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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Cinco livros sobre — e para — a democracia - André Spitzer (Estado da Arte)

 Gostei dos cinco livros, conheço dois, parcialmente um terceiro e desconhecia os demais, por isso a breve resenha de cada um, para mim e para todos é muito bem vinda. A única observação que eu faria é a de que estamos num ambiente universitário americano, ou seja, o universo conceitual tem muito a ver como debate na academia dos EUA. Sendo eu mais “europeu” do que “americano”, apreciaria ter um debate refletindo também o universo intelectual europeu.

Paulo Roberto de Almeida 

Cinco livros sobre — e para — a democracia

por André Spritzer

.. https://estadodaarte.estadao.com.br/cinco-livros-democracia-andre-spritzer/?fbclid=IwAR14mVpTWhY4AfBhiEiAfH_g0rPyu__k0SI3uN44gqoqQhaAT7T5p9tvIJ0

Fui instigado a recomendar cinco livros sobre democracia. Há muitos excelentes e escolher somente cinco é uma tarefa árdua, quase impossível. Os livros abaixo não são exatamente os meus favoritos (acho que não consigo fazer esse tipo de classificação) e tampouco estão organizados por ordem de preferência, mas os escolhi por julgar que, dado o momento atual, são obras da literatura internacional que podem enriquecer o debate público, trazendo perspectivas diferentes e complementares sobre o tema. Sem mais delongas:

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On Democracy, de Robert Dahl (Yale University Press, 2020)

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(Reprodução)

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Em On Democracy (“Sobre a Democracia”, Editora UNB), o cientista político Robert Dahl (1915-2014), um dos principais pensadores contemporâneos da democracia, apresenta de forma bastante acessível a sua visão do que ela é, do motivo dela ser desejável e de como a sua versão ideal difere daquela que de fato existe (chamada por ele de “poliarquia”).

A principal justificativa de Dahl para a democracia é seu caráter participativo, sendo ela o sistema que permite que cada cidadão possa participar em pé de razoável igualdade das decisões que irão afetar sua vida. A definição de democracia que ele apresenta é relativamente minimalista e procedimental (ou seja, baseada na presença de determinadas características processuais), mas vai além da mera realização de eleições: para ele, estas devem ser livres, justas e periódicas e vir acompanhadas de liberdade de expressão e associação, livre acesso à informação e uma noção de cidadania inclusiva, com sufrágio universal e direito à candidatura a cargos eletivos para todos os cidadãos. Para Dahl, as principais vantagens de um regime democrático seriam a proteção inerente de direitos e liberdades essenciais, a mediação pacífica de conflitos e o fomento tanto à prosperidade material e ao desenvolvimento humano quanto à paz entre os países (algo que se pode observar empiricamente: não há guerras entre democracias). Ainda assim, o autor ressalta que a democracia de nenhum país atende perfeitamente a todos os critérios, de forma que democracia seria mais um espectro (ou seja, algo que varia por uma faixa de valores) do que uma noção binária e seu aperfeiçoamento continuado deva ser sempre uma meta de qualquer sociedade.

Mesmo que a visão de Dahl sobre o tema seja uma entre várias possíveis, no contexto político brasileiro atual este livro é interessante por ser uma leitura fácil, mas que já provoca uma reflexão mais precisa, profunda e sistemática sobre o que é a democracia. Por mais que tenhamos adquirido uma certa noção de democracia devido à vivência em regime democrático das últimas décadas, pesquisas mostram como a sociedade brasileira ainda não evoluiu a ponto de adequadamente internalizar valores liberais-democráticos. Isso é um problema que acomete tanto a população em geral quanto a elite formadora de opinião e se manifesta na forma como pensamos e fazemos a política. Uma das formas de combater isso é trazermos essa discussão para a própria sociedade de forma direta e afirmativa. Livros como este podem ser bons instrumentos para fomentar essa educação democrática.

