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quinta-feira, 2 de novembro de 2023

NA GUERRA DA PROPAGANDA NÃO TEM SAÍDA PARA ISRAEL - Augusto de Franco

NA GUERRA DA PROPAGANDA NÃO TEM SAÍDA PARA ISRAEL

Augusto de Franco

1 - Israel está perdendo a guerra da propaganda, uma vez que, ocupando o mesmo território, não há como distinguir os combatentes do Hamas, que são para todos os efeitos civis, dos civis palestinos não combatentes. 

2 - Todo o ataque de Israel será divulgado como ataque contra civis: não há instalações militares identificáveis em Gaza, os jihadistas não usam uniformes, seus bunkers são prédios civis, em geral escondidos em hospitais, escolas, mesquitas e, inclusive, sedes de organizações humanitárias internacionais.

3 - E ainda há os túneis que, como os próprios líderes do Hamas declaram, não foram feitos para proteger a população civil não-combatente de Gaza e sim para esconder os combatentes terroristas, guardar suas armas e os recursos roubados da ajuda humanitária internacional (água potável, combustível, alimentos e medicamentos).

4 - Mesmo com todo apoio das grandes nações democráticas, Israel não pode aguentar semanas ou meses desse tipo de exposição midiática, que apresenta Israel ao mundo como genocida. O show da vítima, repetido diariamente, com a contabilidade macabra das crianças mortas, das gestantes e dos doentes, dos idosos e das pessoas com necessidades especiais cruelmente assassinados, será devastador. 

5 - E não há contabilidade séria dos mortos e feridos anunciados pela propaganda do Hamas. A cada dia se acrescentam automaticamente mais mil civis mortos, dos quais 70% são de criancinhas indefesas. Militantes anti-imperialismo americano e anti-colonialismo europeu, alocados em organizações humanitárias e nas burocracias da ONU, lavam essas informações fraudulentas do Hamas, autorizando a imprensa mundial a repetir os números. Não há nome, sobrenome, fotos individuais dos mortos, não há nada - mas isso não importa.

6 - Ou seja, não tem saída. Não há como virar essa narrativa que vai se tornando hegemônica. Mesmo que os bombardeios israelense sejam paralisados, a divulgação do genocídio cometido por Israel e pelos judeus, não vai parar nas próximas décadas.

7 - Os chefes militares israelenses e a extrema-direita nacionalista no governo Bibi podem não gostar disso, mas deverão ser obrigados a engolir a realidade. Claro que, passada a fase mais crítica do conflito, o atual governo de Israel deve ser deposto pelas forças democráticas da própria sociedade israelense, sua política de ocupação da Cisjordânia deve ser radicalmente modificada e deve ser anunciado um plano para a criação do embrião de um Estado democrático de direito na Palestina.

terça-feira, 12 de setembro de 2023

A paz impossível de Putin: só depois de destruir a Ucrânia (O Globo, com agências internacionais)

 Rússia só falará de paz quando Ucrânia estiver exaurida de soldados, equipamentos e munição, diz Putin

Presidente russo disse que envio de armamentos ocidentais só vai prolongar a guerra e culpou Kiev por ausência de negociações de paz

O Globo, com agências internacionais — Vladivostok, Rússia

12/09/2023 14h43 


Em uma série de raras declarações sobre a guerra na Ucrânia, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, expôs brevemente seus pensamentos sobre o fim do conflito. De acordo com o líder russo, apenas quando Kiev estiver exaurida de soldados, equipamentos e munição, será possível um cessar-fogo duradouro.

Ao contrário de seu rival ucraniano, Volodymyr Zelensky, Putin não fala publicamente sobre os detalhes da guerra no Leste Europeu com frequência. As impressões russas, sobretudo do Kremlin, costumam ser comunicadas por porta-vozes e interlocutores. No entanto, em meio a um Fórum Econômico sediado em Vladivostok e recebendo a visita do líder norte-coreano, Kim Jong-un, que atraiu a atenção do mundo, Putin comentou em primeira mão vários detalhes da guerra.

Putin estimou que a Ucrânia já havia perdido cerca de 71 mil soldados durante a atual contraofensiva que avança lentamente no sul e no nordeste do país, afirmando que, não fosse em caso de exaustão, Kiev utilizaria qualquer cessar-fogo russo para reorganizar suas tropas e planejar novos ataques. Para o presidente russo, apenas quando Kiev parar com sua "proibição autoimposta" à negociação, conversas sobre paz poderão tomar lugar.

— Então nós veremos — disse Putin, em frase registrada pela agência britânica Reuters.

Em paralelo, o líder russo criticou as remessas de ajuda bélica e militar enviadas pela Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), sobretudo pelos EUA, a Kiev. Referindo-se diretamente às bombas de fragmentação já enviadas por Washington e aos caças F-16, de fabricação americana, que os aliados se preparam para mandar para a Ucrânia, ele disse que elas apenas prolongariam o conflito, dificultando a resolução da guerra.

— Vão entregar caças F-16. Vai mudar algo? Não acredito. Isso apenas prolongará o conflito — disse Putin. — Outra coisa é preocupante: já não há limites. Não faz muito tempo, o governo americano considerava o uso de bombas de fragmentação um crime de guerra. E afirmou isto de maneira pública.

Mil alistamentos por dia

Mais raro do que os comentários gerais sobre a guerra e as críticas ao Ocidente, Putin comentou também sobre os esforços russos para manter o volume de tropas em ação no país vizinho.

O presidente russo estimou que cerca de 500 mil pessoas se alistaram no Exército russo desde que a operação na Ucrânia foi lançada, incluindo os 300 mil anunciados publicamente pelo Kremlin no ano passado. De lá para cá, uma média de 1 mil a 1,5 mil pessoas teria se alistado por dia, segundo Putin.

 – Fizemos uma mobilização parcial, e 300 mil pessoas se alistaram. E, nos últimos seis ou sete meses, 270 mil pessoas assinaram voluntariamente contratos nas Forças Armadas e em unidades de voluntários — detalhou.

A Rússia nunca revelou quantos homens participaram da operação inicial da ofensiva na Ucrânia em fevereiro de 2022, mas fontes ocidentais estimam o número em entre 150 mil e 190 mil. Nenhum lado do conflito revela suas baixas, mas, segundo fontes ocidentais, são consideráveis.

