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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sexta-feira, 24 de junho de 2022

Confesso que errei! - Paulo Roberto de Almeida

Confesso que errei!

Paulo Roberto de Almeida


Confesso que errei: julguei que os setores mais bem informados da opinião pública, supostamente das “elites”, também exibissem algum discernimento MORAL.

Confesso que errei!


A persistência de tão grande apoio ao degenerado depois de tudo o que se sabe, e do que se VIU, também parece indicar uma extrema erosão de qualquer valor MORAL em boa parte do eleitorado brasileiro, e, o que é mais surpreendente, entre membros da suposta elite nacional. 


Parece que não existe qualquer correlação ou correspondência intuitiva entre melhor educação formal e discernimento MORAL. Não sei se é cegueira política, se é insensibilidade social, erosão ética, ou qualquer outro fator, mas o fato é que as supostas elites brasileiras deixam muito a desejar. Elas não parecem ter aquele mínimo de indignação pessoal ante o descalabro moral, ético ou simplesmente a solidariedade social com quem está passando fome, em face de todas as barbaridades perpetradas pelo degenerado. Se é que algum dia tiveram.

A julgar pelo fato de que, ao contrário do que preconizam estadistas como José Bonifácio e Hipólito da Costa, as elites que protagonizaram a Independência e a construção do Estado, da ordem e do Direito, tenham preferido ficar com — apoiar faz mais sentido — traficantes e escravistas já deveria ter permitido ter uma demonstração clara do material com que são formadas essas elites.

A julgar, hoje, pelos desatinos e pelas insanidades que vêm sendo perpetrados deliberadamente no parlamento e em outras instâncias do governo e do Estado brasileiro, pode-se considerar que as “elites” da atualidade não são muito diferentes de seus antecessores do século XIX e até do XX. Parece que a “teoria do sentimento moral” — como diria Adam Smith — não acompanhou os progressos materiais da sociedade. Permanecemos bárbaros, alguns mais bárbaros do que outros, mais indignos de serem chamados de cidadãos.

Confesso que errei!

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 24/06/2022

sexta-feira, 17 de junho de 2022

Desalento - Paulo Roberto de Almeida

 Desalento

Não creio que o Brasil consiga escapar da mediocridade atual — que é política, econômica, cultural, educacional e diplomática — em menos de duas gerações. 

Não, não sou pessimista.

Estou apenas registrando o que vejo a partir das respectivas “elites” que integram esses setores. 

Alguém vê estadistas em cada uma delas?

A miséria do debate eleitoral — se algum debate existe — confirma que eu estou absolutamente certo na constatação.

Alguém já assistiu a tamanha mediocridade num período pré-eleitoral?

Alguém já viu uma sociedade tão perdida em seu próprio presente que sequer consegue imaginar e projetar como será o seu futuro imediato, quanto mais o longínquo ou o de médio prazo?

OK, tem os argentinos, mas eles não contam.

Não conseguimos nem nos entender sobre o nosso próprio passado. Nem o STF: está sempre revisando, e alterando, jurisprudências passadas, por vezes até a doutrina. Quer mais mediocridade do que isso? Pode ser um problema mental, mas também a contaminação da corte pela mediocridade ambiente, que a tudo invade e a tudo contamina.

Depois das sete pragas do Egito, o Brasil inventou, frutificou e disseminou uma oitava: a praga da mediocridade. Ela é indissociável de nossa paisagem humana.

Repito: não estou sendo muito pessimista, apenas constatando o que vejo.

Portanto, não esperem muito destas próximas eleições: cuidem bem de si próprios, da família, invistam nos netos: pode ser que em duas gerações o Brasil melhore. Por enquanto está bravo!


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 17/06/2022

sábado, 30 de abril de 2022

Confissão de desalento ante o inevitável - Paulo Roberto de Almeida

 Confissão de desalento ante o inevitável

Paulo Roberto de Almeida

Não espero mais que o estamento político patrimonialista e corrupto corrija as deformações por ele mesmo criadas em torno do uso dos recursos públicos e se dedique a pensar os desafios da nação, além e acima do foco nos seu próprios interesses paroquiais e individuais.

Estamos nos encaminhando para um novo “curral eleitoral” em outubro, com a maioria do eleitorado focada nos dois grandes mentirosos, enquanto os “espertos” cuidam da representação proporcional, aquela que vai continuar a extorsão dos recursos públicos via deformações já criadas (os dois fundos, partidário e eleitoral, e as muitas emendas extorsivas, que dispensam parcialmente o apelo ao caixa 2).

