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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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terça-feira, 28 de maio de 2024

EUA quebram regras internacionais enquanto defendem mundo livre - Gideon Rachman (Financial Times)

 EUA quebram regras internacionais enquanto defendem mundo livre

No mundo atual, os EUA estão mais uma vez fazendo concessões desconfortáveis como parte de uma luta maior contra as principais potências autoritárias

Gideon Rachman 

Financial Times, 28/05/2024

 

Como princípio organizador da política externa ocidental, a “ordem internacional baseada em regras” (OIBR) há muito tem sofrido de falhas desastrosas. A frase não significa nada para uma pessoa normal. Dessa forma, trata-se de um conceito nada inspirador. As pessoas podem ir à guerra para defender a liberdade ou a pátria-mãe. Ninguém vai lutar e morrer pela OIBR.

Ainda assim, algumas autoridades ocidentais de alto escalão parecem apaixonadas pelo conceito. Antony Blinken, o secretário de Estado dos Estados Unidos, gosta de fazer apelos à OIBR quando visita a China. Rishi Sunak, premiê britânico, a colocou no cerne da política externa do Reino Unido. Seu provável sucessor, Keir Starmer, um ex-advogado, terá o mesmo compromisso com a ideia.

Quando critica a agressão russa, Blinken argumenta que os EUA defendem um mundo baseado em regras, e não no poder bruto. É uma ideia atraente. Mas as regras são feitas para serem coerentes. E as próprias ações dos EUA vêm enfraquecendo partes vitais da ordem baseada em regras.

Nas últimas duas semanas, essas contradições foram expostas visceralmente. As tarifas de 100% que o governo de Joe Biden impôs aos veículos elétricos (VEs) chineses são praticamente impossíveis serem conciliadas com regras internacionais. Como coloca um artigo do centro de estudos Bruegel: “As tarifas derrubam qualquer noção de que os EUA pretendem respeitar as regras da Organização Mundial do Comércio.”

A resposta dos EUA à perspectiva de que o Tribunal Penal Internacional (TPI) mova acusações de crimes de guerra contra Benjamin Netanyahu, premiê de Israel, também é reveladora. Em vez de apoiar o esforço do TPI para aplicar o direito internacional, Blinken disse ao Congresso dos EUA que consideraria impor sanções ao TPI.

Claro, os EUA podem apresentar argumentos para justificar essas ações. É possível argumentar que o TPI excedeu sua jurisdição ou interveio de forma equivocada em um conflito em andamento. Os EUA também repetem que a China tem violado as regras do comércio internacional há décadas.

No entanto, como se costuma dizer, na política, quando você está explicando, você já está perdendo. Em grandes partes do mundo, a asseveração dos EUA de defender a OIBR é tratada como piada. Então, o que é possível salvar em meio a essa bagunça? Uma resposta é que Blinken e companhia falem menos sobre a OIBR e mais sobre defender o mundo livre. Essa é uma descrição mais precisa e compreensível do que realmente se trata a política externa ocidental.

EUA, União Europeia, Reino Unido e outras democracias como Japão, Coreia do Sul e Ucrânia atualmente estão lutando para conter as ambições territoriais e políticas de países autoritários — acima de todos, China e Rússia. Um mundo em que esses países são mais poderosos será menos seguro para pessoas e países livres.

Em contraste com a defesa de uma OIBR — que implica absoluta coerência —, a defesa do mundo livre envolve aceitar certa incoerência necessária. Durante a Guerra Fria, os EUA e aliados fizeram algumas alianças táticas com governos não democráticos, como parte de um esforço de conter e, finalmente, derrotar a União Soviética.

No mundo atual, os EUA estão mais uma vez fazendo concessões desconfortáveis como parte de uma luta maior contra as principais potências autoritárias. As tarifas dos EUA sobre os VEs chineses fazem pouco sentido como uma defesa da OIBR. Fazem muito mais sentido quando vistas como um esforço para impedir que a China domine as indústrias do futuro.

Para combater as reivindicações territoriais chinesas no Mar do Sul da China, os EUA acusam corretamente Pequim de violar a convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar. O problema é que os próprios EUA não ratificaram essa convenção em particular. Então, por que não aceitar que a motivação principal dos EUA não é apenas defender o direito internacional —, mas impedir que uma rota comercial crucial fique sob domínio de uma potência autoritária?

E quanto a Israel? Muito do que Biden vem fazendo pode ser explicado pela política interna. Mas seu apoio obstinado a Israel também é sustentado por um instinto de defender aliados democráticos. A recusa dos EUA de contemplarem a ideia de que Netanyahu possa ter cometido crimes de guerra na Faixa de Gaza desacredita o país. Mas fica mais fácil entender o desconforto dos EUA com um processo que vê a única democracia no Oriente Médio no banco dos réus, enquanto líderes de Síria e Irã escapam da acusação por seus crimes.

Conter a retórica sobre a OIBR não deveria significar abandonar o direito internacional por completo. Isso seria uma receita para a anarquia global. Também seria imprudente e impraticável. Há muitas leis internacionais e encontrar-se do lado errado delas pode ser muito desvantajoso. Vladimir Putin — e talvez, em breve, Netanyahu — descobrirão que seus planos de viagem estão profundamente restritos por ordens do TPI.

Rússia e China sempre argumentaram que suas ações são coerentes com as leis internacionais — mesmo quando claramente não são. Os EUA, às vezes, precisarão fazer o mesmo. O “lawfare” internacional é parte da luta emergente entre poderes democráticos e autoritários.

