Transcrevo, em primeiro lugar, postagem de Bolivar Lamounier, que trata de questões sobre as quais também venho me ocupando há um bocado de tempo. Depois, coloco minha reação a seus argumentos, tambem objeto de um longo comentário meu em sua postagem original.
Com a palavra, Bolivar Lamounier:
“ A INSUFICIÊNCIA DAS ELITES
Bolívar Lamounier - 06.11.2021
Faz tempo que venho martelando a tecla dos riscos a que o Brasil está exposto enquanto não conseguir pelo menos dobrar sua renda média anual por habitante, que é atualmente cerca de 12 mil dólares. Não conseguir pelo menos dobrá-la é o que se chama estar aprisionado na “armadilha do baixo crescimento”.
Ontem fiz referência a um excelente livro publicado em 1994 pela Harvard Business School Press, intitulado THE WORLD IN 2020 – POWER, CULTURE AND PROSPERITY. Nas trezentas páginas do livro, há uma única referência ao Brasil e à Argentina. Transcrevo-a: “It is quite possible that a country like Argentina will recover some of the ground that it has lost this century. It will not regain the living standards which, in relative terms, it had a hundred years ago – it is not going to be as rich as Northern Europe or the US – but it could enjoy a period of considerable prosperity, if only it can sustain a modicum of political stability. From a brutal economic point of view, it does not need to achieve a full-western style democracy, but what it does need is competente and corruption-free administration. Brazil, with its even greater resources , could have an extraordinary impact on the continent, given a decade of such government”.
Observem que o livro aponta para um futuro que NÃO aconteceu, nem na Argentina nem no Brasil, no referido período de 26 anos. Tem tudo a ver com a tese que tenho aqui martelado: a de que, nos próximos 20 anos, não temos condições de superar o ritmo medíocre de crescimento econômico e pior ainda de redistribuição da renda e de avanço educacional, científico e tecnológico em que afundamos (a “armadilha do baixo crescimento”). Com o sistema político disfuncional, instável e corrupto de que dispomos, vamos seguir patinando no mesmo lugar, só que pior, com mais violência e araçatubas muito mais numerosas.
Onde devemos buscar as causas dessa tragédia? O subtítulo do livro dá uma boa indicação: “power, culture and prosperity”, ou seja, a prosperity depende de dois grandes grupos de fatores, o poder e a cultura.
Acontece que “poder” não é uma categoria que se reduza só à máquina de Estado, a forças militares e policiais e a boçais de todo tipo controlando as instituições legislativas, judiciais e administrativas. Ter eleições e através delas escolher os titulares de tais instituições é fundamental, mas não suficiente, diria mesmo totalmente insuficiente, se, subjacente às instituições, não tivermos elites (no sentido neutro do termo, obviamente) que as ancorem, balizem e inspirem. No Brasil, o termo elite designa alguns milhares de indivíduos que se deram bem na vida particular, mas que não sentem responsabilidade alguma em relação ao país, que não interagem entre si em busca de soluções e, principalmente, que não falam. Um país no qual as elites não falam, não se manifestam, não expressam seus pontos de vista e preferências, é uma anedota de mau gosto.
Em qualquer país, é possível distinguir três camadas sociais bem nítidas. A mais alta em renda e escolaridade (cerca de 20%) é aquela que, se quiser, compreenderá os problemas e poderá ajudar a resolvê-los. Poderá ajudar a melhorar a qualidade da vida pública. Fincará o pé no combate á corrupção. Na camada intermediária (digamos, 40%), não temos propriamente ricos, mas temos resource owners, quero dizer, pessoas que percebem para que lado o vento está soprando, e podem recorrer a seus recursos (capacidade de ler um jornal, tempo disponível para conversar sobre questões públicas, reunir-se com amigos e vizinhos etc; tudo isso é “recurso” que pode ser utilizado para aumentar o alcance dos posicionamentos tomados pela camada superior. Os 40% mais baixos em renda e escolaridade são pobres demais para ajudar. Pedir a um pobre-diabo que sai de casa às 5:30 para o trabalho e chega de volta às 20:00, exausto, que contribua significativamente para melhorar o país, é pura demagogia.