O estamento político, inclusive ao se proteger de processos investigatórios e coibir a atuação da Justiça, está conseguindo criar uma clase de inimputáveis e impunes legais, consolidando a vergonha que já é a existência de duas categorias de cidadãos: os “normais” e pagadores de impostos, e esse estamento de mandarins do Estado dotados de mais privilégios do que os aristocratas do Ancien Regime.

Não creio que a sociedade tenha se apercebido de que está sendo subtraída em tenebrosas transações entre os próprios políticos, num total distanciamento dos problemas reais da população: desemprego, inflação, fome, insegurança pública, carência de serviços públicos em setores cruciais da vida dos cidadãos, em saúde, educação, transportes, saneamento básico, etc.

Tampouco acredito que essas distorções sejam equacionadas no futuro previsível.

Sorry por ser realista…

Paulo Roberto de Almeida

Brasilia, 30/04/2022

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Mini reflexão sobre os “problemas” dos atuais candidatos e das nossas “elites” - Paulo Roberto de Almeida

Mini reflexão sobre os “problemas” dos atuais candidatos e das nossas “elites”

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

Começo sendo um pouquinho desrespeitoso, como convém a um contrarianista e adepto do ceticismo sadio (como se aprende lendo Balzac):

O problema do Lula é ser corrupto e mentiroso.

O do Bolsonaro é ser psicopata perverso e totalmente incompetente. 

O do Moro é de ser ligeiramente esquecido sobre as traquinagens que fez enquanto juiz e de ter (ingenuamente ou forma oportunista) confiado no psicopata para levá-lo ao STF.

O do Ciro é o de pretender ser um sabe-tudo, e de insistir nisso.

Tem mais, para os demais candidatos também, pois nunca fui de poupar qualquer candidato, exigente como sou, na minha condição de eleitor alerta e consciente e de ser um cidadão instruído e participante na busca de soluções aos problemas do Brasil (eles são muitos, infinitos).

 

Mas vamos a uma pequena exposição sociológica e histórica sobre os nossos grandes problemas.

Todos os candidatos merecem ser reduzidos em suas respectivas faltas de humildade, ao pretenderem ser o próximo salvador da pátria. Não são! Pelo menos não sozinhos, nunca serão.

O Brasil não será salvo por um paladino solitário, que pretende encarnar todas as virtudes de um presidencialismo imperial, o pior sistema de governo que pode existir (fora da autocracia, claro). E já confesso aqui que sou parlamentarista, mas sem qualquer ilusão: sei que o regime parlamentar, num país como o Brasil, vai redundar (pelo menos numa primeira fase, 10 a 15 anos) na exacerbação das PIORES práticas do nosso estamento político altamente corrupto: patrimonialismo, nepotismo, fisiologismo, prebendalismo, aparelhamento, “emendalismo” doentio, enfim, tudo aquilo que detestamos, mas que continua a persistir no Brasil dada a baixíssima educação política do eleitor brasileiro (para não dizer falta de educação tout court). 

Talvez, quem sabe, mesmo remotamente, o parlamentarismo poderá ajudar a corrigir lentamente todos os problemas brasileiros, que são muitos, mas que resumo em três principais tragédias: a não educação, a corrupção política e a insegurança judicial (que também é reflexo dos privilégios exorbitantes e das ambições individuais da alta magistratura, nossa Nomenklatura, os novos aristocratas do Ancien Régime, que aliás vivem com mais conforto e luxo do que a antiga noblesse de robe, bem mais do que a noblesse d’epée, nossos milicos, que também gastam consigo, e com seus familiares, muito mais do que deveriam).

 

Mas, retomo o PROBLEMA da “salvação” do Brasil, se é que ela ainda existe, isto é, se o Brasil já não foi lançado de uma espiral sem fim para o fundo do poço, um grande torvelinho apontando para um processo de declínio contínuo, uma espécie de “race to the bottom”, no qual parecem querer jogá-lo todos esses representantes das elites dominantes e dirigentes que mandam no país e seus habitantes. 

