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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Mister Bozo goes to Moscow: what a wonderful world - Eliane Oliveira, Jussara Soares e Janaína Figueiredo (O Globo)

 Uma pequena parte do que eu declarei na entrevista, da qual pinçaram uma única frase, em torrentes de história e direito internacional.

Política externa vira saia justa para Lula e Bolsonaro na disputa eleitoral

Com acenos ao centro nacionalmente, o petista tem postura condescendente com regimes autoritários de esquerda no cenário internacional; presidente enfrenta cenário de desgaste por sua postura e pelo legado do ex-ministro Ernesto Araújo

Eliane Oliveira, Jussara Soares e Janaína Figueiredo
O Globo, 16/02/2022 - 03:30

BRASÍLIA e RIO — Normalmente relegada a segundo plano em época de eleição, a política externa tem se convertido este ano em um telhado de vidro e servido de alvo na pré-campanha para ataques recíprocos entre os dois principais candidatos à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL).

Internamente, o petista tenta ampliar sua candidatura para o centro, mas, no plano internacional, é condescendente com regimes autoritários de esquerda como Nicarágua, Cuba e Venezuela, historicamente alinhados ao PT. Já Bolsonaro, que ontem iniciou a controvertida viagem à Rússia em meio à crise da Ucrânia, tirou do comando do Ministério das Relações Exteriores um dos expoentes da ala ideológica do governo, Ernesto Araújo, e o substituiu por Carlos França, que tenta desfazer o legado negativo do antecessor, cujos ataques à China, ao meio ambiente, e o discurso negacionista afetaram, por exemplo, relações comerciais e a compra de insumos para vacinas contra a Covid-19.

O novo chanceler, no entanto, enfrenta limitações, como a interferência de um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), e a própria postura do titular do Planalto.

No fim do ano passado, Lula chegou a minimizar, em entrevista, a ditadura de Daniel Ortega na Nicarágua, comparando seu tempo no poder com o da ex-chanceler alemã Angela Merkel. Ele também minimizou a violência policial contra manifestações em Cuba.

— O apoio às ditaduras de Cuba, da Venezuela e da Nicarágua, para satisfazer as alas mais extremistas, abre o flanco para acusações de que transformaria o Brasil numa Cuba ou Venezuela — afirmou o consultor internacional Nelson Franco Jobim, em referência a um discurso recorrente de bolsonaristas.

Já Bolsonaro tem uma agenda estreita, que inclui nomes da extrema-direita, como o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Órban, e está praticamente alijado dos grandes debates da agenda mundial. Além da Hungria, ele visita esta semana a Rússia, onde chegou ontem, em meio às tensões daquele país com a Ucrânia.

—A visita de Bolsonaro à Rússia é altamente inoportuna e não desejável —disse o embaixador Paulo Roberto Almeida.

Único embaixador na ativa que critica abertamente a política externa de Bolsonaro, Almeida lembrou que o convite do líder russo Vladimir Putin foi feito bem antes, mas somente agora foi aceito:

— O Brasil está isolado, o presidente não tem grandes aliados e ninguém o convida na Europa e nas Américas. Sobraram líderes de direita. Putin não é direita, nem esquerda, mas vê na visita do Bolsonaro uma oportunidade para mostrar que ele não estaria isolado no mundo. Seria irônico, se não fosse trágico.


Apesar da troca de chanceler, sepultando a estridência do discurso no Itamaraty, Eduardo Bolsonaro continua exercendo um papel importante na política externa, com conexões com a direita internacional.

— Eduardo tem um papel importante. Há lugares em que o presidente Bolsonaro não tem tempo de ir e ele acaba virando uma espécie de embaixador mesmo e traz resultados— disse o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Cooperação Sul-Sul
Caso Lula seja eleito, estão previstos o fortalecimento do Mercosul, da União das Nações Sul-americanas (Unasul) e da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Essas duas perderam o Brasil como membro no governo Bolsonaro.

O ex-presidente, que realizou uma bem-sucedida visita a líderes europeus no ano passado, já manifestou a intenção de reforçar os laços com a União Europeia (UE), praticamente rompidos com Bolsonaro. Um dos desafios é restaurar o acordo comercial UE-Mercosul.

