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terça-feira, 16 de novembro de 2021

Mini-reflexão sobre o primeiro encontro dos dois grandes (do momento) - Paulo Roberto de Almeida

 Mini-reflexão sobre o primeiro encontro dos dois grandes (do momento)

Paulo Roberto de Almeida

EUA e China têm o DEVER e a OBRIGAÇÃO MORAL de se entenderem e de cooperarem EM FAVOR da Humanidade, em especial dos países mais pobres. 

Isso não implica, contudo, proselitismo ou atitudes tutelares, como, por exemplo, corrigir “defeitos” recíprocos ou ensinar democracia e DH um ao outro.

Mesmo os EUA se considerando o “farol do mundo” em matéria de democracia, liberdades ou direitos humanos, melhor eles desistirem de tentar “ensinar” tudo isso aos chineses: seria não apenas ridículo, mas, sobretudo, inútil. 

Não se pode implantar certas coisas de fora para dentro. 

Os EUA, que já tentaram fazer isso no Afeganistão e no Iraque, que torraram trilhões de dólares do povo americano em terras distantes, sem compreender muita coisa de onde estavam operando, que mataram e corromperam muita gente nesses países e que deixaram uma bagunça ainda pior por onde andaram, aliás em toda aquela faixa que vai do Mediterrâneo oriental até a Ásia do sul, os EUA deveriam saber perfeitamente disso. 

Por que não fazem como a China e criam o seu próprio Belt and Road em cooperação com os chineses e em perfeita coordenação com eles: nem precisam fazer infraestrutura— que isso os chineses fazem melhor e mais barato—, mas podem cuidar de vacinas (como faz privadamente o Bill Gates, por exemplo), de educação para os mais pobres, segurança civil e uma série de outra coisas em total coordenação e complementariedade com os chineses?

Se fizerem isso, sem proselitismo, os povos se encarregarão de construir seus próprios sistemas políticos, de acordo com suas tradições e cultura. 

Pode não ficar perfeito, mas se chineses ou americanos tentarem se imiscuir nos assuntos internos desses outros povos, aí sim é que não dará certo.

A única coisa que EUA e China precisam fazer, nesta etapa de suas relações respectivas, boas ou más como são atualmente, seria parar de se atacarem mutuamente, cooperarem em terceiros paises, limitar seus gastos (inúteis) em armamentos defensivos e ofensivos, e tentar construir conjuntamente um mundo de paz e segurança, que é, aliás, o que prometeram fazer os quatro grandes (a França veio na rabeira) ao cabo da Segunda Guerra Mundial, lembram-se?

Fizeram? NÃO!

Vão fazer? NÃO SEI!

Mas é o que deveriam fazer EUA, China, UE e Rússia, com o resto do G20 atrás, mais as agências da ONU e os bancos multilaterais, regionais e de infraestrutura. 

É possível? Possível é, mas é pouco provável que o façam agora, pois faltam estadistas para isso. 

Todos os líderes nacionais são naturalmente pressionados pelos lobbies tacanhos em seus respectivos países, e ficam torrando dinheiro com populismo ordinário em cada lugar.

O mundo ainda não evoluiu o bastante para construir o verdadeiro globalismo.

Não o globalismo idiota dos paranoicos da conspiração mundial por uma governança supranacional antidemocrática, mas o globalismo racional da cooperação para a prosperidade conjunta da Humanidade.

Ainda é muito cedo para isso: só saímos da Guerra de Troia há pouco, parece que foi ontem, e ainda estão muito fortes as paixões e os interesses.

Mas, daria para fazer se os quatro grandes se reunissem, discutissem essa plataforma mínima de entente e cooperação, e depois a apresentassem ao resto do G20.

Vai acontecer? Difícil!

Biden e Xi até poderiam se entender num segundo ou terceiro encontro, este, de preferência, presencial.

Mas o Putin não está com cara que toparia uma coisa dessas: ele não aprendeu nada com sua amiga Merkel, e não está disposto a abandonar seu neoczarismo autocrático em favor de um programa de cooperação com os chineses na Ásia central, por exemplo; a única coisa que ele quer fazer é perturbar e espicaçar o G7.

A UE poderia fazê-lo? Certamente, mas ela ainda tem muita confusão interna, trata mal a Turquia e não sabe o que fazer com aquela massa de refugiados econômicos, da fome e das guerras civis que chegam continuamente da África e do Oriente Médio. Vai demorar um pouco. 

Não esperem muito da Índia, da Austrália ou da América Latina, centrados em seus próprios problemas nacionais e regionais. 

O Brasil vai demorar mais um pouco para se recuperar de anos (séculos?) de corrupção sistêmica e, agora mais recentemente, de uma excepcional desgovernança perversa, que praticamente destruiu qualquer possibilidade de cooperação entre as suas próprias elites para sanar graves problemas de administração pública num sentido ético ou simplesmente moral. Acho que ainda não estamos prontos para reconstruir tão somente o próprio país, reunificar a nação, para pensarmos num ambicioso programa de regeneração da Humanidade. Nossas elites são tão medíocres que sequer conseguem se entender para a restauração interna, quanto mais para a cooperação multilateral, verdadeiramente globalista, no sentido aqui esboçado.

Ainda estamos muito pertos de nossas próprias “guerras de Troia”, com traições ordinárias e de baixa extração, no sentido mais vulgar do maquiavelismo político, para podermos pensar em colocar a casa em ordem e construir, não a prosperidade global, mas um mero espaço econômico integrado na América do Sul: ainda somos mesquinhamente muito protecionistas para decretar unilateralmente o livre comércio no âmbito regional, e nossas lideranças econômicas muito tacanhas para tomar tal tipo de iniciativa. 

Eu estou bem mais otimista com a relação Biden-Xi do que com nossa próxima (improvável) recuperação econômica e, sobretudo, política. 

Falta um Homero, para discorrer sobre as intervenções dos deuses em nossos assuntos terrenos, e o Olimpo está muito longe. 

Na verdade, carecemos de estadistas para sequer começar a equacionar os problemas principais e depois formular um diagnóstico realista, antes dos duros prognósticos que teríamos de enfrentar decididamente. 

Não existe Homero à vista, mas as elites precisariam pelo menos começar a dialogar entre si. Elas seriam ao menos capazes de fazê-lo?

Como é mesmo aquela previsão sombria, segundo a qual os deuses primeiro enlouquecem aqueles que querem perder?

Acho que estamos no meio disso!

Essas elites medíocres vão finalmente se decidir a fazer alguma coisa antes de algum novo desastre em outubro de 2022?

Não tenho certeza quanto a isso. Acho que vamos tatear pelo pântano por mais algum tempo. Sorry pelo realismo.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 16/11/2021

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