Isso não significa que os dois lados estão no mesmo nível moral. Como na Guerra Fria e nas lutas anteriores do século 20, as democracias do mundo não precisam se desculpar por serem impiedosas na defesa de sociedades livres.

 

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Uma outra História do Brasil - Paulo Roberto de Almeida

Uma outra História do Brasil

Paulo Roberto de Almeida 

O Brasil poderia ser há muito tempo um país desenvolvido. 

O descaso com a educação de massa de qualidade, o nacionalismo e o protecionismo exacerbados o desvincularam da economia mundial; daí veio o atraso, que se estendeu desde o Império e se reforçou na República, mesmo com a industrialização. 

No Império e na Velha República crescemos mediocremente, bem menos do que o mundo. Crescemos mais do que o mundo durante 50 anos, dos anos 1930 a 1980, mas não por virtudes nossas, e sim pelas crises que atingiram os países avançados, mais afetados pela Grande Depressão e pelas guerras, e depois, nos anos 1950-70, pela impulsão dada pela retomada da economia mundial e pelos investimentos estrangeiros, depois cerceados pelo estatismo nacionalista da era militar (continuado mesmo na redemocratização).

A partir dos anos 1980 passamos a crescer menos do que o mundo, novamente, e até menos do que a região (e três vezes menos do que os emergentes dinâmicos da Ásia Pacífico).

Política externa equivocada fez o resto. Ainda é assim, aliás piorou, recentemente. O PT reproduz os mesmos erros da era militar e acrescenta outros, da sua lavra; equívocos em toda a linha, com um toque de anacronismo, de ingenuidade e de ignorância.

As supostas elites econômicas e politicas (estas muito menos) nunca conseguiram corrigir esses erros.

Vou relatar isso numa “outra História do Brasil”.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 2/01/2024

terça-feira, 4 de outubro de 2022

War and Gold by Kwasi Kwarteng : leituras recomendadas

 Já que esse intelectual ascendeu a funções executivas no novo governo britânico – o que é extremamente perigoso, sempre – vejamos o que eu já tenho no meu blog sobre ele, leituras de vários anos atrás: 


sexta-feira, 20 de março de 2015

Protecionismo comercial: os EUA na vanguarda (depois do Brasil) - Kwasi Kwarteng


 

Já li esse livro, retirado da biblioteca pública de West Hartford, e recomendo. De fato, os democratas eram os liberais econômicos, no passado (e os mais racistas), e os republicanos de Abraham Lincoln os supostos inimigos da escravidão, mas protecionistas tradicionais. Depois de Roosevelt, nos anos 1930, a situação se inverteu, com os democratas fazendo aliança com os sindicatos, e os republicanos se aliando aos racistas no sul.
Mas os EUA não eram os mais protecionistas no século 19, nem no 20: eles perdiam amplamente para o Brasil e vários outros países latino-americanos.

O livro não é porém sobre comércio, e sim sobre moeda, ou mais especialmente ouro, e as guerras, desde a era moderna até a atualidade. Ao final, ele tem uma tabela com os valores atualizados do ouro nos diversos países desde o século 19, e os principais estoques nos países detentores do metal como reserva de valor.
Paulo Roberto de Almeida 

Today's selection -- from War and Gold by Kwasi Kwarteng. America today is largely an advocate of free trade, and the Republican party is usually the standard-bearer of that policy. However, the Republican party of Abraham Lincoln was highly protectionist, and the U.S. grew to be the world's economic colossus with a consistently high level of protectionism. It was only in the late nineteenth and early twentieth centuries, after its manufacturing supremacy was well established, that the U.S. began to selectively adopt a free trade policy as a means of expanding its markets on a country-by-country basis:

"Contrary to what is commonly believed today about the efficacy of free markets and trade as an instrument of development, the United States continued throughout the second half of the nineteenth century to be a strongly protectionist country. 'The extreme protective system, which had been at the first a temporary expedient for aiding in the struggle for the Union ... gradually became accepted as a permanent institution.' High protection became a 'dogma'. Indeed, 'The restraint of trade with foreign countries, by means of import duties of forty, fifty, sixty, even a hundred percent, came to be advocated as a good thing in itself ...' Ideas of this kind 'were no longer the exploded errors of a small school of economists; they became the foundation of the policy of a great people'.


"The Republican Party, the victorious party of the Civil War, the party of the great quasi-martyr Abraham Lincoln, won election after general election in the forty-eight-year period from 1864 to 1912. In thirteen elections, the Democrats managed only three victories, the last of which occurred in 1912. The only other years in which the Democrats won were 1884 and 1892, both of which were (uniquely in US history) won by the same candidate, Grover Cleveland, who is known as both the twenty-second and the twenty-fourth President of the United States. The Republicans established themselves as a party of national economic might. Their programme 'threw the entire weight of the federal government behind the expansion of northern industry'. Republican policy naturally supported a 'protective tariff for industry', and it was in these years that the tariff became 'exclusively and distinctively a protective measure', shorn of any idea that it was needed for revenue-raising purposes on the part of the federal government." 


War and Gold: A Five-Hundred-Year History of Empires, Adventures, and Debt
Author: Kwasi Kwarteng
Publisher: Public Affairs
Copyright 2014 Kwasi Kwarteng
Pages 73-74