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sábado, 11 de março de 2023

A primeira classe também cai (desindustrialização no Brasil) - Bolívar Lamounier (OESP)

A primeira classe também cai

A questão não é escolher entre a reforma econômica e a política. É ter coragem para fazer as duas ao mesmo tempo. Sem isso, cedo ou tarde vamos para o buraco

 

* Bolívar Lamounier, O Estado de São Paulo

  11 de março de 2023

 

Nem uma criança de dez anos imagina que um avião, quando cai, se divide em duas partes, a dos pobres esborrachando-se no chão e a dos ricos seguindo normalmente o voo.

Nos céus, a hipótese é delirantemente fantasiosa. Na terra, nem tanto. Já aconteceu, e aqui mesmo, entre nós. A indústria brasileira chegou a representar 27% do Produto Interno Bruto (PIB). Caiu para 11%, metade da primeira classe. Hoje, o que a sustenta, e o resto da aeronave, é a outra metade da primeira classe, principalmente a exportação de commodities, e queira Deus que o crescimento da China se mantenha.

A queda da indústria no PIB deveu-se em sua maior parte ao chamado “custo Brasil”, que talvez devesse ser rebatizado “custo Brasília”, à força da competição internacional, mas talvez em sua maior parte ao próprio empresariado industrial, que desde os tempos getulistas pretendeu assistir ao filme pagando meia-entrada, como se fosse estudante. Quebraram todos. Quebrou a indústria. Quebrou o governo. E quebraram os cinemas – essa talvez a pior perda.

No fundo, tudo se resume ao fato de o País não ter uma elite digna do nome. Desde o final do século 19, o mundo tem vivido duas situações. Ou tem uma elite bem caracterizada, mas que em certos momentos se comporta como um bando de jumentos, ou não a tem e passa a depender de um só líder. Na Alemanha, nas três primeiras décadas que precederam a 1.ª Guerra Mundial, ocorreram as duas coisas ao mesmo tempo. Havia uma cabeça capaz de pensar, a do primeiro-ministro Otto von Bismarck. Não por acaso, o Kaiser o demitiu em 1890. Em todos os outros países predominava a outra situação. Havia elites, e todas queriam a guerra contra os demais, com fins expansionistas. Foram, e aprenderam a lição: 20 milhões de mortos em combate mais 21 milhões de vítimas da gripe espanhola, consequência direta da guerr a.

Reduzidas as proporções – porque nossa briga é de cachorro pequeno –, uma situação análoga veio à tona em 1944, no debate entre Roberto Simonsen e Eugênio Gudin, e ecoava o emergente profetismo de Celso Furtado, que pregava a industrialização de qualquer jeito, pela substituição de importações, tendo como trunfo, nos anos seguintes, o abundante contingente de “paus-de-arara” que começou a vir do Nordeste e os parcos recursos que o Estado arrancava da sociedade e transferia aos industriais-estudantes. Na posição contrária, estava o economista Eugênio Gudin, que advogava um crescimento industrial balanceado entre indústria e agricultura. Recorde-se que, àquela altura, os pregoeiros da industrialização a qualquer preço viam a agropecuária como um zero à esquerda, desinformados de que a revolução pecuária já estava em marcha, deflagrada pelos fazendeiros de Uberaba, que haviam viajado à Índia para trazer os primeiros espécimes das raças zebuínas.

O problema, pois, como se vê, é que o Brasil nunca teve e não tem uma elite que se possa levar a sério. Permito-me recordar-lhes que elite não é uma casta com ares aristocráticos nem um grupo de bilionários sem vocação empresarial, que só pensa em conhecer todos os recantos do mundo. Não temos uma elite e temos, logo ali, espreitando-nos, um baita dilema. De um lado, a velha forma de crescer com recursos supridos por um Estado falido, fórmula perempta, mas que continua a contar com apoio político. Do outro, nosso longamente esperado “estalo de Vieira”: uma economia mais aberta, investimentos estrangeiros para um setor privado dinâmico, uma revolução tecnológica (como a que Estados Unidos e Japão fizeram cada um nas três últimas décadas do século 19) e uma revoluç ão política que liquide de vez a cabeça patrimonialista de nossa máquina de Estado.

O que acima foi dito leva à inevitável conclusão de que os 50% de miseráveis que vivem da mão para a boca nada podem ser responsabilizados por nenhuma ocorrida no céu ou na terra, no passado ou no futuro, com ou sem vítimas mortais. Aqui, estamos falando de um grupo que ganhou numa Mega Sena invertida, aquele que vive em favelas, nas periferias, debaixo de viadutos – ou na rua mesmo, quando até nas favelas lhe faltam vagas. Volta e meia me perguntam: “Mas não foi ela que elegeu os que mandam no País?”. É claro que foi. É a lei da oferta e da procura. Votou (com o voto obrigatório) no que lhe foi ofertado.

Queira Deus que Lula, que de Getúlio já herdou o figurino de “pai dos pobres”, não queira também herdar o de profeta da industrialização com recursos públicos inexistentes. Ou melhor, recursos existentes, mas que estão ferreamente guardados nos colchões da multidão de picaretas corporativistas e numa infinidade de patifarias insculpidas na Constituição e nas leis estaduais e municipais. A questão não é escolher entre as duas reformas acima alinhavadas, a econômica e a política. É ter coragem para fazer as duas ao mesmo tempo. Sem isso, esteja o leitor certo de que cedo ou tarde vamos para o buraco, no céu ou na terra, e qualquer que seja a nossa classe.

*CIENTISTA POLÍTICO, SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA, É MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS.

sexta-feira, 24 de junho de 2022

Confesso que errei! - Paulo Roberto de Almeida

Confesso que errei!

Paulo Roberto de Almeida


Confesso que errei: julguei que os setores mais bem informados da opinião pública, supostamente das “elites”, também exibissem algum discernimento MORAL.

Confesso que errei!


A persistência de tão grande apoio ao degenerado depois de tudo o que se sabe, e do que se VIU, também parece indicar uma extrema erosão de qualquer valor MORAL em boa parte do eleitorado brasileiro, e, o que é mais surpreendente, entre membros da suposta elite nacional. 


Parece que não existe qualquer correlação ou correspondência intuitiva entre melhor educação formal e discernimento MORAL. Não sei se é cegueira política, se é insensibilidade social, erosão ética, ou qualquer outro fator, mas o fato é que as supostas elites brasileiras deixam muito a desejar. Elas não parecem ter aquele mínimo de indignação pessoal ante o descalabro moral, ético ou simplesmente a solidariedade social com quem está passando fome, em face de todas as barbaridades perpetradas pelo degenerado. Se é que algum dia tiveram.

A julgar pelo fato de que, ao contrário do que preconizam estadistas como José Bonifácio e Hipólito da Costa, as elites que protagonizaram a Independência e a construção do Estado, da ordem e do Direito, tenham preferido ficar com — apoiar faz mais sentido — traficantes e escravistas já deveria ter permitido ter uma demonstração clara do material com que são formadas essas elites.

A julgar, hoje, pelos desatinos e pelas insanidades que vêm sendo perpetrados deliberadamente no parlamento e em outras instâncias do governo e do Estado brasileiro, pode-se considerar que as “elites” da atualidade não são muito diferentes de seus antecessores do século XIX e até do XX. Parece que a “teoria do sentimento moral” — como diria Adam Smith — não acompanhou os progressos materiais da sociedade. Permanecemos bárbaros, alguns mais bárbaros do que outros, mais indignos de serem chamados de cidadãos.

Confesso que errei!

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 24/06/2022

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Mini reflexão sobre os “problemas” dos atuais candidatos e das nossas “elites” - Paulo Roberto de Almeida

Mini reflexão sobre os “problemas” dos atuais candidatos e das nossas “elites”

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

Começo sendo um pouquinho desrespeitoso, como convém a um contrarianista e adepto do ceticismo sadio (como se aprende lendo Balzac):

O problema do Lula é ser corrupto e mentiroso.

O do Bolsonaro é ser psicopata perverso e totalmente incompetente. 

O do Moro é de ser ligeiramente esquecido sobre as traquinagens que fez enquanto juiz e de ter (ingenuamente ou forma oportunista) confiado no psicopata para levá-lo ao STF.

O do Ciro é o de pretender ser um sabe-tudo, e de insistir nisso.

Tem mais, para os demais candidatos também, pois nunca fui de poupar qualquer candidato, exigente como sou, na minha condição de eleitor alerta e consciente e de ser um cidadão instruído e participante na busca de soluções aos problemas do Brasil (eles são muitos, infinitos).

 

Mas vamos a uma pequena exposição sociológica e histórica sobre os nossos grandes problemas.