Os próximos meses devem ser de disputas por protagonismo internacional entre Lula e Bolsonaro. O petista tem uma viagem prevista para o México, em março. Bolsonaro, por sua vez, tenta se destacar nas viagens para a Rússia e Hungria. Na sua última grande apresentação multilateral, na Assembleia da ONU, chocou seus pares ao defender tratamentos ineficazes contra a Covid-19.

Um tema que ganhou relevância nas últimas semanas foi o início das negociações para a adesão do Brasil à OCDE, o “clube dos países ricos”. Pré-candidato à Presidência pelo PDT, Ciro Gomes tem postura crítica em relação a isso. Um dos motivos é que o Brasil terá que abrir mão do status de nação em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Já a política externa desenhada pelo presidenciável Sergio Moro (Podemos) tem como linhas gerais “manter boas relações com todos os países, sem preconceitos, e voltar a ter protagonismo em temas de direitos humanos, acordos comerciais, desenvolvimento sustentável e combate à corrupção”.

Coordenador do programa de governo de João Doria (PSDB), Rodrigo Maia destacou dois pontos para que o Brasil retorne às mesas de negociações internacionais: a defesa da democracia no Brasil e proteção ambiental.

https://oglobo.globo.com/politica/politica-externa-vira-saia-justa-para-lula-bolsonaro-na-disputa-eleitoral-25396262

segunda-feira, 18 de março de 2019

Mac Margolis sobre a visita presidencial aos EUA (ops, ao Trump) - Bloomberg

Trump and Bolsonaro Put Their Bromance to Its First Test

The Western Hemisphere’s disruptors-in-chief meet in Washington this week. Is a new U.S.-Brazil entente in the offing?


Washington rolls out the welcome wagon.
Washington rolls out the welcome wagon.
Photographer: Eric Baradat/AFP/Getty Images

Brazilian President Jair Bolsonaro doesn’t like his look. That’s a big part of why he’s substituting the ambassadors to Washington and 14 other A-list foreign posts, Brazil’s biggest foreign-service makeover in recent memory. The mission: “Not to present the government and president as if they were racist and homophobic,” Bolsonaro told journalists in Brasilia last week, on the eve of his first bilateral visit to the United States and a meeting with his campaign idol, President Donald Trump.
If there’s one place Bolsonaro doesn’t have to explain himself, it’s in Washington, where civility, institutional backstops and the rules of democratic decorum are being cut down faster than the Amazon. What’s less clear is how the Western Hemisphere’s ranking disruptors-in-chief will manage their announced “new beginning,” and whether Latin America’s economy of record can put the feeling to good use at home and beyond.
The renewed friendship itself is important. Brazil and the U.S. have not always seen the world the same way. “For most of the last two decades, good relations with the U.S. were not a priority,” said Jose Pio Borges, president of the Brazilian Center for International Relations, in reference to 2003 to 2016, when Brazil was ruled by the soft left and still gringo-allergic Workers’ Party. “We had no conflicts, but saw no major advances.”
In that context, the agenda for Bolsonaro’s trip looks a bit like diplomacy as usual. The two governments are scheduled to sign agreements and protocols on technology safeguards for a Brazilian satellite launching station, bilateral security, two-way trade, and a new energy forum including investment in nuclear power.
Brazil wants Washington’s blessings to become a major non-Nato ally—with enhanced access to  U.S. defense technology—and more ambitiously to join the Organization for Economic Cooperation and Development, the pact of the most advanced economies. As a good will gesture, Brazil is expected to drop visa requirement for U.S. visitors, though the U.S. is unlikely to return the favor.
But Brazil’s broader expectations couldn’t be grander. Bolsonaro emulated Trump’s sawed-off populism, promising to make “Brazil great again” and retrieve politics from the swamp of socialism. Foreign Minister Ernesto Araujo, a career diplomat who lately has veered sharply to the right, went further, declaring Trump the Western world’s “Hail Mary.” Arriving in Washington on Sunday, Bolsonaro tweeted: "For the first time in a while a pro-American Brazilian President arrives in D.C."
Far more than bilateral bonhomie is in play, however. Analysts caution that as the junior partner in the alliance, Brazil is vulnerable to capture by an imported agenda.  “Automatic alliance with any world power can be problematic. Close relations shouldn’t be capitulation,” warned Roberto Abdenur, a former Brazilian ambassador to the U.S., Germany and China.