O problema é que, para transformar os percentuais da população e os respectivos recursos em poder político, é preciso ter cultura. Como já falei em escolaridade, é óbvio que não estou sendo redundante, dizendo a mesma coisa pela segunda vez. Não, cultura é um termo mais amplo, que emprego para designar as áreas de convergência e divergência existentes na sociedade, áreas que precisam ser conhecidas para que as elites falem realmente como elites. Faz trinta anos, mais ou menos, que tento abordar essa questão em meus trabalhos de pesquisa, mas esbarro num obstáculo invencível: a ignorância dos que poderiam patrociná-los. Ignorância sem fim. São indivíduos e entidades que não conseguem compreender estas duas afirmações elementares: 1) as instituições formais de governo não pairam no ar, acima de nossas cabeças, e nem conseguem agir como deveriam, sem a “cultura”, vale dizer, um balizamento mais amplo que as oriente; 2) para conhecer o substrato das instituições, ou seja, o que de fato as sustenta e baliza, é preciso estudar o assunto em profundidade, com metodologias apropriadas. Bate-boca é muito bom para botequim, mas, para ajudar o país a se livrar da “armadilha do baixo crescimento”, não serve.”
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Agora, este escrevinhador:
Bolívar Lamounier trata aqui de um tema com o qual há muito tempo também estou muito preocupado e que ele resume, provavelmente de forma intencional, numa frase: “as elites não falam”.
Eureka!
Tenho falado muito dessas elites medíocres, que geralmente exibem suas posses (alguns de seus membros são mais discretos), mas o que choca, realmente, é o fato que elas raramente falam sobre o Brasil, sobre o futuro do país que também é delas (e como), ou pelo menos deveriam se ocupar dessa nação que tem, sim, muitas elites, mas que não parecem ter nenhuma preocupação com o estado presente e a evolução futura de uma nação que parece perdida no tempo e no espaço (e isso precede o desgoverno do capitão).
Não tem nenhum líder das elites que se aventuraria a fazer um chamamento aos seus colegas para debater sobre os impasses atuais e os desafios futuros do Brasil?
À diferença da Revolução francesa, que em 1789 começou com a convocação dos États Généraux — entre eles o Tiers État, aquele que não era “nada”, segundo o Abade Sieyès, mas que queria ser tudo — e a apresentação dos Cahiers de Doléances (cadernos de reclamações, de pedidos e de demandas). No nosso caso, o Tiers État está mais próximo da segunda categoria identificada por Bolivar Lamounier, e o que se busca é realmente la crème de la crème de la société, nossos grandes burgueses, capitalistas e banqueiros, para que eles possam, por uma vez, se ocupar do futuro do país no qual obtêm fabulosos lucros e subsídios estatais, proteção e apoio dos bancos públicos.
Já nem me refiro ao alto mandarinato do serviço público, à aristocracia da magistratura, que possuem mais privilégios do que os nobres do Ancien Régime, pois estes não estão interessados em nada, a não ser em preservar e se possível aumentar suas mordomias e prebendas.
Creio que o que falta ao Brasil é um partido das elites, ou pelo menos um clube de reflexões, onde elas possam, entre charutos e champagne, discutir um pouco sobre o destino das elites. Eu e Bolivar também pertencemos às elites, mas se trata apenas de uma elite intelectual, pois não teriamos dinheiro para frequentar esses lugares exclusivos das verdadeiras elites.
Seria pedir muito que elas pensassem um pouco no país e falassem entre si sobre o que fazer com esse Prometeu acorrentado, esse Gulliver amarrado pelo liliputianos do estamento parlamentar?
Pela sugestão:
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 6/11/2021
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