Todos os candidatos merecem ser reduzidos em suas respectivas faltas de humildade, ao pretenderem ser o próximo salvador da pátria. Não são! Pelo menos não sozinhos, nunca serão.

O Brasil não será salvo por um paladino solitário, que pretende encarnar todas as virtudes de um presidencialismo imperial, o pior sistema de governo que pode existir (fora da autocracia, claro). E já confesso aqui que sou parlamentarista, mas sem qualquer ilusão: sei que o regime parlamentar, num país como o Brasil, vai redundar (pelo menos numa primeira fase, 10 a 15 anos) na exacerbação das PIORES práticas do nosso estamento político altamente corrupto: patrimonialismo, nepotismo, fisiologismo, prebendalismo, aparelhamento, “emendalismo” doentio, enfim, tudo aquilo que detestamos, mas que continua a persistir no Brasil dada a baixíssima educação política do eleitor brasileiro (para não dizer falta de educação tout court). 

Talvez, quem sabe, mesmo remotamente, o parlamentarismo poderá ajudar a corrigir lentamente todos os problemas brasileiros, que são muitos, mas que resumo em três principais tragédias: a não educação, a corrupção política e a insegurança judicial (que também é reflexo dos privilégios exorbitantes e das ambições individuais da alta magistratura, nossa Nomenklatura, os novos aristocratas do Ancien Régime, que aliás vivem com mais conforto e luxo do que a antiga noblesse de robe, bem mais do que a noblesse d’epée, nossos milicos, que também gastam consigo, e com seus familiares, muito mais do que deveriam).

 

Mas, retomo o PROBLEMA da “salvação” do Brasil, se é que ela ainda existe, isto é, se o Brasil já não foi lançado de uma espiral sem fim para o fundo do poço, um grande torvelinho apontando para um processo de declínio contínuo, uma espécie de “race to the bottom”, no qual parecem querer jogá-lo todos esses representantes das elites dominantes e dirigentes que mandam no país e seus habitantes. 

ELITES: pronto, cheguei na palavra-chave que define o estado presente (o passado também) e o futuro do país. Sem pretender aderir a qualquer teoria das elites — à la Gaetano e Mosca, objetos de minhas leituras juvenis como sociólogo aprendiz —,  não há como recusar o fato elementar de que, à exceção dessas hordas de bárbaros lançados desenfreadamente à conquista de territórios vizinhos, toda nação, qualquer país normalmente constituído, qualquer Estado funcional, é sempre dominado e dirigido por uma elite, mesmo quando a elite é múltipla, dispersa, não coordenada entre si, contraditória em seus desejos setoriais, eventualmente brigona e conducente a rupturas políticas frequentes (como acontecia na Itália das lutas entre guelfos e gibelinos, como bem sabiam Guiccardini e Maquiavel das Istorie Fiorentine). 

 

Certos países, como vocês sabem, são lançados em uma inevitável decadência— aqui mesmo, ao lado, e na longínqua Ásia, em outros tempos — por falhas conjunturais de seus sistemas políticos e por falhas estruturais de seus sistemas econômicos, e SEMPRE por falta de suas elites dirigentes e dominantes, que são as que mandam, mesmo desordenadamente, no país em questão, o que ocorre muito frequentemente, mesmo em países supostamente avançados (e os EUA de Trump, com seus caipiras amestrados e dois partidos atualmente disfuncionais, não me deixam mentir).

Não sei se o Brasil já chegou a esse ponto de um declínio estrutural e longevo, inevitável ainda que imperceptível, ou se ele está apenas resvalando na beira do precipício, mas me parece evidente que suas estruturas econômicas e suas instituições políticas — nos três poderes — já se tornaram disfuncionais e autofágicas. Tudo isso por culpa da tremenda MEDIOCRIDADE de suas elites, tão evidente (quando se ouve qualquer um de seus pretensos representantes, com raras exceções) que dispenso até de oferecer exemplos. 

 

OK, elas já eram medíocres, cegas e ignorantes, ao preservar o tráfico, a escravidão, um regime voltado unicamente aos interesses dos grandes proprietários e dos mandarins do Estado, desde a Independência, como já alertavam antes, e continuaram alertando depois, mentes preclaras, como foram Cairu, Hipólito e Bonifácio (sem conseguir se fazer ouvir pelo que comandavam aos destinos da nova nação que surgia).

Depois elas melhoraram um pouco, ao ter mais filhos educados em boas universidades estrangeiras — não tínhamos, nunca tivemos as nossas, até meados do século XX — e abertos às leituras dos melhores livros. O fato de termos acolhido refugiados, exilados e emigrantes de boa formação também ajudou: depois, os milicos e nacionalistas rastaqueras cortaram a porta de entrada desses imigrantes de qualquer tipo, ricos e pobres, a pretexto de “preservar empregos aos nacionais” e de “salvaguardar a segurança nacional”: IDIOTAS!

Seja como for, certas elites no meio do caminho melhoraram um pouco a administração do país ao se ajustarem ao que Gilberto Amado falava da República Velha: “as eleições eram falsas, mas a representação era verdadeira”, no sentido em que os “eleitos” eram membros de uma elite educada, falando direito, conhecendo as leis e dotadas de um visão cosmopolita (pois eram os únicos que viajavam, falavam Francês, ainda que fosse mais para falar com as meninas do Moulin Rouge do que para se entreter com estadistas da Europa). Depois veio a época da americanização do Brasil, com aquele jeito grosseiro do Tio Sam, mas com muito mais dinheiro do que os antigos banqueiros da City londrina. Era isso a nossa antiga elite imperial e da Velha República; tinha manias francesas, mas o dinheiro era inglês, como ainda registrava Monteiro Lobato em seu Mister Slang e o Brasil, um perfeito retrato do Brasil atrasado e corrupto da Velha República.

O próprio Lobato foi para a América e voltou americanizado, querendo dar aço e petróleo ao Brasil: não conseguiu, mas abriu os caminhos da modernização industrial com que sonhava Mauá e que seria feita pelos milicos nacionalistas e pelos parvenus da indústria, imigrantes ou os velhos barões do café reciclados nas engrenagens do novo modo de produção.

 

Até que fizemos bem, e o Brasil da periferia se tornou uma grande nação industrial — com as distorções do protecionismo renitente e do mercantilismo ideológico — mais até do que certos países da Europa meridional.

Tudo parecia sorrir para aquele otimismo dos “cinquenta anos em cinco” quando as ambições desmedidas de alguns governadores e a paranoia anticomunista dos milicos nos levaram a um novo golpe militar, um dos muitos que se sucediam desde a derrocada da monarquia e o advento da república, justamente por meio de um reles golpe militar. O florianismo — essa coisa do “faremos à bala” — parece que ficou incutido em muitos militares e em vários civis.

O fato é que os milicos donos do poder até que não fizeram mal no plano estritamente material e infraestrutural, mas erraram tremendamente no plano educacional, não por culpa deles inteiramente: eles vinham das boas escolas militares ou da primeira fase das “escolas republicanas”, que era de boa qualidade, mas que só alcançavam as classes médias e as camadas pobres urbanas, excluindo totalmente os desclassificados das favelas, dos subúrbios e os muitos rurícolas (ainda praticamente 50% da população).

Os militares negligenciaram a educação de massa de boa qualidade (como fizeram, por exemplo, as elites coreanas, inclusive a ditadura militar) e investiram pesadamente na superestrutura, a graduação, a pós e a P&D, o que não estava errado, mas era insuficiente e discriminatório, num país que se urbanizava, se industrializava e se democratizava socialmente (sim, a despeito da ditadura, o processo de ascensão social se ampliou e se diversificou durante o regime militar, e mesmo a cultura se ampliou e foi extremamente vibrante durante e apesar da ditadura retrógrada e censória).

 

Volto ao PROBLEMA das elites, pois o nó dos problemas Brasil está, continua sendo, sempre foi, a mediocridade das nossas elites, as oligárquicas, as industriais, as do mais recente agronegócio frondoso, as velhas do establishment militar, os mandarins do Estado, com destaque para a magistratura prebendalista, e até algumas elites acadêmicas, sonhadoras e distantes do povo, como costumam ser, e inclusive algumas novas elites vindas do chamado “sindicalismo alternativo”, que se adaptou rapidamente ao ambiente corrupto criado pelos vínculos estatais (e até derivaram para o sindicalismo mafioso). 

Já nem preciso atacar as elites políticas, pois que, depois dos grandes tribunos da República de 1946 (alguns sobreviveram ao regime militar), o terreno foi invadido pelos representantes do corporativismo persistente, pelos oportunistas do baixo clero, pelos demagogos ignorantes e por toda uma fauna variada que se acomodou nos privilégios e mordomias criadas pelos militares (para domesticar esses “representantes do povo”) e que acabou criando esse estamento político impérvio às necessidades da nação, só interessados em seus ganhos privados a partir da “socialização dos prejuízos”, o que sempre fizeram todas as oligarquias.