Theoretically, Brazil’s seasoned diplomats and technocrats have the policy acumen and global mileage to negotiate with testy powers and overweight allies. Brazil boasts its own heft in the World Trade Organization (presided over by a Brazilian) and is a respected voice in the Inter-American Development Bank, the United Nations and the G20. And the soft power pull of its music, food, rainforest and futebol’s ballet on grass have endeared the country to foreigners. 
Unfortunately, the hard-right political makeover in Brasilia has inspired Araujo to clear the house of graybeards while promoting their subordinates: “colonels giving orders to generals,” as disconcerted diplomats put it. That’s a prerogative of new management—Araujo has never headed an embassy—but the upheaval has left Itamaraty, as the foreign ministry is known, short of its most seasoned envoys and bereft of institutional memory.

“The minister has grown authoritarian and isolated,” senior diplomat Paulo Roberto de Almeida told me. “He shuts himself in his office and hardly consults  the ministry’s divisions anymore,” he said.  Almeida should know: He was recently removed from his post as president of the ministry’s International Relations Research Institute after inviting independent debate on foreign policy through his personal blog.
Among those reportedly snubbed under the new command was the ministry’s most knowledgeable Venezuela hand, “a person who’s read all the cables and follows all the developments in Caracas,” one serving diplomat told me. That’s an inexplicable oversight at a time when Brazil is trying to lead the regional conversation about rescuing Venezuela from authoritarian collapse.
Squandering experience is bad enough. Itamaraty’s ideological turmoil threatens to make it worse. In an hour-and-twenty minute master class to aspiring diplomats in Brasilia last week, Araujo said he’d had enough of the encomiums to “third worldism, anti-Americanism and anti-Westernism” and bets on errant “partners unable to help our development.” Alongside his leader, Araujo has bet on rapprochement with Washington as a kind of existential redemption.
And forget China: As far as Araujo is concerned, Brazil’s finest moment was when the U.S. led the way, not just in international trade but setting the world’s moral and political compass. Brazil’s way forward? Combine “freedom and greatness” to reclaim the nation’s rightful place in the march of “Christian” civilization.
That’s stirring stuff for the pulpit or the lectern, but makes for dicey foreign policy. The caveat goes double for Brazil, a nation that ought to spread its alliances, not funnel them, much less fix its fortunes on the humors of a mercurial populist in Washington. “It’s not a strategy. It’s a messianic message,” said O Estado de Sao Paulo in a lead editorial last week.
Some analysts note that Bolsonaro’s politics are a work in progress and that the campaign passions and articles of faith will fade as the grind of governing sets in. Cooler heads in Brasilia, especially the retired generals in Bolsonaro’s kitchen cabinet, are credited with muting the Washington-inspired rhetoric about invading Venezuela, moving Brazil’s embassy in Israel to Jerusalem, quitting the Paris Agreement on climate change, and falling in behind Trump in his trade quarrel with China. “I see hopeful signs in the moderating influence of the military ministers and especially in Vice President Hamilton Mourao,” said Abdenur.
But Bolsonaro still surrounds himself with incendiaries like Araujo, self-styled adviser and freelance philosopher Olavo de Carvalho, and Bolsonaro’s youngest son Eduardo, who fancies himself a parallel foreign minister. Consider the inclusion of disgraced former Trump strategist Stephen Bannon on the guest list for Bolsonaro’s welcome dinner at the Brazilian embassy. “It’s a mistake to think that military cabinet members have won the upper hand and created a cordon sanitaire for policy initiatives,” said a well-placed diplomatic source.
The tough talk “is part of a shared worldview that got Bolsonaro elected and is also driving foreign policy,” said the diplomat. “I don’t see him just letting this go.” This week’s visit is likely to bear out that proposition.
This column does not necessarily reflect the opinion of the editorial board or Bloomberg LP and its owners.

To contact the author of this story:
Mac Margolis at mmargolis14@bloomberg.net
To contact the editor responsible for this story:
James Gibney at jgibney5@bloomberg.net

sábado, 16 de março de 2019

Visita presidencial aos EUA: parceria Trump-Bolsonaro – existe algo a esperar? Carlos Gustavo Poggio

Boa relação com Trump é suficiente para garantir acordo comercial?

