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terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Governo está destruindo o Mercosul, na maior irresponsabilidade - Janaína Figueiredo (O Globo)

 'O Brasil quer olhar para o mundo e se for com o Mercosul ótimo, senão vamos sozinhos', diz secretário de Comércio brasileiro

Às vésperas de cúpula presidencial, Lucas Ferraz faz um diagnóstico do bloco e alerta para fortes tensões com Uruguai e Argentina

Janaína Figueiredo
O Globo, 13/12/2021 

RIO — Os quatro países do Mercosul chegarão à próxima cúpula de ministros e presidentes do bloco, nos dias 16 e 17 de dezembro, com tensões que envolvem a política mas, também, dificuldades de chegar a acordos técnicos.

Em entrevista ao GLOBO, o secretário de Comércio do governo brasileiro, Lucas Ferraz, afirmou que “se o Mercosul não fizer as reformas necessárias, em matéria de redução de tarifas e flexibilidade negociadora, está  fadado à irrelevância”.

O principal negociador da equipe econômica enfatizou que “o Brasil não quer sair ou abandonar o Mercosul”, mas defende um processo de modernização necessário: “O Brasil quer mais, quer olhar para o mundo. Se puder ser com o Mercosul ótimo, senão, vamos sozinhos”.

Qual é sua sensação pós acordo com a Argentina para reduzir a Tarifa Externa Comum (TEC), que taxa produtos de fora do bloco?

O Brasil conseguiu o acordo possível, aquém, claro, do que queríamos. Sempre defendemos um corte (de 10%) linear, cobrindo 100% do universo tarifário.

A primeira proposta da Argentina chegava a 75%, e o acordo possível foi a cobertura de 87%, ficando excluídos, basicamente, têxteis, calçados e parte do setor automotivo, as autopeças e automóveis que têm tarifas de importação acima de 14%. Isso ficou fora a pedido da Argentina.

Para o Brasil, a reforma da TEC não parou aí. A ideia é insistir nos 100% já no ano que vem, e que tenhamos mais um corte de 10%, totalizando 20%. Estamos trabalhando com esse horizonte.

Ainda neste governo?

Sim, neste governo. Este corte foi baseado no artigo 50 do Tratado de Montevidéu. Fizemos isso como medida de abertura comercial e de minimização dos impactos inflacionários. Não houve muito ruído, nós já tínhamos acordado isso com a Argentina.

Acho que o governo argentino entendeu o momento complicado em termos inflacionários que tanto o Brasil quanto o mundo inteiro está passando e foi construtivo. O Paraguai também. Só não conseguimos anunciar uma redução efetiva da TEC em todo o bloco por conta da posição do Uruguai.

A sensação de muitos era de que se Brasil e Argentina não tivessem conseguido chegar a um acordo o Mercosul corria sérios riscos…

Nossa visão é de que se o Mercosul não fizer as reformas necessárias, principalmente da TEC e de flexibilização negociadora, o bloco esta fadado à irrelevância. O Mercosul, antes do Tratado de Assunção, em 1991, representava 8% das trocas comerciais do Brasil. Oito anos depois, chegou a 18% e, hoje, representa 6%.

Não é que o Brasil seja contra o Mercosul, ou queira sair ou destruir o Mercosul, muito pelo contrário. Nosso entendimento é de que o Mercosul é tão importante que ele precisa ser reformado.

Precisamos alinhar nossa TEC à média dos países em nível de desenvolvimento similar aos do Mercosul, e precisamos de mais flexibilidade negociadora, por conta da complexidade de uma negociação conjunta dos quatro sócios.

Existe uma falsa visão de que o Mercosul senta junto numa mesa para negociar. Quando sentamos, cada um dos quatro sócios está buscando seus próprios interesses.

Na maioria das vezes, os interesses são conflitantes. A flexibilidade já é uma realidade que se impôs, por exemplo, no acordo da Coreia do Sul.

A Argentina não participa da negociação de bens e regras de origem. A discussão da flexibilidade vai ter de acontecer em algum momento, até para ter o cobertor jurídico para o que está acontecendo hoje.

Esse ponto explica a tensão com o Uruguai neste momento?

Veja, o governo brasileiro está alinhado com o Uruguai no sentido de que o Mercosul precisa entregar mais resultados e que pra isso precisa de flexibilidade negociadora. O que ainda não está maduro no governo brasileiro é o que se entende por flexibilidade negociadora.

Diante da atitude que soberanamente o Uruguai tomou de anunciar uma negociação com a China, do ponto de vista do Ministério da Economia, não há problema legal, até porque a resolução 32.00 (que exige consenso em negociações externas) nunca foi internalizada. Mas dentro do governo brasileiro essa posição ainda não é uníssona.

O Itamaraty tem uma posição mais conservadora, acha que o Tratado de Assunção gera um impedimento. Temos um saudável debate interno, que dificulta poder dar ao Uruguai um posicionamento do Brasil como o Uruguai espera.