O Brasil virou uma plutocracia, mas não de antigas classes privilegiadas, e sim de parvenus continuamente incorporados aos círculos dominantes e dirigentes, como os novos milionários: o “rei do cimento”, o “rei do gado”, o “rei da soja”, os “reis” de qualquer coisa, mas sempre grudados num alvará régio, numa concessão estatal, numa prebenda qualquer do poder público.

 

Mas, qual é o problema principal de nossas elites (e aqui retomo uma ideia do Bolívar Lamounier, que pretendia fazer dela um projeto de pesquisa)? O problema é que que essas elites NÃO FALAM ENTRE SI, além e acima de seus interesses particularistas, e da coordenação de seus interesses setoriais das associações respectivas e das confederações nacionais dos grandes ramos da economia.

Os grandes barões (vários ladrões) dessas entidades não conversam quase nada entre si, sobretudo quando se trata de “comprar” (esse é o termo) o seu senador, o seu deputado, ou quando muito para virem a Brasília reclamar (ou exigir, sob ameaça de desemprego) favores setoriais, que são concedidos isoladamente para aquele setor, mas que depois recaem sobre toda a sociedade (sob a forma de tarifas protetoras, subsídios fiscais, empréstimos e financiamentos dos bancos estatais a juros camaradas).

 

Esse é o PACTO PERVERSO que coíbe, dificulta, obsta ao desenvolvimento social do país, mas que privilegia, protege e promove os interesses e os ganhos da parte alta da “Belíndia” (apud Edmar Lisboa Bacha). Um pacto perverso que junta os donos do capital, os donos do dinheiro, a seus representantes políticos, alguns até representantes da “classe operária”, mas que se acomodaram no compadrio geral do dinheiro fácil.

Pode ser que a exacerbação da extração política do estamento congressual, simbolizado por todas essas emendas abusadas — que nada mais são do que um verdadeiro estupro orçamentário —, convença agora as elites dominantes a rever a sua relação com o estamento político nacional, que se transformou numa “classe em si”, no sentido marxista da palavra, além de tudo, uma classe egoísta, com representantes autistas e depravados.

 

Eu teria muito mais a dizer sobre os PROBLEMAS do Brasil, mas creio que estas considerações são suficientes para dar início a uma segunda série de proposições a respeito de possíveis soluções a nossos problemas mais prementes. Vale pela atenção…

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4031: 1 dezembro 2021, 6 p.

 

sábado, 6 de novembro de 2021

O que fazem as elites brasileiras? Nada?!?! - Bolivar Lamounier e Paulo Roberto de Almeida

 Transcrevo, em primeiro lugar, postagem de Bolivar Lamounier, que trata de questões sobre as quais também venho me ocupando há um bocado de tempo. Depois, coloco minha reação a seus argumentos, tambem objeto de um longo comentário meu em sua postagem original.

Com a palavra, Bolivar Lamounier:

A INSUFICIÊNCIA DAS ELITES

Bolívar Lamounier -  06.11.2021

Faz tempo que venho martelando a tecla dos riscos a que o Brasil está exposto enquanto não conseguir pelo menos dobrar sua renda média anual por habitante, que é atualmente cerca de 12 mil dólares. Não conseguir pelo menos dobrá-la é o que se chama estar aprisionado na “armadilha do baixo crescimento”. 

Ontem fiz referência a um excelente livro publicado em 1994 pela Harvard Business School Press, intitulado THE WORLD IN 2020 – POWER, CULTURE AND PROSPERITY. Nas trezentas páginas do livro, há uma única referência ao Brasil e à Argentina. Transcrevo-a: “It is quite possible that a country  like  Argentina   will recover some of the ground that it has lost this century. It will not  regain the living standards which, in relative terms,  it had a hundred years ago – it is not going to be as rich as Northern Europe or the US – but it could enjoy a period of considerable prosperity, if only it can sustain a modicum of political stability. From a brutal economic point of view, it does not need to  achieve a full-western style democracy, but what it does need is competente and corruption-free administration. Brazil, with its even greater resources , could have an  extraordinary impact on the continent, given a decade of such government”.  

Observem que o livro aponta para um futuro que NÃO aconteceu, nem na Argentina nem no Brasil, no referido período de 26 anos. Tem tudo a ver com a tese que tenho aqui martelado: a de que, nos próximos 20 anos, não temos condições de superar o  ritmo medíocre de crescimento econômico e pior ainda de redistribuição da renda e de avanço educacional, científico e tecnológico  em que afundamos (a “armadilha do baixo crescimento”). Com o sistema político disfuncional, instável e corrupto de que dispomos, vamos seguir patinando no mesmo lugar, só que pior, com mais violência e araçatubas muito mais numerosas.  

Onde devemos buscar as causas dessa tragédia? O subtítulo do livro dá uma boa indicação: “power, culture and prosperity”, ou seja, a prosperity depende de dois grandes grupos de fatores, o poder e a cultura. 

Acontece que “poder” não é uma categoria que se reduza só à máquina de Estado, a forças militares e policiais e a boçais de todo tipo controlando as instituições legislativas, judiciais e administrativas. Ter eleições e através delas escolher os titulares de tais instituições é fundamental, mas não suficiente, diria mesmo totalmente insuficiente, se, subjacente às instituições, não tivermos  elites (no sentido neutro do termo, obviamente) que as ancorem, balizem e inspirem. No Brasil, o termo elite designa alguns milhares de indivíduos que se deram bem na vida particular, mas que não sentem responsabilidade alguma em relação ao país, que não interagem entre si em busca de soluções e, principalmente, que não falam. Um país no qual as elites não falam, não se manifestam, não expressam seus pontos de vista e preferências, é uma anedota de mau gosto.   

Em qualquer país, é possível distinguir três camadas sociais bem nítidas. A mais alta em renda e escolaridade (cerca de 20%) é aquela que, se quiser, compreenderá os problemas e poderá ajudar a resolvê-los. Poderá ajudar a melhorar a qualidade da vida pública. Fincará o pé no combate á corrupção. Na camada intermediária (digamos, 40%), não temos propriamente ricos, mas temos resource owners, quero dizer, pessoas que  percebem para que lado o vento está soprando, e podem recorrer a seus recursos (capacidade de ler um jornal, tempo disponível para conversar sobre questões públicas, reunir-se com amigos e vizinhos etc; tudo isso é “recurso” que pode ser utilizado para aumentar o alcance dos posicionamentos tomados pela camada superior. Os 40% mais baixos em renda e escolaridade são pobres demais para ajudar. Pedir a um pobre-diabo que sai de casa às 5:30 para o trabalho e chega de volta às 20:00, exausto, que contribua significativamente para melhorar o país, é pura demagogia.

O problema é que, para transformar os percentuais da população e os respectivos  recursos em poder político, é preciso ter cultura. Como já falei em escolaridade, é óbvio que não estou sendo redundante, dizendo a mesma coisa pela segunda vez. Não, cultura é um termo mais amplo, que emprego para designar as áreas de convergência e divergência existentes na sociedade, áreas que precisam ser conhecidas para que as elites falem realmente como elites. Faz trinta anos, mais ou menos, que tento abordar essa questão em meus trabalhos de pesquisa, mas esbarro num obstáculo invencível: a ignorância dos que poderiam patrociná-los. Ignorância sem fim. São indivíduos e entidades que não conseguem compreender estas duas afirmações elementares: 1) as instituições formais de governo não pairam no ar, acima de nossas cabeças, e nem conseguem agir como deveriam, sem a “cultura”, vale dizer, um balizamento mais amplo que as oriente; 2) para conhecer o substrato das instituições, ou seja, o que de fato as sustenta e baliza, é preciso estudar o assunto em profundidade, com  metodologias apropriadas. Bate-boca é muito bom para botequim, mas, para ajudar o país a se livrar da “armadilha do baixo crescimento”, não serve.”

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Agora, este escrevinhador:

Bolívar Lamounier trata aqui de um tema com o qual há muito tempo também estou muito preocupado e que ele resume, provavelmente de forma intencional, numa frase: “as elites não falam”. 

Eureka! 

Tenho falado muito dessas elites medíocres, que geralmente exibem suas posses (alguns de seus membros são mais discretos), mas o que choca, realmente, é o fato que elas raramente falam sobre o Brasil, sobre o futuro do país que também é delas (e como), ou pelo menos deveriam se ocupar dessa nação que tem, sim, muitas elites, mas que não parecem ter nenhuma preocupação com o estado presente e a evolução futura de uma nação que parece perdida no tempo e no espaço (e isso precede o desgoverno do capitão). 

