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domingo, 24 de março de 2024

Por que o Brasil cresce pouco: pela falta de investimento, o físico e o social - Rolf Kuntz (Estadão)

 Interessante artigo do Rolf Kuntz, publicado no Estadão de hoje. Aponta um problema excluído das análises dos economistas do governo e do PT : a pífia taxa de investimento – 14,7% do Produto Interno Bruto (PIB) estimada pela Fundação Getúlio Vargas para o mês de janeiro ( menor que a taxa média mensal, de 16,3%, do período iniciado em janeiro de 2015

Maurício David

Novo país, só com novo crescimento

Se quiser produzir, em seu governo, um legado relevante, o presidente Lula terá de se empenhar nestes dois investimentos, o físico e o social 

Por Rolf Kuntz 

O Estado de S. Paulo, 24/03/2024


O morticínio em Gaza, a guerra na Ucrânia e as lambanças atribuídas ao ex-presidente Jair Bolsonaro são muito mais interessantes que a pífia taxa de investimento – 14,7% do Produto Interno Bruto (PIB) – estimada para o mês de janeiro pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Mas os cricris da imprensa, da Faria Lima e da academia podem apontar mais um detalhe sinistro. Além de pífia, essa taxa é menor que a mísera média mensal, de 16,3%, do período iniciado em janeiro de 2015. O presidente Lula pode ter excelentes motivos, ainda mais como presidente do Grupo dos 20, para dar mais atenção àqueles assuntos do que a uns números medíocres. Ministros da área econômica talvez possam, ou devam, gastar algum tempo com essas ninharias. Mas serão, mesmo, ninharias?

O otimismo presidencial só parece ter sido afetado, nos últimos dias, pela perda de popularidade apontada por algumas pesquisas. Ele cobrou mais trabalho dos ministros, mais atenção à saúde e maior esforço de comunicação. Maior empenho pode ser uma boa ideia, principalmente se houver objetivos claros e estratégias bem definidas. Os otimistas ainda esperam esses detalhes. O presidente pode, com razão, festejar o crescimento econômico de 2,9% no ano passado, mas o horizonte está pouco claro neste momento.

Os sinais positivos observados no começo do ano ainda são pouco entusiasmantes. A recuperação da indústria permanece como um dos desafios principais. A produção industrial diminuiu 1,6% em janeiro e acumulou avanço de 0,4% em 12 meses. Mas ainda ficou 0,8% abaixo do patamar pré-pandemia (começo de 2020) e em nível 17,5% inferior ao recorde alcançado em maio de 2011. Em fevereiro novo recuo deve ter ocorrido, segundo estimativa da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O País continua incapaz, tudo indica, de reverter a desindustrialização, mas o assunto foi pelo menos incluído na pauta do governo.

A produção deve ter aumentado 0,6% em janeiro, segundo o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br). O Monitor do PIB, atualizado mensalmente pela FGV, indicou expansão de apenas 0,1%, liderada pela agropecuária e pelos serviços. Mas a economia rural, embora ainda vigorosa, deve crescer menos neste ano que em 2023, segundo as últimas projeções. O avanço geral será mais dependente da indústria do que vem sendo há alguns anos. Mas o setor industrial dependerá de renovação e de muito investimento para reassumir, por um período longo, o velho papel de principal motor do crescimento.

Contudo, a formação de capital produtivo na indústria e na maior parte da infraestrutura tem sido, neste século, muito limitada. Tem-se investido muito mais na modernização e na expansão produtiva do agronegócio. Também os serviços têm avançado mais que o setor industrial na expansão da capacidade e na renovação. Somadas todas as parcelas, a taxa de investimento da economia continua muito abaixo da necessária para sustentar um crescimento mais vigoroso. A média do período iniciado em 2015 foi estimada pela FGV em 16,3% do PIB. É uma taxa muito inferior, portanto, àquelas observadas no mundo emergente, com frequências superiores a 20% do PIB.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conhece a importância da formação de capital produtivo, mas tem-se mostrado, na prática, pouco propenso a cuidar do assunto de uma forma ampla. Não se vai longe quando se concentra o esforço nos chamados “investimentos sociais” e pouco se trabalha pelos outros objetivos. Uma boa malha de transportes – para citar um exemplo fácil – pode beneficiar tanto o grande empresário rural ou industrial quanto as populações mais necessitadas.

A atenção a essas populações depende, é claro, de políticas especiais e às vezes complexas, mas um governo eficiente deve buscar ao mesmo tempo o aumento da produção e a promoção da igualdade. Importantes em todo o mundo, as políticas educacionais e de formação de mão de obra são especialmente relevantes no Brasil, assim como o saneamento e a promoção da saúde pública. O setor privado pode ter papel importante nessas tarefas, mas a responsabilidade básica e intransferível é do setor público.

Para isso é preciso gastar muito, com muita competência e com muito cuidado na fixação de objetivos, porque o dinheiro é escasso e o orçamento público é muito ruim. Recursos públicos são engessados, a gestão de pessoal é pouco flexível e a elaboração orçamentária é sujeita à apropriação de verbas para fins pessoais de parlamentares. Num país onde faltam recursos para investir em equipamentos materiais, pode ser especialmente difícil mobilizar capital e vontades para o desenvolvimento humano. Se quiser produzir, em seu governo, um legado relevante, o presidente Lula terá de se empenhar nestes dois investimentos, o físico e o social, ambos essenciais para a construção de um país mais produtivo e mais moderno em todos os sentidos. Se engajar todos os ministros nessa aventura, ainda terá de batalhar pelo apoio, muito mais difícil, de parlamentares muito raramente voltados para grandes questões nacionais.

*JORNALISTA


segunda-feira, 24 de abril de 2023

Lula perdido no vasto mundo - Rolf Kuntz (OESP)

ESPAÇO ABERTO

Lula perdido no vasto mundo

Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo, 23/04/2023

Com muito falatório e pouco governo, Lula se afunda em bobagens, iguala agressor e agredido e assusta os parceiros ocidentais 

O mundo, mundo, vasto mundo de Carlos Drummond de Andrade é certamente maior que o universo petista, insuficiente até para eleger o candidato Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. Aparentemente esquecido da ampla diversidade política de seus eleitores, o presidente Lula insiste em agir como se o Brasil e o sistema internacional fossem extensões de Vila Euclides, berço sindical de sua carreira pública. Rebaixado à condição de pária pelo presidente Jair Bolsonaro, o País começou, com a mudança de governo, a retomar sua posição no sistema regional e na ordem global. Esse retorno seria mais fácil e mais seguro se o principal porta-voz brasileiro parasse de falar bobagens, levasse em conta o Direito Internacional, deixasse de afrontar sem razão Estados Unidos e Europa e considerasse mais seriamente os interesses nacionais.

O presidente brasileiro poderia, talvez, pensar no exemplo de seus gentis anfitriões na China, maior parceira comercial do Brasil. Sem descuidar de seus interesses, os chineses continuaram, nos últimos três anos, tomando espaço dos exportadores brasileiros nos maiores mercados sul-americanos. Em 2022, ocuparam o primeiro lugar nas vendas à Argentina.