A boa notícia para Bolsonaro é que a relação pessoal com Trump deve fluir de forma positiva. A má notícia é que isso não deve ter muita importância.
Um fator que não pode ser negligenciado em qualquer negociação com os Estados Unidos é a importância do Congresso americano em questões de política externa. Acordos que necessitam de aprovação do Congresso têm um tempo próprio. É extremamente comum serem iniciados com um presidente e finalizados por outro.
As negociações para o NAFTA, por exemplo, começaram por iniciativa do presidente mexicano Carlos Salinas em 1990, mas o tratado foi assinado nos estertores do governo do Republicano George Bush em 1992 e ratificado pelo Congresso apenas sob o Democrata Bill Clinton, em 1993. Importante notar que, mesmo após anos de negociação e apoio de dois presidentes de partidos diferentes, o NAFTA foi aprovado com uma margem de apenas 34 votos na Câmara dos Representantes, que conta com 435 membros.
Da mesma forma, Peru e Colômbia iniciaram conversas com os Estados Unidos sob a presidência de Bush-filho, mas esses acordos foram implementados apenas durante o governo Obama. O caso do Chile é ainda mais gritante. Desde 1992 os chilenos almejavam um tratado comercial com os Estados Unidos, e Bill Clinton chegou a concordar em incluir o Chile no NAFTA. Porém, Clinton encontrou dificuldades no Congresso e o Chile acabou assinando acordos separados com o Canadá e com o México, mas não com os Estados Unidos. Apenas em 2003, com Bush, o Chile finalmente conseguiria assinar um acordo comercial com o país norte-americano.
A menção a esses casos passados também serve para ilustrar as dificuldades na comparação com o atual contexto. Quando o NAFTA foi aprovado, Clinton estava em seu primeiro ano de mandato e contava com sólida maioria Democrata na Câmara e no Senado. Além disso, o Democrata foi eleito com um discurso que enfatizava as virtudes do livre-comércio. Mesmo nessas condições, menos da metade dos Democratas nas duas casas legislativas votaram a favor do NAFTA.

O principal crítico do acordo durante a campanha presidencial de 1992 era Ross Perot, um milionário populista sem experiência política que se vendia como um “outsider” e concorreu como candidato independente. Perot acabou tendo a melhor performance da história entre os candidatos independentes à presidência dos Estados Unidos ao angariar quase 20% dos votos naquela eleição. O bom desempenho de Perot, tirando votos sobretudo dos setores mais conservadores do eleitorado, é considerada uma das principais razões pela não-reeleição de Bush.
Desde 2016, o cenário é bastante distinto. Os Republicanos elegeram um presidente que lembra mais Perot que Bush. O partido Democrata, por outro lado, está cada vez mais distante das visões liberais de Clinton, com um número crescente de apoiadores que se auto denominam socialistas. Dentre os candidatos do partido que têm se apresentado para as eleições de 2020, poucos defendem abertamente o livre-comércio.
Em 2016, Hillary Clinton encontrou dificuldades para bater Bernie Sanders pela nomeação do partido Democrata. Sanders teve como uma de suas principais bandeiras de campanha naquele ano a rejeição ao Tratado Transpacífico (TPP), negociado por Obama com o apoio de Clinton. Sanders já está novamente em campanha e suas posições são hoje mais populares no partido do que as de Hillary Clinton, que por sua vez já anunciou que está fora da disputa pela presidência.
As eleições de 2020 podem ser as primeiras da história recente dos Estados Unidos sem nenhum candidato dos principais partidos a empunhar a bandeira da liberalização comercial.  Nesse contexto, as condições para um acordo do Brasil com os Estados Unidos são muito menos auspiciosas que as encontradas pelos países Latino-Americanos mencionados acima. E o Brasil, ao contrário de México, Peru, Colômbia e Chile, ainda teria que equacionar restrições impostas pelo Mercosul.
Além disso, o grau de polarização no atual ambiente político nos Estados Unidos é consideravelmente mais alto do que no passado recente, o que tem levado a constantes paralisias no governo americano e cada vez menos cooperação entre os dois partidos no Congresso.
Um exemplo para se prestar atenção é o caso do novo NAFTA (rebatizado como USCMA), renegociado por Trump e atualmente parado no Congresso com poucas chances de ser aprovado sem modificações relevantes. Já circulam comentários em Washington que a líder do partido Democrata e presidente da Câmara Nancy Pelosi não facilitaria a aprovação do acordo, isto que isso seria visto como uma vitória de Trump. Isso é uma pequena ilustração de como a polarização política tem impedido a construção de consensos domésticos nos Estados Unidos.
A conclusão óbvia é que, se o governo brasileiro considerar que seu único interlocutor é Trump, estará cometendo um erro colossal. Adicionalmente, se levarmos em conta o histórico da atual presidência americana em termos de negociações comerciais, o governo brasileiro deveria ter razões adicionais para ser cauteloso. Trump tem uma visão basicamente mercantilista das relações internacionais, que interpreta a existência de déficits comerciais como uma evidência de que os demais países tiram vantagens dos Estados Unidos.
Um alerta para o Brasil nesse sentido foi a recente decisão do governo Trump de suspender o tratamento tarifário preferencial dado à Índia por fazer parte do Sistema Geral de Preferências (SGP), que beneficia países em desenvolvimento, e do qual o Brasil também é parte. A alegação da administração Trump foi que a Índia não teria sido capaz de assegurar aos Estados Unidos, que tem um déficit comercial de mais de 20 bilhões de dólares com o país, um “acesso razoável e equitativo” ao mercado indiano. Isso, apesar de o país ser um importante aliado dos Estados Unidos e o primeiro-ministro Narendra Modi ter boa relação pessoal com Trump.
A vantagem de Bolsonaro é que os Estados Unidos possuem um superávit comercial com o Brasil que mais do que dobrou entre 2016 e 2018. Mas isso não vai adiantar de nada se o presidente não agir estrategicamente e priorizar relações pessoais de curto prazo.
*Carlos Gustavo Poggio é professor dos cursos de relações internacionais da FAAP e da PUC-SP, do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas, e coordenador do NEPEU – Núcleo de Estudos sobre a Política Externa dos Estados Unidos.