 

 

 

terça-feira, 26 de abril de 2022

A DESTRUIÇÃO do Mercosul pelos novos bárbaros: artigo-denúncia do embaixador Rubens Barbosa (OESP)

 O governo do Bozo-Guedes tem sabotado o Mercosul na maior inconsciência do que ele representa para o Brasil, como denunciado pelo embaixador Rubens Barbosa (abaixo, em um IMPORTANTE ARTIGO, que recomendo ler).

Já num primeiro e único encontro que tive com Paulo Guedes, no primeiro semestre de 2018, constatei que ele não tinha a menor ideia do que era o Mercosul, e tampouco sabia qualquer coisa sobre política comercial. Tive de interrompê-lo imediatamente para esclarecer o que era o Mercosul, assim como contestar sua postura de apoio às medidas de Trump no terreno do sistema multilateral de comércio. Conclui que seria um desastre nessa área e tentei demonstrar a importância do Mercosul no plano microeconômico, senão no macroeconômico também. Não adiantou: os novos bárbaros estão destruindo tudo o que existia de governos anteriores. Paulo Roberto de Almeida MERCOSUL: PROJETO ESTRATÉGICO Rubens Barbosa O Estado de S. Paulo, 26/04/2022 Nos últimos quatro anos, o Mercosul foi relegado a um perigoso segundo plano. Desde a campanha eleitoral, Paulo Guedes mostrou desinteresse pelo bloco regional integrado pelo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Já como ministro da economia, declarou que o subgrupo não seria prioridade para o novo governo com a justificativa de que era restritivo e deixava o Brasil prisioneiro de alianças ideológicas. Mais recentemente, disse que o Mercosul não estava correspondendo às expectativas e que o Brasil iria levar adiante planos para a modernização do grupo e que quem não estivesse de acordo que se retirasse. Nessa linha, o Brasil propôs a redução de 20% da Tarifa Externa Comum (TEC) com forte oposição da Argentina e acabou reduzindo unilateralmente 10% da TEC para uma lista de 87% de produtos, mantendo fora o setor automotriz e o sucroalcoleiro. O Uruguai, no mesmo diapasão, propôs a flexibilização das negociações para permitir que os países membros pudessem avançar individualmente entendimentos para a conclusão de acordos comerciais, com o apoio inicial de Paulo Guedes. Agora, surge a informação de que à revelia do Mercosul, o Brasil quer fazer novo corte na TEC. A ideia gerada no Ministério da Economia é reduzir em mais 10% as alíquotas do imposto de importação de grande parte dos produtos transacionados com países de fora do bloco, sem o acordo dos parceiros do bloco, com a justificativa, sem sentido para a maioria dos produtos, de “proteção da vida e da saúde das pessoas”, no dizer oficial. Na realidade, o fim é político e tem a ver com as eleições de outubro: busca-se reduzir o preço dos produtos para tentar conter a subida da inflação, agravada pelas consequências da guerra na Ucrânia. A medida será inócua, mas trará mais desgaste para o Brasil. Para quem não sabe, o Tratado de Assunção prevê que as medidas de política comercial propostas só podem ser implementadas com o consenso de todos os países membros e que a coordenação das negociações cabe aos ministérios das relações exteriores. É verdade que o Itamaraty, nos últimos anos, vem perdendo competência em áreas que tradicionalmente coordenava, como as negociações comerciais e meio ambiente, por exemplo, mas não consta que o Tratado que criou o Mercosul tenha sido alterado. A ação isolada do Ministério da Economia deve estar causando sério incomodo ao Itamaraty não só pela descoordenação interna e inclusive com o setor privado, pelo descumprimento do Tratado de Assunção, mas sobretudo pelo fato das autoridades econômicas desconsiderarem os aspectos estratégicos do Mercosul para o Brasil. O Mercosul não é apenas um acordo econômico e comercial, mas tem uma visão de médio e longo prazo importante para os interesses do setor privado, em especial do industrial. O Mercosul passa, nos dias que correm, por um período de grandes turbulências e dificuldades. Embora abalado e sem perspectiva, a vontade política que impulsionou a criação do Mercosul em 1991 ainda está viva. O Mercosul, assim, não vai desaparecer pois nenhum dos países membros assumirá o ônus político de pedir sua dissolução. A questão é saber como o Mercosul poderá, nos próximos anos, servir aos interesses de cada um de seus membros, se permanecerá irrelevante ou se transformará em uma alavanca para o progresso da região. No caso do Brasil, o descaso com o Mercosul não ocorre por acaso. Ele se insere no quase total abandono das relações do Brasil na América do Sul. Considerações ideológicas e falta de uma visão pragmática a respeito dos acontecimentos nos últimos anos no tocante ao lugar do Brasil no mundo, na prática, isolaram o país do seu entorno geográfico, uma de suas prioridades estratégicas, segundo a Política Nacional de Defesa. Algumas decisões podem ser vistas mesmo como contrárias ao interesse brasileiro, como o fim da UNASUL. A guerra da Rússia na Ucrânia inaugura uma nova era na geopolítica e na geoeconomia global. A tendência é o mundo ficar dividido entre o Ocidente e a Eurásia (China e Rússia). O governo dos EUA já está definindo políticas comerciais restritivas para a China e para “países pouco amigos”, que mantiverem comércio e relações com o outro lado. O fortalecimento do regionalismo deverá ser uma das consequências da guerra. Com a redução do ritmo da globalização e o novo ímpeto de medidas restritivas e protecionistas, em decorrência de medidas nacionalistas e de segurança, o Brasil deveria formular uma política comercial ativa, inclusive com o estabelecimento de cadeias produtivas regionais e respeito ao meio ambiente. A América do Sul já forma uma área de livre comércio com pouco aproveitamento de parte das empresas nacionais. A crescente presença da China na Américas do Sul em concorrência com produtos brasileiros e o pouco interesse de empresas norte-americanas em desenvolver negócios e investir na região são outros fatores que uma política externa do novo governo deverá levar em conta. Espera-se que o governo que vai se iniciar em 1 de janeiro de 2023 leve em consideração essa realidade e coloque o Mercosul novamente como um projeto de grande valor estratégico e, por isso, uma prioridade para os interesses brasileiros, sob a coordenação do Itamaraty. Rubens Barbosa, primeiro coordenador nacional do Mercosul e presidente do IRICE

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Sobre o futuro doloroso da imagem e da credibilidade internacionais do Brasil - Paulo Roberto de Almeida

 Sobre o futuro doloroso da imagem e da credibilidade internacionais do Brasil

Paulo Roberto de Almeida


A recuperação pós-Bozo vai ser muito lenta e bem difícil: o mundo não aceitará qualquer frase do Brasil ao estilo “daqui prá frente tudo vai ser diferente”. 

