Economia
'País precisa sair da armadilha do baixo crescimento', diz Maílson da Nóbrega
Saída é trocar de presidente e voltar a ter uma economia mais produtiva, aponta ex-ministro do governo Sarney, que também vê um cenário difícil para uma terceira via
Entrevista com Maílson da Nóbrega, economista e ex-ministro da Fazenda
Sonia Racy, O Estado de S.Paulo
22 de dezembro de 2021 | 05h00
Economista experiente, ministro da Fazenda nos difíceis anos de alta inflação do governo Sarney e um dos criadores da Tendências Consultoria, o hoje consultor Mailson da Nóbrega aponta dois passos que o Brasil precisa dar para voltar a respirar e ter rumo. Primeiro, trocar de presidente em 2022. Segundo, “sair da armadilha do baixo crescimento”.
Nesta conversa com Cenários, considera urgente aprovar uma reforma tributária – o projeto de lei já existe, foi coordenado pelo economista Bernard Appy. A opção escolhida pelo governo Bolsonaro, “é péssima, resume-se a reforma do Imposto de Renda”. Para 2022, ele acredita que a terceira via “é um projeto difícil”. E que, entre Lula e Bolsonaro, o petista “pode ter cometido erros”, mas “entende como funcionam as instituições e mostrou que sabe governar”. Aqui vão trechos da conversa.
Com o clima de incertezas tanto na política bem como na economia, dá para desenhar algo para próximos anos?
Acho que temos dois desafios. O primeiro é a alternância do poder em 2022 – ou seja, a substituição de Jair Bolsonaro por um presidente que saiba conduzir-se na gestão do governo e restabeleça o prestígio que o Brasil já teve na cena internacional. O segundo, sair desse cenário de baixo crescimento, a chamada armadilha da renda média. A renda per capita estagnou nos últimos 40 anos, e a razão principal foi a queda da produtividade, que é o grande fator de geração de riqueza de um país.
Mas esse problema, de baixa produtividade, vem desde os anos 80, não?
Os 80 foram o início dessa derrocada. Nos 50, 60 e 70, a produtividade trouxe o maior crescimento do Brasil de todos os tempos, o chamado milagre brasileiro de 1968 a 1973, que chegou aos 11,1% ao ano. Nos 80, isso começou a cair.
O que motivou essa virada?
Foi a queda da eficiência na economia. Temos aí fatores externos, como as crises do petróleo em 1973 e 79 e o esgotamento da estratégia de crescimento pela substituição das importações e forte intervenção dirigista do Estado. Também acabou o benefício dos campos, provocando forte migração do campo para as cidades. E, de quebra, tivemos uma piora do sistema fiscal.
Como foi isso?
O Brasil criou um sistema fiscal avançado, em 1965. Adotou-se um método de tributação de consumo dos mais modernos do mundo. Na época, era o ICM, depois ICMS e IPI. Isso foi sendo deteriorado por novas formas de tributação, que abriga hoje o PIS e o Cofins. E a Constituição de 1988 foi uma pá de cal na eficiência tributária porque, sob pressão dos governadores e prefeitos, atribuiu-se a Estados o poder de decidir sobre ICMS.
Foi uma má ideia?
Foi um desastre. Trouxe imposto sobre imposto e virou uma bagunça. Com o ICMS mudando sete vezes por semana, nenhuma empresa de atuação nacional consegue acompanhar essa loucura. Eu diria que hoje o principal fator de redução da produtividade no Brasil é o ICMS.
Existe alguma possibilidade de, um dia, termos uma boa reforma tributária?
O Brasil perdeu agora uma oportunidade de fazê-la, por meio da proposta do Centro de Cidadania Fiscal, liderada pelo Bernard Appy. Ali, pela primeira vez na história, governadores e secretários da Fazenda se puseram de acordo. Por que não emplacou? Porque os Estados depois se convenceram de que esse sistema é inviável. Hoje, a economia é cada vez mais de serviços, que já tomam 73% da economia brasileira, e há poucos serviços tributados por Estados – a grande massa deles está na área tecnológica, é tudo dos municípios. Mas acho que o projeto não está enterrado, ele pode renascer se houver uma mudança de poder em 2022.
Qual é a importância dessa alternância de poder?
É evitar a presença de um presidente despreparado como o atual, sem a menor capacidade de coordenar o jogo político e com capacidade inacreditável de dizer bobagem todo dia.
O que acha da candidatura do Lula? E da terceira via?
No nosso cenário lá na Tendências Consultoria, caminhamos para um segundo turno entre Lula e Bolsonaro no qual Lula será o vencedor. Não vemos espaço, no momento, para uma terceira via. Quanto a Bolsonaro, talvez ele veja que não tem chance de chegar ao segundo turno e tente ser deputado, para ficar a salvo de processos.
Como vê o futuro de Lula?
Ele é candidatíssimo e quer mostrar que não foi corrupto. Agora, se você me perguntar “o governo do Lula seria melhor do que o do Bolsonaro?”, não tenho dúvida em dizer que sim. Ele sabe como funcionam as instituições, já mostrou que sabe governar.
Mas ainda é cedo e muita coisa pode mudar, não?
Acho que 2022 vai ser um ano difícil, O ambiente externo é desafiador, estamos num momento de mudança na política monetária dos EUA, onde a inflação já passou dos 6%. E acho esse programa que substitui o Bolsa Família uma aposta arriscada de Bolsonaro. Na campanha, o Lula vai dizer ao eleitor, principalmente no Nordeste, que é o mesmo Bolsa Família, uma criação dele.
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