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domingo, 23 de julho de 2023

Europa se distancia dos Estados Unidos: crescimento é mais rápido numa economia mais livre

 "Segundo números do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) trabalhados pelo think tank Conselho Europeu sobre Relações Exteriores (ECFR, na sigla em inglês), em 2008, as economias dos países da União Europeia somavam US$ 16,2 trilhões, contra US$ 14,7 trilhões dos Estados Unidos.

Porém, no ano passado, o PIB americano chegou a US$ 25 trilhões, enquanto a UE e o Reino Unido (que deixou o bloco nesse intervalo) juntos atingiram apenas US$ 19,8 trilhões. (...)

Em um artigo recente para o Financial Times, o colunista Gideon Rachman apresentou dados que ilustram como a Europa ficou para trás. Enquanto as maiores empresas de tecnologia do mundo são americanas e a China vem conseguindo desenvolver também gigantes no setor, há apenas duas big techs europeias no top 20 mundial em valor de mercado (a holandesa ASML e a alemã SAP).

Rachman citou também que os levantamentos Shanghai Ranking e Times Higher Education de melhores universidades do mundo colocaram apenas uma instituição da UE entre as 30 primeiras (o Reino Unido teve mais nomes, como Cambridge e Oxford); que a participação europeia na fabricação mundial de semicondutores caiu de 44% para 9% desde 1990; e que hoje o capital privado para investimentos está muito mais disponível nos Estados Unidos do que na Europa.

O ponto de partida para a disparidade econômica entre os aliados foi a crise de 2008, que, conforme ressaltado por Josilmar Cordenonssi, professor de ciências econômicas do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas (CCSA) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), “apesar de ter surgido nos Estados Unidos, foi pior para a Europa”.

Em 2009, ano seguinte à detonação da crise, o PIB dos Estados Unidos sofreu retração de 2,6%, segundo dados do Banco Mundial; já o da UE teve queda de 4,3%. Com a crise e nos anos seguintes, países do bloco enfrentaram problemas de solvência, recessão profunda, aumento da dívida pública, ajustes fiscais severos e outros obstáculos.

A isso, lembrou Cordenonssi em entrevista à Gazeta do Povo, se somam fatores estruturais. “A economia americana é muito mais dinâmica que a europeia. É muito menos regulada, principalmente no mercado de trabalho, na facilidade de abrir e fechar negócios”, explicou. “Você tem países na Europa, como a Espanha, em que o desemprego dificilmente fica abaixo de 10%. Nos EUA, o nível de desemprego é sistematicamente baixo, [hoje está] abaixo de 4%.”

O analista destacou outras diferenças nos Estados Unidos: uma rede de proteção social menor para os trabalhadores americanos, “então eles precisam trabalhar mais e tendem a ser mais produtivos”; maior abertura para a imigração, o que traz mais dinamismo para o mercado de trabalho, apesar de problemas na fronteira com o México; e o respeito à chamada destruição criativa.

“Se a empresa vai mal, que quebre, ninguém vai lá recuperar, enquanto na Europa, o Estado tenta entrar para salvar se [a empresa] é um símbolo nacional, é uma relação mais paternalista em relação a algumas empresas”, comparou.

Cordenonssi citou o exemplo das grandes demissões realizadas pelas big techs este ano, sem grandes repercussões internas nos Estados Unidos, “enquanto na Europa estavam negociando com governos e sindicatos como fazer”.

“É muito mais difícil [demitir funcionários e reestruturar empresas na Europa]. Os principais talentos, os grandes centros de desenvolvimento tecnológico, como é uma atividade de risco, migram naturalmente para os Estados Unidos, para diminuir esse custo da inovação. Na Europa, há uma mentalidade, parecida com a do Brasil, muito sindical, estatizante, de proteção. Isso sufoca esses setores mais dinâmicos da economia, é difícil inovar, melhor ir para os Estados Unidos”, afirmou o professor."

Eu acrescentaria apenas mais uma variável nesta equação que torna os EUA muito mais dinâmico que a Europa: Nos EUA não tem IVA.

domingo, 11 de setembro de 2022

Os planos de Hitler para o Brasil e para o mundo, segundo Hermann Rauschning, antigo aliado do tirano nazista

Os planos de Hitler para o Brasil e para o mundo, segundo Hermann Rauschning, antigo aliadodo tirano nazista


Paulo Roberto de Almeida

Transcrições de passagens do livro de recordações de personagem do regime nazista.

 

   Herman Rauschning, alemão da Prússia, foi chefe do governo da "cidade livre" de Dantzig, aquele pedaço da Prússia que – depois dos acordos sucessivos ao Tratado de Versalhes de 1919, ao final da Grande Guerra, que definiram o território da Polônia, que estava dominada até então pelos impérios da Prússia, da Áustria-Hungria e da Rússia – ficou do "outro lado" da Prússia oriental, mas estabelecendo um corredor polonês para acesso do novo país independente ao mar do Norte, estabelecendo um território "neutro" em torno da cidade de Dantzig (atual Gdansk, na Polônia).

Confidences du Führer sur son plan de conquête du monde

Traduit de l'Allemand par Albert Lehman, Paris: Coopération, 1939 


Dantzig, "administrada" flexivelmente pela Liga da Nações, pode ter sido a primeira e única cidade "internacional" do mundo, ao lado, talvez, de Xangai, que pertencia formalmente à República da China, mas que era de fato administrada por cônsules estrangeiros (sobretudo das grandes potências, que dominavam seus respectivos bairros estrangeiros sob concessões estabelecidas ainda no Império do Meio). Poderia ter sido também o caso de Jerusalém, mas seu status internacional nunca pode ser estabelecido, em função das guerras entre o Estado de Israel, que dominava seu lado ocidental, e os países árabes desde 1948, sendo que Jerusalém oriental ficou sob jurisdição da Transjordânia, depois reino da Jordânia. 

