Brasil virou bobo da corte em questão climática, diz ex-economista do Banco Mundial
Catia Seabra | 9.nov.2021 às 8h00
Durante 22 anos como economista do Banco Mundial para o Meio Ambiente, Sérgio Margulis, 66, acompanhou programas de mais de 40 países. Hoje aposentado, afirma que a comunidade global vê o governo brasileiro como patético, uma tragédia na questão climática.
Margulis critica o presidente Jair Bolsonaro por desperdiçar os dois diferenciais competitivos do Brasil: suas fontes renováveis de energia e a maior biodiversidade do planeta. Ele acusa o governo de perseguir todos os que, no Ministério do Meio Ambiente, tentam combater o desmatamento da Amazônia.
No livro "Mudanças do Clima, Tudo O Que Você Queria e Não Queria Saber" (clique aqui para baixar grátis), lançado este ano pela Fundação Konrad Adenauer e o Instituto Clima e Sociedade, Margulis critica o modelo de negociações, como a Conferência das Partes, porque não há mais tempo, segundo ele, para reuniões com mais de 200 países.
O economista sugere que os 20 países mais ricos, responsáveis por 80% das emissões de carbono, entre eles o Brasil, assumam as decisões antes que seja tarde, se já não for.
No livro "Mudanças do clima", o sr. afirma que o Brasil passou de protagonista nas discussões mundiais a "bobo da corte". Por quê?
Nos governos anteriores, o Brasil se saiu relativamente bem no contexto internacional, talvez por ser um resumo do planeta, ter diversidade grande de renda, cores, raças, clima, tudo. É criativo, tem uma parte desenvolvida e outra com fome como na África. Isso gerou certa simpatia e ainda exercemos uma certa liderança porque o Itamaraty tem diplomatas muito bons.
De repente, na questão climática, a política deliberada do governo Bolsonaro foi a de virar o bobo da corte. Está cumprindo muito bem o papel. O presidente vai lá na ONU, de forma descarada, fazer promessas sem qualquer confiabilidade. É um governo que exibe orgulho por desprezar a questão climática, e a comunidade global acha isso uma palhaçada, vê o governo brasileiro como patético, uma tragédia na questão climática.
O próprio presidente Bolsonaro tinha prometido, na Cúpula do Clima, reduzir em dez anos, para 2050, o prazo para emissão zero de carbono. Não foi positivo?
Não foi uma promessa crível, nada tem respaldo técnico. Ninguém sabe de onde saiu a conta, que não fecha. Nos governos Collor, Itamar, FHC, Lula, Dilma e Temer, havia uma participação da sociedade civil para subsidiar o Ministério do Meio Ambiente com estudos, discussões. Agora nada existe. O governo disse que tinha consultado empresas e ONGs para levar uma proposta a Glasgow, mas todas desmentiram.
Também não tem credibilidade a promessa de reduzir à metade a emissão de gases de efeito estufa até 2030?
É ver para crer. O governo assumiu o compromisso político de destruir a questão ambiental e climática no Brasil e está cumprindo à risca. Agora ficou lá pressionado, se sentiu acuado e disse, provavelmente para inglês ver, que sim. Vai voltar para cá e vai continuar.
Mas isso não prejudica o próprio setor produtivo, por desperdiçar recursos do mercado de carbono?
Trabalho há 42 anos com conceitos de desenvolvimento sustentável, e vejo o país perder uma riqueza incalculável, jogar fora o maior potencial e vantagem comparativa de fontes renováveis do planeta, uma biodiversidade que ninguém tem. Não estou falando em abraçar árvores, mas em competição econômica pura, comercial.
O Brasil daria um salto absurdo se soubesse aproveitar a Amazônia. Tente imaginar o que os Estados Unidos fariam se a Amazônia fosse lá. Colocariam as melhores universidades para fazer todas as pesquisas imagináveis. O modelo do Bolsonaro é queimar e colocar uma vaca pastando por hectare. Isso não dá retorno e emite quantidade absurda de carbono.
Por qualquer lógica, o Brasil é que deveria colocar o pé no acelerador para descarbonizar o planeta, é o país que mais tem a ganhar com isso. Os outros teriam de fazer um esforço gigantesco para tentar alcançar.
O agronegócio é importante, mas 100% do incremento do agro tec pop foi pelo investimento do setor em pesquisa, apoio da Embrapa, não pela expansão da área agrícola para a Amazônia. Quem exporta sabe que o mundo está de olho, o Brasil vai sofrer sanção.
Agora?