Precisaremos provar nos fatos e isso pode demorar; muita coisa foi desmantelada ou destruída. Levará alguns anos para restaurar nossa dignidade externa!


O acordo Mercosul-UE, por exemplo, vai ter de aguardar a redução provada e confirmada da destruição do meio ambiente, que atingiu proporções amazônicas para ser revertida em pouco tempo. Grileiros, garimpeiros, invasores de terras públicas se estenderam por todo o país. Violência contra minorias sexuais, armamentismo e negacionismo se tornaram endêmicos no país, cada vez com maior desfaçatez e ousadia. 


E nem tudo é resultado de ignorância ou pobreza: camadas privilegiadas da população, certas corporações organizadas foram conquistadas pela ideologia da exclusão e da violência, a vulgaridade e o rebaixamento culturais foram muito longes.  

Quadros formados e produtivos, pessoas de classe média já programaram deixar o país, pois a corrupção oficial, a captura do Estado e a deterioração do ambiente geral de vida e de trabalho foram levados a patamares inaceitáveis. 

A divisão do país, antes “apenas” social — dados os níveis “africanos” de desigualdade distributiva — se estendeu ao âmbito societal e nacional, com o reforço da cultura do ódio e as práticas de eliminação do “adversário”. 

Sim, a reconstrução de uma sociedade decente e a restauração da imagem do Brasil no mundo vão ser muito difíceis. 

A destruição foi longe demais.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 19/02/2022

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Governo está destruindo o Mercosul, na maior irresponsabilidade - Janaína Figueiredo (O Globo)

 'O Brasil quer olhar para o mundo e se for com o Mercosul ótimo, senão vamos sozinhos', diz secretário de Comércio brasileiro

Às vésperas de cúpula presidencial, Lucas Ferraz faz um diagnóstico do bloco e alerta para fortes tensões com Uruguai e Argentina

Janaína Figueiredo
O Globo, 13/12/2021 

RIO — Os quatro países do Mercosul chegarão à próxima cúpula de ministros e presidentes do bloco, nos dias 16 e 17 de dezembro, com tensões que envolvem a política mas, também, dificuldades de chegar a acordos técnicos.

Em entrevista ao GLOBO, o secretário de Comércio do governo brasileiro, Lucas Ferraz, afirmou que “se o Mercosul não fizer as reformas necessárias, em matéria de redução de tarifas e flexibilidade negociadora, está  fadado à irrelevância”.

O principal negociador da equipe econômica enfatizou que “o Brasil não quer sair ou abandonar o Mercosul”, mas defende um processo de modernização necessário: “O Brasil quer mais, quer olhar para o mundo. Se puder ser com o Mercosul ótimo, senão, vamos sozinhos”.

Qual é sua sensação pós acordo com a Argentina para reduzir a Tarifa Externa Comum (TEC), que taxa produtos de fora do bloco?

O Brasil conseguiu o acordo possível, aquém, claro, do que queríamos. Sempre defendemos um corte (de 10%) linear, cobrindo 100% do universo tarifário.

A primeira proposta da Argentina chegava a 75%, e o acordo possível foi a cobertura de 87%, ficando excluídos, basicamente, têxteis, calçados e parte do setor automotivo, as autopeças e automóveis que têm tarifas de importação acima de 14%. Isso ficou fora a pedido da Argentina.

Para o Brasil, a reforma da TEC não parou aí. A ideia é insistir nos 100% já no ano que vem, e que tenhamos mais um corte de 10%, totalizando 20%. Estamos trabalhando com esse horizonte.

Ainda neste governo?

Sim, neste governo. Este corte foi baseado no artigo 50 do Tratado de Montevidéu. Fizemos isso como medida de abertura comercial e de minimização dos impactos inflacionários. Não houve muito ruído, nós já tínhamos acordado isso com a Argentina.

Acho que o governo argentino entendeu o momento complicado em termos inflacionários que tanto o Brasil quanto o mundo inteiro está passando e foi construtivo. O Paraguai também. Só não conseguimos anunciar uma redução efetiva da TEC em todo o bloco por conta da posição do Uruguai.

A sensação de muitos era de que se Brasil e Argentina não tivessem conseguido chegar a um acordo o Mercosul corria sérios riscos…

Nossa visão é de que se o Mercosul não fizer as reformas necessárias, principalmente da TEC e de flexibilização negociadora, o bloco esta fadado à irrelevância. O Mercosul, antes do Tratado de Assunção, em 1991, representava 8% das trocas comerciais do Brasil. Oito anos depois, chegou a 18% e, hoje, representa 6%.

Não é que o Brasil seja contra o Mercosul, ou queira sair ou destruir o Mercosul, muito pelo contrário. Nosso entendimento é de que o Mercosul é tão importante que ele precisa ser reformado.

Precisamos alinhar nossa TEC à média dos países em nível de desenvolvimento similar aos do Mercosul, e precisamos de mais flexibilidade negociadora, por conta da complexidade de uma negociação conjunta dos quatro sócios.

Existe uma falsa visão de que o Mercosul senta junto numa mesa para negociar. Quando sentamos, cada um dos quatro sócios está buscando seus próprios interesses.

Na maioria das vezes, os interesses são conflitantes. A flexibilidade já é uma realidade que se impôs, por exemplo, no acordo da Coreia do Sul.

A Argentina não participa da negociação de bens e regras de origem. A discussão da flexibilidade vai ter de acontecer em algum momento, até para ter o cobertor jurídico para o que está acontecendo hoje.

Esse ponto explica a tensão com o Uruguai neste momento?

Veja, o governo brasileiro está alinhado com o Uruguai no sentido de que o Mercosul precisa entregar mais resultados e que pra isso precisa de flexibilidade negociadora. O que ainda não está maduro no governo brasileiro é o que se entende por flexibilidade negociadora.

Diante da atitude que soberanamente o Uruguai tomou de anunciar uma negociação com a China, do ponto de vista do Ministério da Economia, não há problema legal, até porque a resolução 32.00 (que exige consenso em negociações externas) nunca foi internalizada. Mas dentro do governo brasileiro essa posição ainda não é uníssona.

O Itamaraty tem uma posição mais conservadora, acha que o Tratado de Assunção gera um impedimento. Temos um saudável debate interno, que dificulta poder dar ao Uruguai um posicionamento do Brasil como o Uruguai espera.