Um cenario desolador na principal potencia ocidental: retrocessos mercantilistas a perder de vista - Carlos Gustavo Poggio

Boa relação com Trump é suficiente para garantir acordo comercial?

A boa notícia para Bolsonaro é que a relação pessoal com Trump deve fluir de forma positiva. A má notícia é que isso não deve ter muita importância.
Um fator que não pode ser negligenciado em qualquer negociação com os Estados Unidos é a importância do Congresso americano em questões de política externa. Acordos que necessitam de aprovação do Congresso têm um tempo próprio. É extremamente comum serem iniciados com um presidente e finalizados por outro.
As negociações para o NAFTA, por exemplo, começaram por iniciativa do presidente mexicano Carlos Salinas em 1990, mas o tratado foi assinado nos estertores do governo do Republicano George Bush em 1992 e ratificado pelo Congresso apenas sob o Democrata Bill Clinton, em 1993. Importante notar que, mesmo após anos de negociação e apoio de dois presidentes de partidos diferentes, o NAFTA foi aprovado com uma margem de apenas 34 votos na Câmara dos Representantes, que conta com 435 membros.
Da mesma forma, Peru e Colômbia iniciaram conversas com os Estados Unidos sob a presidência de Bush-filho, mas esses acordos foram implementados apenas durante o governo Obama. O caso do Chile é ainda mais gritante. Desde 1992 os chilenos almejavam um tratado comercial com os Estados Unidos, e Bill Clinton chegou a concordar em incluir o Chile no NAFTA. Porém, Clinton encontrou dificuldades no Congresso e o Chile acabou assinando acordos separados com o Canadá e com o México, mas não com os Estados Unidos. Apenas em 2003, com Bush, o Chile finalmente conseguiria assinar um acordo comercial com o país norte-americano.
A menção a esses casos passados também serve para ilustrar as dificuldades na comparação com o atual contexto. Quando o NAFTA foi aprovado, Clinton estava em seu primeiro ano de mandato e contava com sólida maioria Democrata na Câmara e no Senado. Além disso, o Democrata foi eleito com um discurso que enfatizava as virtudes do livre-comércio. Mesmo nessas condições, menos da metade dos Democratas nas duas casas legislativas votaram a favor do NAFTA.
O principal crítico do acordo durante a campanha presidencial de 1992 era Ross Perot, um milionário populista sem experiência política que se vendia como um “outsider” e concorreu como candidato independente. Perot acabou tendo a melhor performance da história entre os candidatos independentes à presidência dos Estados Unidos ao angariar quase 20% dos votos naquela eleição. O bom desempenho de Perot, tirando votos sobretudo dos setores mais conservadores do eleitorado, é considerada uma das principais razões pela não-reeleição de Bush.
Desde 2016, o cenário é bastante distinto. Os Republicanos elegeram um presidente que lembra mais Perot que Bush. O partido Democrata, por outro lado, está cada vez mais distante das visões liberais de Clinton, com um número crescente de apoiadores que se auto denominam socialistas. Dentre os candidatos do partido que têm se apresentado para as eleições de 2020, poucos defendem abertamente o livre-comércio.