O presidente Lula conseguiu impedir, por enquanto, acordos comerciais entre a China e outros países do Mercosul. Mas só impedirá a desorganização do bloco se coordenar uma negociação conjunta com os chineses. Isso dependerá muito mais de ação diplomática e de bons argumentos práticos do que de retórica. Paraguaios e uruguaios têm respeitáveis motivos, há muito tempo, para abandonar a fidelidade a um bloco estagnado e distante dos objetivos originais de cooperação produtiva e de inserção global.

Mas o presidente Lula tem mostrado mais inclinação para a retórica, para as picuinhas e para o falatório de palanque do que para a administração e para as políticas mais ambiciosas. Demorou cerca de três meses e meio para apresentar suas metas fiscais e formalizar o compromisso, ainda discutível, com o equilíbrio das contas públicas. Esse objetivo dependerá, como já indicaram analistas, de maior arrecadação, embora o ministro da Fazenda negue a intenção de impor maior peso aos contribuintes. Além disso, nenhum plano ou roteiro de governo foi apresentado até agora. Mas o presidente encontrou tempo para tolices administrativas, como a transferência da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), importante instrumento da política agrícola, para o insignificante Ministério do Desenvolvimento Agrário – uma decisão tecnicamente injustificada e obviamente ideológica.

Na política externa, as manifestações mais ostensivas têm sido grotescas ou desastrosas. A viagem à China foi encerrada com uma declaração infantil sobre a predominância do dólar em negócios internacionais. Sem se envolver no episódio ridículo, o presidente Xi Jinping até pode ter gostado da canelada nos Estados Unidos, mas certamente conservará o enorme volume de reservas cambiais em moeda americana, cerca de US$ 3,1 trilhões.

Se a segunda maior economia do mundo conserva esse dinheiro, deve haver uma razão ponderável, assim como deve haver uma boa razão para o uso do euro no dia a dia da União Europeia. Ninguém está proibido de negociar com outras moedas, especialmente em blocos econômicos, mas quem quer acumular reservas em reais, liras turcas ou pesos argentinos? Lula terá, em algum momento, considerado essas questões?

Nem todas as falas de Lula têm sido, no entanto, inconsequentes e engraçadas. Ao tratar como equivalentes um Estado agressor, a Rússia, e um Estado agredido, a Ucrânia, o presidente brasileiro atropelou uma das noções mais importantes do Direito Internacional, enunciada no artigo 51 da Carta das Nações Unidas e amadurecida em séculos de negociações e de elaborações teóricas.

Pelas normas internacionais, a violência só é admissível como resposta a um ataque. Também é inaceitável a chamada agressão preventiva – quando se fala, por exemplo, no perigo potencial gerado pela expansão da Otan ou quando se denuncia, com ou sem razão, a existência de armas de destruição em massa num país qualquer. O ataque à Ucrânia é tão contrário à regra internacional quanto foi a invasão do Iraque no começo deste século.

Pode-se até desculpar, em Lula, a ignorância da lei internacional, mas, neste caso, ele ignorou também uma norma simples do Código Penal e, é claro, uma regra básica da ética e da civilidade. Ao cometer esse erro, alinhou o Brasil à política criminosa de um autocrata. Diante da reação internacional, e certamente aconselhado por auxiliares mais informados e mais sensatos, o presidente mudou suas palavras e condenou, na terça-feira, a violação territorial da Ucrânia. Mas a tentativa de correção soou fraca e foi insuficiente para anular o enorme equívoco das declarações anteriores. Com tantos desastres, Lula talvez entenda, finalmente, a conveniência de falar menos, de consultar mais os assessores mais prudentes e de – afinal – dar mais atenção ao trabalho e começar, de fato, a governar o País.


segunda-feira, 11 de junho de 2018

Rolf Kuntz: Brasil a caminho do caos economico (OESP)

O presidente preferiu dialogar a assumir sua responsabilidade e jogou o Brasil no caos

Rolf Kuntz, O Estado de S.Paulo
10 Junho 2018 | 03h00
Incompetência, fraqueza, ignorância e despreparo. Pode haver palavras mais duras, mas nenhuma expressão mais suave, para explicar os erros cometidos pelo governo, sob responsabilidade do presidente Michel Temer, em reação à crise no transporte rodoviário. É enorme a lista de barbaridades: piso para o frete, subsídio bilionário a transportadores, tentativa de regular preços nas bombas, fiscalização anacrônica, desordem no Orçamento da União, aumento de custos para os setores produtivos, ampliação da incerteza econômica e, naturalmente, riscos novos para a Petrobrás, ainda em recuperação dos estragos causados pela gestão petista. Ao deixar-se acuar, o presidente cedeu rapidamente às imposições dos caminhoneiros grevistas e, segundo autoridades federais, de empresas culpadas de locaute. Prevaleceu, segundo Temer, a vocação do governo para o diálogo. Mas a explicação apenas confirma um erro deliberado. Ao escolher esse caminho, ele renunciou à autoridade, abandonou a responsabilidade correspondente, depreciou o próprio cargo e se curvou a criminosos – porque o bloqueio de estradas é crime, assim como o locaute.
Poderia ter recebido as queixas até com simpatia, mas só deveria discutir soluções depois do retorno à legalidade – fim da interrupção do tráfego rodoviário e de qualquer manobra de locaute. Até a trégua encenada, com o estacionamento dos caminhões nos acostamentos, foi irregular, por ser uma evidente violação das normas de trânsito e dos princípios de segurança. Acostamento é só para emergências, como sabe qualquer motorista licenciado honestamente.
A precipitação e o despreparo do presidente e de seus auxiliares e conselheiros mais próximos ficaram escancarados, até para os mais distraídos, quando produtores e exportadores começaram a reclamar dos novos fretes, impostos por decisão do governo.
As operações com grãos foram interrompidas enquanto empresários protestavam. A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) pediu em ofício ao presidente da República a suspensão da tabela de preços mínimos para o transporte rodoviário, mencionando alta de 51% a 152% no frete.
Outras entidades ligadas ao agronegócio também se mobilizaram e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) informou estar avaliando “possíveis medidas judiciais e administrativas” contra a fixação de valor mínimo para o transporte rodoviário de cargas. O governo refez a tabela de fretes, numa tentativa de apaziguar empresários da indústria e do agronegócio, mas então o protesto veio do outro lado, com caminhoneiros ameaçando ir à Justiça em caso de perdas. Com qualquer tabela o presidente Michel Temer produzirá descontentamento e, pior, poderá multiplicar os entraves à atividade econômica.
O governo está conseguindo humilhar a oposição. Nem seus adversários mais intratáveis conseguiram agir com tanta eficiência para atrapalhar a recuperação econômica. Enquanto deu prioridade aos objetivos dos ministros da Fazenda e do Planejamento, o presidente conseguiu resultados importantes. O País saiu do buraco, depois de dois anos de recessão, o desemprego caiu e houve progressos tanto na reparação das contas públicas quanto na aprovação de reformas. A aproximação das eleições aumentou a insegurança política e alterou a disposição da impropriamente chamada base governamental. A pauta de reformas ficou emperrada, o desemprego voltou a subir e os negócios fraquejaram no primeiro trimestre.
Apesar disso, algum ânimo restou entre consumidores e empresários. A produção industrial em abril, 0,8% maior que a de março e 8,9% superior à de um ano antes, foi avaliada como sinal de vigor renovado. Até estimulou algum otimismo, de novo, quanto à evolução da economia neste ano. A paralisação do transporte afetou severamente a atividade em maio, como já indicaram os dados da produção automobilística e as perdas apontadas por vários setores. Mas falta saber a extensão dos danos causados pela mexida nos preços e condições do transporte e pelo desgoverno implantado pelo presidente e seus conselheiros preferenciais, a trupe formada pelos ministros Marun, Padilha e Moreira Franco.
A interferência na Petrobrás foi confirmada com a abertura, pela Agência Nacional do Petróleo, de consulta pública sobre a política de preços. Autoridades negam, mas a entrada na área de decisões da estatal é indisfarçável. Resta aos dirigentes da empresa tentar atenuar os efeitos da invasão. Podem conseguir algum bom resultado, mas o precedente foi criado e é preocupante.
A baderna fiscal também pode ter custos consideráveis. Para financiar o subsídio ao uso do diesel, com custo estimado em R$ 13 bilhões, o governo terá de mexer na distribuição de despesas de um Orçamento já muito apertado. O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, prometeu resolver o problema sem agravar o desajuste das contas públicas. O acerto contábil pode estar garantido, mas a qualidade do gasto, já baixa, será certamente prejudicada.
Neste país de piadas prontas, tudo isso ocorreu enquanto especialistas do Tribunal de Contas da União (TCU) concluíam relatório com recomendação de parcimônia e cuidados na concessão de qualquer renúncia fiscal. Subsídios pertencem obviamente a esse conjunto. Ao mesmo tempo, o ministro do Planejamento, Esteves Colnago, defendia no Congresso o teto de gastos e a realização de reformas para garantir a eliminação do déficit primário nos próximos três ou quatro anos. Sem isso, acrescentou, ainda haverá esse buraco em 2024 ou 2025, sem sobra, portanto, para o pagamento de juros. Uma das consequências óbvias será o crescimento da dívida pública, já muito mais pesada que a da maioria dos emergentes. Seria um bom assunto para o presidente da República, se ele ainda estivesse interessado no desafio de governar o Brasil.
*Jornalista