Rauschning foi aliado de Hitler desde a primeira hora, e era membro do partido nazista, durante quase toda a década de 1930. Entre 1931, com Hitler ainda fora do poder, mas sobretudo depois de 1933, até pelo menos 1934, ele foi recebido diversas vezes por Hitler, seja em Berlim, seja no seu reduto da Baviera. Anotou tudo o que Hitler lhe havia confidenciado, e depois publicou o seu livro, já no início da guerra iniciada em setembro de 1939. Foi traduzido imediatamente para o francês e publicado em Paris com introdução de Marcel Ray. 

Seleciono alguns trechos dessas conversações que interessam o Brasil e o mundo: 

X: Invasão da América Latina (p. 78-81)

    No começo do verão de 1933 [ou seja, Hitler chanceler desde o início do ano, em função de chantagem feita contra o velho presidente Hindemburg], fui testemunho... de uma conversação, bem característica das ideias políticas de Hitler sobre a América. Esta conversação é a prova evidente que, nessa época, o Führer já via bem longe e que se enganava muito se os objetivos políticos do nacional-socialismo se limitavam ao Leste e ao Sudeste da Europa. Nesse dia, Hitler tinha convidado um dos mais antigos e mais importantes membros das SA [as milícias armadas montadas por ele mesmo, ao longo dos anos 1920], que retornava de uma visita à América do Sul. Durante todo o almoço Hitler se tinha interessado fortemente pelos relatos desse viajante e tinha colocado muitas questões a ele. 

    O assunto foi retomado por Hitler no café. Visivelmente, ele tinha um conhecimento muito sumário sobre o Novo Mundo; ele remetia argumentos que ele havia recolhido no acaso de suas leituras. O Brasil o tinha particularmente interessado. "Nós edificaremos uma nova Alemanha no Brasil. Nós encontraremos ali tudo do que teremos necessidade." Ele desenvolve, em torno disso, as grandes linhas de ação que poderia exercer um governo paciente e enérgico, e os resultados que poderiam ser ali obtidos. No Brasil, pensava ele, se encontravam reunidas todas as condições de uma revolução que permitiria, em poucos anos, transformer um Estado governado por mestiços corrompidos em um Domínio germânico. "Em suma, nós temos diretos sobre esse continente, onde os Fugger, os Welser [nomes de banqueiros alemães] e outros pioneiros alemães possuíam no passado domínios ou enclaves de comércio. Nosso dever é o reconstituir esse patrimônio, que uma Alemanha degenerada deixou que se dispersasse. Mas o tempo passou no qual deveríamos ceder espaço à Espanha ou Portugal, e desempenhar em todos os lugares um papel de atrasados..."

    Seu convidado, von Pf..., [ nome subtraído por Rauschning] lhe confirma [a Hitler] as oportunidades que a Alemanha parecia ter justamente no Brasil. "Os Brasileiros têm necessidade de nós, se eles pretendem fazer qualquer coisa no país. O que lhes falta não é tanto o capital para o fazer frutificar e sim o espírito empreendedor e o talento de organização. " Aliás, precisava Pf..., o Brasil começava a se cansar dos Estados Unidos, que pretendiam apenas explorar o país, e não desenvolvê-lo.

    "Nós lhe daremos os dois, replica Hitler, capitais e espírito empreendedor. Nós daremos até uma terceira coisa: nossas ideias políticas. Se existe um continente no qual a democracia é uma insanidade e um meio de suicídio, é justamente a América do Sul. Trata-se de convencer essas pessoas que elas podem sem escrúpulos jogar o seu liberalismo e o seu democratismo no lixo. Eles ainda têm vergonha de exibir os seus bons instintos. Eles ainda acreditam em desempenhar a farsa democrática. Muito bem, nós esperaremos ainda alguns anos, se for preciso, e os ajudaremos a descartar essas coisas. Naturalmente, precisaremos enviar para lá nosso pessoal. Nossa juventude deve aprender a colonizar. É um trabalho que não se faz com burocratas corretos e governos complacentes. O que nós precisamos lá são jovens que não tenham qualquer hesitação. Não se trata de enviá-los na floresta, para desmatar terras virgens. Não, precisamos que pessoas que tenham acesso à boa sociedade. Poderemos usar as colônias alemãs que já existem por lá?" O convidado respondeu que ele não estava muito seguro [disso]. Em sua opinião, seria melhor não perder tempo com a boa sociedade e buscar imediatamente o contato com as massas inferiores, os índios e os mestiços. 

    – "Nós nos serviremos de uns e de outros, meu caro Pf..., interrompeu Hitler com uma ponta de impaciência. Nós precisamos montar dois movimentos diferentes: um movimento leal e um movimento revolucionário. Você pensa que seria muito difícil? Nós já demos a prova, creio, que nós sabemos fazer esse gênero de trabalho... Não temos nenhum intenção de fazer como Guilherme o Conquistador [o invasor normando da Inglaterra em 1066] e desembarcar nossas tropas para conquistar o Brasil com armas na mão. Nossas armas são invisíveis. Nossos 'Conquistadores', meu caro, têm um encargo mais difícil do que os do passado, e suas armas são de um manejo mais delicado". 

    Hitler coloca outras questões sobre as chances da Alemanha na América do Sul. A Argentina e a Bolívia o interessavam em primeiro lugar. Havia, disse ele, boas razões para acreditar que a influência do nacional-socialismo poderia encontrar um terreno favorável nesses países. (..) Aliás, o que acabava de ser dito estava em contradição formal com seus princípios enunciados no Mein Kampf. (...)

    Nesse dia, eu escutei pela primeira vez o programa desmesurado de Hitler para de um Império [Reich] alemão do ultramar. Fui surpreendido de ver que Hitler tinha planos de expansão até o Pacífico. O núcleo dessa colonização seria fornecido pelas ilhas que a Alemanha possuía no passado nos mares do Sul; se acrescentaria a isso colônias holandesas e toda a Nova-Guiné; Hitler declara ainda que seria preciso impedir o Japão de se estender em demasia, e desviá-lo para a China e a Rússia. Hitler sonhava ainda com um domínio alemão na África Central e previa, enfim, um imenso empreendimento revolucionário nos Estados Unidos. Com a queda do Império Britânico, Hitler esperava colocar um final à influência dos anglo-saxões na América do Norte e de substitui-la pela cultura e pela língua alemãs como etapa preliminar à incorporação pura e simples dos Estados Unidos no seu grande Império mundial. "

(...)

