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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

O risco russo diante da História: entrevista com Rubens Ricupero - Miriam Leitão (O Globo)

O risco russo diante da História

Por Míriam Leitão

O Globo, 24/02/2022


O momento é de extremo perigo global, e o que o presidente Vladimir Putin está fazendo pode significar o fim do mundo como o conhecemos desde o pós-guerra. É o que pensa o embaixador Rubens Ricupero. Para o mercado financeiro, a análise é a de que “já está no preço” uma ocupação ao leste do país, mas não uma invasão total. Eles se prepararam para essa reação de Putin e em relatório aos clientes os bancos já explicavam que era dado como certo que a Rússia enviaria mais tropas para a Ucrânia.

O que todas as análises concordam, seja no mercado financeiro, seja na política internacional, é que as sanções não vão deter Putin. O governo russo está sentado numa montanha de reservas cambiais, US$ 640 bilhões, e pode resistir à suspensão do acesso ao mercado internacional de capitais. Num relatório, o banco UBS avalia que se houver uma escalada do conflito isso levaria a um boicote completo do petróleo e gás russos. Com isso, o petróleo iria a US$ 125 o barril por dois trimestres, o que elevaria a inflação e reduziria em 0,5 ponto percentual o crescimento mundial.

Para quem tem uma visão mais ampla, o que está acontecendo é gravíssimo, lembra o início dos piores momentos do século passado e tem uma responsabilidade histórica bem mais complexa do que parece.

— Putin está adotando uma atitude que de fato põe em perigo mortal este mundo que conhecemos e que durou quase 80 anos, em que houve guerras localizadas, mas nunca um dos principais atores assumiu uma posição tão descaradamente contra a ordem estabelecida. Ele está usando métodos que levaram à Primeira e à Segunda Guerras Mundiais e já violou a Carta da ONU —diz Ricupero.

Olhando o passado recente, o embaixador avalia que há culpas do Ocidente também porque aproveitando-se da fraqueza russa após o fim da União Soviética expandiu a Otan além do razoável. Desde 1997, a Aliança Militar incluiu 14 países que haviam sido satélites soviéticos ou membros da própria União Soviética: República Checa, Hungria, Polônia, Eslováquia, Eslovênia, Bulgária, Romênia, Estônia, Lituânia, Letônia, Albânia, Croácia, Montenegro, Macedônia do Norte.

— Nada justifica o que Putin está fazendo hoje, mas a raiz histórica desse problema envolve responsabilidade do Ocidente — lembra o embaixador.

Para ele, o paralelo que pode ser feito é com o que houve na Alemanha de Hitler:

— Desde que Putin começou a fortalecer seu poder militar, ele fez questão de exibir isso. Invadiu a Geórgia em 2008, anexou a Crimeia em 2014, estimulou os separatistas do leste da Ucrânia, interveio violentamente na guerra civil da Síria. Em todos esses casos, alguns disseram que ele se daria mal, mas ele teve êxito. É um pouco como aquela história do Hitler. No início, tudo o que Hitler fez deu certo. Anexou a Áustria, depois os Sudetos, que eram regiões da Checoslováquia com populações que falavam alemão, um pouco como acontece agora na Ucrânia. No Acordo de Munique as potências cederam os Sudetos na expectativa de que, com isso, ele não invadiria a Checoslováquia. Hitler em seguida invadiu a Checoslováquia. Putin tem tido o mesmo êxito — avalia o embaixador.

Como a Ucrânia não é da Otan, não está protegida pelo artigo quinto do Tratado de Washington que estabelece que todos são solidários, quando um dos países for invadido. Então Putin só não teria invadido se avaliasse que seria muito alto o custo de uma campanha militar e de sanções prolongadas.

Esse foi o cálculo feito no mercado financeiro também. É interesse da Rússia continuar fornecendo matérias-primas e energia para a Europa. A Rússia é grande exportadora de petróleo, gás natural, trigo. O mercado sugere, como hedge, investir em commodities, porque se houver “disrupção de fornecimento”, os preços vão subir.

Quem entende a História sabe que, se houver a escalada de um conflito, não há proteção possível. A Rússia é detentora da maior quantidade de ogivas nucleares no mundo, mas é um país intermediário do ponto de vista econômico e em rápido declínio demográfico. 

— O tempo corre contra a Rússia. Esses são os países mais perigosos. Como eram a Áustria, Hungria e a Rússia czarista em 1914. O que Putin fez já abriu um rombo enorme no sistema criado em 1945. Entramos no tempo do imprevisível — explica Ricupero.

O agravante é o fato de que, como diz o embaixador, o traço tradicional da psicologia da política russa é a ideia de que eles estão cercados.


Com Alvaro Gribel (de São Paulo)

 

 

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