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The End of History and the Last Man, de Francis Fukuyama (Free Press, 2006)

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(Reprodução)

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The End of History and the Last Man (“O Fim da História e o Último Homem”, Rocco) é um livro influente e controverso, mas talvez muito mais citado do que de fato lido e compreendido—apesar de não ser de difícil leitura. O livro, que fez do autor, o cientista político Francis Fukuyama, um verdadeiro superstar do pensamento político no início dos anos 90, é um aprofundamento de um ensaio que ele escreveu em 1989—portanto, antes da queda do Muro de Berlim—e foi publicado em 1992, no meio da onda de democratizações decorrentes do fim da União Soviética e do otimismo com a democracia liberal que a acompanhou. Tanto o ensaio original quanto o livro tratam de como a democracia seria a melhor forma de governo que o ser humano seria capaz de conceber, sendo esta, assim, o fim da história. A controvérsia veio, pois muitos interpretaram como se Fukuyama estivesse dizendo que todos os países inevitavelmente se tornariam democracias e que, uma vez que isto ocorresse, nada mais de relevante se passaria. A tese de Fukuyama, no entanto, tem muito mais nuance e complexidade. Seu argumento é fortemente inspirado na leitura do filósofo alemão Hegel feita pelo pensador francês Alexandre Kojève, que enxerga a história como uma progressão de sistemas socioeconômicos que eventualmente produziria uma forma de governo final a partir da qual não é possível evoluir. O fim ao qual Fukuyama se refere, portanto, não é no sentido de término, mas de objetivo. Tampouco significa que, uma vez atingido, eventos irão deixar de acontecer e de que tudo será perfeito e irreversível—pelo contrário, países que se encontram no fim da história (democracias liberais) podem, sim, “voltar à história” se não tomarem as devidas precauções.

Um aspecto particularmente interessante da tese de Fukuyama é como ele a fundamenta. O autor toma emprestado de Platão o conceito de thymos, uma necessidade inata do ser humano de ter sua dignidade reconhecida pelos seus pares. Algumas pessoas se satisfariam com o que ele chama de isothymia—a necessidade de reconhecimento como um igual—, mas outras precisam de algo a mais: megalothymia, a necessidade de serem reconhecidos como melhores. Para Fukuyama, a democracia liberal capitalista seria o único sistema de governo capaz de contemplar ambos os tipos de personalidade. Dos aspectos democráticos e liberais, a possibilidade de participação política, os direitos fundamentais, a igualdade perante a lei e o devido processo assegurariam a isothymia ao tratar todas as pessoas como iguais, reconhecendo sua dignidade de forma equânime. Do aspecto capitalista, por sua vez, a possibilidade de ganhar status através do destaque social e da recompensa econômica provenientes de inovação, empreendimento e outras formas de geração de valor permite canalizar a megalothymia de modo produtivo para a sociedade como um todo. Pode ocorrer, no entanto, que a sociedade pacífica e prospera obtida através da democracia liberal não seja suficiente para satisfazer a megalothymia, o que pode acabar por conduzi-la “de volta à história”.

Para os tempos atuais, a tese do fim da história de Fukuyama é relevante por diversos aspectos, mas destaco dois. Primeiro: nunca foi de fato refutada. Ninguém conseguiu mostrar que há alguma alternativa melhor que a democracia liberal capitalista para a organização de uma sociedade humana, por mais que existam defeitos nesse sistema. Segundo: seu insight sobre como a ausência do reconhecimento da dignidade pode levar a ressentimento, potencialmente resultando em instabilidade social e até destruição da própria democracia liberal. Essa temática ressurge várias vezes na obra subsequente de Fukuyama, incluindo seu recente livro Identity (“Identidades”, Dom Quixote), que trata de como as democracias liberais têm tido dificuldade em lidar com a crescente tendência de algumas pessoas a exigirem reconhecimento de suas identidades não como indivíduos, mas como membros de grupos identitários.