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Relembrar para nao esquecer: licoes de economia de Tia Dilma (novembro de 2012) - Rolf Kuntz (OESP)

Nada como acompanhar a realidade em sua lenta evolução para o desastre, e nada como relembrar como tudo foi sendo montado, com base em muita arrogância, e também, por que não dizer?, em muita estupidez econômica, típica dos Aedes Unicampi, aqueles keynesianos de botequim que não só nunca aprenderam economia, mas também se recusam a aprender com a experiência.
Reproduzo a partir de meus arquivos implacáveis os primeiros passos daquilo que eu chamo de Grande Destruição.
Quem estiver interessado em saber minha opinião, leia este trabalho:
The Great Destruction in Brazil: How to Downgrade an Entire Country in Less Than Four Years”, Mundorama (n. 102, 1/02/2016, ISSN: 2175-2052; link: http://www.mundorama.net/2016/02/01/the-great-destruction-in-brazil-how-to-downgrade-an-entire-country-in-less-than-four-years-by-paulo-roberto-de-almeida/); disseminado no Facebook (https://www.facebook.com/paulobooks/posts/1079351252128324).
Paulo Roberto de Almeida

As lições de Tia Dilma
Rolf Kuntz
O Estado de S.Paulo, 21 de novembro de 2012

A presidente Dilma Rousseff aproveitou a viagem à Espanha para oferecer aos governantes europeus, mais uma vez, lições de política econômica. Nenhuma autoridade local perguntou à visitante por que a economia brasileira deve crescer tão pouco neste ano - talvez nem 2% -, depois do fiasco dos 2,7% em 2011. Enquanto ela completava suas lições e propunha maior autonomia para o Banco Central Europeu, em Brasília a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, divulgava mais um constrangedor balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Desde o início do governo até setembro, foram aplicados R$ 385,9 bilhões em "obras de infraestrutura logística, social e urbana", segundo os dados oficiais. Mas esse valor inclui R$ 154,9 bilhões de financiamentos habitacionais e de subsídios ao programa Minha Casa Minha Vida. Esses financiamentos correspondem a 40,1% do total contado como investimento. Faltou a presidente explicar aos europeus se essa forma de contabilidade é parte do pragmatismo por ela defendido durante a cúpula ibero-americana. Ou dizer se é pragmático tentar impor sem conversa prévia os contratos de renovação de concessões às companhias do setor elétrico. A depreciação das ações da Eletrobrás, R$ 7,9 bilhões de 11 de setembro a 19 de novembro, parece indicar uma resposta negativa.
Em seus comentários mais sensatos, a presidente defendeu uma combinação de austeridade e crescimento como a fórmula mais eficiente para o ajuste europeu. A arrumação fiscal, ponderou, será muito mais difícil, penosa e pouco frutífera, se depender apenas do corte de gastos e do aumento de impostos. Mas esse comentário foi mera repetição do discurso apresentado muitas vezes por dirigentes do Fundo Monetário Internacional (FMI), por economistas de várias nacionalidades e por alguns governantes europeus. Sem acrescentar a mínima novidade em relação a esse ponto, a presidente permitiu-se, no entanto, reescrever a história econômica à sua maneira. Para reforçar sua argumentação, citou a experiência latino-americana dos anos 80 e 90, quando os governos do Brasil e de outros países foram, segundo o seu relato, orientados pelo FMI a adotar políticas de ajuste sem espaço para crescimento.
Essa versão é popular, mas a história é um pouco mais complicada e inclui detalhes mais instrutivos. Dezenas de países afundaram na crise da dívida externa, nos anos 80. O drama começou quando o Federal Reserve, o banco central americano, iniciou um drástico aumento de juros em 1979. O desastre generalizou-se em 1982, mas vários países entraram em apuros bem antes disso. A renegociação das dívidas foi vinculada a duros programas de ajuste, jamais cumpridos integralmente por alguns governos, incluído o brasileiro.
O programa inicial de ajuste adotado no Chile foi reformado e substituído, com bons resultados, depois de algum tempo. O governo coreano iniciou a arrumação em 1979. O país entrou em recessão em 1980 e em seguida voltou a crescer velozmente, com déficit fiscal reduzido, grande aumento de exportações e investimentos sempre superiores a 30% do PIB. Chile e Coreia saíram da crise com as contas públicas em ordem, inflação baixa e medidas fundamentais para competir e crescer.
Falta algo, portanto, na versão popular, repetida pela presidente Dilma Rousseff, da história da crise e dos ajustes dos anos 80. Falta explicar por que alguns países - Coreia e Chile são apenas dois dos exemplos mais notáveis - emergiram da fase de provação muito mais fortes do que antes. Outras economias da Ásia atingidas pela crise da dívida também se tornaram mais eficientes a partir da segunda metade dos anos 80. A maior parte dos países latino-americanos ficou para trás porque os governos foram incapazes, por muito tempo, de abandonar velhos vícios e de favorecer a eficiência. Não se deve atribuir esse atraso a algum excesso de austeridade, mas à insistência na prática de contemporizar em vez de enfrentar os problemas.
Quando os governantes se dispuseram, afinal, a adotar reformas e políticas sustentáveis, as contas públicas melhoraram, a inflação caiu, as contas externas se tornaram superavitárias e as reservas cresceram. Por essas mudanças, e nada mais, as ações de socorro do FMI à América Latina foram bem menos frequentes nos primeiros anos deste século do que nas três ou quatro décadas anteriores.
Nenhuma dessas conquistas é irreversível. Em alguns países, o grande risco é a tentação do populismo. No Brasil, a tentação mais perigosa é a dos controles autoritários. A intervenção nos preços dos combustíveis, as pressões para corte de juros, o jogo perigoso de tolerância à inflação e as trapalhadas na política do setor elétrico são elementos desse quadro. O atraso nos projetos da Petrobrás é uma das consequências. A presidente seria provavelmente menos propensa a dar lições se pensasse um pouco mais sobre esses fatos.
* JORNALISTA

