants (354).  Verney leaves open the question of why anti-slavery businessmen threw their support behind a proslavery expedition, though he gestures broadly at some possibilities, including Northern industry’s inextricability from American slavery.  The article’s source base—largely official U.S. government documents and private correspondences of U.S. policymakers and government agents[1]—is ill suited to answering this question, but scholars interested in the extensive economic relations connecting the Northern and Southern United States should take note and consider probing this topic further. 

A solid base of secondary literature supports Verney’s efforts to outline the “powerful international trends'' that shaped U.S. aspirations and their reception in Latin America (364).[2]  There is little reason to doubt Verney’s contention that Latin American elites sought close relations with the U.S. while remaining largely skeptical of their northern neighbor’s intentions. And Verney amply supports his claim that U.S. arrogance and the expansionist precedent of its aggressive war of conquest against Mexico doomed the dream of a U.S.-led South American empire of slavery.  Page’s outrageous imperiousness and aggression in the Rio de la Plata expedition –and the certainty that this alienated potential Paraguayan collaborators – is clear from his own writings.  A thorough analysis of Latin American elites’ investment in national development and their skepticism of the U.S. as a partner, however, will require a different primary source base, one that uses documents produced by Latin American elites in order  to even more thoroughly incorporate those powerful international trends into this story. Verney’s article makes for an excellent foundation for these future studies.

Like other recent works on the U.S. Sectional Crisis, Verney’s article argues that antebellum Northern and Southern interests were intertwined and that slaveholders had a near-stranglehold on the levers of power in the U.S. federal government before 1860.  It builds on the work of scholars like Matthew Karp, who explored the proslavery focus of antebellum U.S. foreign policy and the global ambitions of slaveholders, and Daniel Rood, who analyzed the intellectual networks and forward-looking technological innovations of slaveholders in a “Greater Caribbean” stretching from Virginia to Brazil.[3]  And like these and other recent works, it resurrects the question of how and why the American Civil War occurred.[4]  An intriguing possibility raised here is that Latin American resistance to U.S. expansionism closed off another safety-valve for U.S. slaveholder anxieties. Verney thus points the way towards valuable new studies of diplomacy in the Americas, and asks us to reconsider how Latin American elites and policymakers understood and shaped their relationship to the United States.

 

David Parker is a Ph.D. student at the University of Georgia.  His research interests include the history of adolescence and sexuality in the antebellum South, and the immigration of former Confederates and their families to California after the Civil War’s conclusion.


Notes

 

[1] As in William Lewis Herndon and Lardner Gibbon, Exploration of the Valley of the AmazonMade Under Direction of the Navy Department, 2 vols. (Washington D.C.: Robert Armstrong, 1853-1854), and Matthew Fontaine Maury to William Lewis Herndon, April 20, 1850, reprinted in Donald Marquand Dozer, “Matthew Fontaine Maury’s Letter of Instruction to William Lewis Herndon,” The Hispanic American Historical Review 28:2 (1948): 212-228.

[2] Such as Jeffrey Lesser, Immigration, Ethnicity, and National Identity in Brazil, 1808 to the Present (New York: Cambridge University Press, 2013).

[3] Matthew Karp, This Vast Southern Empire: Slaveholders at the Helm of American Foreign Policy (Cambridge: Harvard University Press, 2018); Daniel Rood, The Reinvention of Atlantic Slavery: Technology, Labor, Race, and Capitalism in the Greater Caribbean (New York: Oxford University Press, 2017).

[4] Such as Thavolia Glymph, The Women’s Fight: the Civil War’s Battles for Home, Freedom, and Nation (Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2020), and Walter Johnson, River of Dark Dreams Slavery and Empire in the Cotton Kingdom (Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press, 2017).