Não demora. A Europa está taxando, já chamaram o Paulo Guedes para falar de carbono. É óbvio que vai acontecer, ninguém vai deixar barato. O governo puxa o Brasil para trás em vez de pegar carona com o pessoal bom da agropecuária, o que inova, que está inserido no mercado global.
Prefere a idade da pedra, o discurso dos anos 70 de que ambiente e crescimento são excludentes. Pergunte se a Alemanha perdeu competitividade por ter os padrões mais restritivos em defesa do ambiente. Quanto maior é a preocupação ambiental, maior é a competitividade industrial.
Em outros governos que o sr. acompanhou, de Collor a Bolsonaro, os ministros do Meio Ambiente sempre se confrontaram com os setores da economia.
É verdade. Mesmo na época do PT era um "pega pra capar" com empresário e a visão do partido obreiro, que põe a questão social acima de tudo. Nenhum ministro do Meio Ambiente teve bonança, sempre foi ladeira acima, brigando, enfrentando.
A diferença é que havia embate, ministro do Meio Ambiente defendia o meio ambiente, e agora defende a boiada. A Marina Silva foi ministra do Lula, não aguentou o tranco, mas era um nome forte. O Zequinha Sarney era forte, o Carlos Minc brigava, ninguém estava de enfeite.
Agora a gente sabe que defender seus recursos naturais, capitalizar a energia limpa, é a última chance de o Brasil se desenvolver. Mas o governo nega o problema climático, faz tudo para acabar com esses recursos e não tem política para o país se tornar competitivo.
Você deve imaginar quantas pessoas eu conheço no Ministério do Meio Ambiente. Ninguém pode falar comigo, me contar o que acontece. Temem ser gravados, que alguém os persiga. São pessoas que dedicaram a vida a combater as mudanças do clima e estão escanteadas por um regime persecutório.
Como avalia o discurso de Bolsonaro de que os países ricos são os culpados pelo efeito estufa e, portanto, devem se responsabilizar por tudo?
Ele está correto ao dizer que os ricos são os responsáveis, mas o Brasil está entre os dez maiores emissores, não é uma santa. O que ele finge não entender é que, se alguém está preparado para a mudança do clima, é o grupo dos países ricos. Causaram o problema, mas os pobres vão sofrer muito mais.
Rússia, Canadá, Finlândia, Noruega, Suécia vão ganhar área de agricultura se houver aquecimento. Nós vamos sofrer muito. O preço de um tufão mais forte em Bangladesh é insuportável para o PIB. A gente tem o risco seríssimo de savanização da Amazônia.
Os danos climáticos são irreversíveis?
Alguns sim, outros não. Os padrões climáticos só vão piorar. Mesmo que a gente consiga limitar a dois graus, quem disse que uma elevação média de dois graus é suportável para todos? O aquecimento não acontece devagar e bonitinho, igual para todo mundo. Tem lugar que vai aquecer zero, outro vai aquecer oito graus.
A característica fundamental da mudança do clima é o aumento da variação, mais frequência e mais extremos. Há pontos de ruptura que me deixam apavorado, como o metano que pode se soltar na Rússia com o descongelamento. Dependendo do gelo que se despencar da Antártica, uma onda eleva o oceano e não haverá o que fazer. As pessoas falam que pode não ser bem assim. É verdade, mas também pode ser bem pior.
O Brasil tem condições de zerar suas emissões e ganhar dinheiro no mercado de carbono?
A economia verde é isso. Os países ricos têm feito do pós-Covid uma oportunidade de refazer suas economias em moldes verdes. Com dois meses, Joe Biden chamou a Cúpula da Terra, 40 chefes de Estado, não para tratar da pandemia, mas da mudança do clima.
O mundo está correndo, há planos bilionários de incentivo, a Europa voa. O governo americano tem US$ 2 trilhões para forçar emissões zero no mundo, aumentar eficiência energética, treinar e capacitar pessoas para a produção de energia do vento, do sol, da biomassa. E nós vamos entregando o jogo, perdendo a chance de estar 40 passos à frente da China.
Qual foi o maior revés ambiental no governo Bolsonaro, o mais difícil de reverter?
Sem dúvida, o incentivo ao desmatamento da Amazônia, por tudo que representa em perda econômica. O presidente é tão mesquinho que faz questão da destruição até das áreas indígenas, o pessoal mais fragilizado e a maior riqueza antropológica do mundo.
A política dele e do general Hamilton Mourão é de mentir sobre dados, desmontar sistemas de observação, fiscalização, de combater e até demitir quem combate o desmatamento. É isso que nos torna, hoje, um pária internacional.
Em seu livro, critica os fóruns de negociação mundial, como a COP. Por quê?