XI - A conquista dos Estados Unidos (p. 86)

    Hitler tinha, sobre os Estados Unidos, uma opinião pré-concebida que nada poderia mudar. Em sua opinião, a América do Norte não interviria nunca mais numa guerra europeia. Esse imenso país, com seus milhões de desempregados, estava à beira de um abismo revolucionário do qual apenas ele, Hitler, poderia salvá-lo.

    (...)

    "Eu vos garanto, senhores, que no momento oportuno, eu a moldarei à minha vontade, a vossa América, e que ela será o nosso melhor apoio no dia em que a Alemanha saltará da Europa em direção dos espaços ultramarinos." 

    Ele fez uma pausa e concluiu: "Nós temos em mãos todos os meios de despertar esse povo quando quisermos e, em todos os casos, não haverá um outro Wilson para jogar os Estados Unidos contra a Alemanha." (p. 90)


Existem muitas outras passagens interessantes nessas recordações de Rauschning, que transcreverei oportunamente. 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 11 de setembro de 2022

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

O antiamericano que não foi: os Estados Unidos na obra de Oliveira Lima - Nathalia Henrich (EdPUC-RS)


O antiamericano que não foi: os Estados Unidos na obra de Oliveira Lima

 Nathalia Henrich

Porto Alegre: Editora da PUC do RS, 2021, 456 p.; https://editora.pucrs.br/livro/1504/

(em breve) 

Intelectual prolífico e figura rodeada por polêmicas, o diplomata-historiador Manoel de Oliveira Lima (1867-1928) é ainda pouco estudado, a despeito da sua relevância no Brasil do seu tempo e do prestígio conquistado no exterior. Entre os vários rótulos que lhe foram atribuídos, o de antiamericano, frequentemente utilizado como sinônimo de anti-imperialista, é um dos mais duradouros e vem pautando a maioria das análises sobre sua obra. A contextualização de suas ideias, bem como a reconstituição do debate entre seus contemporâneos, aliadas à ampliação das fontes analisadas oferecem, no entanto, um panorama mais complexo que refuta essa categorização. Através de minuciosa pesquisa bibliográfica e documental em arquivos e bibliotecas brasileiras e estrangeiras, a autora mergulhou na vida e na obra de Oliveira Lima para responder à pergunta: afinal, Oliveira Lima foi realmente antiamericano?


quinta-feira, 2 de setembro de 2021

O fracasso no Afeganistão - Henry Kissinger (OESP)

 O homem que levou os EUA ao fracasso em intervenções anteriores pretende tirar lições do mais recente fracasso...

O FRACASSO NO AFEGANISTÃO!

Henry Kissinger
The Economist/O Estado de S. Paulo, 28/08/2021

Os objetivos militares americanos têm sido absolutos e inatingíveis. E os políticos, abstratos e fugidios.

A tomada do Afeganistão pelo Taleban põe o foco da preocupação imediata no resgate de dezenas de milhares de americanos, aliados e afegãos imobilizados em todo o país. Seu socorro precisa ser a mais urgente prioridade dos EUA.

A questão mais fundamental, porém, é saber como os EUA se viram levados a se retirar em uma decisão tomada sem muito aviso ou consulta aos aliados ou às pessoas mais diretamente envolvidas em 20 anos de sacrifício. E por que o desafio básico no Afeganistão foi concebido e apresentado ao público como uma escolha entre o controle total do país ou a retirada completa.

Uma questão subjacente perseguiu os esforços americanos de contrainsurgência, do Vietnã ao Iraque, por mais de uma geração. Quando os EUA arriscam a vida de seus militares, põem em risco também seu prestígio e envolvem outros países, então devem fazê-lo com base em uma combinação de objetivos estratégicos e políticos.

Estratégicos, para deixar claras as circunstâncias pelas quais está lutando; políticos, para definir uma estrutura de governo que dê sustentação ao resultado, tanto dentro do país em causa quanto no cenário internacional.

Os EUA se dilaceraram em seus esforços de contrainsurgência por causa de sua incapacidade de definir objetivos alcançáveis e vinculá-los de uma forma que fosse sustentável pelo processo político americano. Os objetivos militares têm sido muito absolutos e inatingíveis. E os políticos, muito abstratos e fugidios. O fracasso em vinculá-los um ao outro enredou a América em conflitos sem pontos finais definíveis e a fez dissolver o propósito unificado em um pântano de controvérsias domésticas.

Os EUA entraram no Afeganistão com amplo apoio público para responder ao ataque da Al-qaeda ao território americano, lançado de um Afeganistão controlado pelo Taleban. A campanha militar inicial prevaleceu com grande eficácia. O Taleban sobreviveu essencialmente em santuários paquistaneses, de onde realizou ataques no Afeganistão, com a ajuda de algumas autoridades paquistanesas.

Mas, enquanto o Taleban estava fugindo do país, os EUA perderam o foco estratégico. Os americanos se convenceram de que, em última análise, o restabelecimento de bases terroristas só poderia ser evitado transformando o Afeganistão em um Estado moderno, com instituições democráticas e um governo constitucional. Tal empreendimento jamais poderia ter um cronograma compatível com os processos políticos americanos. No ano de 2010, em um artigo em resposta a um aumento de tropas, alertei contra um processo que fosse tão prolongado e intrusivo a ponto de virar até mesmo os afegãos não jihadistas contra todo o esforço.

Pois o Afeganistão nunca foi um Estado moderno. A organização estatal pressupõe um senso de obrigação comum e centralização da autoridade. O solo afegão, rico em muitos elementos, carece destes. A construção de um Estado democrático moderno no Afeganistão, onde o mandato do governo funcionasse uniformemente em todo o país, implicaria um período de muitos anos – na verdade, décadas. Mas isso vai contra a essência geográfica e etnorreligiosa do país. Foi precisamente a fragmentação, a inacessibilidade e a ausência de autoridade central que fizeram do Afeganistão uma base atraente para redes terroristas.