Mas o Brasil entende que deve haver flexibilidade, o próprio presidente Jair Bolsonaro já defendeu isso em cúpulas, falta uma definição clara de qual seria o formato dessa flexibilidade.

A Argentina, por sua vez, não aceita a flexibilidade.

Argentina e Paraguai têm resistência maior e entendem que contraria o Tratado de Assunção.

O Uruguai está condicionando sua adesão à redução da TEC a que o Brasil, principalmente, dê um apoio explícito e contundente à flexibilidade. Se isso não vai acontecer, agora, corre perigo o acordo sobre a TEC?

Será uma decisão de cada um. O Brasil se apoia numa cláusula de exceção do Tratado de Montevideo. Nada impede que outros façam o mesmo. Ao que parece, não há sentimento de urgência por parte dos outros países.

O Brasil fez isso por uma emergência, pelo nosso entendimento de que precisamos de um choque de oferta para minimizar os impactos inflacionários que, como já disse, é um problema global. Fizemos isso de uma forma unilateral, mas é algo provisório. Vamos lutar para que seja uma redução oficial entre os quatro sócios do Mercosul.

Essa decisão que fizemos é válida até o final de 2022. Nossa ideia é de que até janeiro os quatro sócios  façam o mesmo movimento.

O Uruguai não é contra, mas quer um pacote completo mais ambicioso. Agora, o governo brasileiro já se manifestou e não vai se opor ao início das negociações do Uruguai com a China ou qualquer outro país.

Qualquer país pode anunciar negociações, no único momento que teremos uma questão legal é quando esse acordo tiver de ser internalizado, o que vai demorar anos. A segurança jurídica que o Uruguai pretende só virá se for uma decisão do Mercosul.

Na última cúpula a declaração final, pela primeira vez, foi assinada apenas por três países. Qual é seu diagnóstico hoje do Mercosul?

Vejo o Mercosul com otimismo, você não rompe um equilíbrio de 30 anos sem quebrar alguns ovos. O processo atual é o início de um processo de modernização necessário e já tardio.

O que se discute hoje é qual o nível de reforma que o bloco precisa. Do lado do Brasil, Uruguai e Paraguai está claro que o Mercosul precisa de mais abertura comercial, de maior inserção internacional, que se dá por meio da redução da TEC e mais acordos regionais.

Existe debate interno e a política, naturalmente, interfere. O Brasil tem claro que o Mercosul não serviu ao seu propósito, não houve aumento da inserção internacional.

Temos uma das TECs mais altas do mundo, o menor número de acordo regionais do mundo, então, nos perguntamos para que serve esse arranjo. A União Europeia (UE), por exemplo, tem um comércio intra-bloco muito forte, mas é também um dos maiores players internacionais.

Quando pensamos o que o Brasil poderia ter ganho e não ganhou porque ficou amarrado num bloco pouco dinâmico nos perguntamos a razão disso. O único diagnóstico possível é que na verdade o Mercosul serviu esse tempo todo como grande projeto de reserva de mercado. Ao contrário, queremos um Mercosul que sirva como uma plataforma de maior integração global para os sócios.  

Como se concilia esse diagnóstico com uma Argentina cada vez mais fechada, por conta da escassez de dólares?

Há o reconhecimento por parte do Brasil de que existe um problema macroeconômico de vulnerabilidade externa alto na Argentina, e não é do interesse brasileiro prejudicar mais o país. Por isso, em todo esse processo de reforma da TEC o governo brasileiro vem dizendo que a Argentina não precisa acompanhar o Brasil nesse momento, o que pedimos é um waiver (permissão), ou seja, nós reduzimos a tarifa agora e eles nos acompanham lá na frente. Mas a Argentina resiste, porque perde a reserva de mercado.

O custo dessa reserva de mercado é maior para a maior economia do bloco. Qual é o benefício que isso traz para o Brasil? Então, tudo bem, queremos manter nosso bloco, mas o Brasil quer mais, quer olhar para o mundo. Se puder ser com o Mercosul ótimo, senão, vamos sozinhos.

Do ponto de vista técnico, o Mercosul tem conseguido chegar a acordos. Até que ponto a política e questões como a relação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o atual governo argentino atrapalham?

Se a economia tivesse a palavra final no Mercosul, é muito provável que o Mercosul não existisse mais, tal como ele é hoje. Existe porque a política falou mais alto. Não me refiro a este governo, me refiro aos últimos 30 anos. Esse modelo do Mercosul rígido e pouco dinâmico só existe porque a decisão final foi e é da política, ou seja, gostemos ou não, há que se reconhecer a legitimidade dessas decisões.

O papel dos técnicos e apontar o que se ganha e o que se perde mantendo ou modificando as coisas. Se a política vai atrapalhar ou não ano que vem (pelas eleições no Brasil e a proximidade entre Lula e o governo argentino), o tempo nos dirá.

https://oglobo.globo.com/economia/o-brasil-quer-olhar-para-mundo-se-for-com-mercosul-otimo-senao-vamos-sozinhos-diz-secretario-de-comercio-brasileiro-1-25317192

sexta-feira, 14 de maio de 2021

domingo, 13 de dezembro de 2020

"A missão do Tradicionalismo é destruir o que existe": entrevista Benjamin Teitelbaum - Leticia Duarte (El Pais)

 O autor de War for Eternity confirma: Olavo de Carvalho, a que eu chamo de Rasputin de Subúrbio, é basicamente um confuso tradicionalista, sem muita consistência nas ideias.

