Mini reflexão sobre os “problemas” dos atuais candidatos e das nossas “elites”
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor
(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)
Começo sendo um pouquinho desrespeitoso, como convém a um contrarianista e adepto do ceticismo sadio (como se aprende lendo Balzac):
O problema do Lula é ser corrupto e mentiroso.
O do Bolsonaro é ser psicopata perverso e totalmente incompetente.
O do Moro é de ser ligeiramente esquecido sobre as traquinagens que fez enquanto juiz e de ter (ingenuamente ou forma oportunista) confiado no psicopata para levá-lo ao STF.
O do Ciro é o de pretender ser um sabe-tudo, e de insistir nisso.
Tem mais, para os demais candidatos também, pois nunca fui de poupar qualquer candidato, exigente como sou, na minha condição de eleitor alerta e consciente e de ser um cidadão instruído e participante na busca de soluções aos problemas do Brasil (eles são muitos, infinitos).
Mas vamos a uma pequena exposição sociológica e histórica sobre os nossos grandes problemas.
Todos os candidatos merecem ser reduzidos em suas respectivas faltas de humildade, ao pretenderem ser o próximo salvador da pátria. Não são! Pelo menos não sozinhos, nunca serão.
O Brasil não será salvo por um paladino solitário, que pretende encarnar todas as virtudes de um presidencialismo imperial, o pior sistema de governo que pode existir (fora da autocracia, claro). E já confesso aqui que sou parlamentarista, mas sem qualquer ilusão: sei que o regime parlamentar, num país como o Brasil, vai redundar (pelo menos numa primeira fase, 10 a 15 anos) na exacerbação das PIORES práticas do nosso estamento político altamente corrupto: patrimonialismo, nepotismo, fisiologismo, prebendalismo, aparelhamento, “emendalismo” doentio, enfim, tudo aquilo que detestamos, mas que continua a persistir no Brasil dada a baixíssima educação política do eleitor brasileiro (para não dizer falta de educação tout court).
Talvez, quem sabe, mesmo remotamente, o parlamentarismo poderá ajudar a corrigir lentamente todos os problemas brasileiros, que são muitos, mas que resumo em três principais tragédias: a não educação, a corrupção política e a insegurança judicial (que também é reflexo dos privilégios exorbitantes e das ambições individuais da alta magistratura, nossa Nomenklatura, os novos aristocratas do Ancien Régime, que aliás vivem com mais conforto e luxo do que a antiga noblesse de robe, bem mais do que a noblesse d’epée, nossos milicos, que também gastam consigo, e com seus familiares, muito mais do que deveriam).
Mas, retomo o PROBLEMA da “salvação” do Brasil, se é que ela ainda existe, isto é, se o Brasil já não foi lançado de uma espiral sem fim para o fundo do poço, um grande torvelinho apontando para um processo de declínio contínuo, uma espécie de “race to the bottom”, no qual parecem querer jogá-lo todos esses representantes das elites dominantes e dirigentes que mandam no país e seus habitantes.
ELITES: pronto, cheguei na palavra-chave que define o estado presente (o passado também) e o futuro do país. Sem pretender aderir a qualquer teoria das elites — à la Gaetano e Mosca, objetos de minhas leituras juvenis como sociólogo aprendiz —, não há como recusar o fato elementar de que, à exceção dessas hordas de bárbaros lançados desenfreadamente à conquista de territórios vizinhos, toda nação, qualquer país normalmente constituído, qualquer Estado funcional, é sempre dominado e dirigido por uma elite, mesmo quando a elite é múltipla, dispersa, não coordenada entre si, contraditória em seus desejos setoriais, eventualmente brigona e conducente a rupturas políticas frequentes (como acontecia na Itália das lutas entre guelfos e gibelinos, como bem sabiam Guiccardini e Maquiavel das Istorie Fiorentine).
Certos países, como vocês sabem, são lançados em uma inevitável decadência— aqui mesmo, ao lado, e na longínqua Ásia, em outros tempos — por falhas conjunturais de seus sistemas políticos e por falhas estruturais de seus sistemas econômicos, e SEMPRE por falta de suas elites dirigentes e dominantes, que são as que mandam, mesmo desordenadamente, no país em questão, o que ocorre muito frequentemente, mesmo em países supostamente avançados (e os EUA de Trump, com seus caipiras amestrados e dois partidos atualmente disfuncionais, não me deixam mentir).
