Um artigo publicado meses atrás, cujos dados editoriais recebi recentemente. Ele foi meu segundo trabalho publicado em alemão, sendo o primeiro meu livro Nunca Antes na Diplomacia, publicado em alemão, em tradução de Ulrich Dressel, sob o título de:
Die brasilianische Diplomatie aus historischer Sicht: Essays über die Auslandsbeziehungen und Außenpolitik Brasiliens (Saarbrücken: Akademiker Verlag, 2015, 196 p.; Übersetzung aus dem Portugiesischen ins Deutsche: Ulrich Dressel; ISBN: 978-3-639-86648-3).
3907. “Relações do Brasil com os Estados Unidos”, Brasília, 4 maio 2021, 5 p. artigo baseado no trabalho n. 3783, em versão reduzida, para revista Brasilicum, a convite de Ekrem Eddy Güzeldere. Publicado, em versão traduzida para o alemão, sob o título de “Die aktuellen Beziehungen Brasiliens zu den USA”, na revista Brasilicum (edição 261, junho 2021, p. 23-26; ISSN: 2199-7594). Relação de Publicados n. 1429.
Vou postar as imagens da publicação em alemão, e depois transcrever a versão completa do artigo em português:
Transcrevo o original em Português, na versão completa:
Relações do Brasil com os Estados Unidos
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor no Uniceub, Brasília.
(Colaboração revista Brasilicum; Ekrem Eddy Güzeldere)
Publicado, em versão traduzida para o alemão, sob o título de “Die aktuellen Beziehungen Brasiliens zu den USA”, na revista Brasilicum (edição 261, junho 2021, p. 23-26; ISSN: 2199-7594). Relação de Publicados n. 1429.
Os Estados Unidos estiveram entre os primeiros países a reconhecer, em 1824, a independência do Brasil, antes da própria Grã-Bretanha (1825). A política externa americanista do início do Império só teria continuidade na República, 20 anos depois da fundação do Partido Republicano, em 1870, que tinha como slogan: “Somos da América e queremos ser americanos”. Os Estados Unidos já eram o maior importador do principal produto brasileiro de exportação, o café, e também foram os primeiros a reconhecer a República, em 1889, que assumiria o nome de Estados Unidos do Brasil.
Foram os monarquistas Rio Branco e Joaquim Nabuco, colocados a serviço da diplomacia republicana, que administraram a transição da preeminência europeia nas relações externas do Brasil para um inevitável equilíbrio com, e logo a predominância, dos Estados Unidos nos fluxos de todos os tipos; essa fase representou uma espécie de “aliança não escrita”. Os investimentos americanos no Brasil tiveram início após a Grande Guerra e as relações comerciais cresceram antes da Segunda Guerra, face à forte competição da Alemanha nazista.
A partir da grande aliança consolidada por Oswaldo Aranha – embaixador em Washington, 1934- 1937; chanceler de 1938 a 1944 –, o Brasil conheceu um processo de “americanização”, reforçado no auge da Guerra Fria, com a assinatura do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (1947) e com Acordo de Assistência militar de 1953, que só será denunciado pelo general Ernesto Geisel, em 1977. Ponto alto nessa aliança foi o apoio americano por ocasião do golpe militar de 1964. A partir de meados dos anos 1960 começam a emergir fricções entre os dois países, não apenas propósito de questões comerciais (sobretaxas americanas a calçados ou café solúvel), e sim em questões mais relevantes do ponto de vista da hegemonia americana em questões de segurança internacional. O Brasil recusou o Tratado de Não Proliferação Nuclear por três décadas, até que o governo Fernando Henrique Cardoso – já no quadro da proibição do desenvolvimento de armas nucleares pela Constituição de 1988 – decide pela adesão ao TNP, para diminuir o cerceamento americano às tecnologias de ponta.
A diplomacia de Lula promoveu discreto bloqueio aos interesses americanos na região, começando pela implosão, em 2005, do projeto de uma Área de Livre Comércio das Américas, continuando com instituições exclusivamente latino-americanas, como a União das Nações Sul-Americanas. A Unasul passou a dispor, graças aos petrodólares de Hugo Chávez, de uma sede em Quito; ela abrigou um Conselho Sul-Americano de Defesa, valorizada pelos militares brasileiros, e um outro, voltado para a integração física. Mas, antes mesmo da grande ruptura trazida pela diplomacia bolsonarista na política externa brasileira, o continente já se fragmentava em propostas econômicas e políticas divergentes, depois da certa primazia esquerdista.
A administração Temer, que pode ser classificada como de transição, fez com que a política externa e a diplomacia profissional do Itamaraty retomassem os padrões anteriores de trabalho, de conduta e de orientação que sempre foram os seus nas duas décadas subsequentes à democratização, ou seja, a busca de autonomia no cenário mundial, o apoio fundamental ao direito internacionais e ao multilateralismo, o reforço (pelo menos tentativo) em prol da integração regional. As relações com os Estados Unidos foram corretas, mas não mais do que isso, uma vez que, a partir da eleição de Trump, no final de 2016, apenas alguns meses depois da transição definitiva do lulopetismo para a socialdemocracia, não havia tempo para que fossem tomadas grandes iniciativas no plano bilateral ou em outras esferas.
