País está fadado à mediocridade? Mestre Zen responde: "depende"
MARCOS TROYJO
Folha de S. Paulo, Quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016
O início do semestre letivo nas universidades norte-americanas é marcado por uma série de atividades multidisciplinares.
Numa delas, há alguns dias, na Universidade Columbia, onde leciono relações internacionais, sentei-me ao lado de uma colega professora da Escola de Saúde Pública.
Não nos conhecíamos – ela é nascida na Ucrânia, mas residente nos EUA desde que concluiu seu doutorado em neurologia. Eu sou brasileiro.
Ela então me perguntou: “há alguns anos seu país pareceria destinado à grandeza, mas agora vocês estão passando por percalços de toda ordem. Você acha que o Brasil ainda é uma nação emergente?”
Meu primeiro impulso foi o de dizer “sim”.
Para sustentar tal resposta, a primeira narrativa que me passou pela mente foi a de que em fins de 2002 havia em todo o mundo uma espécie de “brasilfobia”.
Ante o temor de uma vitória de Lula nas eleições daquele ano, o risco-país havia superado 2.500 pontos.
E não eram poucos os que achavam que o Brasil, antes mesmo do pleito presidencial de outubro, entraria em graves dificuldades financeiras – de consequências politicas frangmentárias –, à semelhança do que ocorrera com a Argentina naquela época.
Nunca é demais lembrar que, no cerne do que se convencionou chamar de “Grande Depressão” argentina, a Casa Rosada acomodou quatro diferentes presidentes de dezembro de 2001 a maio de 2003.
No Brasil, já em 2009, boas políticas macroeconômicas, mobilidade social, crescimento acima da média mundial, petróleo pré-sal, pujança no agronegócio exportador, sediar Copa do Mundo e Olímpiada etc inspiravam em todos uma verdadeira “brasilmania”.
Por essa lógica, o atual desalento com o Brasil poderia ciclicamente ser revertido. Essa mesma mecânica de pensamento, no entanto, pode apontar que o Brasil jamais conseguirá emergir.
Apenas para ficar na história dos últimos 50 anos, resta claro que nossos arranques de crescimento econômico e de importância relativa no cenário internacional são contrarrestados por corrupção, incompetência administrativa, populismo, elites disfuncionais e, sobretudo, um brutal déficit de estratégia nacional.
Para então responder à minha colega professora se o Brasil continuaria a emergir, preferi mandar um “depende”.
Inspirei-me, para tanto, num dos diálogos do filme “Jogos do Poder” (Charlie Wilson’s War, 2007). O longa-metragem retrata a atuação de um parlamentar do Texas nos anos oitenta para levantar recursos em prol dos guerreiros “mujahedin” contra a ocupação soviética do Afeganistão.
No contexto da Guerra Fria – um jogo de soma zero – fazia todo sentido a Washington buscar maneiras de desmoralizar e derrotar Moscou.
No filme, após suas iniciativas de financiar a compra de armas para os mujahedin terem sucesso e a União Soviética anunciar que abandonaria o Afeganistão, o protagonista (interpretado por Tom Hanks), comemora o “êxito” junto a um dos que ajudaram na empreitada, um funcionário da CIA (papel de Philip Seymour Hoffman).
Este último, no entanto, se manifesta contra assumir atitudes autocongratulatórias.
Os objetivos mais profundos dos EUA não deveriam simplesmente limitar-se a desancar a URSS, mas evitar que aquela região do mundo se tornasse foco de intolerância e ódio antiocidental.
Foi exatamente o que aconteceu com a tomada do poder por parte do Talebã e a subsequente imersão da região em profundas trevas.
O funcionário da CIA conta ao parlamentar texano que, num distante vilarejo em tempos remotos, alguns aldeões informam ao Mestre Zen que um dos garotinhos ganhara um cavalo de aniversário. “Não é um maravilhoso presente?”, perguntam, a que o Mestre Zen responde: “depende”.
Passado algum tempo, o menino cai do cavalo e quebra a perna. Todos acreditam então que o cavalo é uma maldição e, ao buscarem o parecer do Mestre Zen, ouvem o sábio afirmar: “depende”.
De repente, aquele vilarejo entra em guerra contra outra tribo. Graças à contusão, o menino não é convocado para a batalha. Todos creem então que o cavalo era uma benção disfarçada, a que o Mestre Zen comenta: “depende”.
Para muitos, as atuais agruras alimentadas pelo lulopetismo relegam o Brasil à perpétua mediocridade. As amputações institucionais e o legado de incompetência conferem ao Brasil associação vitalícia ao subdesenvolvimento. Bem, “depende”.
Para tantos outros, o processo de depuração da coisa pública que hoje se faz por meio sobretudo da Operação Lavajato constitui um verdadeiro “refundar” do país. Ora, “depende”.
Os equívocos do período Lula-Dilma em economia e política exterior, acrescidos da corrosão moral que se alastrou no país, dão ao Brasil futuro uma verdadeira aula magna sobre o que “não fazer”.
Os bônus em termos de lisura, transparência e respeito na condução dos assuntos de Estado e na gestão de empresas públicas que certamente resultam da Lavajato ajudam a aprimorar o país.
Indagado sobre o futuro do Brasil, o Mestre Zen aplaudiria evitar os erros do estado-capitalismo e a adoção de ações jurídicas que curam e firmam exemplo.
Tais realizações não bastam, contudo, para retomar a trajetória de crescimento que pode conduzir o Brasil ao núcleo das nações mais dinâmicas do século 21.
O Mestre Zen diria que o Brasil depende do que os brasileiros fizerem agora. E o sábio provavelmente perguntaria: “vocês têm um plano para o caminho adiante?”
@MarcosTroyjo
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