Mas o Brasil entende que deve haver flexibilidade, o próprio presidente Jair Bolsonaro já defendeu isso em cúpulas, falta uma definição clara de qual seria o formato dessa flexibilidade.

A Argentina, por sua vez, não aceita a flexibilidade.

Argentina e Paraguai têm resistência maior e entendem que contraria o Tratado de Assunção.

O Uruguai está condicionando sua adesão à redução da TEC a que o Brasil, principalmente, dê um apoio explícito e contundente à flexibilidade. Se isso não vai acontecer, agora, corre perigo o acordo sobre a TEC?

Será uma decisão de cada um. O Brasil se apoia numa cláusula de exceção do Tratado de Montevideo. Nada impede que outros façam o mesmo. Ao que parece, não há sentimento de urgência por parte dos outros países.

O Brasil fez isso por uma emergência, pelo nosso entendimento de que precisamos de um choque de oferta para minimizar os impactos inflacionários que, como já disse, é um problema global. Fizemos isso de uma forma unilateral, mas é algo provisório. Vamos lutar para que seja uma redução oficial entre os quatro sócios do Mercosul.

Essa decisão que fizemos é válida até o final de 2022. Nossa ideia é de que até janeiro os quatro sócios  façam o mesmo movimento.

O Uruguai não é contra, mas quer um pacote completo mais ambicioso. Agora, o governo brasileiro já se manifestou e não vai se opor ao início das negociações do Uruguai com a China ou qualquer outro país.

Qualquer país pode anunciar negociações, no único momento que teremos uma questão legal é quando esse acordo tiver de ser internalizado, o que vai demorar anos. A segurança jurídica que o Uruguai pretende só virá se for uma decisão do Mercosul.

Na última cúpula a declaração final, pela primeira vez, foi assinada apenas por três países. Qual é seu diagnóstico hoje do Mercosul?

Vejo o Mercosul com otimismo, você não rompe um equilíbrio de 30 anos sem quebrar alguns ovos. O processo atual é o início de um processo de modernização necessário e já tardio.

O que se discute hoje é qual o nível de reforma que o bloco precisa. Do lado do Brasil, Uruguai e Paraguai está claro que o Mercosul precisa de mais abertura comercial, de maior inserção internacional, que se dá por meio da redução da TEC e mais acordos regionais.

Existe debate interno e a política, naturalmente, interfere. O Brasil tem claro que o Mercosul não serviu ao seu propósito, não houve aumento da inserção internacional.

Temos uma das TECs mais altas do mundo, o menor número de acordo regionais do mundo, então, nos perguntamos para que serve esse arranjo. A União Europeia (UE), por exemplo, tem um comércio intra-bloco muito forte, mas é também um dos maiores players internacionais.

Quando pensamos o que o Brasil poderia ter ganho e não ganhou porque ficou amarrado num bloco pouco dinâmico nos perguntamos a razão disso. O único diagnóstico possível é que na verdade o Mercosul serviu esse tempo todo como grande projeto de reserva de mercado. Ao contrário, queremos um Mercosul que sirva como uma plataforma de maior integração global para os sócios.  

Como se concilia esse diagnóstico com uma Argentina cada vez mais fechada, por conta da escassez de dólares?

Há o reconhecimento por parte do Brasil de que existe um problema macroeconômico de vulnerabilidade externa alto na Argentina, e não é do interesse brasileiro prejudicar mais o país. Por isso, em todo esse processo de reforma da TEC o governo brasileiro vem dizendo que a Argentina não precisa acompanhar o Brasil nesse momento, o que pedimos é um waiver (permissão), ou seja, nós reduzimos a tarifa agora e eles nos acompanham lá na frente. Mas a Argentina resiste, porque perde a reserva de mercado.

O custo dessa reserva de mercado é maior para a maior economia do bloco. Qual é o benefício que isso traz para o Brasil? Então, tudo bem, queremos manter nosso bloco, mas o Brasil quer mais, quer olhar para o mundo. Se puder ser com o Mercosul ótimo, senão, vamos sozinhos.

Do ponto de vista técnico, o Mercosul tem conseguido chegar a acordos. Até que ponto a política e questões como a relação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o atual governo argentino atrapalham?

Se a economia tivesse a palavra final no Mercosul, é muito provável que o Mercosul não existisse mais, tal como ele é hoje. Existe porque a política falou mais alto. Não me refiro a este governo, me refiro aos últimos 30 anos. Esse modelo do Mercosul rígido e pouco dinâmico só existe porque a decisão final foi e é da política, ou seja, gostemos ou não, há que se reconhecer a legitimidade dessas decisões.

O papel dos técnicos e apontar o que se ganha e o que se perde mantendo ou modificando as coisas. Se a política vai atrapalhar ou não ano que vem (pelas eleições no Brasil e a proximidade entre Lula e o governo argentino), o tempo nos dirá.

https://oglobo.globo.com/economia/o-brasil-quer-olhar-para-mundo-se-for-com-mercosul-otimo-senao-vamos-sozinhos-diz-secretario-de-comercio-brasileiro-1-25317192

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