Embora se possa datar do século 18 uma entidade afegã distinguível, seus povos constituintes sempre resistiram ferozmente à centralização. No Afeganistão, a consolidação política – e, especialmente, a militar – ocorre ao longo de linhas étnicas e de clãs, em uma estrutura basicamente feudal, onde os mediadores de poder mais decisivos são os organizadores das forças de defesa do clã. Quase sempre em conflito latente entre si, esses senhores da guerra se unem em coalizões, sobretudo quando alguma força externa – como o Exército britânico que invadiu, em 1839, e as forças armadas soviéticas, que ocuparam em 1979 – tenta impor centralização e coerência.

Tanto a calamitosa retirada britânica de Cabul, em 1842, na qual apenas um único europeu escapou da morte ou do cativeiro, quanto a decisiva retirada soviética do Afeganistão, em 1989, foram provocadas por essa mobilização temporária entre os clãs. O argumento hodierno de que o povo afegão não está disposto a lutar por si mesmo não tem respaldo histórico. Eles são combatentes ferozes por seus clãs e pela autonomia tribal.

Com o tempo, a guerra assumiu o caráter ilimitado das campanhas de contrainsurgência anteriores, nas quais o apoio interno aos americanos enfraqueceu progressivamente com o passar dos anos. A destruição das bases do Taleban foi essencialmente conseguida. Mas a construção de uma nação sobre um país dilacerado pela guerra absorveu forças militares substanciais. O Taleban podia ser contido, mas não eliminado. E a introdução de formas governamentais desconhecidas minou o compromisso político e aumentou a corrupção já abundante.

Assim, o Afeganistão repetiu os padrões anteriores de controvérsias domésticas americanas. O que o lado da contrainsurgência definia como progresso, o lado político tratava como desastre. Os dois grupos tenderam a paralisar um ao outro durante os sucessivos governos de ambos os partidos. Um exemplo é a decisão de 2009 de juntar um aumento de tropas no Afeganistão ao anúncio simultâneo de que elas começariam a se retirar em 18 meses.

O que se negligenciou foi uma alternativa concebível, combinando objetivos alcançáveis. A contrainsurgência poderia ter se reduzido à contenção, e não à destruição, do Taleban. E o curso político-diplomático poderia ter explorado um dos aspectos especiais da realidade afegã: o fato de os vizinhos do país – mesmo quando adversários um dos outros e, ocasionalmente, dos EUA – se sentirem ameaçados pelo potencial terrorista do Afeganistão.

Teria sido possível coordenar alguns esforços comuns de contrainsurgência? É verdade que Índia, China, Rússia e Paquistão costumam ter interesses divergentes. Uma diplomacia criativa poderia ter destilado medidas comuns para superar o terrorismo no Afeganistão. Essa estratégia é a forma como o Reino Unido defendeu as abordagens territoriais à Índia em todo o Oriente Médio por um século, sem bases permanentes, mas com prontidão constante para defender seus interesses, junto com apoiadores regionais ad hoc.

Mas essa alternativa nunca foi explorada. Depois de fazer campanha contra a guerra, os presidentes Donald Trump e Joe Biden empreenderam negociações de paz com o Taleban, com cuja extirpação os EUA haviam se comprometido, induzindo aliados a ajudá-los, 20 anos atrás. Tudo isso agora culminou no que equivale a uma retirada incondicional dos EUA por parte do governo Biden.

Descrever a evolução não elimina a insensibilidade e, sobretudo, a intempestividade da decisão da retirada. Por causa de suas capacidades e valores históricos, a América não pode escapar de ser um componentechave da ordem internacional. Não pode evitá-lo apenas retirando-se. Como combater, conter e superar o terrorismo aprimorado e apoiado por países com uma tecnologia crescente e cada vez mais sofisticada? Essa questão continuará a ser um desafio global, que deverá ser enfrentado pelos interesses estratégicos nacionais, juntamente com qualquer estrutura internacional que os EUA possam criar por meio de uma diplomacia proporcional.

Os americanos devem reconhecer que não haverá no futuro imediato nenhum movimento estratégico dramático para compensar esse revés autoinfligido, como assumir novos compromissos formais em outras regiões. A precipitação americana aumentaria o desapontamento entre os aliados, encorajaria os adversários e semearia confusão entre os observadores.

O governo Biden ainda está em seus estágios iniciais. Deve ter a oportunidade de desenvolver e sustentar uma estratégia compatível com as necessidades nacionais e internacionais. As democracias evoluem nos conflitos entre as partes. E alcançam grandeza por suas reconciliações.

terça-feira, 24 de agosto de 2021

Vianna Moog e os paralelos culturais: bandeirantes e pioneiros - Arnaldo Godoy (Conjur)

 

EMBARGOS CULTURAIS

Vianna Moog e os paralelos culturais: bandeirantes e pioneiros

Por 

É preciso estudar os autores brasileiros, e com mais razão os que correm risco de algum esquecimento. Entre os chamados “intérpretes do Brasil” deve-se acrescentar Vianna Moog (1906-1988). Nascido em São Leopoldo (é um capilé, e o gentílico decorre de uma rivalidade folclórica com Novo Hamburgo) Moog formou-se em Direito (Porto Alegre, 1930), atuou em vários cargos tributários (foi agente fiscal), trabalhou na Delegacia do Tesouro que o Brasil mantinha nos Estados Unidos (1946-1950), foi presidente da Comissão de Ação Cultural da Organização dos Estados Americanos, vivendo na cidade do México (1952-1962). Foi membro da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira 4. Ilustrado, parece que leu e entendeu tudo. Uma cultura abrangente.

Em 1943 esteve nos Estados Unidos, a convite da Fundação Guggenheim, e dessa experiência nasceu Bandeirantes e pioneiros, que consiste em estudo comparativo entre o Brasil e os Estados Unidos. É um clássico da literatura política e da sociologia comparativa. Moog está entre os brasileiros que refletiram sobre os Estados Unidos, onde esteve, a exemplo de Oliveira Lima, Gilberto Freyre e Érico Veríssimo, que também registraram as respectivas impressões. Em Bandeirantes e pioneiros (doravante B&P) a análise comparativa de Moog enfrenta algumas questões centrais na concepção de brasilidade. Nesse ponto, é um livro central no tema da compreensão do Brasil.