Como ele foi desprezado pela mídia, pela academia, pelas próprias elites, ele ficou com raiva, ressentimento e por isso juntou um bando de desmiolados, inclusive e sobretudo a família presidencial, para cumprirem sua tarefa de Anjo Exterminador. Sendo um subsofista expatriado, ele junta todos os malucos que estão em volta dele, com essa missão específica: DESTRUIR TUDO O QUE EXISTE

Paulo Roberto de Almeida

BENJAMIN TEITELBAUM, AUTOR DE 'GUERRA PELA ETERNIDADE' E PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DO COLORADO

“Destruição é a agenda do Tradicionalismo”, a ideologia por trás de Bolsonaro e Trump

Benjamin Teitelbaum passou 15 meses entrevistando os principais ideólogos conservadores atuais para escrever ‘Guerra pela eternidade’, que mostra a relação entre os gurus Olavo de Carvalho e Steve Bannon com esta ideologia antimodernista e de fundamentos religiosos

O pesquisador da extrema direita e etnógrafo americano Benjamin Teitelbaum.
O pesquisador da extrema direita e etnógrafo americano Benjamin Teitelbaum.
ED. UNICAMP
LETÍCIA DUARTE

Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, a escalada populista com flerte autoritário dos Governos de Jair Bolsonaro Donald Trump suscita comparações com o fascismo. Mas para o pesquisador da extrema direita e etnógrafo norte-americano Benjamin Teitelbaum, autor do livro Guerra pela rternidade (Editora da Unicamp, War for eternity: inside Bannon’s far-right circle ―no título original, em inglês), a cruzada em curso contra valores modernos e democráticos nos dois países pode ser melhor compreendida a partir de uma outra doutrina menos conhecida, o Tradicionalismo (com ‘T’ maiúsculo, para diferenciá-lo do conservadorismo tradicional). Não que a alternativa seja melhor, o autor se apressa em esclarecer.

Baseado em mais de 15 meses de pesquisa e entrevistas com ideólogos conservadores como o ex-estrategista da Casa Branca Steve Bannon, o guru do Bolsonarismo, Olavo de Carvalho, e o conselheiro do presidente russo Vladimir Putin, Aleksandr Dugin, Teitelbaum descreve em seu livro como essa teoria obscura seguida por eles têm influenciando os governos dos Estados Unidos, do Brasil e da Rússia.

Nesta entrevista concedida por vídeochamada ao EL PAÍS, o professor de Assuntos Internacionais e Etnomusicologia da Universidade do Colorado (EUA) explica por que ele considera esta ideologia mais radical em suas concepções antimodernistas do que o próprio fascismo. “Há um elemento de destruição no Tradicionalismo que não necessariamente existe no fascismo”, alerta. Mesmo após a derrota de Trump e a prisão de Bannon (sob acusação de desvio de recursos para a construção do muro entre os EUA e o México), o autor avalia que as forças que eles representam continuarão vivas —e testando as instituições democráticas. Também examina como o Tradicionalismo legitima desde o racismoaté a propagação de teorias conspiratórias em relação à pandemia do coronavírus.

Pergunta. Seu livro descreve como o Tradicionalismo, que até pouco tempo era considerada uma doutrina marginal dentro da própria extrema direita, alcançou influência global. Para quem ainda não leu o livro, como o senhor sintetizaria essa doutrina?

Resposta. O Tradicionalismo é originalmente uma escola espiritual filosófica que se tornou política em certo nicho. Os seguidores basicamente acreditam que a humanidade está ao fim de um longo ciclo de declínio e que vai ser concluído com destruição e renascimento. O que foi perdido neste ciclo de declínio foi o conhecimento verdadeiro da religião e também a ordem nas nossas sociedades —incluindo a diferença entre homens e mulheres, posições sociais e espirituais. No lugar disso, teríamos um mundo massificado e secularizado, neste processo de modernização. O Tradicionalismo acredita que é preciso haver um cataclismo para restaurar o que acreditam ser a verdade. Um dos elementos desse Tradicionalismo politizado de direita é acreditar que é preciso restaurar uma hierarquia onde homens arianos e líderes espirituais estão no topo, em oposição a materialistas, não-arianos e mulheres.

P. Quais as principais consequências do Tradicionalismo, e o que mais lhe surpreendeu durante a pesquisa para o livro?

R. Vou começar pelo fim. A grande consequência é que o Tradicionalismo acrescenta uma motivação espiritual para o que poderia ser simplesmente uma agenda política do populismo de direita, antiglobalista, antiprogressista. As pessoas podem aderir a isso por diferentes razões, como ressentimento econômico, racismo, antifeminismo… Mas o Tradicionalismo oferece uma motivação religiosa. E esse é um elemento importante. No caso de Olavo de Carvalho, por exemplo, ele não expressa apenas um ódio às elites, desprezo à ciência, à mídia, às universidades. Existe também a visão, um certo mandato espiritual, com o desejo de destruir grandes organizações, como a União Europeia, as Nações Unidas. A seus olhos, a destruição é uma coisa boa. Isso é assustador e preocupante. Os tradicionalistas acham que essas grandes organizações querem unificar e homogeneizar o mundo com o comunismo, ou com dominação chinesa. Então Olavo quer ver o establishment no Brasil ser quebrado em peças e fraturado: sejam os militares, a universidade, a mídia. Destruição é a agenda.

O que me surpreendeu é que não sei por que isso aconteceu agora. Olavo, Bannon e Dugin são bem diferentes. Não conseguem trabalhar juntos, não é um círculo funcional. Mas o estranho é que essas ideias extremas acabaram vindo à tona basicamente no mesmo momento, e não pelas mãos de Bolsonaro, Trump, e Putin, mas pelas mãos das figuras atrás deles, como uma espécie de Rasputin... os conselheiros místicos, influentes.

P. Desde a publicação do livro nos Estados Unidos, no início deste ano, o cenário político mudou. Bannon foi para a prisão e Trump perdeu as eleições. Como você interpreta essas mudanças?

R. Eu sinto quase como se isso pudesse liberar a verdadeira mensagem do livro, porque o real sujeito do livro não são as ações de Bannon, Olavo e Dugin. É a história mais ampla por trás disso, para entender por que em lugares diferentes, com trajetórias independentes, vimos essa ideologia aparecer. A história não é sobre a ação de indivíduos. É sobre o que está por trás disso tudo, porque nos encontramos em um momento em que as pessoas estão buscando ideologias que parecem destoar tanto do padrão. E essa ideologia não é o comunismo, não é liberalismo, não é fascismo. O Tradicionalismo é tão fora do mapa que nenhum cientista político, nenhuma think tank em Washington, ninguém no Congresso e nenhum candidato à presidência jamais ouviu falar dele. E esse movimento ainda assim se sustenta. Há tanto desencanto, tanta frustração com o status quo, que nós vemos atores buscando alternativas radicais.

P. Vários pesquisadores vêm definindo essa guinada populista de direita que estamos vivendo em países como Brasil e Estados Unidos como uma retomada do fascismo. Você discorda, então?