Não tem nenhum líder das elites que se aventuraria a fazer um chamamento aos seus colegas para debater sobre os impasses atuais e os desafios futuros do Brasil? 

À diferença da Revolução francesa, que em 1789 começou com a convocação dos États Généraux — entre eles o Tiers État, aquele que não era “nada”, segundo o Abade Sieyès, mas que queria ser tudo — e a apresentação dos Cahiers de Doléances (cadernos de reclamações, de pedidos e de demandas). No nosso caso, o Tiers État está mais próximo da segunda categoria identificada por Bolivar Lamounier, e o que se busca é realmente la crème de la crème de la société, nossos grandes burgueses, capitalistas e banqueiros, para que eles possam, por uma vez, se ocupar do futuro do país no qual obtêm fabulosos lucros e subsídios estatais, proteção e apoio dos bancos públicos. 

Já nem me refiro ao alto mandarinato do serviço público, à aristocracia da magistratura, que possuem mais privilégios do que os nobres do Ancien Régime, pois estes não estão interessados em nada, a não ser em preservar e se possível aumentar suas mordomias e prebendas.  

Creio que o que falta ao Brasil é um partido das elites, ou pelo menos um clube de reflexões, onde elas possam, entre charutos e champagne, discutir um pouco sobre o destino das elites. Eu e Bolivar também pertencemos às elites, mas se trata apenas de uma elite intelectual, pois não teriamos dinheiro para frequentar esses lugares exclusivos das verdadeiras elites.

Seria pedir muito que elas pensassem um pouco no país e falassem entre si sobre o que fazer com esse Prometeu acorrentado, esse Gulliver amarrado pelo liliputianos do estamento parlamentar?

Pela sugestão:

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 6/11/2021


domingo, 29 de setembro de 2013

O estado a que chegamos no Estado das elites incompetentes - Guadencia Torquato

Estou absolutamente convencido que o Brasil só é a porcaria que é -- desculpem o termo brando, ainda vou encontrar outro mais forte -- por causa de suas elites (todas elas, as tradicionais, oligárquicas, as " empreendoras", supostamente modernizantes, e as elites companheiras, que se refestelam nas riquezas criadas por outros, e das quais eles vão se apropriando como ratazanas famintas), que são incompetentes, ineptas, rentistas, mandarinescas, ladravazes, ignorantes, irresponsáveis, etc., etc., etc.
Um país se faz com elites e livros: infelizmente o Brasil não tem nem umas, nem outros...
Paulo Roberto de Almeida

Insensatez e desfaçatez

GAUDÊNCIO TORQUATO - O Estado de S.Paulo, 29/09/2013

Não dá para acreditar, mas esta verdade é bem brasileira: a União ofereceu a um pobre agricultor do Piauí, Nelson Nascimento, de 67 anos, R$ 5,39 (isso mesmo) pela indenização de sua propriedade, que corta o traçado da Ferrovia Transnordestina, uma das principais obras do PAC. A quantia, equivalente a menos de um centavo por metro quadrado, é metade do custo de uma passagem para Nascimento tomar um ônibus, no quilombo Contente, e ir ao Fórum da cidade, Paulistana, contestar o "rico dinheirinho".
A ferrovia, promessa do governo Lula, começou com orçamento de R$ 4,5 bilhões, as obras estão pela metade e o custo hoje seria mais de R$ 8 bilhões. Trata-se de um empreendimento privado, com execução pelo governo federal. A Secretaria de Transportes do Piauí, responsável pelas desapropriações, garante que o preço da indenização segue "as normas à risca". O Dnit, que firmou o convênio com a secretaria, confirma que o cálculo de R$ 5,39 obedeceu "a parâmetros usados em todas as desapropriações".
A trombeta da Justiça anuncia o veredicto: o Estado de Direito vence por nocaute o Estado do bom senso. E assim a nau da insensatez vai multiplicando seus hóspedes a cada porto em que atraca, particularmente naqueles onde as águas do nosso oceano se apresentem revoltas em razão de choques entre as correntes humanas e os braços do Estado. As ondas acabam arrebentando sobre os diques do Judiciário, que, por sua vez, estribado na interpretação das normas, nem sempre consegue equilibrar a balança da justiça, usando o peso do entendimento de Spinoza de que "justiça é uma disposição constante da alma a atribuir a cada um o que lhe cabe de acordo com o direito civil". Pior é ver que a balança dos justiceiros não raro pende para um lado, desequilibrando o sistema de freios e contrapesos, engenhosa construção que o barão de Montesquieu criou para harmonizar os Poderes.
Um exemplo? O "palpitômetro" montado para combater o Projeto de Lei 4.330/2004, que trata da terceirização de serviços, em debate na Câmara dos Deputados, e visa a formalizar a situação de 15 milhões de trabalhadores, hoje sob a égide da ultrapassada Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Pois bem, o verbo contra esse projeto legislativo não só foi encampado pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, como recebeu o endosso de 19 ministros do TST, cuja assinatura em manifesto público escancara a tese de um prejulgamento. Imagine-se como se comportaria a plêiade de altos juízes ante a eventual aprovação de uma lei pelo Poder ao qual, de direito, cabe legislar. Sua decisão seria justa? Não estamos diante de um flagrante de controle prévio de constitucionalidade? Bacon (1561-1626) já ensinava que cabe ao magistrado jus dicere, e não jus dare - interpretar leis, e não dar ou fazer leis.
Analisemos, porém, a tese de que o juiz, como cidadão da polis, pode ser qualificado como ente político, agregando a condição de participar do processo político e opinar sobre os destinos da sociedade. Vamos ao cerne da questão. Não há dúvida quanto à identidade política do juiz, mas haverá de prevalecer em seu sistema decisório o múnus da judicatura, que abriga princípios e valores, a começar da integridade, virtude que os caracteriza. Em O Espírito das Leis, Montesquieu alertava: "Se o poder de julgar estiver unido ao Poder Executivo, o juiz terá a força de um opressor". Imagine-se, agora, uma estrutura de administração da justiça atrelada às pressões de grupos de interesses, organizações corporativas, lideranças políticas e se deixando levar pelas correntes quentes das paixões. O momento nacional sugere que façamos um mergulho nessa hipótese.
A insensatez faz-se presente na vida de outros figurantes da vida institucional. Entorta seus passos em variadas instâncias. Veja-se o caso do Ministério Público (MP), com sua função essencial à justiça, constituído por um batalhão de guerreiros em defesa da sociedade, muitos ainda jovens, mas tocados pela chama cívica. Projetos de magnitude, vitais para o desenvolvimento do País, são retardados ou mesmo se tornam inviáveis por ações impetradas pelo MP, com base em irregularidades apontadas na concessão de licenças ambientais. Recorrente indagação: os processos não estariam contaminados por vieses ideológicos, visões ortodoxas, erros de análise ou mesmo falta de informações?
Multiplicam-se queixas contra o Ibama, o órgão de licenciamento ambiental. Recorde-se o caso da perereca de dois centímetros encontrada na Floresta Nacional Mário Xavier, em Seropédica, entre a Via Dutra e a antiga Rio-São Paulo, que atrasou em um ano e meio as obras do Arco Metropolitano - 77 km de pistas que ligam Itaboraí ao Porto de Itaguaí. Solução? Um viaduto sobre o lago das pererecas. Há mais de 1.600 processos de licenciamento em curso, o que cria suspeitas sobre as razões da excessiva morosidade.
E a que atribuir o fato de a Petrobrás ter gasto US$ 1,18 bilhão, em 2009, na compra de uma refinaria em Pasadena, no Texas (EUA), que custou, em 2005, US$ 42,5 milhões? Má gestão ou "possível compra superfaturada de ações pela Petrobrás", nos termos do Ministério Público Federal?
Da insensatez para a desfaçatez o salto é menor que o da perereca fluminense. É só olhar para o Ceará, onde o governo do Estado pagou caro artistas contratados para shows. Chegaram a custar até oito vezes mais que o preço pago em outros Estados. Na inauguração de um hospital em Sobral, o cachê da cantora Ivete Sangalo foi de R$ 650 mil. Um mês depois uma chuva derrubou a fachada do estabelecimento. Na abertura de um centro de eventos, o tenor Plácido Domingo embolsou R$ 3,1 milhões. Artistas desse porte devem ganhar isso mesmo. A questão é saber se um Estado carente de serviços básicos pode esbanjar seus parcos recursos. Ora, no Brasil, tudo é possível.
GAUDÊNCIO TORQUATO É JORNALISTA, PROFESSOR TITULAR DA USP,  CONSULTOR POLÍTICO DE COMUNICAÇÃO. TWITTER: @GAUDTORQUATO

sábado, 17 de agosto de 2013

O Brasil dos marajas, o Brasil dos mandarins; e o Brasil que vai para o brejo...