O livro é de 1955. Distancia-se 67 anos da abolição escravidão, por isso, talvez, alguns problemas cujas hipóteses de solução hoje não compreendemos. B&P é uma das últimas tentativas de fixação de uma visão compreensiva do Brasil. A obra de Moog consiste na retomada de uma questão recorrente: por que os Estados Unidos seriam mais avançados do que o Brasil? A colonização na América do Norte iniciou-se em 1620, com os peregrinos do Mayflower. Os portugueses estavam no Brasil desde 1532, com a criação da capitania de São Vicente.Qual a explicação para esse fato inegável?

Moog é encantado com a civilização norte-americana. Lembrava que circulava no país (em 1943, no meio da guerra) sem ter que exibir o passaporte, enquanto que no Distrito Federal precisava portar sua carteira de identidade. Moog é um forte nome para o argumento de Jessé Souza, no sentido de que diminuímos o Brasil e a nós brasileiros, quando contrastados com os Estados Unidos e com os norte-americanos, especialmente a partir das interpretações culturalistas, que radicam na tradição de Franz Boas, bem como em alguns tradutores de Max Weber. Já se argumentou que Weber seria um antídoto norte-americano a um outro alemão, Marx. Este último demonizava o capitalismo. Havia necessidade de quem o canonizasse: seria a força explicativa da “Ética protestante e o espírito do capitalismo”. Há vezes que as descrições de Moog (que visitou todo o país) se assemelham às descrições de Alexis de Tocqueville, outro viajante mesmerizado com os Estados Unidos. Democracia na América é talvez o mais convincente relato da democracia norte-americana.

Percebo em B&P alguns deslizes ou avaliações, hoje indefensáveis, mas que não retiram o mérito do autor, e de sua obra. Moog enfatizava que vivíamos uma democracia racial. Talvez tenha padecido da mesma euforia interpretativa de Gilberto Freyre, que comparou o sul dos Estados Unidos, onde estudou no fim dos anos 1910, com sua Recife natal. Moog era nascido e ambientado no Rio Grande do Sul, onde a escravidão fora vivida em outra dimensão, dada a economia extensiva do gado. O mundo do tropeiro em nada se assemelhava ao mundo do engenho. Uma comparação entre os romances de Erico Verissimo e de José Lins do Rego confirma a assertiva. Para Moog, e aqui errou, o Brasil não teria problemas raciais intransponíveis. O problema racial, argumentava, estaria dissolvido no social, e por isso já se encaminhava para a solução.

O subtítulo de B&P é “paralelo entre duas culturas”, o que explica o esforço metodológico desse precioso ensaio. O autor adianta que o livro também poderia ter como titulo Conquistadores e colonizadores, o que, ao lado do título original, explicita e adianta as conclusões. Nosso atraso se explicaria pela forma como fomos conquistados, a contrário do mundo norte-americano, que fora colonizado. O esquema expositivo de B&P é didático. São seis capítulos (Raça e geografia, Ética e economia, Conquista e colonização, Imagem e símbolo, Fé e império, Sinal dos Tempos) e um epílogo.

Nessa última parte há uma extensa análise psicanalítica comparativa entre Lincoln e o nosso Aleijadinho, o escultor barroco de Minas Gerais. Moog conhecia o freudismo e as teorias psicanalíticas. Sua avaliação de Lincoln merece leitura. Moog investiga a melancolia indisfarçável do presidente norte-americano. Investiga uma personalidade neurótica, cujo sofrimento radicava na perda da mãe, no casamento subsequente do pai, no abandono afetivo e na metáfora da quebra de um casco de tartaruga como representativo da quebra de um lar.

O núcleo do livro, insisto, é uma pergunta que exigia uma resposta. Nas palavras de Moog, “como foi possível aos Estados Unidos, país mais novo do que o Brasil e menor em superfície territorial contínua, realizar o progresso quase milagroso que realizaram e chagar (...) à vanguarda das nações?”. Analisou, em primeiro lugar, o argumento racial, que abominou. Não admitia o argumento de que o sucesso norte-americano predicaria no fato de que o anglo-saxão teria preservado uma “pureza racial” enquanto que os portugueses se mestiçaram. Refutou as teorias racistas do Conde Gobineau (que inclusive viveu no Brasil no século XIX). Afinal, os grandes navegadores portugueses e espanhóis, bem como os grandes artistas da renascença não eram anglo-saxões.

Também refutou a explicação culturalista que derivava da explicação etnocêntrica. Nesse passo, faz impugnações a Gilberto Freyre, a Roquete Pinto, a Artur Ramos e a Gilberto Amado. Criticou Joaquim Murtinho (que foi ministro da fazenda de Campos Salles) para quem não desenvolveríamos um parque industrial porque nos faltavam aptidões raciais, isto é, como poderia um jabuti acompanhar o voo da águia?

Partiu para uma explicação geográfica, que de algum modo o seduziu. A orografia (descrição das montanhas) norte-americana era melhor do que a nossa. Uma extensa planície ligava a Flórida ao Maine. Entre nós, a mata atlântica prendia o português no litoral. Quando os norte-americanos enfrentaram as montanhas do oeste, já tinham tecnologia. Comparou a extensão das ferrovias e rodovias norte-americanas com as nossas, e sugeriu que a natureza, nesse caso, fora mais amistosa com os norte-americanos.

Em seguida comparou os sistemas hidrográficos, e mais uma vez evidenciou vantagens para os Estados Unidos. O Mississipi cortava o país e realmente propiciava uma integração nacional. O Amazonas, monstruoso e indômito (Euclides da Cunha já o falara) era um rio nada patriótico: as terras que engolia eram despejadas no mar, e que levadas pelo gulf stream sedimentava o México e a Flórida. Talvez a crise hídrica contemporânea e nosso potencial o fizessem mudar de ideia. Moog também elogiou o clima norte-americano. Não havia doenças tropicais. Não levou em conta as temperaturas do inverno brutal da região de Boston.