Se você continuar nesse modelo de colocar 200 países à mesa para negociar dentro das regras da ONU, não tem como chegar lá. Os 20 mais ricos são culpados por 80% das emissões. Tem que colocar preço nas emissões de carbono, impor sanções entre eles. E deixar os outros 180 países para lá.
O Brasil está entre os 20, a Argentina também. Não precisa colocar Madagascar na mesa, tem é que dar dinheiro para eles consumirem mais energia e melhorar a vida da população. Deixa Madagascar para lá, deixa a emissão dos 180 países para lá. Esse modelo da ONU não funciona, está na hora de tomar uma decisão mais séria, ágil e rápida.
RAIO-X
Sérgio Margulis é matemático com mestrado pelo Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) e doutorado em Economia Ambiental no Imperial College London (1988). Foi economista de meio ambiente do Banco Mundial (1990-2012), é professor da PUC e pesquisador sênior associado do Instituto Internacional para a Sustentabilidade e da WayCarbon.
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2021/11/brasil-virou-bobo-da-corte-em-questao-climatica-diz-ex-economista-do-banco-mundial.shtml
Em entrevista após palestra, presidente do Senado diz também que imagem do país foi comprometida em anos recentes e precisa ser reconstruída
Ana Carolina Amaral e Ana Estela de Sousa Pinto | 9.nov.2021 às 9h53, Atualizado: 9.nov.2021 às 11h35
"Reconhecer nossos erros é premissa de toda negociação. É importante sentarmos na mesa fixando uma premissa real: temos um problema grave de desmatamento ilegal das nossas florestas", disse nesta terça (9) o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), em evento do pavilhão do Brasil na COP26.
O discurso foi feito ao lado do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, que sinalizou concordância com a cabeça, mas não respondeu. O governo federal tem promovido eventos no seu pavilhão sob a marca "Brasil real", que busca publicar dados positivos sobre a conservação ambiental no país, como a ampla cobertura florestal e a matriz elétrica majoritariamente renovável.
No entanto, para Pacheco, "o problema é o desmatamento ilegal, que faz com que tenhamos uma crise de imagem em relação aos demais países".
Em entrevista após a palestra, o presidente do Senado e a senadora Kátia Abreu, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, criticaram a diplomacia e a política ambiental nos primeiros anos do governo Bolsonaro.
Segundo Pacheco, o Ministério do Meio Ambiente na gestão anterior (de Ricardo Salles) "era muito sujeita a críticas, não só às suas ações mas também à sua narrativa", o que provocou uma distância entre a realidade brasileira e a percepção que atores no exterior passaram a ter do país, exigindo que a imagem do Brasil precisa agora ser reconstruída.
Kátia Abreu incluiu também o Ministério das Relações Exteriores, quando chefiado por Ernesto Araújo, como responsável pela deterioração da imagem brasileira: "Houve desvios de rumo muito acentuados nos dois ministérios".
A senadora firmou que os novos ministros são "mais tranquilos, mais moderados" e que perceberam a reação do Senado, que na verdade só ecoava uma sociedade "incomodada" ao ver, segundo ela, o país caminhar para "rumos não positivos"..
Na apresentação anterior, o atual ministro do Meio Ambiente reforçou as falas feitas nas últimas semanas sobre a importância dos incentivos financeiros para a conservação ambiental. "Como eu remunero um estado que tem lá 90% do território protegido? Como eu remuneraria lá vários guardas florestais?", questionou, trazendo o exemplo de guias turísticos que podem passar a receber pagamentos por serviços ambientais, como um complemento fixo à renda do seu trabalho, de natureza variável.
"Em Alter do Chão (PA) já tem um serviço em que o guia turístico recebe para vigiar aquele território, porque ele precisa daquele território preservado para que o turista volte", citou o ministro.
"O plano de crescimento verde está começando a dar resultados", disse Leite, embora o programa —que não cita metas, ações ou cronogramas— tenha sido lançado há apenas duas semanas.
"É digno de registro a mudança de postura do governo nessa COP, reafirmando compromissos com o fim do desmatamento ilegal e a redução das emissões [de gases-estufa]. É muito simbólico", disse o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM).
O evento, que não admitiu perguntas do público ou da imprensa, também contou com a presença do presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Robson Braga de Andrade. Ele recebeu duas vezes o agradecimento do ministro pelo espaço na COP26, feito em parceria do governo federal com a CNI e a CNA (Confederação Nacional da Agropecuária).
Na entrevista posterior, Rodrigo Pacheco disse que, embora Leite não tenha feito menção ao desmatamento ilegal, a postura de seu ministério é a de combatê-lo. "O negacionismo, especialmente na pandemia, foi muito ruim para o Brasil, nos impediu de conter a doença adequadamente, e não pode se repetir no meio ambiente".