Como a China do Império Quing e dos seus mandarins, como a Índia do Império Mogul e dos marajás, o Brasil também vai ter o seu período de decadência estrutural, aquela que é provocada pelos próprios servidores do Estado quando eles passam a se apropriar de uma fração significativamente maior da riqueza gerada pelos empresarios e trabalhadores comuns, e desproporcional aos seus serviços e produtividade, que costumam ser pífios, e quando o investimento privado, e portanto a criação de empregos produtivos e de riqueza começa a diminuir.
Segue-se uma fase de decadência inevitável, que pode ser longa, ou média -- jamais curta -- dependendo da qualidade das elites e de como reagem os estratos médios.
Como a nossa elite é medíocre -- toda ela, políticos, empresários, acadêmicos e outros aproveitadores da festa geral -- e como a classe média ainda pede, contraditoriamente, mais serviços públicos, e acha que o Estado pode resolver os seus problemas, só posso prever uma fase de longa decadência para o Brasil. Por longa eu quero dizer mais de duas gerações.
Ou seja, meus filhos: não esperem ficar ricos. Meus netos: não sei, depende do que vocês fizerem, pois essa decadência, graças à miséria da oposição e ao totalitarismo dos companheiros, deve ficar por aí mais uns 35 anos, pelo menos...
Paulo Roberto de Almeida

Aumento de despesas com servidores engessa investimentos nos Estados

Desde 2009 gasto com pessoal cresce acima da inflação e 20 das 27 unidades federativas superaram 90% do limite fixado na LRF para desembolsos com a folha; situação eleva pressão a governadores, também alvos de protestos por um serviço público melhor

17 de agosto de 2013 | 16h 23
Mauro Zanatta / BRASÍLIA - O Estado de S. Paulo
 No momento em que Estados e municípios tentam acelerar investimentos, melhorar serviços públicos - demandas que ganharam mais peso após a onda de manifestações pelo País em junho - e reduzir gastos para manter suas estruturas, a forte ampliação nas despesas com pessoal nos últimos quatro anos tem restringido e até neutralizado esses esforços. O alerta abrange 20 das 27 unidades federativas do País e ajuda a elevar as pressões por mudanças na legislação fiscal.
Levantamento feito pelo Estado a partir dos relatórios de gestão fiscal enviados ao Tesouro Nacional mostra que essa despesa permanente cresceu acima da inflação desde 2009. Vinte unidades federativas já superaram 90% do chamado limite prudencial destinado a gastos com folha salarial (46,55% da receita). Esse é o segundo dos três tetos previstos para os Poderes Executivos na Lei de Responsabilidade Fiscal.
A situação deve piorar. Balanço dos primeiros quatro meses de 2013 revela que, na média, o gasto com servidores aproxima-se de 92% do permitido pela LRF. Até abril, R$ 1,77 bilhão foram adicionados às folhas salariais, segundo os Estados.
Governadores e prefeitos têm elevado de forma substancial a proporção dessas despesas nos orçamentos, por vários motivos. De uma lado, tem havido perda expressiva na arrecadação de ICMS - principal fonte de receita dos Estados - em razão do ritmo fraco na economia brasileira, e as desonerações federais, como isenções de IPI, reduzem a verba dos Fundos de Participação de Estados (FPE) e Municípios (FPM). De outro, há um aumento vegetativo na folha de pagamento, a redução nas transferências, o engessamento do orçamento com despesas “carimbadas” e a indexação da dívida por índices “caros”.
“Há uma armadilha, uma compulsão, porque temos crescimento inercial de 2% a 3% anual com prêmios, promoções. Mesmo sem aumento real, esse gasto cresce”, diz o secretário de Fazenda do Paraná, Luiz Carlos Hauly. “Se não resolvermos, vamos para um precipício.” O Paraná, que elevou em R$ 4,8 bilhões o gasto com pessoal desde 2009, está próximo de superar o limite de comprometimento máximo previsto na LRF (49% da receita).
Outro fator que eleva os gastos com pessoal é o aparelhamento político de Estados e municípios. “Houve aumento dos cargos em comissão nas secretarias em virtude de acordos políticos, além de aumento dos investimentos em direitos sociais, como saúde e educação”, diz o advogado e professor do Ibmec-RJ Jerson Carneiro.
Superávit. Neste ano, o governo federal conta com uma boa contribuição da economia de Estados e municípios para fechar sua conta de superávit. Se depender das despesas com pessoal, a estratégia corre riscos. “O relaxamento fiscal federal virou mau exemplo. Os Estados fizeram ajustes, mas estão mais endividados porque usaram recursos próprios de investimentos para pagar pessoal”, afirma o especialista em finanças públicas do Ibre/FGV José Roberto Afonso.
Em 2012, os 26 Estados e o Distrito Federal desembolsavam, em média, 43,8% de suas receitas com pessoal. Em 2009, o índice médio era de 42,65%. Com isso, novos gastos com funcionários estaduais não poderão passar de R$ 18,8 bilhões.
“Esse aumento acaba com o ‘custeio bom’, que é compra de remédios, material de educação, segurança. Estão mudando a lei fiscal por dentro, o pior que podia ocorrer”, avalia Oberi Rodrigues, secretário de Planejamento e Finanças do Rio Grande do Norte, Estado que também está perto de superar o limite máximo com pessoal.
Nos últimos quatro anos, esse “G-27” elevou sua folha de pagamento em R$ 55,7 bilhões em valores nominais, sem descontar a inflação - um crescimento de 44,2% no período. De 2009 a 2012, o IPCA somou 24,52%. A despesa per capita anual por funcionário foi de R$ 60.225 em 2012 - o País tinha 3.111.944 servidores públicos no ano passado, segundo o IBGE.
Em São Paulo, o dispêndio com servidores atingiu 91% do limite prudencial. O Estado registrou o maior aumento nominal entre todas as unidades: R$ 13,15 bilhões em quatro anos. A Secretaria da Fazenda informa que o principal motivo foi a revisão salarial e planos de carreira para as áreas de saúde, educação e segurança, abrangendo 87% dos servidores ativos.
Pressão. É consenso entre Estados e municípios de que há poucas saídas e muita pressão por mais gastos, como a criação de pisos nacionais para categorias. No Congresso, uma enxurrada de projetos pode piorar as finanças, como a PEC 300, que eleva salários de policiais.
Na contramão, o lobby de governadores e prefeitos busca aprovar a renegociação das dívidas, tentando “descolar” esse debate da reforma do ICMS, onde não há consenso. Um projeto do líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), tem apoio de Estados. Não resolve, mas dá refresco nas contas públicas, segundo os secretários de Fazenda. O texto prevê reduzir o juro da dívida para 4% e mudar o indexador, de IGP-DI para IPCA, com teto na taxa básica da economia (Selic), mas não alivia o comprometimento da receita, pois não estabelece teto para pagamento de juros e da dívida, previsto na Resolução 43 do Senado.

domingo, 23 de junho de 2013

Elite predatoria: quem sao os que a integram, como vivem eles - Jose Oswaldo de Meira Penna

Um excelente artigo do embaixador aposentado Meira Penna sobre o verdadeiro significado, e a composição real das elites predatórias brasileiras, quase todas concentradas no setor público, algumas vivendo a sua sombra. Ele ainda minimizou o número de "representantes" do povo, e obviamente descurou os milhares de nababos que vivem em volta deles.
Agradeço ao Kleber Pires a postagem deste artigo no seu blog Libertatum.
Paulo Roberto de Almeida

Elite Predatória
A qual elite deve ser aplicado esse conceito?

José Osvaldo de Meira Penna
Blog Libertatum, 23/06/2013

O conceito admirável de "elite predatória" foi lançado pelo ilustre presidente do PT, dr. José Genoíno, e a ele já tive ocasião de me referir anteriormente. A idéia de ser o Brasil governado por uma elite predatória é politicamente correta, havendo apenas discrepâncias sobre o verdadeiro sentido da expressão. Indubitavelmente, é o nosso país dominado por uma certa casta cujo caráter "predatório" pode ser julgado de maneira diversa, conforme nos alinhemos por preconceitos coletivistas; por interesses corporativistas ou por idéias liberais concernentes às vantagens de um "Estado Mínimo" onde possa ser limitada a capacidade da aludida elite de exercer sua atividade nefasta. Outra certeza que se me impõe é que tanto José Genoíno como este seu amigo a ela (elite) pertencemos - ele, como político militante: eu, como funcionário público aposentado. O conceito corresponde estritamente à noção de "patrimonialismo" de Max Weber.