R. Eu discordo, e isso não é pra dizer que eu acho que é melhor. Essa definição é errada, e há um certo nível de falta de interesse e rigor que leva a essa caracterização como fascismo. Mas o único jeito de compreender essa ideologia é levá-la a sério e ouvir o que ela realmente diz, em vez de olhar apenas a fachada. O Tradicionalismo é anti-progressista num nível que raramente vemos. Muitas pessoas costumam chamar a si mesmas de conservadoras, mas quase todo mundo no campo conservador é basicamente progressista no mundo ocidental. Elas acreditam que, se você reduzir as regulações governamentais do capitalismo e aumentar a liberdade individual sobre a propriedade, você pode criar uma sociedade melhor. Eles não são nostálgicos. O Tradicionalismo vai na direção diametralmente oposta. Eles não acreditam que é possível mudar ou melhorar a história, acham que é preciso desfazer todo o mal feito para as nossas sociedades, e isso não significa voltar apenas décadas para trás, mas séculos.

P. Qual a principal diferença entre o fascismo e o Tradicionalismo?

R. O fascismo é futurista, modernista, a despeito de tudo. Hitler e Mussolini queriam transformar radicalmente suas sociedades, revolucioná-las. O Tradicionalismo vai na direção contrária: quer voltar para trás, num nível que ninguém leva muito a sério. E é nesse ponto que as ideologias se separam. Ambas se opõem ao feminismo, ao multiculturalismo, às políticas emancipatórias contemporâneas. Mas as diferenças são significativas. Há um elemento de destruição no Tradicionalismo que não necessariamente existe no fascismo.

P. Você descreve no livro que certos autores tradicionalistas, como o italiano Julius Evola, colaboraram com o fascismo e com o nazismo. Qual o marco dessa separação ideológica?

R. O fascismo historicamente era amistoso com a ideia de modernização e com o pensamento científico. Quando Evola rompeu com os nazistas, foi justamente quando ele achou que eles estavam sendo materialistas demais, científicos demais. O entendimento de raça dos nazistas era visto como muito modernista e biológico para ele. O grande contexto é que o Tradicionalismo é cético em relação à ciência. E não acho que seja coincidência que pessoas na administração Bolsonaro, como Ernesto Araújo, e o próprio Olavo e pessoas de seu círculo, que leem e celebram o trabalho de autores como Guénon [o francês René Guénon, patriarca do Tradicionalismo] e Julius Evola, sejam também os mais adeptos a teorias da conspiração em relação ao coronavírus. Isso não é muito facilmente explicável olhando para o fascismo. É muito mais fácil de entender pelas lentes do Tradicionalismo.

P. Um ingrediente comum das teorias da conspiração em relação ao coronavírus é culpar a China pela pandemia. Seu livro conta que Bannon recebeu um milhão de dólares para militar contra o Partido Comunista Chinês. Não parece ser coincidência que, antes de ser preso, Bannon também tenha sido um dos primeiros a articular essa narrativa conspiratória do “vírus chinês”. No Brasil, vemos o mesmo discurso contra a China. Por que esta questão é tão crucial?

R. No caso de Bolsonaro, isso parece se justificar por uma oposição ao comunismo. Mas, para Bannon e Ernesto Araújo, há uma questão mais específica: o fato de a China ser secular, antirreligião, e ao mesmo tempo massificante, globalizante, por estar eliminando fronteiras. Isso é um problema para os nacionalistas. Não por acaso, Araújo escreveu em seu blog meses atrás que o maior problema não era o fato de a China ser um país contra o capitalismo, mas por ser contra o espírito. Então, para os tradicionalistas, a China não é uma vilã apenas pela questão econômica, mas é um demônio metafísico.

P. Como você vê o papel do Olavo nesse contexto?

R. Comparando com os outros, Olavo é ao mesmo tempo o mais tradicionalista de todos e também o menos. É mais porque não há um partido tradicionalista oficial, um clube, então o único jeito de ser oficialmente afiliado é ser iniciado em um centro religioso afiliado às ideias de Guénon, por exemplo, que podem ser centros hare krishna ou tariqas muçulmanas sufistas. E Olavo foi iniciado numa dessas linhas muçulmanas. Essas são credenciais tradicionalistas muito antigas, que são passadas por uma longa rede de pessoas. Mas olhando para Olavo hoje, ele não segue o Tradicionalismo de forma ortodoxa. É como se o Tradicionalismo fosse um tempero em seu pensamento. E isso é comum entre os tradicionalistas, pessoas que são inspiradas por essas ideias, mas as misturam com outras. E esse parece ser o caso de Olavo.

Jair Bolsonaro ao lado do ideólogo de extrema direita Olavo de Carvalho e do chanceler Ernesto Araújo, em meados de 2019.
Jair Bolsonaro ao lado do ideólogo de extrema direita Olavo de Carvalho e do chanceler Ernesto Araújo, em meados de 2019.ALAN SANTOS / AFP

P. Depois da publicação, o Olavo atacou você, classificando-o como mentiroso.

R. Olavo disse que eu era um mentiroso, mas ele nunca respondeu quando eu enviei para ele um capítulo do livro antes da publicação. Os documentos que reuni mostram basicamente que Olavo se converteu ao islã, era chamado de Sidi Muhammad. E eu acredito que ele ainda seja, de acordo com algumas tradições religiosas.

P. Você disse que Olavo foi o “pior” dos seus entrevistados, o que reagiu de forma mais furiosa à publicação do livro. Por que você acha que Olavo teve a pior reação?

R. Eu acho que há duas coisas: primeiro, que ele ficou um pouco envergonhado de eu expor sua ligação com a tariqa do Schuon [Frithjof Schuon, herdeiro intelectual de Guénon], porque isso contradiz a imagem que ele projeta hoje, de um cristão zeloso. E ele fala e escreve melhor baseado em uma posição de vitimização. É mais fácil me chamar de mentiroso, em vez de ter revisado os materiais que eu havia mandado para ele com antecedência. E há uma questão de personalidade. Eu não quero fazer uma psicanálise, mas nenhum dos outros personagens pareceu tão desapontado.

P. Quando eu entrevistei Olavo, ele me disse que não tinha projeto para a sociedade, que ele só sabia o que ele era contra, não o que era a favor. Isso parece reforçar essa lógica tradicionalista de destruição.

R. Interessante você mencionar isso, porque uma das coisas mais perspicazes que o Olavo me disse durante sua entrevista foi uma frase sobre o tradicionalista René Guénon. Ele disse que Guénon estava certo em tudo o que ele rejeitava e errado sobre tudo o que ele apoiava. E, de certa forma, senti quase como se o Olavo estivesse falando de si mesmo quando estava falando isso. Ele pode criticar , mas não há meta alguma. Não há muito o que construir, é tudo sobre destruição. E se você pensar historicamente, a crítica é muito fácil. A construção de algo é que é difícil. Olhando para o pensamento conservador, a crítica que fazem ao marxismo é justamente o fato de Marx criticar tanto o capitalismo e não conseguir imaginar muito o que colocar no seu lugar.