Não sei se o Brasil já chegou a esse ponto de um declínio estrutural e longevo, inevitável ainda que imperceptível, ou se ele está apenas resvalando na beira do precipício, mas me parece evidente que suas estruturas econômicas e suas instituições políticas — nos três poderes — já se tornaram disfuncionais e autofágicas. Tudo isso por culpa da tremenda MEDIOCRIDADE de suas elites, tão evidente (quando se ouve qualquer um de seus pretensos representantes, com raras exceções) que dispenso até de oferecer exemplos.
OK, elas já eram medíocres, cegas e ignorantes, ao preservar o tráfico, a escravidão, um regime voltado unicamente aos interesses dos grandes proprietários e dos mandarins do Estado, desde a Independência, como já alertavam antes, e continuaram alertando depois, mentes preclaras, como foram Cairu, Hipólito e Bonifácio (sem conseguir se fazer ouvir pelo que comandavam aos destinos da nova nação que surgia).
Depois elas melhoraram um pouco, ao ter mais filhos educados em boas universidades estrangeiras — não tínhamos, nunca tivemos as nossas, até meados do século XX — e abertos às leituras dos melhores livros. O fato de termos acolhido refugiados, exilados e emigrantes de boa formação também ajudou: depois, os milicos e nacionalistas rastaqueras cortaram a porta de entrada desses imigrantes de qualquer tipo, ricos e pobres, a pretexto de “preservar empregos aos nacionais” e de “salvaguardar a segurança nacional”: IDIOTAS!
Seja como for, certas elites no meio do caminho melhoraram um pouco a administração do país ao se ajustarem ao que Gilberto Amado falava da República Velha: “as eleições eram falsas, mas a representação era verdadeira”, no sentido em que os “eleitos” eram membros de uma elite educada, falando direito, conhecendo as leis e dotadas de um visão cosmopolita (pois eram os únicos que viajavam, falavam Francês, ainda que fosse mais para falar com as meninas do Moulin Rouge do que para se entreter com estadistas da Europa). Depois veio a época da americanização do Brasil, com aquele jeito grosseiro do Tio Sam, mas com muito mais dinheiro do que os antigos banqueiros da City londrina. Era isso a nossa antiga elite imperial e da Velha República; tinha manias francesas, mas o dinheiro era inglês, como ainda registrava Monteiro Lobato em seu Mister Slang e o Brasil, um perfeito retrato do Brasil atrasado e corrupto da Velha República.
O próprio Lobato foi para a América e voltou americanizado, querendo dar aço e petróleo ao Brasil: não conseguiu, mas abriu os caminhos da modernização industrial com que sonhava Mauá e que seria feita pelos milicos nacionalistas e pelos parvenus da indústria, imigrantes ou os velhos barões do café reciclados nas engrenagens do novo modo de produção.
Até que fizemos bem, e o Brasil da periferia se tornou uma grande nação industrial — com as distorções do protecionismo renitente e do mercantilismo ideológico — mais até do que certos países da Europa meridional.
Tudo parecia sorrir para aquele otimismo dos “cinquenta anos em cinco” quando as ambições desmedidas de alguns governadores e a paranoia anticomunista dos milicos nos levaram a um novo golpe militar, um dos muitos que se sucediam desde a derrocada da monarquia e o advento da república, justamente por meio de um reles golpe militar. O florianismo — essa coisa do “faremos à bala” — parece que ficou incutido em muitos militares e em vários civis.
O fato é que os milicos donos do poder até que não fizeram mal no plano estritamente material e infraestrutural, mas erraram tremendamente no plano educacional, não por culpa deles inteiramente: eles vinham das boas escolas militares ou da primeira fase das “escolas republicanas”, que era de boa qualidade, mas que só alcançavam as classes médias e as camadas pobres urbanas, excluindo totalmente os desclassificados das favelas, dos subúrbios e os muitos rurícolas (ainda praticamente 50% da população).