Moog comparou o calvinismo que vicejou nos Estados Unidos (no início da colonização) com o catolicismo que se disseminou no Brasil, vinculando valores éticos com valores econômicos. O calvinismo se afastava dos pobres. Os pobres, nessa lógica, não foram eleitos para a salvação divina. Dos muitos chamados e dos poucos escolhidos, os pobres não estavam entre os poucos. Moog opôs Calvino a São Francisco de Assis, em passagem memorável. Calvinistas compartilhavam a vida com esposas que eram companheiras de trabalho e de vida. O conquistador português teria a mulher como uma presa. A violência contra índias e escravas, que Gilberto Freyre descreveu em pormenor é exemplo dessa conduta abominável.

O calvinista, no entanto, não admitia a miscigenação. Moog comparou o nosso Diogo Álvarez (o Caramuru, que se casou com a índia Paraguaçu) com John Smith (que voltou para a Inglaterra e que não se casou com Pocahontas). A diferença nessas duas histórias, ainda que mitológicas, pode ser uma chave interpretativa para o tema da aproximação entre culturas. Gilberto Freyre viu vantagens em nosso modelo. Moog apenas apontou as diferenças, não opinou assertivamente nesse caso.

Moog insistiu no tema do espírito do colonizador. Os peregrinos do Mayflower, argumentou, acreditavam que eram um povo eleito, que a Inglaterra era o Egito, que o rei Jaime I era o faraó, que o oceano atlântico era o mar vermelho, que a América era Canãa, a terra prometida. Associavam-se à ideologia do Velho Testamento, de onde retiravam os nomes das crianças: Jacob, Abraão, Joshua, Abigail, Eva, Raquel, Sara. No Novo Testamento, preferiam Marta a Maria. Marta estava o tempo todo ocupada, não era uma personagem bíblica contemplativa. As irmãs pensavam de um modo distinto, e aderiam ao cristianismo de forma distinta. Maria simboliza um comportamento feminino na América espanhola, o “marianismo”, marcado pela devoção, pelo sofrimento e pela aceitação do destino. Marta, de algum modo, é a insurgência, pelo trabalho, e pela devoção ao resultado do trabalho. Na concepção calvinista a contemplação é perda de tempo. O homem deve glorificar a Deus por intermédio de trabalho e dedicação. Moog leu e compreendeu Max Weber.

Os ingleses na América do Norte viam-se como americanos. Os espanhóis na América espanhola viam-se como criollos. Entre nós havia o “mazombo” o branco português nascido na América, permanentemente triste, sorumbático e macambúzio, um tema que foi explorado por Paulo Prado. Mazombos conviviam com mulatos (brancos e negros), com mamelucos (brancos e índios), curibocas (negros e mulatos) e cafuzos (negros e índios).

À desorganização desses grupos Moog opôs o ascetismo calvinista, a obsessão com o tempo, com o relógio, com a pontualidade. Lembrou a impetuosidade norte-americana para com o accomplishment, palavra que entendemos, mas que temos dificuldade para traduzir. Do mesmo modo, não traduzimos adequadamente accountability. E talvez os norte-americanos não conseguiriam traduzir “jeitinho brasileiro”. O problema não é de dicionário de equivalência, é de conceito. O diálogo entre culturas é prisioneiro de incompreensões mútuas. Não há esquemas explicativos simplificados. Enquanto acharmos que somos inferiores por conta do “jeitinho” não nos libertaremos de esquemas culturais que nos oprimem. Eu francamente não acredito que Vianna Moog tenha resolvido esse impasse[1].

[1] Dedico esse ensaio ao Dr. José Diogo Cyrillo da Silva, conhecedor da história rio-grandense, e colega na advocacia pública, há uma longa e agitada jornada.


 é livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor pela PUC-SP.

Revista Consultor Jurídico, 6 de setembro de 2020, 8h02

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

O argumento protecionista: equivocado, mas ganhando adeptos - Michael Lind (2020)

 Totalmente equivocado, mas parece que os americanos perderam a cabeça.

 

The China Question

In matters of trade and manufacturingthe United Stateshas not been the naive victim of cunning ChinesemastermindsWe asked for this.

By Michael Lind

May 19, 2020

 

On May 25, 2000, President Bill Clinton hailed thepassage of legislation by the House of Representativesestablishing permanent normal trade relations with China: “Our administration has negotiated an agreement whichwill open China’s markets to American products made onAmerican soileverything from corn to chemicals tocomputersToday the House has affirmed that agreement. … We will be exportinghowever, more than ourproductsBy this agreementwe will also export more ofone of our most cherished valueseconomic freedom.”

 

Two decades later, the chickensor rather, in the case ofthe novel coronavirus that spread to the world from China, the batshave come home to roost. In a recent pressconference about the pandemic, Gov. Andrew Cuomo ofNew York complained: “We need masksthey’re made in China; we need gownsthey’re made in China; we needface shieldsthey’re made in China; we need ventilatorsthey’re made in China. … And these are all like nationalsecurity issues when you’re in this situation.”

 

We should not be shocked to discover that many essentialitemsincluding critical drugs and personal protectiveequipment (PPE), that used to be made in the United States and other countries are now virtually monopolizedby Chinese producersThat was the plan all along.

 

Politicians pushing globalization like Clinton may havetold the public that the purpose of NAFTA and of China’sadmission to the World Trade Organization (WTO) was toopen the closed markets of Mexico and China to“American products made on American soileverythingfrom corn to chemicals to computers.” But U.S. multinationals and their lobbyists 20 years ago knew thatwas not trueTheir goal from the beginning was to transferthe production of many products from American soil toMexican soil or Chinese soilto take advantage of foreignlow-wagenonunion labor, and in some cases foreigngovernment subsidies and other favors. Ross Perot wasright about the motives of his fellow American corporateexecutives in supporting globalization.

