Os planos de Hitler para o Brasil e para o mundo, segundo Hermann Rauschning, antigo aliadodo tirano nazista
Paulo Roberto de Almeida
Transcrições de passagens do livro de recordações de personagem do regime nazista.
Herman Rauschning, alemão da Prússia, foi chefe do governo da "cidade livre" de Dantzig, aquele pedaço da Prússia que – depois dos acordos sucessivos ao Tratado de Versalhes de 1919, ao final da Grande Guerra, que definiram o território da Polônia, que estava dominada até então pelos impérios da Prússia, da Áustria-Hungria e da Rússia – ficou do "outro lado" da Prússia oriental, mas estabelecendo um corredor polonês para acesso do novo país independente ao mar do Norte, estabelecendo um território "neutro" em torno da cidade de Dantzig (atual Gdansk, na Polônia).
Confidences du Führer sur son plan de conquête du monde
Rauschning foi aliado de Hitler desde a primeira hora, e era membro do partido nazista, durante quase toda a década de 1930. Entre 1931, com Hitler ainda fora do poder, mas sobretudo depois de 1933, até pelo menos 1934, ele foi recebido diversas vezes por Hitler, seja em Berlim, seja no seu reduto da Baviera. Anotou tudo o que Hitler lhe havia confidenciado, e depois publicou o seu livro, já no início da guerra iniciada em setembro de 1939. Foi traduzido imediatamente para o francês e publicado em Paris com introdução de Marcel Ray.
Seleciono alguns trechos dessas conversações que interessam o Brasil e o mundo:
X: Invasão da América Latina (p. 78-81)
No começo do verão de 1933 [ou seja, Hitler chanceler desde o início do ano, em função de chantagem feita contra o velho presidente Hindemburg], fui testemunho... de uma conversação, bem característica das ideias políticas de Hitler sobre a América. Esta conversação é a prova evidente que, nessa época, o Führer já via bem longe e que se enganava muito se os objetivos políticos do nacional-socialismo se limitavam ao Leste e ao Sudeste da Europa. Nesse dia, Hitler tinha convidado um dos mais antigos e mais importantes membros das SA [as milícias armadas montadas por ele mesmo, ao longo dos anos 1920], que retornava de uma visita à América do Sul. Durante todo o almoço Hitler se tinha interessado fortemente pelos relatos desse viajante e tinha colocado muitas questões a ele.
O assunto foi retomado por Hitler no café. Visivelmente, ele tinha um conhecimento muito sumário sobre o Novo Mundo; ele remetia argumentos que ele havia recolhido no acaso de suas leituras. O Brasil o tinha particularmente interessado. "Nós edificaremos uma nova Alemanha no Brasil. Nós encontraremos ali tudo do que teremos necessidade." Ele desenvolve, em torno disso, as grandes linhas de ação que poderia exercer um governo paciente e enérgico, e os resultados que poderiam ser ali obtidos. No Brasil, pensava ele, se encontravam reunidas todas as condições de uma revolução que permitiria, em poucos anos, transformer um Estado governado por mestiços corrompidos em um Domínio germânico. "Em suma, nós temos diretos sobre esse continente, onde os Fugger, os Welser [nomes de banqueiros alemães] e outros pioneiros alemães possuíam no passado domínios ou enclaves de comércio. Nosso dever é o reconstituir esse patrimônio, que uma Alemanha degenerada deixou que se dispersasse. Mas o tempo passou no qual deveríamos ceder espaço à Espanha ou Portugal, e desempenhar em todos os lugares um papel de atrasados..."
Seu convidado, von Pf..., [ nome subtraído por Rauschning] lhe confirma [a Hitler] as oportunidades que a Alemanha parecia ter justamente no Brasil. "Os Brasileiros têm necessidade de nós, se eles pretendem fazer qualquer coisa no país. O que lhes falta não é tanto o capital para o fazer frutificar e sim o espírito empreendedor e o talento de organização. " Aliás, precisava Pf..., o Brasil começava a se cansar dos Estados Unidos, que pretendiam apenas explorar o país, e não desenvolvê-lo.