Segundo Kátia Abreu, a posição anterior do governo Bolsonaro prejudicou o acordo Mercosul-União Europeia. "Penso que o acordo não está para amanhã, mas não acho que esteja tão longe, agora que estamos dando um recuo para a legalidade, com os compromissos de combate ao desmatamento ilegal".
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2021/11/temos-que-reconhecer-o-problema-grave-de-desmate-ilegal-diz-pacheco-na-cop26.shtml
Ministro ouviu senadores falarem pedirem combate apenas a derrubada "ilegal" de árvores, mas diz que desafio não é 'punir, proibir', mas 'incentivar'
Por Rafael Garcia (O Globo) — Glasgow (Escócia) | 09/11/2021 12h57
A estimativa de perda de floresta Amazônica no ano é de 10 mil km², e o Brasil ainda não anunciou nenhuma medida de comando e controle para combater o problema, mas após assinar promessa de zerar a taxa líquida de desmatamento em 2030, o ministro do Meio Ambiente chegou à conferência do clima de Glasgow (COP26) elevando tom de cobrança a países ricos por financiamento.
O único sinal tênue na mudança de discurso de Joaquim Leite foi a ausência do termo desmatamento "ilegal", pois o tratado no qual o país entrou não faz distinção entre derrubada criminosa ou não de árvores. Mesmo ouvindo os senadores Rodrigo Pacheco e Kátia Abreu se referirem a desmate "ilegal" no evento, Leite evitou usar a expressão.
Em seu pronunciamento sem abertura para perguntas da imprensa, o ministro insistiu em falar de agenda positiva. “O desafio não é punir, proibir e parar, mas acelerar para a nossa economia verde. Como faço isso? Incentivando, com inovação”, afirmou.
O discurso foi o primeiro de Leite presente na COP26. Na semana passada, o ministro anunciou por videoconferência uma alteração na promessa brasileira de corte de emissões (NDC), que corrigiu um recuo do país criticado por ambientalistas e cientistas.
“O governo federal fez movimentos importantes em relação a sua ND, à neutralidade de carbono, corte de metano, em florestas uma meta de desmatamento e agora é o momento de os grandes países, a União Europeia, os países ricos e o G7 mostrarem também um movimento claro para trazer uma solução”, disse.
Leite fez várias referências à promessa de criação de um fundo que desembolsará US$ 100 bilhões/ano para financiar a adaptação de países em desenvolvimento à mudança climática. “Precisamos de mais recursos do que US$ 100 bilhões. Saiu um estudo de um banco, que fala em US$ 5 trilhões por ano, tanto público quanto privado”, afirmou. O estudo foi bancado pelo Bezos Earth Fund, fundo de investimentos do bilionário Jeff Bezos.
Ao mencionar programas para geração de empregos verdes, Leite citou intenção do governo de promover seu programa de pagamento por serviços ambientais para pagar pela preservação de áreas usadas para extrativismo e ecoturismo, e citou "guardas florestais" como empregos que podem ser gerados por uma nova economia verde.
A ausência do adjetivo "ilegal" quando falou de desmate do próprio presidente Jair Bolsonaro, que normalmente usa esse qualificativo insinuando que a maior parte do agronegócio está em legalidade ao derrubar árvores.
A "Declaração de Glasgow Sobre Florestas e Uso da Terra", porém, da qual o Brasil é signatário, prevê "parar e reverter a perda de floresta e degradação da terra em 2030", sem menção a crime.
Isso colocaria o discurso de frear apenas desmate "ilegal" em contradição com um tratado ao qual diplomatas brasileiros acabaram de aderir. Leite não abriu espaço para esse questionamento após seu discurso, mas os senadores Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, e Kátia Abreu, líder ruralista, insistiram no uso da expressão.
Pacheco disse textualmente que acredita não ser necessário que o país zere o desmatamento como um todo para cumprir o acordo. Afirmou que o Congresso não pode aprovar legislação nova que abra margem para anistia a desmatadores ou recuo de áreas protegidas. Há ao menos cinco projetos de lei no país que abrem brecha para tal.
Enquanto Pacheco e Abreu falavam com jornalistas após o evento, Leite se retirou para uma sala reservada onde, segundo o MMA, participaria de reuniões bilaterais.
https://valor.globo.com/mundo/cop26/noticia/2021/11/09/aps-assinar-acordo-para-zerar-desmatamento-brasil-intensifica-cobrana-de-financiamento-por-pases-ricos.ghtml
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