Patrimonialista é a sociedade em que o Estado precede ou se coloca acima do grupo social cuja segurança, ordem pública e legitimidade deve garantir. No patrimonialismo, a sociedade serve e financia o Estado, em vez do que geralmente ocorre numa sociedade democrática livre e séria, do tipo racional-legal. Ora, sempre foi o predomínio do Estado predador uma característica distintiva da sociedade brasileira, desde o desembarque luso na Terra dos Papagaios. Fato inédito na História universal: o Brasil já se tornara patrimônio da Coroa portuguesa em 1494, antes mesmo de ser "descoberto". Lembrem-se que o primeiro documento oficial de nossa história, a carta de Pero Vaz de Caminha, continha um pormenor tipicamente patrimonialista: o pedido do missivista ao venturoso d. Manuel para que a um parente seu presenteasse com um emprego. Daí por diante, capitães gerais, vice-reis, governadores, ministros e funcionários que se seguiram, ao longo dos séculos, não foram escolhidos entre os súditos da coroa em virtude de um sistema "contratualista", propriamente meritocrático, mas por indicação do soberano. O teste do Quociente de Inteligência (QI), para recrutamento da "elite", funciona aqui, principalmente, pelo sistema definido na expressão galhofeira "Quem Indicou".

O soberano, seja ele rei, imperador, ditador ou presidente, é essencialmente, aquele que distribui prebendas e empregos. O contraste é grande com o modo como se formaram, por exemplo, os Estados Unidos da América. Ali, salvo algumas exceções como o Maryland e a Virginia, os Estados se constituíram espontaneamente por imigrantes europeus que, democraticamente, determinavam suas instituições governamentais. A tradição era antiga. Vinha da Magna Carta de 1215 e das várias "revoluções" que estabeleceram o princípio "não há taxação sem representação". O controle dos impostos pelos representantes do povo - no taxation without representation - é essencial num regime democrático "representativo". Os americanos se rebelaram e, em 1776, proclamaram a independência exatamente porque o governo londrino taxara seu consumo de chá e sal, sem que gozassem de representação no Parlamento de Londres que lhes impunha o peso fiscal. Aliás, no próprio Brasil, nossa primeira tentativa, na Inconfidência de Ouro Preto, se originou no desejo de não alimentarmos o famigerado apetite da Coroa portuguesa pelo ouro das Minas Gerais.

Em 1808, foi o Brasil invadido por uma chusma de nobres e burocratas lisboetas que acompanhavam d. João VI. O filho desse monarca vitoriosamente proclamou a Independência e assegurou a unidade do nosso extenso Berço Esplêndido sem que, no entanto, jamais um regime representativo, liberal democrático, houvesse fincado raízes profundas de natureza contratualista. As coisas, aqui, sempre tenderam para a manutenção de uma economia política mercantilista e patrimonialista. O 15 de Novembro reforçou a tentação autoritária da tese positivista relativa à "Ditadura Republicana" e, em 1930, uma falsa "revolução liberal" impôs concretamente o domínio personalista de Getúlio Vargas que duraria 15 anos. O regime militar de 1964, depois de uma frustrada tentativa liberal sob o governo Castello Branco e a administração técnica de Bulhões e Roberto Campos, degenerou na paranóia estatizante de Ernesto Geisel - tendo sido o monstruoso dinossauro assim criado legitimado na Constituição dos "miseráveis" do "dr." Ulysses, um bando patético de bem-intencionados e românticos legiferantes que encheu a Carta Magna de absurdos e contraditórios "direitos", tendentes a estimular o apetite do Leviatã.

Inspirado em Oliveira Vianna, Ricardo Vélez Rodríguez descreve o Estado brasileiro, por esse motivo, como "orçamentívoro". Em vez do ímpeto liberal de reduzir os impostos, na base do não há taxação sem representação, os legisladores e governadores brasileiros tendem, invariavelmente, a aumentá-los. A carga já teria ultrapassado um terço do PIB, obrigando o Executivo a conter a fúria perdulária que se traduz em inflação, esbanjando perversa e arbitrariamente os recursos assim disponíveis. Os "servidores", em número excessivo, recebem seus salários, mas os serviços públicos são péssimos. O País progride lentamente graças ao ingente esforço do setor privado, assoberbado pelo chamado "custo Brasil". É a tendência oposta à que deveria orientar uma democracia verdadeiramente progressista, liberal e representativa, razão pela qual não se engana o dr. Genoíno, "olá, companheiro!", ao se referir à elite governante como predatória.

Mas a que se destina a opressora carga tributária? Uma parte mínima a manter serviços públicos monopolistas que dificilmente poderiam caber ao setor privado da economia. O maior peso é representado pelo sustento da "Nova Classe Ociosa" de políticos e burocratas que a guarnecem. Os "Donos do Poder" (Faoro e Schwarzman) e seus subalternos consideram o patrimônio público como "Coisa Nossa" (Oliveiros Ferreira). Pouco produzem e, na verdade, só discursos, papéis e carimbos - e, em muitos casos, apenas consomem. Falam grandiloqüentemente em "justiça social", mas de tal maneira que o Estado acaba se transformando no que Octavio Paz qualificava como um "Ogro Filantrópico" - sendo o produto da filantropia consumido internamente. Assim prosperam os "marajás" - membros do que, na antiga URSS, se denominava a Nomenklatura. O País já teria ido à falência não fossem os empresários "capitalistas", isto é, justamente aquela classe "burguesa" que, galharda e desesperadamente, resiste à "opção preferencial" pelo enriquecimento dos 10 ou 12 milhões de membros do setor público.

Quem são estes? São os membros dos Três Poderes federais - 500 deputados, 70 senadores, milhares de juízes, governadores, ministros, generais, almirantes, embaixadores, 6 mil prefeitos e respectivos abundantes secretários, 2 mil ou 3 mil deputados estaduais, 60 mil vereadores - enfim, um número indeterminado de "altos funcionários" com DAS, além de uma multidão incalculável de barnabés e Marias Candelárias, com seus dependentes, na ativa ou aposentados - o número exato sendo desconhecido precisamente porque não interessa ao IBGE (por motivos óbvios) recenseá-los como tal. A lei da omertà é estrita e não perdoa. Falo com conhecimento de causa, pois, há 65 anos, sou membro da aludida classe e sei que é perigoso abrir o bico.

A parte superior da classe dominante consumidora - o cérebro minúsculo do gigantesco brontossauro - é uma coterie ou uma patota que se locupleta com alta remuneração por ela mesmo fixada (e sempre tendente a aumentar). É uma "famiglia" de formação semelhante à que, há séculos, cresceu no fértil solo da Sicília. Ela goza de privilégios especiais contra o Estado de Direito que impera nas democracias liberais. Alguns exemplos. Segundo um editorial do JB (7/11/2001), um deputado federal ganha R$ 1.332.000 por ano e um senador da República, R$ 25.560.000, o que inclui salários, casa, domésticos, luz, água, telefone, assessores (grande parte da própria família), passagens aéreas, automóveis, viagens ao exterior com diárias, etc. O privilégio comporta, ainda, o de ficar acima da lei. O jovem assassino do índio pataxó, filho de um magistrado de Brasília, classificado em 65° lugar em concurso (coitadinho!) foi contratado para o tribunal pelo próprio pai com um salário de R$ 1.300, embora só houvesse 12 vagas (Correio Braziliense, 22/12/01). Esse tipo de Justiça, em termos "minervinos", demonstra que a desigualdade que contamina toda a estrutura social brasileira não resulta do poder econômico, mas sim do poder político. Outro exemplo é o do artigo da Constituição que estabelece "todos são iguais perante a lei" e todos têm "direito à saúde" (art.196). Façam um cálculo e considerem se os 174 milhões de brasileiros podem gozar do mesmo grau de tratamento intensivo em hospital de elite que foi dispensado ao presidente Tancredo Neves e ao governador Covas, em suas moléstias fatais.


Sejamos realistas! Se há discrepâncias na repartição dos benefícios sociais que favorecem a Nomenklatura, torna-se mais fácil a definição de quem compõe a "elite predatória" brasileira: não são os que pagam os impostos, mas os que vivem do produto dos impostos pagos pelos outros."

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Elites do Brasil; voce falou elites?: isso que esta ai?

As elites e a antidemocracia
Rolf Kuntz
O Estado de S.Paulo, 15/09/10

O presidente Lula tem razão: as elites são perigosas, mas não tanto por negarem aos pobres o acesso à escola. Esse tipo de elite já não existe nos Estados mais desenvolvidos. Sobrevive, ainda vigorosa, nos fundões do País, nas áreas controladas pelos velhos condôminos do poder. É quase toda vinculada ao governo petista, sócio das oligarquias mais atrasadas e corruptas. Vejam, por exemplo, quem é governo e quem é oposição no Congresso e como se negociam e se distribuem cargos na administração, direta e indireta. Essa gente é sem dúvida perigosa. Mas a mais temível é provavelmente a outra elite, a do Brasil industrializado, emergente e candidato a potência econômica internacional.