P. Como o senhor imagina o futuro do Tradicionalismo?

R. Eu não sei quantas pessoas vão se identificar como tradicionalistas. O que eu sei é que muitos republicanos bem posicionados, trabalhando para organizações nacionais, estão mais sintonizados com o Tradicionalismo do que eu jamais imaginaria. O Tradicionalismo está circulando, e isso vem de leituras da alt right. Não é necessário que haja uma evangelização, não precisa. Steve Bannon nunca pensou em fazer isso. Essas são ideias circulando entre a direita intelectual dissidente, pessoas que querem tomar o lugar dos conservadores nos Estados Unidos. Então essas ideias são atraentes para pessoas que se consideram intelectuais e ideólogos. Mas eu acredito que isso é o sintoma de algo maior. Há uma frustração e uma insatisfação política que vai fazer com que essas pessoas continuem procurando ideólogos e pensadores que querem alternativas e mudanças radicais, que querem repensar nossa democracia. E isso pode acontecer via Tradicionalismo ou outra ideologia, mas eu acredito que continuaremos vendo essa tendência.

P. Como a derrota de Trump afeta essa tendência? O movimento se enfraquece?

R. Trump perdeu, mas ele continua sendo incrivelmente popular entre a direita. Não há nada parecido, nenhum republicano jamais recebeu tantos votos nos Estados Unidos. E além disso os republicanos ainda foram muito bem nas votações do Senado, no Congresso. Eles têm uma penetração crescente entre grupos minoritários e pessoas sem diploma. Tenho entrevistado muitos jovens republicanos e eles seguem a cartilha de Trump. Eles acreditam que Trump mostrou que, se conseguirem combinar políticas econômicas liberais com políticas sociais conservadoras, eles podem vencer os democratas. Isso deve manter a ideologia trumpista viva.

P. E como o senhor vê as perspectivas para Bolsonaro, um dos maiores aliados de Trump, após a vitória de Biden?

R. Bolsonaro tem um problema real, não vejo o mesmo potencial para ele. Me parece que ele se antecipou ao se aliar aos Estados Unidos e virar as costas para a China. Agora que os Estados Unidos subitamente se transformaram e não o querem mais como parceiro, quem serão os amigos de Bolsonaro? Acho que o que salva Bolsonaro é que nem todos os seus subordinados no setor público levam tão a sério suas ameaças à China e seguem fazendo seu trabalho para manter as relações. Se tudo o que ele diz fosse levado à risca, o Brasil estaria realmente em apuros.

Antes também tínhamos Bannon, que fazia uma boa interlocução com o governo Bolsonaro. Havia um círculo, formado por Araújo, Bannon, Olavo, o embaixador brasileiro, e Gerald Brant. Eles tinham jantares juntos, confraternizaram frequentemente, em todas as visitas, mesmo Bannon não tendo cargo oficial no Governo Trump. Agora que tudo isso implodiu, é difícil saber quem manterá o entusiasmo por Bolsonaro em Washington. Trump não se importa muito.

Steve Bannon, ex-estrategista, ao deixar a Corte Federal de Manhattan, em 20 de agosto, após ser acusado de fraude e conspiração.
Steve Bannon, ex-estrategista, ao deixar a Corte Federal de Manhattan, em 20 de agosto, após ser acusado de fraude e conspiração. ANDREW KELLY / REUTERS

P. O senhor tem formação em música. Como começou a pesquisar a extrema direita?

R. Eu era um etnomusicólogo e estava estudando a relação entre música e cultura. Estava na Suécia e ia escrever uma dissertação sobre um ritmo assimétrico na música folk sueca. Ninguém no mundo ia ler isso (risos), mas enquanto eu estava lá a extrema direita assumiu o poder no país, e eles disseram que iriam investir na música folk sueca. Achei isso interessante, e decidi entrevistá-los sobre isso. Percebi que isso significava uma grande mudança para eles. Historicamente, a extrema direita era associada à música metal skinhead white power, mas, assim que tomaram o poder, queriam transformar sua imagem. Então havia uma história ali, a história de como estavam tentando reconstruir sua imagem não pela política, mas pela música.

Esse foi o começo, há mais de uma década. O interessante é que quando eu dizia para as pessoas que era um pesquisador de música, as pessoas falavam comigo. Se eu dissesse que era jornalista, historiador, ou cientista político, certamente ficariam mais desconfiados. Quando você chega perguntando sobre sua agenda política, eles se assustam. Mas se você chega perguntando que tipo de música eles mais gostam, eles se abrem.

P. Uma pergunta que ouço com frequência é por que devemos estudar pessoas como Olavo de Carvalho, ou Bannon. Há quem diga que são malucos, radicais, e que ao escrever sobre eles estaríamos dando plataforma. Por que, na sua opinião, é importante estudá-los?

R. Eu sou um acadêmico. Sou um etnógrafo, um antropólogo. E antropólogos estudam pessoas. Acreditam que todos merecem ser estudados. Meu editor tem uma explicação diferente. Ele diz que essas pessoas geram consequências, e que por isso precisamos compreendê-las. Acho que há um outro aspecto importante: muita análise que se faz da extrema direita é realmente ruim, simplista. Existe tanto medo em contribuir para a criação de mitos que a resposta acaba sendo muito simplista, com rótulos como ‘eles são racistas’, ‘eles são nazistas’. Mas devemos prestar atenção para o fato de que esse discurso também é anti-intelectual. As pessoas ficam com medo dos detalhes, das nuances. E a consequência acaba sendo uma falta de entendimento, se perde o grande contexto. Quando você estuda um fenômeno social, as questões precisam ser bem mais amplas do que se isso é bom ou ruim.

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Quem vai invadir o Brasil para salvar a Amazonia? - Stephen Walt (Foreign Policy)

O mais ridículo é que militares, nacionalistas e soberanistas vão começar a atacar o autor, como se o que ele proclama fosse factível...
Paulo Roberto de Almeida

Who Will Save the Amazon (and How)?

It's only a matter of time until major powers try to stop climate change by any means necessary.

