Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
sábado, 27 de fevereiro de 2016
Relembrar para nao esquecer: licoes de economia de Tia Dilma (novembro de 2012) - Rolf Kuntz (OESP)
Reproduzo a partir de meus arquivos implacáveis os primeiros passos daquilo que eu chamo de Grande Destruição.
Quem estiver interessado em saber minha opinião, leia este trabalho:
“The Great Destruction in Brazil: How to Downgrade an Entire Country in Less Than Four Years”, Mundorama (n. 102, 1/02/2016, ISSN: 2175-2052; link: http://www.mundorama.net/2016/02/01/the-great-destruction-in-brazil-how-to-downgrade-an-entire-country-in-less-than-four-years-by-paulo-roberto-de-almeida/); disseminado no Facebook (https://www.facebook.com/paulobooks/posts/1079351252128324).
Paulo Roberto de Almeida
As lições de Tia Dilma
Rolf Kuntz
O Estado de S.Paulo, 21 de novembro de 2012
A presidente Dilma Rousseff aproveitou a viagem à Espanha para oferecer aos governantes europeus, mais uma vez, lições de política econômica. Nenhuma autoridade local perguntou à visitante por que a economia brasileira deve crescer tão pouco neste ano - talvez nem 2% -, depois do fiasco dos 2,7% em 2011. Enquanto ela completava suas lições e propunha maior autonomia para o Banco Central Europeu, em Brasília a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, divulgava mais um constrangedor balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Desde o início do governo até setembro, foram aplicados R$ 385,9 bilhões em "obras de infraestrutura logística, social e urbana", segundo os dados oficiais. Mas esse valor inclui R$ 154,9 bilhões de financiamentos habitacionais e de subsídios ao programa Minha Casa Minha Vida. Esses financiamentos correspondem a 40,1% do total contado como investimento. Faltou a presidente explicar aos europeus se essa forma de contabilidade é parte do pragmatismo por ela defendido durante a cúpula ibero-americana. Ou dizer se é pragmático tentar impor sem conversa prévia os contratos de renovação de concessões às companhias do setor elétrico. A depreciação das ações da Eletrobrás, R$ 7,9 bilhões de 11 de setembro a 19 de novembro, parece indicar uma resposta negativa.
Em seus comentários mais sensatos, a presidente defendeu uma combinação de austeridade e crescimento como a fórmula mais eficiente para o ajuste europeu. A arrumação fiscal, ponderou, será muito mais difícil, penosa e pouco frutífera, se depender apenas do corte de gastos e do aumento de impostos. Mas esse comentário foi mera repetição do discurso apresentado muitas vezes por dirigentes do Fundo Monetário Internacional (FMI), por economistas de várias nacionalidades e por alguns governantes europeus. Sem acrescentar a mínima novidade em relação a esse ponto, a presidente permitiu-se, no entanto, reescrever a história econômica à sua maneira. Para reforçar sua argumentação, citou a experiência latino-americana dos anos 80 e 90, quando os governos do Brasil e de outros países foram, segundo o seu relato, orientados pelo FMI a adotar políticas de ajuste sem espaço para crescimento.
Essa versão é popular, mas a história é um pouco mais complicada e inclui detalhes mais instrutivos. Dezenas de países afundaram na crise da dívida externa, nos anos 80. O drama começou quando o Federal Reserve, o banco central americano, iniciou um drástico aumento de juros em 1979. O desastre generalizou-se em 1982, mas vários países entraram em apuros bem antes disso. A renegociação das dívidas foi vinculada a duros programas de ajuste, jamais cumpridos integralmente por alguns governos, incluído o brasileiro.
O programa inicial de ajuste adotado no Chile foi reformado e substituído, com bons resultados, depois de algum tempo. O governo coreano iniciou a arrumação em 1979. O país entrou em recessão em 1980 e em seguida voltou a crescer velozmente, com déficit fiscal reduzido, grande aumento de exportações e investimentos sempre superiores a 30% do PIB. Chile e Coreia saíram da crise com as contas públicas em ordem, inflação baixa e medidas fundamentais para competir e crescer.
Falta algo, portanto, na versão popular, repetida pela presidente Dilma Rousseff, da história da crise e dos ajustes dos anos 80. Falta explicar por que alguns países - Coreia e Chile são apenas dois dos exemplos mais notáveis - emergiram da fase de provação muito mais fortes do que antes. Outras economias da Ásia atingidas pela crise da dívida também se tornaram mais eficientes a partir da segunda metade dos anos 80. A maior parte dos países latino-americanos ficou para trás porque os governos foram incapazes, por muito tempo, de abandonar velhos vícios e de favorecer a eficiência. Não se deve atribuir esse atraso a algum excesso de austeridade, mas à insistência na prática de contemporizar em vez de enfrentar os problemas.
Quando os governantes se dispuseram, afinal, a adotar reformas e políticas sustentáveis, as contas públicas melhoraram, a inflação caiu, as contas externas se tornaram superavitárias e as reservas cresceram. Por essas mudanças, e nada mais, as ações de socorro do FMI à América Latina foram bem menos frequentes nos primeiros anos deste século do que nas três ou quatro décadas anteriores.
Nenhuma dessas conquistas é irreversível. Em alguns países, o grande risco é a tentação do populismo. No Brasil, a tentação mais perigosa é a dos controles autoritários. A intervenção nos preços dos combustíveis, as pressões para corte de juros, o jogo perigoso de tolerância à inflação e as trapalhadas na política do setor elétrico são elementos desse quadro. O atraso nos projetos da Petrobrás é uma das consequências. A presidente seria provavelmente menos propensa a dar lições se pensasse um pouco mais sobre esses fatos.
* JORNALISTA
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