ELITES: pronto, cheguei na palavra-chave que define o estado presente (o passado também) e o futuro do país. Sem pretender aderir a qualquer teoria das elites — à la Gaetano e Mosca, objetos de minhas leituras juvenis como sociólogo aprendiz —,  não há como recusar o fato elementar de que, à exceção dessas hordas de bárbaros lançados desenfreadamente à conquista de territórios vizinhos, toda nação, qualquer país normalmente constituído, qualquer Estado funcional, é sempre dominado e dirigido por uma elite, mesmo quando a elite é múltipla, dispersa, não coordenada entre si, contraditória em seus desejos setoriais, eventualmente brigona e conducente a rupturas políticas frequentes (como acontecia na Itália das lutas entre guelfos e gibelinos, como bem sabiam Guiccardini e Maquiavel das Istorie Fiorentine). 

 

Certos países, como vocês sabem, são lançados em uma inevitável decadência— aqui mesmo, ao lado, e na longínqua Ásia, em outros tempos — por falhas conjunturais de seus sistemas políticos e por falhas estruturais de seus sistemas econômicos, e SEMPRE por falta de suas elites dirigentes e dominantes, que são as que mandam, mesmo desordenadamente, no país em questão, o que ocorre muito frequentemente, mesmo em países supostamente avançados (e os EUA de Trump, com seus caipiras amestrados e dois partidos atualmente disfuncionais, não me deixam mentir).

Não sei se o Brasil já chegou a esse ponto de um declínio estrutural e longevo, inevitável ainda que imperceptível, ou se ele está apenas resvalando na beira do precipício, mas me parece evidente que suas estruturas econômicas e suas instituições políticas — nos três poderes — já se tornaram disfuncionais e autofágicas. Tudo isso por culpa da tremenda MEDIOCRIDADE de suas elites, tão evidente (quando se ouve qualquer um de seus pretensos representantes, com raras exceções) que dispenso até de oferecer exemplos. 

 

OK, elas já eram medíocres, cegas e ignorantes, ao preservar o tráfico, a escravidão, um regime voltado unicamente aos interesses dos grandes proprietários e dos mandarins do Estado, desde a Independência, como já alertavam antes, e continuaram alertando depois, mentes preclaras, como foram Cairu, Hipólito e Bonifácio (sem conseguir se fazer ouvir pelo que comandavam aos destinos da nova nação que surgia).

Depois elas melhoraram um pouco, ao ter mais filhos educados em boas universidades estrangeiras — não tínhamos, nunca tivemos as nossas, até meados do século XX — e abertos às leituras dos melhores livros. O fato de termos acolhido refugiados, exilados e emigrantes de boa formação também ajudou: depois, os milicos e nacionalistas rastaqueras cortaram a porta de entrada desses imigrantes de qualquer tipo, ricos e pobres, a pretexto de “preservar empregos aos nacionais” e de “salvaguardar a segurança nacional”: IDIOTAS!

Seja como for, certas elites no meio do caminho melhoraram um pouco a administração do país ao se ajustarem ao que Gilberto Amado falava da República Velha: “as eleições eram falsas, mas a representação era verdadeira”, no sentido em que os “eleitos” eram membros de uma elite educada, falando direito, conhecendo as leis e dotadas de um visão cosmopolita (pois eram os únicos que viajavam, falavam Francês, ainda que fosse mais para falar com as meninas do Moulin Rouge do que para se entreter com estadistas da Europa). Depois veio a época da americanização do Brasil, com aquele jeito grosseiro do Tio Sam, mas com muito mais dinheiro do que os antigos banqueiros da City londrina. Era isso a nossa antiga elite imperial e da Velha República; tinha manias francesas, mas o dinheiro era inglês, como ainda registrava Monteiro Lobato em seu Mister Slang e o Brasil, um perfeito retrato do Brasil atrasado e corrupto da Velha República.

O próprio Lobato foi para a América e voltou americanizado, querendo dar aço e petróleo ao Brasil: não conseguiu, mas abriu os caminhos da modernização industrial com que sonhava Mauá e que seria feita pelos milicos nacionalistas e pelos parvenus da indústria, imigrantes ou os velhos barões do café reciclados nas engrenagens do novo modo de produção.

 

Até que fizemos bem, e o Brasil da periferia se tornou uma grande nação industrial — com as distorções do protecionismo renitente e do mercantilismo ideológico — mais até do que certos países da Europa meridional.

Tudo parecia sorrir para aquele otimismo dos “cinquenta anos em cinco” quando as ambições desmedidas de alguns governadores e a paranoia anticomunista dos milicos nos levaram a um novo golpe militar, um dos muitos que se sucediam desde a derrocada da monarquia e o advento da república, justamente por meio de um reles golpe militar. O florianismo — essa coisa do “faremos à bala” — parece que ficou incutido em muitos militares e em vários civis.