Essa classe não se opõe à educação para todos, até porque depende, cada vez mais, de mão de obra qualificada ou pelo menos em condições de receber treinamento. Diplomados, pós-graduados, poliglotas e cada vez mais integrados no mercado internacional, líderes desse grupo têm exibido uma assustadora semelhança com os novos integrantes da classe média e com os beneficiários da Bolsa Família e de programas afins: mostram-se encantados com a prosperidade presente, otimistas em relação ao curto prazo e nem um pouco preocupados com a centralização do poder e com o risco, cada vez mais evidente, de um mergulho num autoritarismo de recorte populista.
Alguns dos melhores comentaristas políticos do Brasil têm exibido um espantoso otimismo. Segundo sua análise, lambanças no governo, como a violação de sigilo fiscal, pouco significam para a maioria dos eleitores, por causa do peso de suas preocupações imediatas. A explicação parece bem fundada. Os mais pobres continuam batalhando pela sobrevivência. Outros procuram consolidar a condição de recém-egressos da pobreza. Outros, ainda, estão satisfeitos porque a economia cresce, há mais empregos e a combinação de salários e crédito facilita o acesso a um padrão mais alto de consumo.
Essa interpretação pode ser sustentável, mas conta apenas uma parte da história. A indiferença mais notável não é a desses grupos pobres, egressos da pobreza ou mesmo de uma classe média pouco atenta a questões institucionais e pouco preocupada com as liberdades democráticas. A indiferença escandalosa é a da elite econômica das áreas mais industrializadas do País.

Porta-vozes desse grupo se mexeram recentemente. Mas não para protestar contra o uso partidário de órgãos do Estado, não para denunciar o voluntarismo da política econômica, nem para criticar o presidente Lula, cada vez mais enrolado na confusão de seu cargo com a condição de líder petista.
Mexeram-se para apoiar as operações parafiscais do BNDES e seus padrões muito discutíveis de seleção dos beneficiários. Alguns o defenderam como se alguém houvesse proposto sua extinção. Mas ninguém havia apresentado essa tolice. Da mesma forma, nenhuma pessoa razoavelmente informada negaria a necessidade de mais financiamentos de longo prazo. Os alvos da crítica eram outros: a promiscuidade entre o Tesouro e o banco, a concentração das aplicações, a obscuridade dos critérios e o uso de meios públicos para objetivos definidos de forma nada transparente.

Essa é uma elite estranha. Sustenta bandeiras com ar de modernidade, pregando a reforma tributária, a segurança jurídica, a redução dos entraves burocráticos e a expansão dos investimentos em educação e pesquisa. Propõe a adoção de uma política de competitividade. Mas defende, ao mesmo tempo, um câmbio administrado para sua conveniência, uma política monetária feita sob medida e, de vez em quando, intervenções protecionistas, sem o cuidado, sequer, de examinar as várias ações permitidas pelas normas internacionais.

A maior parte dessa elite permaneceu silenciosa quando o governo apresentou o famigerado Decreto dos Direitos Humanos. Quando interveio, limitou-se a discutir um ou dois tópicos, sem dar sinais de haver notado a extensão das barbaridades propostas naquele documento de 92 páginas - quase um esboço de uma constituição autoritária, com propostas de "democracia direta", sujeição da pesquisa e do investimento a sindicatos e ONGs e controle dos meios de comunicação.

As ameaças contidas nesse documento não estão superadas. Serão retomadas, porque são essenciais para o projeto de poder de seus autores. Mas quem se interessa por isso? Não, certamente, os beneficiários atuais e potenciais de todas as bolsas - não só aquelas destinadas aos pobres, mas também as oferecidas à elite, como a Bolsa Subsídio, a Bolsa Conteúdo Nacional e tantas outras.

sábado, 14 de agosto de 2010

O embuste do discurso contra as elites - Leoncio M Rodrigues.

Nunca antes neste país, membros da nova elite, a nomenklatura saída da máfia sindical, falaram tanto contra as elites, convivendo de forma tão promíscua com as próprias, e sabendo integrar-se tão rapidamente a elas.
Na verdade, como já disse o jornalista Reinaldo Azevedo, se trata da "burguesia do capital alheio". E que está enriquecendo, na verdade, com o dinheiro dos brasileiros pobres.
Quem vive em Brasília, como eu, sabe exatamente que restaurantes frequentam esses novos burgueses, com contas incompatíveis com salários de simples funcionários DAS 5 ou 6. Não é possível manter esse "trem de vida" (como diriam os mineiros), sem fontes extras de rendimentos não declarados...
Para bom entendedor...
Paulo Roberto de Almeida

Nossas elites
Leôncio Martins Rodrigues
O Estado de S.Paulo, 12 de agosto de 2010

De tempos em tempos, a crítica às "nossas elites" volta a frequentar o discurso petista. Não fica claro quem são elas. Sabe-se, contudo, como denunciou recentemente o presidente Lula, que são capazes de muitos crimes contra o povo e contra o País, até mesmo de assassínio de quem morreu de morte morrida, como o ex-presidente Jânio Quadros. Getúlio Vargas - latifundiário, deputado estadual, deputado federal, governador do Rio Grande do Sul, ministro da Fazenda do presidente Washington Luís, 20 anos na Presidência da República (15 dos quais com poderes ditatoriais) -, classificado por Lula como uma das vítimas das "nossas elites", obviamente delas não poderia fazer parte.

Mas a referência às pérfidas elites antipovo, ainda que contenha incorreções históricas, tem um objetivo político-eleitoral. Não deve ser apreciada pela consistência teórica, com a qual, aliás, o ex-sindicalista não está preocupado. O importante é criar, na imaginação popular, um inimigo perigoso, de feições nebulosas, que não se sabe exatamente quem é. Repetida à saciedade, a acusação cria uma verdade.

Se aumentar a tensão social e/ou os cargos públicos correrem risco de passar para os adversários, uma nova categoria política poderia ser criada pelas alas petistas mais à esquerda: a de inimigo do povo. Mas para os novos-ricos que ascenderam sob as asas do ex-metalúrgico agitar a bandeira antielite traz a vantagem suplementar de ocultar a própria ascensão, isto é, fazer parte da elite sem parecer, sonho de todo político nesta época de democracia de massas.

Acontece que a popularização da composição da classe política e da elite no poder, ou seja, a ascensão de lideranças originárias das camadas médias, está fazendo menos convincentes e eleitoralmente pouco rendoso culpar as "nossas elites". Uma larga parcela dos ricos e poderosos está aliada ao PT. O presidente Lula poderia chamá-los de companheiros. A elite política brasileira, a alta cúpula do governo, dos que mandam e ocupam posições estratégicas na máquina governamental, é formada hoje pelos políticos, intelectuais de esquerda, apparatchiks, militantes e sindicalistas do PT. A maioria entrou para a política pelo trampolim de poderosos sindicatos da estrutura corporativa fascista, do catolicismo "progressista", das igrejas evangélicas, das ONGs e de outras organizações que servem de passagem para a classe política e dela para as instâncias de poder e ampliação do patrimônio. Na Câmara dos Deputados, para dar um exemplo, os ex-sindicalistas têm ocupado, nas últimas eleições, cerca de 10% das cadeiras.

Do ângulo socioprofissional, os componentes da nova classe ascendente dos políticos profissionais vêm dos segmentos das classes médias de nível relativamente alto de escolaridade, em que avultam os professores do ensino elementar e médio da rede pública, os bancários e técnicos, os servidores públicos e empregados do Estado, setores que poderíamos incluir - com a imprecisão habitual do conceito - nas classes médias-médias, a classe C. Não vêm tipicamente das camadas mais pobres que não dispõem de nível educacional que lhes possibilite passar de eleitor a eleito, ou seja, "entrar para a política". Seriam as classes D e E, com as quais os políticos da classe C, na disputa pelo voto dos pobres, têm mais facilidade de comunicação do que os das classes A e B.

Para captar o fenômeno da popularização da classe política e do declínio das elites tradicionais basta considerar os três principais competidores ao cargo máximo de presidente da República (duas mulheres). Todos vieram de fora da elite política tradicional. Marina Silva é quem veio mais de baixo. O pai era seringueiro. Alfabetizou-se aos 16 anos. José Serra é filho de feirante, imigrante italiano. Dilma Rousseff vem de uma família de classe média alta, mas não tradicional: o pai era engenheiro, nascido na Bulgária. Todos os três obtiveram diploma de nível universitário. Embora hoje possam ser classificados como membros da elite política, nenhum teve origem na própria elite. Entraram na política pela porta da esquerda, como é comum ocorrer com os pré-políticos de classe média e baixa que estão procurando entrar para a vida pública.

