A morte da rainha Elizabeth II: entrevista à BandRS
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor
(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)
Notas para participação na emissão de Guilherme Macalossi, “Bastidores do Poder”, na Rádio BandRS, em 9/09/2022, 14:30 hs.
Perguntas:
1. A Rainha Elizabeth II e seu papel na renovação da monarquia de 1952 para cá
PRA: Elizabeth II como rainha acidental, bem diferente, mas tão decidida quanto sua predecessora de quatro séculos antes, a primeira Elizabeth, que rechaçou a Armada espanhola e nem precisou do Francis Drake para isso.
A segunda Elizabeth foi, por assim dizer, uma “rainha acidental”, pois seu pai era o segundo da lista e não estava previsto que se tornasse rei. Foi aquele rei gago, do filme “O Discurso do Rei”. O primogênito, príncipe Edward, desistiu para casar-se com uma americana divorciada duas vezes, e ele era um pouco nazista. O novo rei George VI não gostava do Winston Churchill, mas teve de convidá-lo para ser primeiro-ministro na hora mais sombria da Grã-Bretanha, ameaçada pela invasão das forças nazistas. Se George VI tivesse se alinhado com os pacifistas do gabinete britânico, que consentiram na vergonha de Munique em 1938, o Reino Unido teria se transformado num império tutelado pelo regime nazista.
Ao assumir o trono com apenas 27 anos, tendo assistido e participado das horas mais sombrias da IIGM, Elizabeth nunca perdeu o bom-humor e a simpatia que caracterizaram todo o seu reinado, o mais longo da história das monarquias britânicas.
Ela presidiu, com non chalance, pode-se dizer, ao desmantelamento do Império Britânico, depois que seu pai, ex-vice-rei na Índia, teve de se desfazer de uma das joias da coroa britânica, que a Rainha Vitória tinha ganho de presente da Companhia das Índias Orientais Britânicas, em meados do século XIX. Primeiro foi Suez, em 1957, uma humilhação, quando Grã-Bretanha e França tiveram de retirar as tropas do Sinai, em apoio a Israel numa das raríssimas ocasiões em que URSS e EUA atuaram de acordo, contra o velho colonialismo europeu. Depois foram as colônias africanas, e só restaram algumas no Caribe, poucas pérolas na Ásia, pertencentes à Commonwealth, onde ainda estão Canadá, Austrália e Nova Zelândia, e alguns outros. O último desfazimento do Império, o maior do mundo um século atrás, ocorreu em 1997, quando Hong Kong foi devolvida à China, depois de conquistada nas horrendas guerras do ópio contra o Império do Meio, no século XIX.
Junto com os Beatles, a rainha trouxe bilhões de libras ao povo britânico, pela atração que ambos exercerão no mundo inteira, pela música da banda e pelo charme da Coroa.
2. A monarquia constitucional como sistema de governo
PRA: Trata-se do mais estável e mais democrático regime conhecido em toda a história mundial, ainda que oligárquica no início, ou um pouco menos aristocrático no século XX, quando os trabalhistas do Labour substituíram os Whigs, ou Liberais, como segundo maior partido do regime, dividindo os gabinetes com o Tories, ou Conservadores.
A monarquia constitucional começa mais de 800 anos atrás, com a Magna Carta, de 1215, segundo a qual ninguém está acima da Lei, nem mesmo o Rei, junto com o habeas corpus, ou justiça independente, e o princípio do no taxation without representation, ou seja, o soberano não pode criar impostos ou taxar os súditos sem o seu consentimento.
A Magna Carta foi completada pelo Bill of Rights, de 1689, segundo o qual “o rei reina, mas não governa”, consolidando assim o sistema de governo parlamentar, sob uma monarquia constitucional não escrita, mas costumeira. Desde a Revolução Gloriosa, a Inglaterra, Grã-Bretanha desde 1703 – com a unificação com a Escócia – e depois Reino Unido no século XX (ainda que os irlandeses não concordassem, até 1921), os governos parlamentares se sucederam ininterruptamente nas ilhas britânicas, sem qualquer descontinuidade desde então. É, para os britânicos, o melhor sistema possível, que projeta raízes retrospectivamente desde os tempos medievais, ou pelo menos desde a invasão dos normandos em 1066, Guilherme o Conquistador.
3. A importância do Reino Unido na Europa Moderna
PRA: Foi relevante, mais pelo que impediu de fazer, do que pelo que fez. Impediu Napoleão de submeter toda a Europa, resistiu à tirania de Hitler, que poderia ter dominado toda a Europa por várias décadas se vencesse a resistência de Churchill, e também resistiu, já como sócio menor dos Estados Unidos, à dominação soviética sobre a mesma Europa nos tempos de Stalin. E resistiu contra a Comissão de Bruxelas, nas suas tentativas de enquadrar todos os países membros da CEE e depois UE, sobretudo no caso da moeda comum.
Depois do Brexit, no entanto, ela vai enfrentar um declínio relativo, isolada de uma das locomotivas da economia mundial. Veremos se haverá renegociação com a Comissão e o Conselho europeu.
4. A integridade do Reino Unido e os movimentos separatistas a partir do reinado de Charles
PRA: Existem sinais de possível fragmentação do Reino agora Desunido, sobretudo vindos da Escócia e da Irlanda do Norte. Como sempre, tudo depende de quem paga o quê. O plebiscito escocês de separação foi derrotado porque os escoceses pensaram nas suas pensões.
5. Relação entre Reino Unido e Brasil
PRA: A mais velha relação do Brasil, remontando a Portugal desde os Descobrimentos e a Restauração de 1640, com o mais antigo tratado bilateral ainda em vigor. No século XIX, as elites brasileiras eram financiadas em libras britânicas, mas tinha manias francesas. Depois, os britânicos foram substituídos pelos EUA.
Mas são relações ainda importantes em todos os domínios.
A Rainha esteve no Brasil em 1968, e diversos presidentes brasileiros efetuaram visitas de trabalho ou de Estado ao Reino Unido.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4235: 9 setembro 2022, 3 p.
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