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Strangers in Their Own Land, de Arlie Hochschild (The New Press, 2018)

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(Reprodução)

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No livro Strangers in Their Own Land (“Estranho em Sua Própria Terra”)a socióloga americana Arlie Hochschild, professora na Universidade de Berkeley, na Califórnia, narra como decidiu furar a bolha quase exclusivamente progressista em que vivia para tentar entender o que levava comunidades empobrecidas a aderirem ao movimento de extrema-direita Tea Party, que defendia políticas que, ao menos à primeira vista, lhes seriam objetivamente prejudiciais. Intrigada por este paradoxo, ela passou cinco anos em uma antes próspera e agora decadente comunidade na Louisiana acometida por um alto nível de desemprego causado pela crescente automação e por uma grande incidência de doenças decorrentes da enorme poluição produzida pela exploração desregulada dos recursos naturais da região pela indústria do petróleo, dominante na economia local. Ao contrário da visão superficial pré-concebida por muitos de seus pares progressistas, ela encontrou uma comunidade repleta de pessoas gentis, inteligentes, caridosas, com forte senso comunitário, muita perseverança e até grande apreço pelo meio ambiente e tristeza por sua visível deterioração. Interessantemente, ela observou que, apesar de terem ciência do impacto da degradação ambiental em suas vidas e que esta era causada principalmente pelas petrolíferas, a raiva das pessoas era direcionada ao governo federal e não às empresas. Em sua pesquisa, portanto, Hochschild tentou entender essas pessoas e o que estava por trás dessa atitude aparentemente ilógica.

O principal insight de Hochschild em sua pesquisa é que as pessoas têm o que ela chama de “história profunda”—uma narrativa pessoal que pode não ser factualmente real, mas é sentida por elas como tal. No caso dos moradores dessa comunidade na Louisiana, ela identificou uma história de humilhação e ressentimento. Essas pessoas—em geral brancas, de classe trabalhadora, cristãs religiosas e bastante tradicionais nos costumes—acreditavam piamente no ideal do “sonho americano”: a noção de que esforço levaria à prosperidade. Apesar de seu empenho, no entanto, o tempo passava e a recompensa não vinha. Não só isso, como ao mesmo tempo em que estavam com suas vidas estagnadas ou piorando, viam alguns grupos furarem a fila para o sonho americano: negros conseguindo empregos que antes eram de brancos, mulheres conseguindo empregos que antes eram de homens, refugiados e imigrantes passando na frente. Para elas, ações afirmativas não eram medidas para corrigir injustiças do passado, mas sim concessões de vantagens indevidas hoje—e estavam sendo implementadas por um governo presidido por um negro apoiado majoritariamente por uma elite educada que abertamente as desprezava, as enxergando como um bando de caipiras carolas, retrógrados, simplórios, ignorantes e de pouca educação. Essas pessoas dessa pequena comunidade da Louisiana sentiam que elas eram os verdadeiros americanos—o coração do país—e que mesmo assim estavam sendo passadas para trás e humilhadas pelas elites culturais e políticas. Se sentiam estranhas em sua própria terra.

Apesar de tratar de circunstâncias e fenômenos restritos à um pequeno reduto dos Estados Unidos, a pesquisa de Hochschild é generalizável por dar concretude e até certa sistematização—na noção de história profunda—a algo que Fukuyama e outros autores também abordam: a necessidade que as pessoas têm de serem respeitadas e reconhecidas e de que quando marginalizamos determinados grupos e pontos de vista, abrimos as portas para um ressentimento poderoso, que pode ter consequências políticas nefastas. É verdade que muitas vezes a história profunda de determinados grupos e pessoas é, sim, amparada em preconceitos, imoralidades, falsidades e atitudes retrógradas. Mas a forma de abordar isso deve ser gradual e paciente, com empatia e compreensão e através da criação de pontes e convencimento e não com imposição, desdenho e agressividade—ou corremos o risco de alimentar um monstro ressentido, vingativo e furioso.