Não seria necessário ressaltar que grandes empresas e políticos de alta renda continuam a ter muito peso no interior dos órgãos de poder e da classe política. Ainda que o espaço que ocupavam no sistema decisório se tenha reduzido, as camadas empresariais continuam sendo uma peça importante na arena política. Talvez estejam mais participantes do que nunca, por meio, também, do financiamento dos candidatos de classe média e classe popular empenhados em ascender. Acontece que a popularização e a democratização marcham junto com a elevação astronômica dos custos das campanhas eleitorais. Esses custos se tornaram muito mais elevados do que na época do poder oligárquico, em que poucos votavam. Os ex-plebeus recém-chegados à classe política são, pois, forçados a recorrer às doações dos grandes financiadores de campanhas. A democracia de massas não elimina a influência do grande capital, das grandes empreiteiras e do sistema financeiro, particularmente. Expulsos pela porta, voltaram pela janela.

O resultado hoje é uma elite política heterogênea. Políticos das velhas oligarquias, que seriam a expressão mais típica das "nossas elites", confraternizam com os ex-plebeus ascendentes, os primeiros geralmente nos partidos ditos de direita, os segundo nos partidos ditos de esquerda.

Assim, a denúncia demagógica contra as nossas elites, mesmo que continue a habitar o discurso petista, tende a soar cada vez mais falsa, não só porque as classes altas tradicionais não têm mais o monopólio do poder político, como também porque as altas chefias petistas passaram a fazer parte da elite.

EX-PROFESSOR TITULAR DOS DEPARTAMENTOS DE CIÊNCIA POLÍTICA DA USP E DA UNICAMP, É AUTOR DE "DESTINO DO SINDICALISMO"


quarta-feira, 14 de abril de 2010

2099) O asco e nojo das elites: para que nao se perca numa nota de rodape...

A propósito de meu post:

terça-feira, 13 de abril de 2010
2096) Efeitos nefastos do Bolsa Familia sobre o mercado de trabalho,

recebi este comentário de um Anônimo leitor (que não se perca pelo nome) e que transcrevo aqui novamente (apesar de já ter incorporado no post correspondente, para que não se perca sem leitura, posto que poucos são os leitores que vão às notas e comentários, perdidos nas dobras cibernéticas dos blogs), com o único objetivo de oferecer eu mesmo o meu comentário (aliás já iniciado no post acima):

"Quarta-feira, Abril 14, 2010 12:40:00 AM
Anônimo disse...

O PRECONCEITO da elite no Brasil consegue se superar a cada dia.

A cada dia eu tenho mais nojo da elite brasileira que ao qual o Senhor é um dos representantes no campo da Diplomacia. Tenho asco as coisas que escreve que NO FUNDO mascaram UM PRECONCEITO puro e simples contra as tentativas de ascensão social dos mais humildes que o atual governo vem tentando realizar.

O que indigna-me é o modo desrespeitoso como refere-se à Universidade pública brasileira. É MENTIRA afirmar que ela é dominada por um bando de marxistas. A extrema esquerda é minoria entre os professores (é forte sim nos sindicatos dos professores e dos funcionários).

Mas do jeito que o Senhor escreve, parece que os professores e alunos ficam pensando em fazer a revolução o tempo inteiro. É triste ver que um Diplomata escreva coisas do tipo. Um homem que é encarregado de representar o país no exterior e que volta e meia dá en\trevistas no exterior.
(Inclusive o Senhor adora meter a língua na França mas não dispensa uma aparição na Radio France, como ocorreu em 2009).

Talvez Senhor Paulo Roberto de Almeida, seja necessário conhecer mais o país e não ficar somente jogando o seu preconceito (disfarçado de liberalismo) contra os pobres.

Por que não vai a uma Universidade no interior do Estado de MG ou do Nordeste e veja como as coisas acontecem de fato?

Os jovens querem ter uma boa formação seja nas ciências exatas, nas ciências da vida ou nas humanidades. É ISSO que o ATUAL GOVERNO vem realizando.
Estes jovens estudam e não ficam pensando em fazer a revolução."

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Já escrevi algo a respeito dos Anônimos, mas eles continuam anônimos, mesmo quando eu garanto a eles que não vou morder, não vou processá-los, não vou xingá-los, nada. A única coisa que eu possa fazer em relação a um Anônimo é passar uma lição de moral, para eles deixarem de ser covardes e dizer que pessoas que assumem suas próprias ideias não deve temer expor-se em público.

Pois bem, o meu Anônimo diz que tem nojo e asco de pessoas como eu, que representariam as chamadas elites brasileiras. Como ele não estipulou sua faixa de renda, eu fico sem saber se ele também pertence a uma elite; de certo modo, sim, pois que escreve mensagens em computador, o que não é dado a todos os brasileiros, apenas os incluídos digitalmente, que segundo certos militantes da causa são uma elite no Brasil.
Sim, de certo modo eu hoje "pertenço" à elite, mas não me sinto parte da elite, tanto porque não venho da elite e sim de uma faixa muito pobre da população, talvez até mais pobre do que o nosso Anônimo, e que se fez pelo trabalho e pelo empenho individual, sempre estudou em escolas públicas e chegou na elite, não por "culpa" minha, por certo, mas pelas circunstâncias...

Meu caro Anônimo,
Você deve ser muito jovem, e avalia positivamente tudo o que o governo vem fazendo em favor do que você chama de "mais humildes", como se o governo estivesse fazendo um imenso favor a esses humildes ao abrir as portas das universidades a eles.
O que deveria ser um direito normal, lhe aparece como um favor, uma concessão, o que denota certa incompreensão de como as coisas deveriam funcionar num país normal, sem as desigualdades brasileiras.

Vou passar por cima das suas ofensas, pois acredito que você tem necessidade de reagir epidermicamente, em lugar de alinhar fatos e argumentos com alguma base na realidade, como aliás transcrito no post que você comenta.
O direito que eu tenho, e que você também tem, de expor fatos, e daí tirar conclusões, você toma como ofensa pessoal, o que revela certo despreparo para o diálogo democrático, para o debate ponderado, para a troca de ideias, sem precisar recorrer a ofensas. Mas, vamos adiante.

Eu não disse que os alunos querem fazer revolução, e se eu disse, gostaria que você me dissesse exatamente onde. Eu ataquei apenas professores incompetente, ignorantes e desonestos. Mas esse não é o problema. Esses professores vão ficar por aí fazendo sua obra nefasta pelos proximos 30 ou 40 anos, com o que mais jovens aguerridos como você vão se formar, incapazes de debater com base em evidências e mais propensos a ofender quem pensa diferente de você (ou deles).

Nao consigo encontrar nenhum argumento factual para rebater todas as suas ofensas, simplesmente não existe. Sim, acusa-me de não conhecer o país, sem saber, o que é o que se chama de pré-julgamento. Provavelmente eu conheço mais o Brasil do que você, inclusive porque tenho mais quilometros rodados, no Brasil e no mundo. Mas esse ainda não é o problema.

Eles me parecem dois: o Bolsa Familia e o Pro-Uni, que você mal toca, e apenas intuo que você defende como duas grandes realizações deste governo.
Sua única outra afirmação, sem provas, é a de que este governo vem oferecendo uma boa formação nas universidades públicas, do que me permito discordar.
Creio conhecer melhor do que você a situação das universidades brasileiras, tanto porque sou convidado a bancas de mestrado e doutorado em vários estados (você pode conferir o meu Lattes se desejar) e dou regularmente palestras em universidades das mais humildes, apenas atendendo a pedidos de alunos. Também respondo a muitas consultas pelo meu site, o que não aparece, e algumas outras por este blog, como a sua (verdade que bem menos ofensivas).

Acredito que você não tenha instrumentos de comparação para aferir quanto a universidade brasileira, pública e privada, é medíocre, e quanto ela vem se mediocrizando cada vez mais, infelizmente.
Digo isso com muita tristeza, mas é o que constato sem a mínima intenção de ofender ninguém. As pessoas saem sem saber escrever do secundário e continuam sem saber escrever até o Mestrado, que virou um remendo para uma graduação mal feita, e isso justamente nas Faculdades de Humanidades (não estou criticando todas as Faculdades, mas especialmente as de Humanidades).
Você deve saber tão bem quanto eu que a tal de dedicação exclusiva é uma fraude, não é nem dedicação, nem muito menos exclusiva.

Mas, meu caro Anônimo, eu lhe ofereço este espaço para você escrever, sem ofensas, e defender seus pontos de vista, com base em argumentos, evidências, provas.

Pode ser sobre o Bolsa Família, pode ser sobre o Pro-Uni, pode ser sobre a economia brasileira.
Aceito debater de forma aberta e respeitosa.
Escreva, quando quiser.

Paulo Roberto de Almeida
(14.04.2010)