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Politica economica companheira: destruicao das contas nacionais, sem ministro da economia

Como a imprensa vem tratando nas novelas econômicas atualmente em curso?
Rolf Kuntz aborda a cobertura da imprensa sobre os temas do momento.
Paulo Roberto de Almeida

Um drama com histórias paralelas

 Rolf Kuntz

Poucas vezes na história da República a nomeação de um ministro da Fazenda foi acompanhada com tanta ansiedade no mercado financeiro. Um mês depois de reeleita, a presidente Dilma Rousseff continuava tentando preencher o posto mais importante de sua nova gestão – o mais estratégico, pelo menos, para dar segurança aos dois primeiros anos do segundo mandato e livrar o país de um rebaixamento pelas agências de crédito. No sábado (22/11), os grandes jornais noticiaram o convite ao economista e ex-secretário do Tesouro Joaquim Levy, mas com a ressalva: o anúncio da escolha, esperado para sexta-feira, havia sido adiado. Talvez nunca tenha sido tão difícil preencher um cargo quase sempre muito cobiçado.
Enquanto narrava a trabalhosa procura de um nome para a Fazenda, a imprensa noticiava também outros desdobramentos da crise fiscal
O convite já havia sido recusado pelo presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco. O nome do banqueiro havia aparecido numa lista de sugestões do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, empenhadíssimo em assessorar a presidente reeleita na composição do ministério. Jornais informaram tanto a ida de Trabuco a Brasília quanto sua recusa. O nome de Levy, diretor da Bradesco Asset Management, apareceu depois.
Todos deram algum perfil do ex-secretário do Tesouro. O Estado de S.Paulo citou a opinião desfavorável de petistas e descreveu o ministro Guido Mantega como magoado com a escolha: Levy seria “visto como um contraponto à sua gestão”. O perfil mais detalhado, o da Folha de S.Paulo, lembrou a participação do possível futuro ministro no manifesto “Sob a Luz do Sol – uma Agenda para o Brasil”, divulgado em agosto por um grupo de economistas considerados liberais. “Não sobra nada da política econômica do primeiro governo Rouseff nesse manifesto”, segundo o texto da Folha.
Segundo parte da imprensa, a presidente havia adiado o anúncio para apresentar toda a equipe econômica na mesma data, provavelmente 27/11. Segundo outra explicação, ela havia decidido esperar a votação, prevista para terça-feira (25), de um polêmico projeto de mudança da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Com essa alteração, o governo poderia abater da meta fiscal investimentos e desonerações em valor suficiente para acomodar qualquer resultado. Na prática, a mudança equivaleria a eliminar a obrigação de alcançar um determinado superávit primário.
Dívida sem controle
Enquanto narrava a trabalhosa procura de um nome para a Fazenda, a imprensa noticiava também outros desdobramentos da crise fiscal. Durante a semana, todos os grandes jornais acompanharam a tramitação do projeto de mudança da LDO. Um detalhe especialmente interessante, mencionado só em algumas matérias, foi uma alteração do texto original pelo relator, senador Romero Jucá (PMDB-RR). Ele trocou a palavra “meta” pelo termo “resultado”, eliminando, portanto, qualquer referência a um valor tomado como objetivo da política.
No fim da semana, todos informaram o resultado da nova revisão bimestral de receitas e despesas, uma tarefa cumprida pelo Ministério do Planejamento. Pela nova revisão, a meta do governo central, fixada em R$ 80,8 bilhões no começo do ano, foi agora reduzida a R$ 10,1 bilhões. É um resultado meramente simbólico.
A matéria mais sombria sobre a crise das finanças públicas foi publicada, no entanto, no começo da semana pelo Valor.Segundo a reportagem, “de janeiro até a segunda quinzena de outubro o total de vencimento de títulos superou as novas emissões em R$ 167 bilhões”. Traduzindo: mesmo oferecendo uma das taxas de juros mais altas do mundo, o Tesouro tem sido incapaz de rolar integralmente a dívida pública. Título da matéria: “Tesouro tem dificuldade para emitir”. Esse detalhe, informado na edição de segunda-feira (17/11), deu um toque especialmente dramático à procura de um nome para desatar o rolo das finanças públicas federais. É mais um bom exemplo de uma importante matéria fora da pauta comum.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O Estado Islamico do Cerrado Central degola as contas publicas - Rolf Kuntz

Parece piada mas é trágico. Está em jogo o equilíbrio econômico do país. Os companheiros conseguiram destruir a Petrobras. Agora estão destruindo a economia.
Paulo Roberto de Almeida