"Nós lhe daremos os dois, replica Hitler, capitais e espírito empreendedor. Nós daremos até uma terceira coisa: nossas ideias políticas. Se existe um continente no qual a democracia é uma insanidade e um meio de suicídio, é justamente a América do Sul. Trata-se de convencer essas pessoas que elas podem sem escrúpulos jogar o seu liberalismo e o seu democratismo no lixo. Eles ainda têm vergonha de exibir os seus bons instintos. Eles ainda acreditam em desempenhar a farsa democrática. Muito bem, nós esperaremos ainda alguns anos, se for preciso, e os ajudaremos a descartar essas coisas. Naturalmente, precisaremos enviar para lá nosso pessoal. Nossa juventude deve aprender a colonizar. É um trabalho que não se faz com burocratas corretos e governos complacentes. O que nós precisamos lá são jovens que não tenham qualquer hesitação. Não se trata de enviá-los na floresta, para desmatar terras virgens. Não, precisamos que pessoas que tenham acesso à boa sociedade. Poderemos usar as colônias alemãs que já existem por lá?" O convidado respondeu que ele não estava muito seguro [disso]. Em sua opinião, seria melhor não perder tempo com a boa sociedade e buscar imediatamente o contato com as massas inferiores, os índios e os mestiços.
– "Nós nos serviremos de uns e de outros, meu caro Pf..., interrompeu Hitler com uma ponta de impaciência. Nós precisamos montar dois movimentos diferentes: um movimento leal e um movimento revolucionário. Você pensa que seria muito difícil? Nós já demos a prova, creio, que nós sabemos fazer esse gênero de trabalho... Não temos nenhum intenção de fazer como Guilherme o Conquistador [o invasor normando da Inglaterra em 1066] e desembarcar nossas tropas para conquistar o Brasil com armas na mão. Nossas armas são invisíveis. Nossos 'Conquistadores', meu caro, têm um encargo mais difícil do que os do passado, e suas armas são de um manejo mais delicado".
Hitler coloca outras questões sobre as chances da Alemanha na América do Sul. A Argentina e a Bolívia o interessavam em primeiro lugar. Havia, disse ele, boas razões para acreditar que a influência do nacional-socialismo poderia encontrar um terreno favorável nesses países. (..) Aliás, o que acabava de ser dito estava em contradição formal com seus princípios enunciados no Mein Kampf. (...)
Nesse dia, eu escutei pela primeira vez o programa desmesurado de Hitler para de um Império [Reich] alemão do ultramar. Fui surpreendido de ver que Hitler tinha planos de expansão até o Pacífico. O núcleo dessa colonização seria fornecido pelas ilhas que a Alemanha possuía no passado nos mares do Sul; se acrescentaria a isso colônias holandesas e toda a Nova-Guiné; Hitler declara ainda que seria preciso impedir o Japão de se estender em demasia, e desviá-lo para a China e a Rússia. Hitler sonhava ainda com um domínio alemão na África Central e previa, enfim, um imenso empreendimento revolucionário nos Estados Unidos. Com a queda do Império Britânico, Hitler esperava colocar um final à influência dos anglo-saxões na América do Norte e de substitui-la pela cultura e pela língua alemãs como etapa preliminar à incorporação pura e simples dos Estados Unidos no seu grande Império mundial. "
(...)
XI - A conquista dos Estados Unidos (p. 86)
Hitler tinha, sobre os Estados Unidos, uma opinião pré-concebida que nada poderia mudar. Em sua opinião, a América do Norte não interviria nunca mais numa guerra europeia. Esse imenso país, com seus milhões de desempregados, estava à beira de um abismo revolucionário do qual apenas ele, Hitler, poderia salvá-lo.
(...)
"Eu vos garanto, senhores, que no momento oportuno, eu a moldarei à minha vontade, a vossa América, e que ela será o nosso melhor apoio no dia em que a Alemanha saltará da Europa em direção dos espaços ultramarinos."
Ele fez uma pausa e concluiu: "Nós temos em mãos todos os meios de despertar esse povo quando quisermos e, em todos os casos, não haverá um outro Wilson para jogar os Estados Unidos contra a Alemanha." (p. 90)
Existem muitas outras passagens interessantes nessas recordações de Rauschning, que transcreverei oportunamente.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11 de setembro de 2022
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