O fato é que os milicos donos do poder até que não fizeram mal no plano estritamente material e infraestrutural, mas erraram tremendamente no plano educacional, não por culpa deles inteiramente: eles vinham das boas escolas militares ou da primeira fase das “escolas republicanas”, que era de boa qualidade, mas que só alcançavam as classes médias e as camadas pobres urbanas, excluindo totalmente os desclassificados das favelas, dos subúrbios e os muitos rurícolas (ainda praticamente 50% da população).

Os militares negligenciaram a educação de massa de boa qualidade (como fizeram, por exemplo, as elites coreanas, inclusive a ditadura militar) e investiram pesadamente na superestrutura, a graduação, a pós e a P&D, o que não estava errado, mas era insuficiente e discriminatório, num país que se urbanizava, se industrializava e se democratizava socialmente (sim, a despeito da ditadura, o processo de ascensão social se ampliou e se diversificou durante o regime militar, e mesmo a cultura se ampliou e foi extremamente vibrante durante e apesar da ditadura retrógrada e censória).

 

Volto ao PROBLEMA das elites, pois o nó dos problemas Brasil está, continua sendo, sempre foi, a mediocridade das nossas elites, as oligárquicas, as industriais, as do mais recente agronegócio frondoso, as velhas do establishment militar, os mandarins do Estado, com destaque para a magistratura prebendalista, e até algumas elites acadêmicas, sonhadoras e distantes do povo, como costumam ser, e inclusive algumas novas elites vindas do chamado “sindicalismo alternativo”, que se adaptou rapidamente ao ambiente corrupto criado pelos vínculos estatais (e até derivaram para o sindicalismo mafioso). 

Já nem preciso atacar as elites políticas, pois que, depois dos grandes tribunos da República de 1946 (alguns sobreviveram ao regime militar), o terreno foi invadido pelos representantes do corporativismo persistente, pelos oportunistas do baixo clero, pelos demagogos ignorantes e por toda uma fauna variada que se acomodou nos privilégios e mordomias criadas pelos militares (para domesticar esses “representantes do povo”) e que acabou criando esse estamento político impérvio às necessidades da nação, só interessados em seus ganhos privados a partir da “socialização dos prejuízos”, o que sempre fizeram todas as oligarquias.

O Brasil virou uma plutocracia, mas não de antigas classes privilegiadas, e sim de parvenus continuamente incorporados aos círculos dominantes e dirigentes, como os novos milionários: o “rei do cimento”, o “rei do gado”, o “rei da soja”, os “reis” de qualquer coisa, mas sempre grudados num alvará régio, numa concessão estatal, numa prebenda qualquer do poder público.

 

Mas, qual é o problema principal de nossas elites (e aqui retomo uma ideia do Bolívar Lamounier, que pretendia fazer dela um projeto de pesquisa)? O problema é que que essas elites NÃO FALAM ENTRE SI, além e acima de seus interesses particularistas, e da coordenação de seus interesses setoriais das associações respectivas e das confederações nacionais dos grandes ramos da economia.

Os grandes barões (vários ladrões) dessas entidades não conversam quase nada entre si, sobretudo quando se trata de “comprar” (esse é o termo) o seu senador, o seu deputado, ou quando muito para virem a Brasília reclamar (ou exigir, sob ameaça de desemprego) favores setoriais, que são concedidos isoladamente para aquele setor, mas que depois recaem sobre toda a sociedade (sob a forma de tarifas protetoras, subsídios fiscais, empréstimos e financiamentos dos bancos estatais a juros camaradas).

 

Esse é o PACTO PERVERSO que coíbe, dificulta, obsta ao desenvolvimento social do país, mas que privilegia, protege e promove os interesses e os ganhos da parte alta da “Belíndia” (apud Edmar Lisboa Bacha). Um pacto perverso que junta os donos do capital, os donos do dinheiro, a seus representantes políticos, alguns até representantes da “classe operária”, mas que se acomodaram no compadrio geral do dinheiro fácil.

Pode ser que a exacerbação da extração política do estamento congressual, simbolizado por todas essas emendas abusadas — que nada mais são do que um verdadeiro estupro orçamentário —, convença agora as elites dominantes a rever a sua relação com o estamento político nacional, que se transformou numa “classe em si”, no sentido marxista da palavra, além de tudo, uma classe egoísta, com representantes autistas e depravados.