 

The strategy of enacting trade treaties to make it easier for U.S. corporations to offshore industrial production toforeign cheap-labor pools was sold by Clinton and othersto the American public on the basis of two implicitpromisesFirst, it was assumed that the Western factoryworkers who would be replaced by poorly paidunfreeChinese workers would find better-paying and more prestigious jobs in a new, postindustrial “knowledgeeconomy.” Second, it was assumed that the Chineseregime would agree to the role assigned to it of low-value-added producer in a neocolonial global economichierarchy led by the United StatesEuropean Union, andJapanTo put it another way, China had to consent to be a much bigger Mexicorather than a much bigger Taiwan.

 

Neither of the promises made by those like Clinton whopromoted deep economic integration between the United States and China two decades ago have been fulfilled.

 

The small number of well-paying tech jobs in the U.S. economy has not compensated for the number ofmanufacturing jobs that have been destroyed. A substantialpercentage of those well-paying tech jobs have gone not todisplaced former manufacturing workers who have beenretrained to work in “the knowledge economy” but toforeign nationals and immigrants, a disproportionatenumber of whom have been nonimmigrant indenturedservants from India working in the U.S. on H-1B visas.

 

The devastation of industrial regions by imports fromChina, often made by exploited Chinese workers for Western corporationsis correlated in the United Statesand Europe with electoral support for nationalist andpopulist politicians and parties. The Midwestern Rust Beltgave Donald Trump an electoral college advantage in 2016, and the British Labour Party’s Red Wall in the northof England cracked during the Brexit vote in 2016 andcrumbled amid the resounding victory of Boris Johnson’sConservatives in 2019.

 

The second implicit promise made by the cheerfuladvocates of deep Sino-American economic integrationlike Bill Clinton was that China would accept a neocolonial division of labor in which the United Statesand Europe and the advanced capitalist states of East Asiawould specialize in high-end, high-wage “knowledgework,” while offshoring low-value-added manufacturingto unfree and poorly paid Chinese workers. China, it washopedwould be to the West what Mexico with its maquiladoras in recent decades has been to the United States—a pool of poorly paiddocile labor for multinational corporationsassembling importedcomponents in goods in export-processing zones for reexport to Western consumer markets.

 

But the leaders of China, not unreasonably, are not contentfor their country to be the low-wage sweatshop of theworld, the unstated role assigned to it by Western policymakers in the 1990s. China’s rulers want China tocompete in high-value-added industries and technologicalinnovation as wellThese are not inherently sinisterambitions. China is governed by an authoritarian statebutso were Taiwan and South Korea until late in the 20th centurywhile Japan was a de facto one-party state run for nearly half a century by the Liberal Democratic Party(LDP), which was neither liberal nor democratic.

 

Even a democraticmultiparty Chinese government thatsponsored liberalizing social reforms would probablycontinue a version of the successful state sponsorship ofindustrial modernization in order to catch up withif notsurpassthe U.S. and other nations that developed earlierThat is what China’s neighborsJapan, South Korea, Taiwan and Singapore, all did following WWII. Indeedwhen the United States and Imperial Germany werestriving to catch up with industrial Britain in the 19th centurythey employed many of the same techniques ofnational developmentalismincluding protective tariffsand, in America’s case, toleration of theft of foreignintellectual property. (British authors visiting the U.S. often discovered that pirated editions of their works wereas easy to purchase then as pirated Hollywood movies andknockoffs of Western brands are to obtain in Asia today.)

 

The questionthenis not why China pursued its ownvariant of classic state-sponsored industrial developmentpolicies in its own interest. The question is why the U.S. establishment did not retaliate against China’s policies for so longgiven the damage they have done to American manufacturing and its workforce.

 

The answer is simple. American politics and policy are disproportionately shaped by the richand manyperhapsmostrich Americans can do quite well for themselves andtheir families without the existence of any U.S. manufacturing base at all.

 

We are taught to speak about “capitalism” as though it is a single system But industrial capitalism is merely one kindof capitalism among othersincluding finance capitalismcommercial capitalism, real estate capitalismandcommodity capitalism. In different countries, differentkinds of capitalism are favored by different regimes.

 

Recognizing that there are, in factdifferent kinds ofcapitalismnot only among nations but within themallows us to understand that the different variants ofprofit-seeking can interact in kaleidoscopic waysNationaleconomies can compete with other national economies orthey can complement them.

 

The United States could decline into a deindustrializedEnglish-speaking version of a Latin American republicspecializing in commodities, real estatetourismandperhaps transnational tax evasion.

America’s economic elite is made up mostly of individualsand institutions whose sectors complement state-sponsored Chinese industries instead of competing withthem. It is pointless to try to persuade these influentialAmericans that they have a personal, financial stake in manufacturing on American soilThey know that they do not.

 

The business model of Silicon Valley is to inventsomething and let the dirty physical work of building it bedone by serfs in other countries, while royalties flow to a small number of rentiers in the United StatesNor haspartial U.S. deindustrialization been a problem for American financiers enjoying the low interest rates madepossible in part by Chinese financial policies in the serviceof Chinese manufacturing exports. American pharmacompanies are content to allow China to dominatechemical and drug supply chains, American real estatedevelopers lure Chinese investors with EB-5 visas to take part in downtown construction projects, American agribusinesses benefit from selling soybeans and pork toChinese consumersand American movie studios andsports leagues hope to pad their profits by breaking intothe lucrative China market.

 

For their partmany once-great American manufacturingcompanies have become multinationals, setting up supplychains in China and other places with low-wageunfreelabor, while sheltering their profits from taxation by theUnited States in overseas tax havens like Ireland and theCayman Islands and PanamaMany of these so-called“original equipment manufacturers” (OEMs)—companiesthat outsource and offshore most of their manufacturing—are engaged as much in trade, marketing, and consumerfinance as they are in actually making things.

 

We should not be surprised that multinational firmsgiventhe choicetypically prefer to maximize profits by a strategy of driving down labor costsreplacing well-paidworkers with poorly paid workers in other countries, rather than by becoming more productive throughreplacing or augmenting expensive labor with innovativemachinery and software in their home countries. Labor-saving technological innovation to keep production athome is hard. Finding cheaper labor in another country iseasy.