Aerial view of the Transamazonica Road (BR-230) near Medicilandia, Para State, Brazil on March 13, 2019.
Aerial view of the Transamazonica Road (BR-230) near Medicilandia, Para State, Brazil on March 13, 2019.  MAURO PIMENTEL/AFP/Getty Images
Aug. 5, 2025: In a televised address to the nation, U.S. President Gavin Newsom announced that he had given Brazil a one-week ultimatum to cease destructive deforestation activities in the Amazon rainforest. If Brazil did not comply, the president warned, he would order a naval blockade of Brazilian ports and airstrikes against critical Brazilian infrastructure. The president’s decision came in the aftermath of a new United Nations report cataloging the catastrophic global effects of continued rainforest destruction, which warned of a critical “tipping point” that, if reached, would trigger a rapid acceleration of global warming. Although China has stated that it would veto any U.N. Security Council resolution authorizing the use of force against Brazil, the president said that a large “coalition of concerned states” was prepared to support U.S. action. At the same time, Newsom said the United States and other countries were willing to negotiate a compensation package to mitigate the costs to Brazil for protecting the rainforest, but only if it first ceased its current efforts to accelerate development.
The above scenario is obviously far-fetched—at least I think it is—but how far would you go to prevent irreversible environmental damage? In particular, do states have the right—or even the obligation—to intervene in a foreign country in order to prevent it from causing irreversible and possibly catastrophic harm to the environment?
I raise this issue in light of the news that Brazilian President Jair Bolsonaro is accelerating development of the Amazon rainforest (60 percent of which is in Brazilian hands), thereby imperiling a critical global resource. As those of you with more respect for science than Bolsonaro know, the rainforest is both an important carbon sink and a critical temperature regulator, as well as a key source of fresh water. Deforestation has already damaged its ability to perform these crucial roles, and scientists in Brazilian estimate that increasingly warm and dry conditions could convert much of the forest to dry savanna, with potentially catastrophic effects. Last week, the pro-business, free market-oriented Economist magazine’s cover story was “Deathwatch for the Amazon,” which frames the issue rather nicely. To restate my original question: What should (or must) the international community do to prevent a misguided Brazilian president (or political leaders in other countries) from taking actions that could harm all of us?
This is where it gets tricky. State sovereignty is a critical element of the current international system; with certain exceptions, national governments are free to do whatever they want inside their own borders. Even so, the hard shell of sovereignty has never been absolute, and various forces have been chipping away at it for a long time. States can be sanctioned for violating international law (e.g., by defying U.N. Security Council resolutions), and international law authorizes countries to go to war for self-defense or when the Security Council authorizes military action. It’s even legal to attack another country’s territory preemptively, provided there is a well-founded basis for believing it was about to attack you first.
More controversially, the “responsibility to protect” doctrine sought to legitimate humanitarian intervention in foreign powers when the local government was unable or unwilling to protect its own people. And as a practical matter, states routinely accept infringements on their own sovereignty in order to facilitate beneficial forms of international cooperation.
When push comes to shove, however, most states resent and resist external efforts to get them to change what they are doing inside their own borders. And even though destroying the Amazon rainforest presents a clear and obvious threat to many other countries, telling Brazil to stop and threatening to take action to deter, punish, or prevent it would be a whole new ballgame. And I don’t mean to single out Brazil: It would be an equally radical step to threaten the United States or China if they refused to stop emitting so many greenhouse gases.
It’s not as if world leaders haven’t recognized the seriousness of the problem. The U.N. long regarded environmental degradation as a “threat to international peace and security,” and the former European Union foreign-policy representative Javier Solana argued in 2008 that halting climate change “should be in the mainstream of EU foreign and security policies.” Scholars have already identified various ways the Security Council could act to prevent it. As the researchers Bruce Gilley and David Kinsella wrote a few years ago, “it is at least legally feasible that the Security Council could invoke its authority under Article 42, and use military force against states it deemed threats to international peace and security by virtue of their unwillingness or inability to curb destructive activities emanating from their territories.”
The question, therefore, is how far would the international community be willing to go in order to prevent, halt, or reverse actions that might cause immense and irreparable harm to the environment on which all humans depend? It might seem far-fetched to imagine states threatening military action to prevent this today, but it becomes more likely if worst-case estimates of our climate future turn out to be correct.
But here’s a cruel paradox: The countries that are most responsible for climate change are also the least susceptible to coercion, while most of the states that might conceivably be pressured into taking action aren’t significant sources of the underlying problem. The top five greenhouse gas emitters are China, the United States, India, Russia, and Japan—four of them are nuclear weapons states, and Japan is a formidable military power in its own right. Threatening any of them with sanctions isn’t likely to work, and threatening serious military action against them is completely unrealistic. Moreover, getting the Security Council to authorize the use of force against much weaker states is unlikely, because the permanent members wouldn’t want to establish this precedent and would almost certainly veto the proposal.
This is what makes the Brazilian case more interesting. Brazil happens to be in possession of a critical global resource—for purely historical reasons—and its destruction would harm many states if not the entire planet. Unlike Belize or Burundi, what Brazil does could have a big impact. But Brazil isn’t a true great power, and threatening it with either economic sanctions or even the use of force if it refused to protect the rainforest might be feasible. To be clear: I’m not recommending this course of action either now or in the future. I’m just pointing out that Brazil might be somewhat more vulnerable to pressure than some other states are.
One can also imagine other remedies for this problem. States could certainly threaten or impose unilateral trade sanctions against environmentally irresponsible states, and private citizens could always try to organize voluntary boycotts for similar reasons. Some states have taken steps in this direction, and it is easy to imagine such measures becoming more widespread as environmental problems multiply. Alternatively, states that happen to govern environmentally sensitive territory could be paid to preserve it, in the interest of all mankind. In effect, the international community would be subsidizing environmental protection on the part of those who happen to possess the means of doing something about it.
This approach has the merit of not triggering the sort of nationalist backlash that a coercive campaign might provoke, but it might also give some countries an incentive to adopt environmentally irresponsible policies, in the hope of obtaining economic payoffs from a concerned international community.
This is all pretty speculative, and I’ve just begun thinking through some of the implications of these dilemmas. Here’s what I think I do know, however: In a world of sovereign states, each is going to do what it must to protect its interests. If the actions of some states are imperiling the future of all the rest, the possibility of serious confrontations and possibly serious conflict is going to increase. That doesn’t make the use of force inevitable, but more sustained, energetic, and imaginative efforts will be needed to prevent it.
Stephen M. Walt is the Robert and Renée Belfer professor of international relations at Harvard University.

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