 

Eu teria muito mais a dizer sobre os PROBLEMAS do Brasil, mas creio que estas considerações são suficientes para dar início a uma segunda série de proposições a respeito de possíveis soluções a nossos problemas mais prementes. Vale pela atenção…

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4031: 1 dezembro 2021, 6 p.

 

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Minha opinião sobre o quadro atual da desgovernança no Brasil - Paulo Roberto de Almeida

 Constatando o óbvio sobre o atual estado de desgovernança no Brasil

Paulo Roberto de Almeida

O problema (um dos problemas) do bando de novos bárbaros que desgovernam o Brasil atualmente não é que eles sejam liberais, de direita, de extrema-direita, conservadores, reacionários, anacrônicos, ou qualquer outra coisa que se encaixe naquele terço final (à direita, evidentemente) do espectro político-ideológico que normalmente costuma dividir o leque das posturas políticas da esquerda à direita, passando obviamente pelo centro e pelas variações de uma ponta à outra do espectro (que vem da Revolução francesa, ou seja, já estava um pouquinho defasado para abrigar todos os matizes da vida política contemporânea).

Esse não é o maior problema, e se fosse só isso tampouco estariam resolvidos nossos problemas atuais de desgovernança no Brasil.

O problema é muito maior e infinitamente mais complicado de resolver ou de superar, pois consiste numa realidade mais prosaica e dificilmente reparável no curto prazo ou nestas duas gerações de novos bárbaros.

Esse problema grave consiste em que os novos bárbaros — eu me refiro à pequena tribo de aloprados que cercam o titular do cargo, familiares e poucos outros assessores mais chegados — são singularmente despreparados para os cargos que ocupam, pois são ignorantes crassos, são de uma burrice congênita, de uma estupidez tão monumental, e de uma arrogância tão fenomenal que os impedem de absorver novos insumos da realidade que os cerca, e que está inteiramente disponível nos meios de comunicação tradicionais, nessa grande mídia que eles tanto desprezam, pois que traz exatamente o oposto do que eles leem habitualmente, ou que eles próprios fabricam em suas bolhas de manipulações fraudulentas, nesse universo de deformações surreais nos quais vivem os representantes da espécie.

Esses alquimistas da ignorância não conseguem aprender com as boas leituras, com a experiência alheia, com a simples observação da realidade, pois que ficam trancados na gaiola de ferro das FakeNews, na célula hermética, inviolável, de sua própria estupidez.

Esta é a realidade. Mas tem outra, ainda mais preocupante: mais da metade, talvez a grande maioria da pequena minoria estável dos que os apoiam consiste em pessoas absolutamente iguais a eles, exatamente similares aos novos bárbaros em sua ignorância crassa e estupidez irremediável. Esta é, infelizmente, a realidade de boa parte do eleitorado brasileiro, assim como é a marca distintiva do eleitorado americano que elegeu aquele estupor de presidente.

Não seria um obstáculo insuperável para a substituição dos novos bárbaros por uma tribo um pouco mais inteligente de dirigentes, em todo caso mais aberta à absorção de novos conhecimentos, se a esquerda e o centro não estivessem tão divididos nos pequenos projetos sectários, exclusivos e excludentes, que os mantêm separados e num estado de concorrência predatória entre si. 

Aparentemente, cálculos mesquinhos e experimentos individualistas no centro, na esquerda e na direita vão preservar essa fragmentação da oposição aos novos bárbaros, o que talvez leve estes últimos à conquista de mais um mandato para a desgovernança do Brasil.

Mas a divisão das oposições é apenas o obstáculo menor à recomposição de uma frente unida contra a barbárie: o principal óbice é a INCAPACIDADE DE PENSAR CLARAMENTE, a dificuldade em estabelecer um diagnóstico mais adequado da realidade e, a partir daí, formular uma estratégia de reconquista de espaços junto ao eleitorado semi-ignorante. 

O fato é que as oposições não têm nada a propor ao “popolo grasso” — aos grandes capitalistas, os donos do dinheiro — e sobretudo ao “popolo minuto”, ao Zé Povinho, que constitui a maioria do eleitorado (desinformado obviamente).

Na ausência de propostas mais tentadoras, mais inteligentes, mais sedutoras, a tendência do eleitorado é a de ficar com o que já existe, com o que já é conhecido — inclusive porque massacrado por doses maciças de propaganda enganosa —, o que dificulta qualquer perspectiva de renovação.