A grande tolerância – da inflação ao terrorismo

Tolerância é a grande marca da candidata Dilma Rousseff: tolerância à inflação, ao desarranjo das contas públicas, à estagnação da economia brasileira, aos desaforos dos parceiros bolivarianos e pro-bolivarianos e, é claro, ao terrorismo internacional. Depois do humilhante desempenho de sua chefe em Nova York, o chanceler Luiz Alberto Figueiredo tentou limpar o vexame. Não houve sugestão, segundo ele, de diálogo com o Estado Islâmico. De acordo com o ministro, a presidente propôs diálogo “no âmbito da comunidade internacional” para solução dos problemas da Síria e do Iraque. O esforço do diplomata foi inútil. Não havia como desmentir o óbvio. Depois de lamentar “enormemente” os bombardeios, a presidente recomendou a busca do entendimento entre os “dois lados”. Talvez por falha de comunicação, ou por diferença de fuso horário, um dos “lados” estava ocupado em cortar a cabeça de mais um refém. O decapitado foi um francês, porque o destinatário principal da mensagem, nesse caso, era a França. O presidente François Hollande talvez devesse ter dialogado. Mas dialogar, nesse caso, significaria obedecer.
As demais tolerâncias da presidente Dilma Rousseff, a começar pela tolerância aos próprios erros, também foram expostas em sua passagem pelos Estados Unidos. Apresentando-se como chefe de Estado e de governo, mas agindo principalmente como candidata, ela aproveitou seu discurso na ONU e o contato com a imprensa para alardear os feitos da administração petista e condenar qualquer ensaio de seriedade no combate à inflação e a outros problemas, nunca plenamente reconhecidos, da economia brasileira.
Nova York foi apenas um palanque especial para a campanha. Lá, como no Brasil, a candidata continuou falando sobre a inflação como se a variação dos preços nunca tivesse ficado acima da meta, isto é, acima de 4,5%, e a gestão das contas públicas fosse a mais prudente e austera. Na mesma semana foi anunciado o uso de R$ 3,5 bilhões do Fundo Soberano para fechar as contas de 2014. A ideia foi logo defendida pela candidata, mas criticada até por funcionários da equipe econômica. O uso desse dinheiro, argumentam esses críticos, envolverá a venda – com a consequente desvalorização – de grande volume de ações do Banco do Brasil. Mas essa discussão só ocorre porque faltou no governo o debate, muito mais importante, sobre como cuidar direito das contas públicas.
A arrecadação de agosto, embora anabolizada com R$ 7,13 bilhões do Refis – o programa de refinanciamento de dívidas tributárias – foi insuficiente para mudar o panorama fiscal. A arrecadação de janeiro a agosto, R$ 771,79 bilhões, foi apenas 0,64% maior que a de igual período de 2013, descontada a inflação. Há alguns meses o pessoal da Receita ainda projetava um crescimento real de 3% neste ano. Agora se estima 1% e esse resultado ainda vai depender de mais anabolizantes, como novos pagamentos do Refis, dividendos, bônus de concessões e até o dinheiro do Fundo Soberano.
Nova York foi apenas um palanque especial para a campanha. Lá, como no Brasil, a candidata continuou falando sobre a inflação como se a variação dos preços nunca tivesse ficado acima da meta e a gestão das contas públicas fosse a mais prudente e austera
O fiasco da arrecadação é explicável em boa parte pelo baixo nível de atividade econômica. Ao divulgar os valores acumulados em oito meses, o pessoal da Receita chamou a atenção, em seu relatório, para alguns dos “principais fatores”. De janeiro a agosto a produção industrial foi 2,7% menor que a de um ano antes. As vendas de bens e serviços, no varejo, 0,09% inferiores. O valor das importações, em dólares, 1,2% mais baixo que o dos mesmos oito meses de 2013.
Sem poder negar esses e outros números muito ruins, a presidente Dilma Rousseff e seus ministros atribuem a paradeira econômica do Brasil à situação internacional. Em outras palavras, os problemas vêm de fora, porque o governo cuida muito bem da economia nacional. Mas também essa conversa é desmentida seguidamente pelos fatos. A economia americana cresceu no segundo trimestre em ritmo equivalente a 4,6% ao ano. Além disso, o produto interno bruto (PIB) do período de abril a junho foi 2,9% maior que do mesmo trimestre do ano anterior. As economias peruana, colombiana e chilena continuam com desempenho muito melhor que o da brasileira, apesar de alguma desaceleração – e todas com inflação muito menor. Nem é preciso citar os casos da China e de outras potências da Ásia.
Nem o governo federal projeta para este ano um crescimento econômico acima de 0,9%. Esse número foi divulgado há poucos dias pelo Ministério do Planejamento, juntamente com a revisão de receitas e despesas orçamentárias do quarto bimestre. No mercado, a projeção do aumento do PIB já havia caído para 0,3%.
A inflação, depois de hibernar por alguns meses, saiu novamente da toca. Na sexta-feira o IBGE divulgou sua nova pesquisa do Índice de Preços ao Produtor (IPP). O aumento, em agosto, foi de 0,48%. Foi a primeira alta desde fevereiro. A elevação acumulada em 12 meses é pequena, 2,5%, mas a aceleração é clara e já havia sido indicada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em sua coleta dos preços por atacado. A reação dos preços ao consumidor também é evidente. Nas quatro últimas coletas, o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S), também da FGV, passou por 0,12% em 31 de agosto e 0,21%, 0,39% e 0,43% nas pesquisas seguintes. Os números são atualizados semanalmente, mas sempre com base num período equivalente a um mês. O IPCA-15, prévia do índice oficial produzido pelo IBGE, bateu em 0,39% no período encerrado no meio de setembro. Em 12 meses a alta acumulada chegou a 6,62%.
A candidata continua recusando, no entanto, qualquer ação séria para conter a alta de preços. Ações sérias poderiam incluir uma administração melhor das contas públicas, com menor gastança e menor distribuição de benefícios fiscais e subsídios. Em caso de necessidade, o Banco Central poderia elevar os juros básicos, mantidos em 11%. A presidente rotula essas políticas como recessivas. É uma fala surrealista, num cenário de estagnação com inflação. Mas há quem pareça acreditar.
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/9/2014

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Economia brasileira: no fundo do poco (mas ja chegou ao fundo?) - Rolf Kuntz

Sem comentários. E precisa? Está tudo aí...
Prêmio IgNobil de Economia para os keymesianos de botequim do governo.
Eles conseguiram afundar o capitalismo no Brasil.
Bem, era o que estava no programa do PT, não era?
Paulo Roberto de Almeida

Chegamos ao fundo ou ainda há poço?
Rolf Kuntz, jornalista.
O Estado de S. Paulo, 23/08/2014