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Uncivil Agreement: How Politics Became Our Identity, de Lilliana Mason (University of Chicago Press, 2018)

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(Reprodução)

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Uncivil Agreement (“Acordo Incivil”) trata de identidade, tribalismo e polarização, com dados de diversos estudos sobre o tema e resultados da pesquisa da própria autora, a cientista política Lilliana Mason. Mason mostra como as identidades que construímos são baseadas mais em rótulos que damos a nós mesmos do que no conteúdo desses rótulos. Ou seja, alguém que adotou para si o rótulo liberal não necessariamente possui valores liberais, apesar de se definir como tal. Essa adoção de rótulos tem implicações em como nos organizamos em sociedade: as pessoas são inerentemente tribais e procuram grupos que partilham dos mesmos rótulos e características e isso afeta como se comportam e veem o mundo. Tendemos, por exemplo, a favorecer membros de nosso “grupo” mesmo se a única coisa que tivermos em comum com eles for um rótulo vazio de significado (uma cor, por exemplo) e que nem nos conheçamos pessoalmente. Simultaneamente, olhamos com certo receio todas as pessoas que não são de nosso grupo e temos um desejo inerente não só que nosso grupo ganhe, mas—e principalmente—que os demais percam. Quanto maior o vínculo emocional com uma identidade, maior o poder dela sobre nós, distorcendo até mesmo a percepção de fatos objetivos facilmente verificáveis.

Como Mason demonstra, tribalismo é natural e, ao que tudo indica, inevitável. Em uma sociedade saudável, no entanto, nossa adesão à uma identidade em particular é equilibrada pela adesão simultânea à outras identidades—ou seja, cada pessoa é um mosaico de identidades de forma que dois indivíduos podem, por exemplo, ter identidades religiosas e político-partidárias diferentes, mas ainda assim ter fortes vínculos por identificação regional, profissional, racial, de gênero, etária ou qualquer outra. Esse cruzamento de identidades atenua o viés pro-grupo e a distorção perceptiva dos vínculos tribais, permitindo com que pessoas pertencentes a grupos diferentes coexistam e não se odeiem mutuamente, já que essas pontes entre os grupos identitários impedem a completa desumanização do outro. Um problema começa a ocorrer, contudo, quando política se torna uma identidade importante e outras identidades passam a se alinhar em torno dela.

Mason observou que ao longo das últimas décadas, nos Estados Unidos, as conexões entre democratas e republicanos foram gradualmente diminuindo. Democratas e republicanos eram tradicionalmente muito mais miscigenados, mas foram ficando a cada vez mais homogêneos e isolados uns outros. Não só diferentes identidades passaram a se alinhar em torno da identidade político-partidária, como democratas e republicanos passaram a viver vidas completamente separadas, morando em lugares diferentes, se informando por diferentes fontes, assistindo a programas diferentes na televisão, acompanhando diferentes esportes e até preferindo diferentes marcas de produtos, comidas, cervejas e refrigerante. Passaram, também, a se odiar mais mutuamente, com um grupo partidário culpando os membros do outro por todas as mazelas do país. Além do aspecto social, da corrosão da própria naçãoamericana, isso teve consequências políticas práticas ao tornar menos aceitável para o eleitorado que seus representantes façam acordos interpartidários por parte de seus representantes políticos—afinal, em sua percepção, ceder politicamente se tornou questão de vida ou morte. Mesmo que democratas e republicanos concordem no mérito sobre políticas públicas específicas, a construção de consensos e um debate racional sobre quais as melhores e mais realistas soluções para os problemas concretos do país se tornaram muito mais difíceis.

A pesquisa de Mason é mais direcionada à realidade americana, mas muito do que ela descreve pode ser observado também na política brasileira. É particularmente relevante para o Brasil o enfoque que ela dá à questão da polarização afetiva, que consiste em um vínculo emocional a identidades políticas que, quando extremado, pode ferir o tecido social e dificultar a construção de consensos mínimos que possibilitem a convivência pacífica dos diferentes grupos em uma única sociedade. Ainda que essa polarização talvez não seja tão forte no Brasil quanto nos Estados Unidos, já é um fenômeno empiricamente constatado (ou seja, perceptível) e dificulta consideravelmente não só a discussão política em torno de ideias e programas (já que identidades por definição não são negociáveis), como até mesmo a construção de coalizões contra ameaças à própria democracia.