 

In short, the United States has not been the naive victim ofcunning Chinese mastermindsOn the contrary, in the lastgeneration many members of America’s elite have soughtto get rich personally by selling or renting out America’scrown jewelsintellectual propertymanufacturingcapacity, high-end real estateeven university resourcesto the elite of another country.

 

century agomany British investors did well fromoverseas investments in factories in the American Midwest and the German Ruhreven as products fromprotectionist America and protectionist Germanydisplaced free-trading Britain’s own unprotectedmanufacturing industry in Britain’s own marketsBybuilding up China’s economy at the expense of oursAmerica’s 21st-century overclass is merely following theexample of the British elite, which, like a bankruptaristocrat marrying a foreign plutocrat’s daughtersells its steel plants to Indian tycoons and state-backed Chinesefirmssells London mansions to Russian gangsters andArab aristocratsand sells university diplomas to foreignstudents including Americans and Chinese.

 

When asked whether the rapid dismantling, in a fewdecadesof much of an industrial base built uppainstakingly over two centuries has been bad for theUnited Statesthe typical reply by members of the U.S. establishment is an incoherent word salad of messianicliberal ideology and neoclassical economicsWe are fighting global poverty by employing Chinese factoryworkers for a pittanceDon’t you understand Ricardo’stheory of comparative advantage?

 

Some of the profits made by rich Americans in the modernChina trade are recycled as money flowing to universitiesthink tanksand the news media. The denizens of theseinstitutions tend to be smart and smart people know whobutters their breadPredictablyintellectuals andjournalists who benefit from the largesse of American capitalists with interests in China are inclined to pleasetheir rich donors by characterizing critics of U.S. China policy as xenophobes who hate Asian people or elseignorant fools who do not understand thataccording tothis or that letter in The Wall Street Journal or The New York Times signed by 1,000 or 10,000 or 100,000 economics professorsfree trade always magically benefitsall sides everywhere all at once.

 

All of this idealistic verbiage about the wonders of freetrade and the moral imperative of ending global povertyby replacing American workers with foreign workerscannot muffle the click of cash registers.

 

The dangerous dependence of the United States and otheradvanced industrial democracies on China for basicmedical supplies has been exposed by the currentpandemic. The U.S. and other industrial democracies nowconfront a stark choice. Western countries can continue tocede what remains of their manufacturing base and evencontrol of their telecommunications and drone infrastructure to Beijing and specialize as suppliers oftechnological innovationhigher educationagricultureminerals, real estateand entertainment to industrial China. Or they can view Western economies as competitors of theChinese economynot complements to it, and actaccordingly.

 

Rejection of the view that our economy should compete withrather than complementthat of China in key sectorsdoes not require us to endorse demagogic claims that theChinese regime is a crusading ideological enemy hell-benton world domination like Nazi Germany or the SovietUnion. On the contrary, a strategy of U.S. industrial independence informed by sober realism would entailrecognition of the legitimate interest of China, under anyregime, in building up its own advanced industries—onthe condition that China in return recognize America’slegitimate interests in preserving its own domestic supplychains in the same key industrial sectors.

 

Econ 101 to the contrarythe purpose of internationaltrade should not be to maximize the well-being of global consumers by means of a global division of labor amongcountries that specialize in different industries, but toallow sovereign states to pursue industrial policies in theirown long-term interest, as they define it. Trade, investmentand immigration policies should besubservient to national industrial strategy. The purpose oftrade negotiations should be the modest one of reconcilingdifferentclashingand equally legitimate nationalindustrial policies in a mutually acceptable way.

 

National industrial policies are like national militariesessential local public goods provided by a sovereigngovernment to a particular people. The model for trade negotiations should be bilateral and multilateral armscontrolwhich are based on the premise that all partieshave a perpetual right to their own militariesrather thanglobal disarmamentwhich seeks the utopian goal ofeliminating all militaries everywhere.

 

All modern economies are mixed economieswith publicsectors and private sectorsand all modern trade should bemixed trade, with wholly protected sectorspartlyprotected sectors with managed trade, and sectors in whichfree trade is not dangerous and is therefore allowed. In a post-neoliberal world, it would be understood that thelegitimate self-interest of sovereign nations and blocsinevitably imposes strict limits on the acceptable flow ofgoodsmoneyand labor across bordersInstitutions whichlimit the right of sovereign states to promote their ownnational industries as they see fit, like the World Trade Organization (WTO), should be reformed or abolished.

 

All major countries like the United States, China, andIndia and all major trading blocs like the EU should insiston having their own permanent domestic supply chains in medicine, medical gear, machine tools, aircraft and drones, automobilesconsumer electronicstelecommunicationsequipmentand other key sectorsThey should have theright to create or protect these essential industries by anymeans they chooseat the expense of free trade and freeinvestment if necessary.

 

If China and India want to have their own nationalaerospace industries in addition to the United States andEuropean Union, more power to them—as long as theUnited States and European Union can intervene topreserve their own national aerospace supply chains ontheir own soil employing their own workersIf thisapproach means accepting that Western-based aerospacefirms like Boeing and Airbus cannot hope to enjoy a permanent shared monopoly in global markets for largejetswell, too bad. Boeing and Airbus cannot claim in good times to be post-national global corporations tojustify offshoring policies and then claim in bad times tobe national champions when they need bailouts.

 

The alternativedeepening the complementarity amongChina’s industrial and America’s postindustrial economieswould be much worse for the United States. The sameAmerican overclass whose members have profited themost from transferring national assets to China in the lastgeneration has also been far more insulated from theeffects of imports from China, both manufactured goodsand viruses. The United Stateswhich has always hadfeatures of a Third World country as well as a First World country, could decline into a deindustrializedEnglish-speaking version of a Latin American republicspecializing in commodities, real estatetourismandperhaps transnational tax evasionwith decayed factoriesscattered across the continent and a nepotistic rentieroligarchy clustered in a few big coastal cities.

 

It would be ironic as well as tragic if the strategy of Sino-American economic integration which American elites in the 1990s hoped would turn China into another Mexico for the United States ends up turning the United States intoanother Mexico for China.