Chegamos ao fundo do poço. Essa foi a declaração mais otimista de uma autoridade econômica na última semana. De agora em diante a criação de empregos vai melhorar, prometeu o entusiasmado ministro do Trabalho, Manoel Dias, depois de anunciar a contratação formal, em julho, de 11.796 pessoas. Esse número, 71,55% menor que o de um ano antes, foi o mais baixo para um mês de julho nos últimos 15 anos. O mensageiro da pior notícia no dia seguinte, sexta-feira, foi o secretário adjunto da Receita Federal, Luiz Fernando Teixeira Nunes. No mês passado, o governo federal arrecadou R$ 98,82 bilhões, 1,6% menos que em julho de 2013, descontada a inflação. A arrecadação de sete meses, R$ 677,41 bilhões, foi apenas 0,01% maior que a de janeiro-julho do ano passado, em termos reais. Fundo do poço?
O secretário adjunto preferiu evitar novas projeções. Mas deu uma pista: o crescimento real da receita, neste ano, dificilmente chegará aos 2% previstos no mês passado. Antes dessa, a expansão estimada era de 3%. Com a arrecadação cada vez mais longe da meta, dia a dia fica mais improvável o resultado fiscal prometido para o ano: superávit de R$ 80,7 bilhões nas contas do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) e de R$ 99 bilhões no balanço geral do setor público. Enquanto isso, o Executivo federal vai recorrendo a truques para enfeitar sua contabilidade pelo menos no curto prazo. O novo truque, segundo o noticiário dos últimos dias, é atrasar o repasse de dinheiro à Caixa e ao Banco do Brasil, agentes financeiros de vários programas federais.
O Banco Central (BC) descobriu a jogada e pediu explicações. A Caixa recorreu à Advocacia-Geral da União para mediar o conflito com o Tesouro. A confusão tornou-se mais evidente quando o problema com o Banco do Brasil se tornou público. A história pode envolver mais que uma nova tentativa de tornar as contas públicas menos feias, por alguns meses, por meio do atraso de repasses. Na prática, os dois bancos obviamente financiaram o Tesouro, porque realizaram pagamentos antes de receber o dinheiro. Saber se é possível classificar essas operações como financiamentos, formalmente, é outra história. Se a caracterização for possível, terá sido violada a Lei de Responsabilidade Fiscal. Essa lei proíbe o banco público de financiar o Tesouro.
De toda forma, o governo continua apostando em receitas extraordinárias para ajeitar seu balanço. Se der tudo certo, as contas ainda serão reforçadas, neste ano, por dividendos, bônus de concessões de infraestrutura e pagamentos de obrigações tributárias em atraso. A reabertura do Refis, o programa de refinanciamento, deve proporcionar uma arrecadação adicional de até R$ 18 bilhões, segundo as projeções do Tesouro. No caso dos dividendos, a situação da Caixa é um tanto complicada. O governo exige sua participação em novo socorro financeiro às distribuidoras de eletricidade e, ao mesmo tempo, cobra dividendos maiores que os combinados há algum tempo. A pressão se completa, como se descobriu recentemente, com o atraso de repasses de dinheiro para programas sociais.
A bagunça na administração do dinheiro público é talvez a parte mais pitoresca da história. Mas a narrativa só se completa com a inclusão dos erros de política econômica. Uma tabela da Receita Federal discrimina a evolução real dos valores arrecadados de dez grande setores - entidades financeiras, indústria automobilística, empresas de telecomunicações, mineradoras de metais, fabricantes de químicos, produtores de máquinas e equipamentos, metalúrgicas, comércio e reparação de veículos e motocicletas, fabricantes de materiais e aparelhos elétricos e fabricantes de produtos de borracha e de plástico. Entre janeiro e julho, a arrecadação obtida em todos esses setores foi menor que a de um ano antes. A redução média foi 11%. Outros segmentos proporcionaram um ganho de 4,05%. O resultado total foi uma queda de 1,09%.
O fiasco da arrecadação é explicável por dois fatores principais, a estagnação da maior parte das atividades e a insistência do governo em manter desonerações de impostos para setores selecionados. O fracasso dessa política seletiva e da ênfase no consumo é comprovado, de novo, pelo mau desempenho da indústria e pela redução do emprego industrial. Segundo o Ministério do Trabalho, a indústria de transformação fechou 15.392 postos em julho (diferença entre contratações e demissões).
Os efeitos dessa política aparecem também na balança comercial. De janeiro a julho, a receita obtida com a exportação de manufaturados foi 8,5% menor que a de um ano antes, pela média dos dias úteis. Essas vendas proporcionaram nesse período 34,5% da receita do comércio externo. Um ano antes, essa parcela havia correspondido a 37,5%. De janeiro a dezembro de 2013 a participação chegou a 38,44%. Em 2007 ainda estava em 52,25%. A queda muito sensível nos anos seguintes mostra principalmente a perda do poder de competição da indústria brasileira. O câmbio explica uma parte do problema. A causa principal é mesmo a perda geral de eficiência da economia brasileira e, de modo especial, da indústria de transformação.
A soma dos investimentos do setor privado e do setor público nunca bateu em 20% do produto interno bruto (PIB) desde a virada do milênio e essa proporção caiu seguidamente nos últimos quatro anos. A impropriamente chamada política industrial nunca foi muito além, nos últimos anos, de uma pobre combinação de protecionismo comercial com favores especiais a setores e grupos selecionados. Além de muito custosa e contraproducente, essa política foi executada sempre com base em critérios pouco claros.
Talvez o País tenha chegado ao fundo do poço. Talvez ainda haja alguma descida. De toda forma, a economia estará em mau estado quando começar o novo mandato presidencial. Segundo vários analistas, qualquer presidente eleito terá de iniciar sérios ajustes em 2015. Mas essa avaliação pode ser otimista. Nesse caso, haja poço.

terça-feira, 29 de julho de 2014

O nanismo diplomatico desta vez no Mercosul - Rolf Kuntz


O fiasco do Mercosul e a diplomacia de banquinho

Foi uma semana dura para a diplomacia brasileira e revoltante para os anões. Na quinta-feira, o governo de Israel ofendeu os baixinhos de todo o mundo ao descrever o Brasil como um anão diplomático. Três dias antes o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, havia cobrado, em tom quase paternal, mais empenho de Brasília para a conclusão do acordo comercial do Mercosul com o bloco europeu. Os dois fatos evidenciaram, mais uma vez, a desmoralização e a falência da política externa brasileira, tanto na área comercial quanto na geopolítica. O fato coberto com maior destaque foi o bate-boca entre funcionários de Brasília e de Tel-Aviv, mas os dois episódios são partes da mesma história.
Anões, ao contrário da atual diplomacia brasileira, inaugurada em 2003, podem ser inteligentes, eficientes, equilibrados e relevantes. Outros governos têm pressionado o de Israel e cobrado a suspensão ou moderação dos ataques à Faixa de Gaza, mas nenhum deles pagou o mico de se explicar e de responder em tom quase meigo a um porta-voz de chancelaria. A explicação oferecida: o Brasil criticou apenas a violência “desproporcional” de Israel, sem contestar seu direito de defesa. A resposta complementar: o Brasil mantém relações diplomáticas com todos os membros da ONU e, portanto, se houver algum anão, será outro país. A explicação e a réplica foram apresentadas pelo chanceler Luiz Alberto Figueiredo. Polidamente, ele se absteve de mostrar a língua e de chamar de feio o funcionário israelense.
Ator relevante age com clareza e se dispensa de explicações. A manifestação brasileira nesse caso, como em muitos outros, confirmou a inépcia da orientação formulada no Palácio do Planalto e seguida no outrora respeitado Itamaraty. Esse amadorismo, inspirado num terceiro-mundismo requentado e rejeitado por emergentes de respeito, tem-se evidenciado também na diplomacia comercial.
O Brasil é a maior economia da América Latina, mas seu governo é incapaz de desemperrar a negociação entre o Mercosul e os europeus. “A mim me parece um bocadinho absurdo que a União Europeia tenha acordos de livre-comércio com praticamente o mundo inteiro e não tenha com o Brasil”, disse na segunda-feira o presidente da Comissão Europeia.
Por que “um bocadinho absurdo”? Para entender, basta pensar no tamanho da economia brasileira. Esse detalhe foi mencionado também pelo funcionário israelense. Ele qualificou o Brasil como gigante econômico, antes de chamá-lo, por contraste, de anão diplomático. Um contraste semelhante esteve implícito, mesmo com boa intenção, no comentário de Durão Barroso.
Absurdo, mesmo, é um país do tamanho do Brasil ter uma diplomacia subordinada aos interesses chinfrins da aliança entre o petismo, o kirchnerismo e o bolivarianismo
O presidente da Comissão Europeia foi até generoso. Teria sido menos gentil se tivesse ido mais fundo na avaliação do impasse. Absurdo, mesmo, é um país do tamanho do Brasil ter uma diplomacia subordinada aos interesses chinfrins da aliança entre o petismo, o kirchnerismo e o bolivarianismo.
Comandado por essa aliança, o Mercosul deu prioridade aos chamados acordos Sul-Sul, em geral com parceiros de pouca importância comercial. A aproximação com a Palestina é um marco notável dessa política. O livre-comércio regional com participação dos Estados Unidos foi recusado pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner. Nos anos seguintes, outros governos sul-americanos negociaram com Washington, sem o Mercosul, pactos comerciais. Nem sequer com o México, uma das economias mais importantes do hemisfério, foram tentadas negociações ambiciosas. Não se foi além de um limitado pacto de complementação.
Com a recente formação da Aliança do Pacífico (Chile, Peru, Colômbia e México), foi evidenciada mais uma vez a estagnação diplomática do Mercosul. Os dois blocos poderiam, talvez, promover uma integração. Mas só se os países do Mercosul se tornarem mais abertos, disse em janeiro o presidente do México, Enrique Peña Nieto. Quanto à negociação com a União Europeia, iniciada nos anos 1990, continua emperrada e sem perspectiva de avanço neste ano. O Mercosul permanece incapaz, principalmente por causa da resistência argentina, de apresentar suas ofertas para avaliação e discussão.
Enquanto isso, europeus e americanos negociam o pacto transatlântico e tentam novos entendimentos com outros parceiros. Asiáticos buscam aproximação com todo o mundo. A União Europeia se amplia e países da vizinhança desfrutam comércio favorecido com o bloco. A nova trama de concessões bilaterais e inter-regionais cresce e torna-se mais complexa, enquanto os líderes da Organização Mundial do Comércio (OMC) tentam reanimar e revalorizar a Rodada Doha.
Nesse quadro, a posição do Brasil e de seus parceiros do Mercosul se torna cada vez mais desvantajosa. A diplomacia comercial brasileira escolheu como prioridades, há mais de dez anos, a Rodada Doha, multilateral, e a aproximação com países emergentes e em desenvolvimento. O baile promovido pela OMC, a grande rodada multilateral, continua quase paralisado. Sem ingresso para os outros bailes – as dezenas de acordos parciais -, o Brasil tem de continuar no sereno, espiando as festas de fora.
Muitos empresários brasileiros aceitam sem aparente dificuldade a diplomacia comercial anã. Mostram-se mais interessados no protecionismo, parte importante dessa política, do que em conquistar mercados. Outra parte do empresariado reclama oportunidades comerciais mais amplas.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) cobrou do governo mais de uma vez, nos últimos dois anos, empenho maior na busca de acordos bilaterais e inter-regionais. Será impossível atender a essa demanda sem chacoalhar o Mercosul. No limite, restará trocar o status de união aduaneira pela condição, menos ambiciosa e menos limitadora, de zona de livre-comércio. Antes disso, falta o governo abandonar as fantasias terceiro-mundistas e semibolivarianas e redescobrir a noção de interesse nacional.
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/7/2014