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The Moral Foundations of Politics, de Ian Shapiro (Yale University Press, 2012)

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(Reprodução)

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Há inúmeros livros introdutórios sobre teoria política, mas o que faz de The Moral Foundations of Politics (“Os Fundamentos Morais da Política”, WMF Martins Fontes), do professor da Universidade de Yale Ian Shapiro, interessante é sua ênfase em como o aspecto moral fundamenta a legitimidade política das diversas tradições do pensamento político ocidental. Ou seja, a questão central que ele busca responder é: quando governos merecem a nossa fidelidade? Quem decide, e por quais critérios, se as leis e ações do Estado são legítimas e devem ser obedecidas?

O livro é dividido em três grandes blocos de capítulos: Iluminismo, Anti-iluminismo e Iluminismo maduro. No primeiro bloco, Shapiro explica o pensamento político do início do Iluminismo, o caracterizando como a busca da liberdade individual através da razão, e trata das tradições utilitarista (considerando autores como Jeremy Bentham, John Stuart Mill e até Vilfredo Pareto), marxista e contratualista (esta última com um especial foco em John Rawls, mas discutindo também John Locke, Thomas Hobbes, Jean-Jacques Rousseau e Robert Nozick, entre outros). O bloco que segue, aborda pensadores críticos do projeto iluminista sob diversas perspectivas, como Edmund Burke, Alasdair MacIntyre, Richard Rorty e Michael Sandel, entre outros. No bloco final, Shapiro ancora o que ele considera Iluminismo maduro no princípio da falseabilidade do método científico moderno—ou seja, a ideia de que o conhecimento presente sempre pode vir a ser refutado—e em como este se integra à tradição democrática, possibilitando uma síntese da ideia iluminista original com algumas de suas críticas. Em sua discussão sobre democracia, ele aborda autores como Aristóteles, Platão, James Madison, Alexis de Tocqueville e Joseph Schumpeter.

Apesar de ser um livro relativamente curto, Shapiro passa de forma rigorosa pelas principais correntes do pensamento político ocidental desde o Iluminismo, explicando e contextualizando cada uma e explorando seus pontos fortes e fracos de forma objetiva e equilibrada (ainda que o autor claramente tenha suas preferências e deixe isso explícito). Esse, inclusive, é um dos pontos fortes da obra: Shapiro não toma nada como certo ou verdadeiro a priori, considerando os argumentos de cada autor e tradição pelo que são. Para o momento atual, o livro é particularmente relevante por realçar como não há nem respostas fáceis e óbvias para questões morais, nem ideologia, tradição ou sistema de pensamento que consiga responder a tudo de forma adequada. Não só tradições e linhas de pensamento podem incorrer em contradições ou resultar em óbvios absurdos quando aplicadas em determinados casos, como duas pessoas podem ter noções diametricamente diferentes de certo e errado e ambas estarem ancoradas em argumentações sólidas. Especificamente para o caso brasileiro, o livro também é interessante pelo seu foco no aspecto moral como o que sustenta a legitimidade política, indo, portanto, muito além dos debates que normalmente temos em nossa esfera pública, que costumam pautar a política através de um prisma quase exclusivamente econômico e conjuntural. A forma como pensamos e fazemos política é reveladora de como nos enxergamos enquanto sociedade e isso sustenta não só as escolhas que fazemos para economia e arranjo institucional, como também os políticos que elegemos e nossas próprias atitudes quando ocupamos uma instituição pública (eleita ou não) ou mesmo quando atuamos enquanto cidadãos privados.

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André Spritzer

André Spritzer é Doutor em Computação pela UFRGS, com estágio de pós-doutorado no INRIA (Aviz/Paris) e na UFRGS. Pesquisou Ciência Política e Relações Internacionais na UoL/LSE.


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