Não sei se os marquetólogos políticos já constataram, se os especialistas em comunicações já repararam, pois fazem praticamente dois anos (talvez mais) que somos bombardeados diariamente, constantemente, incessantemente, embrutecedoramente, pela mesma descarga maciça, avassaladora, dominadora de notícias, anúncios e peças de propaganda, pela presença irritante do mesmo personagem, 24hs por dia, sete dias da semana, todos os dias do mês: não existe um dia sequer, talvez nem um mísero minuto em que estejamos livres dessa presença desagradável, desse sujeitinho asqueroso que é o protótipo mesmo dos novos bárbaros, a ignorância em pessoa, a estupidez encarnada, a burrice deslavada, o fulcro da desgovernança em formato de dirigente.

Sorry Brasil, se não trago boas notícias (e eu não trouxe todas as más notícias, por exemplo, sobre a mediocridade de certos assessores, mesmo alguns recheados de títulos) e só dispenso banhos de ducha gelada sobre essa diminuta parcela de pertencentes à reduzida bolha de acadêmicos que me leem. A realidade é dura, para o Brasil e os brasileiros, mas a grande maioria não se dedica a reflexões aprofundadas a esse respeito: o povinho miúdo só quer sobreviver, os donos do dinheiro só querem preservar o seu patrimônio — se possível ampliá-lo, a partir da estupidez e da fragilidade intrínseca dos novos bárbaros — e os meus pares estão, estamos, reduzidos à nossa bolha acadêmica tradicional. 

Não seremos o primeiro, nem o último país a entrar e a se manter numa longa decadência, permeada de retrocessos pontuais, mesmo em meio a certos avanços materiais. Mario de Andrade já dizia, um século atrás, que o progresso também é uma fatalidade.

Pois bem: avançaremos na senda do progresso material, ao mesmo tempo em que estaremos recuando espiritualmente, retrocedendo mentalmente, culturalmente.

Pelo menos, enquanto os novos bárbaros estiverem no poder.

Termino, dizendo que a maior parte da culpa pela desunião das oposições — mas não vou poder argumentar agora, neste texto já muito longo — e pela nova derrota das forças democráticas que certamente virá,  incumbe às esquerdas, como sempre sectárias e arrogantes. Não é o centro, pois o centro está onde sempre esteve, no centro, de modo oportunista ou até sensato. As esquerdas possuem a chave da superação dos atuais impasses brasileiros. Elas estarão à altura de suas responsabilidades? Não acredito; mas sobre isso me pronunciarei oportunamente.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 7/10/2020

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Mini-reflexão sobre a falta de reflexões - Paulo Roberto de Almeida

Um trabalho escrito e divulgado em primeira mão no Facebook, na data de ontem, hoje transplantado para este espaço.


Mini-reflexão sobre a falta de reflexões

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: reflexão; finalidade: debate público]
Brasília, 4/06/2020


Influenciadores deveriam influenciar, não é mesmo?
Ou seja, espera-se que pelo menos produzam textos que façam algum sentido, que congreguem novos adeptos, ou que pelo menos aliciem os já iniciados.
Mas, para isso é preciso um mínimo de “explicações” razoáveis sobre a realidade.
Ora, não é isso o que se observa.
Até agora não vi nada de realmente aproveitável nos escritos recentes (se existem) do olavo-bolsonarismo. 
O capitão é um inepto total; os filhos não sabem pensar ou escrever; o chanceler acidental tem textos erráticos (alias denotando uma personalidade profundamente desequilibrada), e o guru não escreve mais nada, só xinga em vídeos demenciais, o que apenas revela um ser torturado pela loucura.
O que sobrou? 
Nada!
Apenas um livro, organizado por um seguidor depois decepcionado, que ainda tinha coisas antigas relativamente compreensíveis, recolhidas em diversas bases: “O Mínimo que...”, mas parou por aí.
Disso, só sobraram invectivas furiosas e expletivamente escabrosas dirigidas a supostos adversários. 
Eu aliás cai na lista dos nomes a atacar, e até a intimidar no plano profissional.
Não sou de me assustar ou de recuar ante a suprema MEDIOCRIDADE na qual os olavo-bolsonaristas jogaram o Brasil: vou continuar denunciando a obra nefasta de terra arrasada que esse ignaros autoritários pretendem instalar no país.
Como disse num de meus livros, isso seria a destruição da inteligência.
Não sem a minha resistência intelectual.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4 de junho de 2020
Divulgado no Facebook (4/06/2020; link: https://www.facebook.com/paulobooks/posts/3288023341261093).