Os militares negligenciaram a educação de massa de boa qualidade (como fizeram, por exemplo, as elites coreanas, inclusive a ditadura militar) e investiram pesadamente na superestrutura, a graduação, a pós e a P&D, o que não estava errado, mas era insuficiente e discriminatório, num país que se urbanizava, se industrializava e se democratizava socialmente (sim, a despeito da ditadura, o processo de ascensão social se ampliou e se diversificou durante o regime militar, e mesmo a cultura se ampliou e foi extremamente vibrante durante e apesar da ditadura retrógrada e censória).
Volto ao PROBLEMA das elites, pois o nó dos problemas Brasil está, continua sendo, sempre foi, a mediocridade das nossas elites, as oligárquicas, as industriais, as do mais recente agronegócio frondoso, as velhas do establishment militar, os mandarins do Estado, com destaque para a magistratura prebendalista, e até algumas elites acadêmicas, sonhadoras e distantes do povo, como costumam ser, e inclusive algumas novas elites vindas do chamado “sindicalismo alternativo”, que se adaptou rapidamente ao ambiente corrupto criado pelos vínculos estatais (e até derivaram para o sindicalismo mafioso).
Já nem preciso atacar as elites políticas, pois que, depois dos grandes tribunos da República de 1946 (alguns sobreviveram ao regime militar), o terreno foi invadido pelos representantes do corporativismo persistente, pelos oportunistas do baixo clero, pelos demagogos ignorantes e por toda uma fauna variada que se acomodou nos privilégios e mordomias criadas pelos militares (para domesticar esses “representantes do povo”) e que acabou criando esse estamento político impérvio às necessidades da nação, só interessados em seus ganhos privados a partir da “socialização dos prejuízos”, o que sempre fizeram todas as oligarquias.
O Brasil virou uma plutocracia, mas não de antigas classes privilegiadas, e sim de parvenus continuamente incorporados aos círculos dominantes e dirigentes, como os novos milionários: o “rei do cimento”, o “rei do gado”, o “rei da soja”, os “reis” de qualquer coisa, mas sempre grudados num alvará régio, numa concessão estatal, numa prebenda qualquer do poder público.
Mas, qual é o problema principal de nossas elites (e aqui retomo uma ideia do Bolívar Lamounier, que pretendia fazer dela um projeto de pesquisa)? O problema é que que essas elites NÃO FALAM ENTRE SI, além e acima de seus interesses particularistas, e da coordenação de seus interesses setoriais das associações respectivas e das confederações nacionais dos grandes ramos da economia.
Os grandes barões (vários ladrões) dessas entidades não conversam quase nada entre si, sobretudo quando se trata de “comprar” (esse é o termo) o seu senador, o seu deputado, ou quando muito para virem a Brasília reclamar (ou exigir, sob ameaça de desemprego) favores setoriais, que são concedidos isoladamente para aquele setor, mas que depois recaem sobre toda a sociedade (sob a forma de tarifas protetoras, subsídios fiscais, empréstimos e financiamentos dos bancos estatais a juros camaradas).
Esse é o PACTO PERVERSO que coíbe, dificulta, obsta ao desenvolvimento social do país, mas que privilegia, protege e promove os interesses e os ganhos da parte alta da “Belíndia” (apud Edmar Lisboa Bacha). Um pacto perverso que junta os donos do capital, os donos do dinheiro, a seus representantes políticos, alguns até representantes da “classe operária”, mas que se acomodaram no compadrio geral do dinheiro fácil.
Pode ser que a exacerbação da extração política do estamento congressual, simbolizado por todas essas emendas abusadas — que nada mais são do que um verdadeiro estupro orçamentário —, convença agora as elites dominantes a rever a sua relação com o estamento político nacional, que se transformou numa “classe em si”, no sentido marxista da palavra, além de tudo, uma classe egoísta, com representantes autistas e depravados.
Eu teria muito mais a dizer sobre os PROBLEMAS do Brasil, mas creio que estas considerações são suficientes para dar início a uma segunda série de proposições a respeito de possíveis soluções a nossos problemas mais prementes. Vale pela atenção…
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4031: 1 dezembro 2021, 6 p.
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