SOBRE ROLF KUNTZ


Rolf Kuntz

Rolf Kuntz é professor titular de Filosofia Política na Universidade de São Paulo (USP) e colunista de economia do jornal “O Estado de S. Paulo”. É autor dos livros "François Quesnay: economia" (Atica, 1984), da coleção Grandes Cientistas Sociais, e "Qual o futuro dos direitos? Estado, mercado e justiça na reestruturação capitalista" (Max Limonad, 2002). Kuntz é mestre e doutor em Filosofia pela USP. Tem interesse especial pela obra de David Hume, Jean-Jacques Rousseau, John Locke e Adam Smith.

sábado, 19 de julho de 2014

O capitalismo de Estado dos companheiros, livro de Sergio Lazzarini e Aldo Musacchio - Rolf Kuntz

O novo capitalismo de Estado - e o do PT
Rolf Kuntz
O Estado de S.Paulo, 19 Julho 2014

Mais uma campeã nutrida com dinheiro público, desta vez R$ 700 milhões de investimento, tenta sair do buraco. Formada em 2010 para ser uma gigante do setor, a LBR Lácteos logo entrou em recuperação judicial. Em mais uma aposta errada, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) participou da aventura com 30,3% do capital. A ex-futura campeã estava nos últimos dias ocupada em levantar R$ 740 milhões com a venda de várias unidades de produção. Era uma tentativa de cumprir o plano oficial de recuperação, segundo noticiou o Valor no começo da semana. Enquanto isso, em Brasília, a oposição batalhava para dar sobrevida a investigações sobre negócios muito estranhos da Petrobrás. Para entender bem os dois casos convém juntá-los na mesma narrativa.

A história é uma só e inclui a escolha de campeões alimentados com dinheiro público, as pressões contra o executivo de uma vitoriosa empresa de mineração, o uso de uma petroleira estatal para projetos políticos e a conversão de bancos públicos em prontos-socorros de grupos escolhidos.

O leitor pode rotular esse conjunto como ciência política, teoria administrativa ou pesquisa econômica. Pode também juntar as três qualificações. Todas se aplicam ao livro dos professores Sérgio Lazzarini, do Insper, e Aldo Musacchio, de Harvard. O recém-editado Reinventing State Capitalism (Reinventando o Capitalismo de Estado) é um estudo sobre um novo tipo de Leviatã econômico, sucessor do velho e bem conhecido Estado empresarial encontrado em todos os cantos do mundo na maior parte do século passado.

O Estado empreendedor funcionou tanto no mundo socialista quanto no lado capitalista. Controlava e administrava empresas como extensões da burocracia pública. Agonizante nos anos 80, esse modelo foi em grande parte substituído por dois novos tipos de Leviatã econômico. O investidor majoritário mantém o papel de acionista controlador, mas o padrão gerencial pode ser muito mais flexível que o anterior. O investidor minoritário passa o controle a investidores privados, mas conserva influência indireta na administração. Este segundo modelo inclui a atuação de bancos de investimento (como o BNDES) e de fundos, como os de pensão.

Para começar, os autores propõem uma tipologia de alcance internacional, explorando exemplos de várias partes do mundo. A exposição percorre tanto países tradicionalmente capitalistas quanto economias em transição. O caso chinês aparece com destaque logo no começo, numa referência ao lançamento inicial de ações do Banco Agrícola da China, em 2010, nas Bolsas de Xangai e de Hong Kong. Ainda oficialmente socialista, a China também participou, e continua participando, da renovação do capitalismo de Estado.

Os autores evitam - de fato, rejeitam - discutir se as empresas vinculadas total ou parcialmente ao Estado são mais ou menos eficientes que as companhias privadas. Mesmo no tempo do Estado empreendedor as comparações seriam inconclusivas, se se tratasse de desempenho em condições normais. Em crises como a dos anos 1980, no entanto, estatais poderiam ter menos liberdade para demitir. Isso ocorreu, de fato, naquele período. Essa limitação afetou seus resultados e uma das consequências foi a redução de investimentos. Quem acompanhou essa experiência ao vivo e em cores deve lembrar-se de mais um detalhe: com o Tesouro quebrado e sem crédito, estatais brasileiras foram usadas para captação de recursos. Apesar do endividamento, os projetos de expansão e de modernização continuaram parados. Por isso muitas estavam financeiramente arrebentadas e tecnicamente atrasadas quando foram levadas à privatização.

A passagem do velho modelo para os novos tipos de capitalismo de Estado é examinada com base na experiência de países de todos os continentes. Apesar do cuidado com as nuances, a tipificação deve aplicar-se às economias desenvolvidas - tão diversas quanto as escandinavas e a americana - e também às emergentes e em desenvolvimento.

Mas depois do cenário mais amplo o foco se estreita e a discussão se concentra no exemplo brasileiro. A história é recontada a partir das privatizações e da adoção dos novos modelos. A mudança do Leviatã empreendedor para os dois novos tipos - o majoritário e o minoritário - abriu a possibilidade, em todos os países, de alterações importantes na condução das empresas. Como exemplos, maior autonomia, maior transparência e maior profissionalismo gerencial no dia a dia e na fixação de objetivos.