Em 2016, Hillary Clinton encontrou dificuldades para bater Bernie Sanders pela nomeação do partido Democrata. Sanders teve como uma de suas principais bandeiras de campanha naquele ano a rejeição ao Tratado Transpacífico (TPP), negociado por Obama com o apoio de Clinton. Sanders já está novamente em campanha e suas posições são hoje mais populares no partido do que as de Hillary Clinton, que por sua vez já anunciou que está fora da disputa pela presidência.
As eleições de 2020 podem ser as primeiras da história recente dos Estados Unidos sem nenhum candidato dos principais partidos a empunhar a bandeira da liberalização comercial.  Nesse contexto, as condições para um acordo do Brasil com os Estados Unidos são muito menos auspiciosas que as encontradas pelos países Latino-Americanos mencionados acima. E o Brasil, ao contrário de México, Peru, Colômbia e Chile, ainda teria que equacionar restrições impostas pelo Mercosul.
Além disso, o grau de polarização no atual ambiente político nos Estados Unidos é consideravelmente mais alto do que no passado recente, o que tem levado a constantes paralisias no governo americano e cada vez menos cooperação entre os dois partidos no Congresso.
Um exemplo para se prestar atenção é o caso do novo NAFTA (rebatizado como USCMA), renegociado por Trump e atualmente parado no Congresso com poucas chances de ser aprovado sem modificações relevantes. Já circulam comentários em Washington que a líder do partido Democrata e presidente da Câmara Nancy Pelosi não facilitaria a aprovação do acordo, isto que isso seria visto como uma vitória de Trump. Isso é uma pequena ilustração de como a polarização política tem impedido a construção de consensos domésticos nos Estados Unidos.
A conclusão óbvia é que, se o governo brasileiro considerar que seu único interlocutor é Trump, estará cometendo um erro colossal. Adicionalmente, se levarmos em conta o histórico da atual presidência americana em termos de negociações comerciais, o governo brasileiro deveria ter razões adicionais para ser cauteloso. Trump tem uma visão basicamente mercantilista das relações internacionais, que interpreta a existência de déficits comerciais como uma evidência de que os demais países tiram vantagens dos Estados Unidos.
Um alerta para o Brasil nesse sentido foi a recente decisão do governo Trump de suspender o tratamento tarifário preferencial dado à Índia por fazer parte do Sistema Geral de Preferências (SGP), que beneficia países em desenvolvimento, e do qual o Brasil também é parte. A alegação da administração Trump foi que a Índia não teria sido capaz de assegurar aos Estados Unidos, que tem um déficit comercial de mais de 20 bilhões de dólares com o país, um “acesso razoável e equitativo” ao mercado indiano. Isso, apesar de o país ser um importante aliado dos Estados Unidos e o primeiro-ministro Narendra Modi ter boa relação pessoal com Trump.
A vantagem de Bolsonaro é que os Estados Unidos possuem um superávit comercial com o Brasil que mais do que dobrou entre 2016 e 2018. Mas isso não vai adiantar de nada se o presidente não agir estrategicamente e priorizar relações pessoais de curto prazo.
*Carlos Gustavo Poggio é professor dos cursos de relações internacionais da FAAP e da PUC-SP, do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas, e coordenador do NEPEU – Núcleo de Estudos sobre a Política Externa dos Estados Unidos.