Uma pequena parte do que eu declarei na entrevista, da qual pinçaram uma única frase, em torrentes de história e direito internacional.
Política externa vira saia justa para Lula e Bolsonaro na disputa eleitoral
Com acenos ao centro nacionalmente, o petista tem postura condescendente com regimes autoritários de esquerda no cenário internacional; presidente enfrenta cenário de desgaste por sua postura e pelo legado do ex-ministro Ernesto Araújo
Eliane Oliveira, Jussara Soares e Janaína Figueiredo
O Globo, 16/02/2022 - 03:30
BRASÍLIA e RIO — Normalmente relegada a segundo plano em época de eleição, a política externa tem se convertido este ano em um telhado de vidro e servido de alvo na pré-campanha para ataques recíprocos entre os dois principais candidatos à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL).
Internamente, o petista tenta ampliar sua candidatura para o centro, mas, no plano internacional, é condescendente com regimes autoritários de esquerda como Nicarágua, Cuba e Venezuela, historicamente alinhados ao PT. Já Bolsonaro, que ontem iniciou a controvertida viagem à Rússia em meio à crise da Ucrânia, tirou do comando do Ministério das Relações Exteriores um dos expoentes da ala ideológica do governo, Ernesto Araújo, e o substituiu por Carlos França, que tenta desfazer o legado negativo do antecessor, cujos ataques à China, ao meio ambiente, e o discurso negacionista afetaram, por exemplo, relações comerciais e a compra de insumos para vacinas contra a Covid-19.
O novo chanceler, no entanto, enfrenta limitações, como a interferência de um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), e a própria postura do titular do Planalto.
No fim do ano passado, Lula chegou a minimizar, em entrevista, a ditadura de Daniel Ortega na Nicarágua, comparando seu tempo no poder com o da ex-chanceler alemã Angela Merkel. Ele também minimizou a violência policial contra manifestações em Cuba.
— O apoio às ditaduras de Cuba, da Venezuela e da Nicarágua, para satisfazer as alas mais extremistas, abre o flanco para acusações de que transformaria o Brasil numa Cuba ou Venezuela — afirmou o consultor internacional Nelson Franco Jobim, em referência a um discurso recorrente de bolsonaristas.
Já Bolsonaro tem uma agenda estreita, que inclui nomes da extrema-direita, como o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Órban, e está praticamente alijado dos grandes debates da agenda mundial. Além da Hungria, ele visita esta semana a Rússia, onde chegou ontem, em meio às tensões daquele país com a Ucrânia.
—A visita de Bolsonaro à Rússia é altamente inoportuna e não desejável —disse o embaixador Paulo Roberto Almeida.
Único embaixador na ativa que critica abertamente a política externa de Bolsonaro, Almeida lembrou que o convite do líder russo Vladimir Putin foi feito bem antes, mas somente agora foi aceito:
— O Brasil está isolado, o presidente não tem grandes aliados e ninguém o convida na Europa e nas Américas. Sobraram líderes de direita. Putin não é direita, nem esquerda, mas vê na visita do Bolsonaro uma oportunidade para mostrar que ele não estaria isolado no mundo. Seria irônico, se não fosse trágico.
Apesar da troca de chanceler, sepultando a estridência do discurso no Itamaraty, Eduardo Bolsonaro continua exercendo um papel importante na política externa, com conexões com a direita internacional.
— Eduardo tem um papel importante. Há lugares em que o presidente Bolsonaro não tem tempo de ir e ele acaba virando uma espécie de embaixador mesmo e traz resultados— disse o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
Cooperação Sul-Sul
Caso Lula seja eleito, estão previstos o fortalecimento do Mercosul, da União das Nações Sul-americanas (Unasul) e da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Essas duas perderam o Brasil como membro no governo Bolsonaro.
O ex-presidente, que realizou uma bem-sucedida visita a líderes europeus no ano passado, já manifestou a intenção de reforçar os laços com a União Europeia (UE), praticamente rompidos com Bolsonaro. Um dos desafios é restaurar o acordo comercial UE-Mercosul.
Os próximos meses devem ser de disputas por protagonismo internacional entre Lula e Bolsonaro. O petista tem uma viagem prevista para o México, em março. Bolsonaro, por sua vez, tenta se destacar nas viagens para a Rússia e Hungria. Na sua última grande apresentação multilateral, na Assembleia da ONU, chocou seus pares ao defender tratamentos ineficazes contra a Covid-19.
Um tema que ganhou relevância nas últimas semanas foi o início das negociações para a adesão do Brasil à OCDE, o “clube dos países ricos”. Pré-candidato à Presidência pelo PDT, Ciro Gomes tem postura crítica em relação a isso. Um dos motivos é que o Brasil terá que abrir mão do status de nação em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Já a política externa desenhada pelo presidenciável Sergio Moro (Podemos) tem como linhas gerais “manter boas relações com todos os países, sem preconceitos, e voltar a ter protagonismo em temas de direitos humanos, acordos comerciais, desenvolvimento sustentável e combate à corrupção”.
Coordenador do programa de governo de João Doria (PSDB), Rodrigo Maia destacou dois pontos para que o Brasil retorne às mesas de negociações internacionais: a defesa da democracia no Brasil e proteção ambiental.
https://oglobo.globo.com/politica/politica-externa-vira-saia-justa-para-lula-bolsonaro-na-disputa-eleitoral-25396262
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