No Brasil, boa parte dessas possibilidades ficou inexplorada. Sem avaliações, os dois autores descrevem, com distanciamento acadêmico, as interferências na Petrobrás, a escolha de campeões e os estranhos critérios de financiamento e investimento do BNDES, as tentativas de intervenção na Vale (com a campanha contra o presidente Roger Agnelli) e outros fatos bem conhecidos, mas nunca reunidos e articulados numa pesquisa.

Os autores talvez pudessem, ou devessem, ter incluído na classificação subtipos de capitalismo de Estado, observáveis tanto no velho modelo do Leviatã empreendedor quanto nos casos dos Leviatãs majoritário e minoritário. O exemplo brasileiro a partir de 2003 seria rotulável como capitalismo de Estado dos cumpanhêro. O subtipo incluiria tanto a gestão subordinada a interesses partidários e eleitorais (com as nomeações segundo cotas) quanto a influência das ambições pessoais do governante (quando candidato, por exemplo, a líder regional).

Reinventing State Capitalism (Harvard University Press) é uma bela continuação do trabalho iniciado por Sérgio Lazzarini com seu Capitalismo de Laços - Os Donos do Brasil e suas Conexões, lançado em 2011.

sábado, 12 de julho de 2014

Futebras: fazer no futebol o mesmo estrago que ja fizeram na economia - Rolf Kuntz

Eles são incorrigíveis os companheiros: depois de colocar Keynes de ponta cabeça, ao combinar inflação e recessão, eles agora pretendem estender a desgraça ao futebol.
Paulo Roberto de Almeida 
Estamos salvos. O México superou o Brasil como maior produtor latino-americano de veículos, no primeiro semestre, a maior parte da indústria continua em crise - e demitindo - e a corrente de comércio encolhe, mas o governo promete consertar o futebol. A ideia é intervir na atividade, impor novos padrões de gestão aos clubes e até impedir a exportação de jovens craques, segundo anunciou na quinta-feira o ministro do Esporte, Aldo Rebelo. "Não podemos continuar exportando jogadores que são a maior atração do futebol brasileiro", disse no mesmo dia a presidente Dilma Rousseff. Para a presidente e sua trupe, a derrota por 7 a 1 deve ser um desastre muito maior que a devastação econômica dos últimos anos - uma mistura de estagnação industrial, inflação elevada, contas públicas em deterioração e contas externas esburacadas. Nos 12 meses até maio, o déficit em conta corrente chegou a US$ 81,85 bilhões, 3,61% do produto interno bruto (PIB) estimado, e as condições de financiamento têm piorado. Podem ficar mais desfavoráveis com o fim dos estímulos monetários americanos, previsto para outubro, mas nada parece tão grave, para o governo, quanto o fracasso no futebol.
Ah, dirão os otimistas, esse comentário é injusto, até porque um novo pacote econômico e financeiro foi lançado na mesma quinta-feira, com a publicação da Medida Provisória (MP) 651. Mas a novidade é pouca, na parte econômica, e as principais medidas já foram testadas nos últimos anos, com escasso resultado.
A desoneração da folha de pessoal, concedida a 56 setores e contrabalançada por outra forma de tributação, pouco afetou os custos. A maior parte das empresas continua com problemas na gestão de pessoal. Sem disposição para reformar de fato o sistema previdenciário, o governo continua adotando remendos. Temporária até agora, a mudança deve tornar-se permanente, mas nem por isso o remendo deixa de ser remendo. Não se resolve o problema das empresas nem se arruma a Previdência.
O Reintegra, agora com alíquotas variáveis de 0,1% a 3%, definíveis a cada ano, permite a recuperação parcial dos impostos pagos na cadeia produtiva. Neste ano, o benefício será de 0,3%. A variação anual prejudicará o planejamento dos exportadores e, no balanço geral, os brasileiros continuarão em desvantagem diante dos estrangeiros. Além disso, a política federal é inócua em relação a um dos principais problemas - a dificuldade de acesso aos créditos do ICMS, o tributo estadual sobre circulação de mercadorias e serviços. Aceito pelos empresários na falta de algo mais sério, o Reintegra também é um remendo.
Em quase 12 anos, a administração petista foi incapaz de formular e de negociar uma revisão ambiciosa e eficaz do sistema tributário. Em vez disso, têm tramitado no Congresso propostas voltadas para o atraso, favoráveis à perpetuação da guerra fiscal e à desmoralização definitiva do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Aprovado o fim da unanimidade para aprovação de incentivos, estará preparado o campo para uma guerra mais intensa entre regiões e entre Estados - e para mais distorções, é claro, das decisões sobre investimentos privados.
A mudança do Refis, o programa de parcelamento de débitos fiscais, é mais um mimo aos sonegadores e mais um esforço para juntar migalhas e chegar mais perto da meta de superávit primário. Os pagamentos iniciais de quem entrar no programa serão reduzidos. Por exemplo: para os devedores de até R$ 1 milhão, a prestação inicial cairá de 10% para 5%. Haverá facilidades decrescentes para débitos até R$ 20 milhões. Acima desse valor, a entrada será de 20%. Além disso, empresas já inscritas no parcelamento poderão ter descontos se anteciparem a quitação de 30% da dívida restante. Com os novos estímulos, a previsão de receita do Refis para 2014 sobe de R$ 12,5 bilhões para R$ 15 bilhões. Outros R$ 2 bilhões, primeira parcela de um total de R$ 15 bilhões, já estão garantidos: serão pagos pela Petrobrás pela transferência, sem licitação, de quatro áreas do pré-sal. Todo esse dinheiro, somado aos bônus de concessões de infraestrutura e aos dividendos mais gordos extraídos das estatais, tornará mais fácil fechar as contas. Nem pensar em austeridade, especialmente em ano de eleições. Além do mais, é preciso levar em conta o peso de outros mimos tributários, como a prorrogação do desconto do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para o setor automobilístico. Também para compensar essa bondade seletiva será preciso juntar trocados aqui e ali.
É difícil dizer se o governo insiste nessas medidas por teimosia, firmeza de princípio ou incapacidade total de perceber os fatos, mesmo retratados em números oficiais - como a estagnação dos três anos anteriores e a perspectiva de crescimento abaixo de 2% em 2014 e de novo fiasco em 2015. Com a indústria incapaz de competir, o Brasil só continuou salvo de um desastre cambial, neste ano, graças ao superávit comercial de US$ 49,11 bilhões acumulado pelo agronegócio entre janeiro e junho - mesmo com preços em queda. Reservas cambiais acima de US$ 370 bilhões dão segurança temporária contra choques externos. Mas segurança de fato no balanço de pagamentos só se alcança por meio de competição nos mercados de bens e serviços. Nesse jogo, só o chamado setor primário tem obtido resultados. Se protecionismo e favores seletivos substituíssem poder de competição, a Argentina jamais teria chegado a um passo de um segundo calote. Afinal, teve 13 anos, desde o fim de 2001, para investir e ganhar eficiência. Mas o governo desperdiçou o tempo com besteiras intermináveis, como barreiras à exportação de alimentos para maquiar a inflação. No Brasil já se cometeu bobagem parecida com o couro, para favorecer a indústria de sapatos. A próxima asneira poderá ser o entrave à exportação de jogadores. Haverá quem aplauda.