O retorno a uma coalizão centrista, quando do impeachment da presidente Dilma Rousseff, não significou a reconstrução dos antigos laços com os EUA, mas a simples retomada da diplomacia autônoma e equilibrada que foi a do Itamaraty desde o segundo governo do regime militar. A grande surpresa, antes do início do governo Bolsonaro, não foi o fato de se ter anunciado uma preferência por uma “relação especial” com os EUA, pois tal postura poderia ser enquadrada numa nova orientação hemisférica, ou “ocidentalista”, do Brasil, dissonante em relação ao que vinha sendo registrado nas últimas décadas – quando a política externa foi enfaticamente terceiro-mundista e moderadamente antiamericana –, mas ainda assim capaz de ser acomodada numa diplomacia pretensamente voltada para novas iniciativas com o grande parceiro tradicional do Brasil durante todo o século XX. Na verdade, o fato surpreendente foi uma adesão à pessoa do presidente Trump, no quadro da transformação das bases conceituais da diplomacia, que saiu da independência assumida em relação às grandes potências, da defesa do direito internacional e do multilateralismo, por uma rejeição deste último em nome de teorias conspiratórias da nova direita americana e contra a suposta ameaça do comunismo internacional (doravante representada pela China).
As “inovações” tiveram início no dia da posse do presidente, quando o chanceler, na presença do seu parceiro americano, disse estar de acordo com a instalação de uma base americana no Brasil, para receber o rechaço dos ministros militares, e logo em seguida pela adesão do Brasil a uma aventura de Trump contra o governo Maduro, disfarçada de “ajuda humanitária à Venezuela, a partir das fronteiras do Brasil e da Colômbia. Ocorreu ainda o apoio solitário do Brasil, na companhia de Israel, à posição do governo americano de sanções unilaterais a Cuba, à eliminação pelos EUA, no Iraque, do general iraniano chefe das Brigadas Revolucionárias, assim como a um “plano de paz” de Trump para a Palestina.
O presidente havia prometido uma diplomacia “sem ideologia”, e o que mais houve foi uma inversão completa dos padrões do Itamaraty: em lugar da avaliação técnica e de uma consulta estrita aos interesses nacionais, sempre conduzidos, até 2018, com absoluta isenção por um corpo de diplomatas profissionais, passou-se à consideração de elementos estranhos ao trabalho diplomático habitual, de fundo religioso, de oposição a um suposto comunismo ameaçador, de negação a quaisquer direitos de minorias sexuais ou de proteção às mulheres que poderiam representar “ideologia de gênero” (sic) ou possibilidade de aborto (que já está contemplado na legislação brasileira em casos especiais). A intromissão de elementos ideológicos da diplomacia do novo governo, especificamente vindos da franja lunática da direita alternativa americana fortemente influenciada pelo negacionismo das teorias conspiratórias também esposadas pelo presidente Trump, encontrou uma das expressões mais bizarras na acusação do chanceler ideológico de que a China estaria na origem de um “comunavirus” que teria sido disseminado pela China com o objetivo de fragilizar o Ocidente (que, para ele, teria um “salvador natural” no presidente Trump).
Mais grave ainda, do ponto de vista do interesses materiais concretos do Brasil, foi representado por uma série completa de concessões unilaterais feitas pelo governo brasileiro a Trump, para ajudá-lo em sua tentativa de reeleição em 2020: importação sem tarifas de etanol e de trigo americano (contra interesses de produtores brasileiros e eventual importação adicional de grãos da Argentina); aceitação de novas restrições unilaterais, mediante salvaguardas ilegais, de aço e alumínio brasileiro (sem que o governo introduzisse uma reclamação na OMC); acompanhamento das posturas de Trump no casos de políticas de meio ambiente (uma ameaça potencial ao agronegócio), de antiglobalismo, de restrições a imigrantes, a denúncia pelo Brasil do Pacto Global das Migrações, um instrumento inócuo do ponto de vista da soberania nacional, assinado pelo Brasil três semanas antes de se encerrar o governo Temer.
A diplomacia bolsonarista assumiu um total servilismo a Trump pessoalmente, o que confrontou os interesses nacionais: no comércio bilateral, nas posturas defendidas em órgãos internacionais, no relacionamento do Brasil com o principal parceiro comercial, a China, assim como no âmbito regional. Nesta área, um aspecto confrontou a política externa das quatro décadas anteriores: os esforços de integração regional, em especial, a construção de uma estreita relação com a Argentina. Suscitando a quase unânime rejeição da maior parte da opinião pública, em especial do agronegócio, na questão do meio ambiente, tal política veio a cabo no final de março de 2021, quando o chanceler ideológico foi substituído por um outro diplomata profissional, sem vínculos aparentes com a ‘franja lunática’ do governo Bolsonaro. O novo chanceler, Carlos Alberto França, empossado em 6 de abril, promete reequilibrar a diplomacia profissional – e, se possível, a política externa – nos moldes tradicionais conhecidos no Itamaraty desde muitas décadas; as dúvidas remanescentes derivam da postura do próprio presidente quanto ao conteúdo mesmo dessa diplomacia alternativa.
Paulo Roberto de Almeida
[Brasília, 4 de maio de 2021]
O artigo em alemão está disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/62708889/3907_Die_aktuellen_Beziehungen_Brasiliens_zu_den_USA_Brasilicum_2021_).
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