Homenagem ao ex-chanceler, embaixador Luiz Felipe
Lampreia
Paulo Roberto de Almeida
Por ocasião de seu falecimento, em 2/02/2016
Nunca trabalhei sob a
ordens diretas do Embaixador Lampreia, mas tive o prazer de desfrutar,
usufruir, aprender e colaborar com ele, enquanto chefe de missão ou chanceler,
nas inúmeras interfaces de trabalho que pude ter com ele, seja na Secretaria de
Estado -- quando eu me ocupava de assuntos financeiros -- seja nos postos,
notadamente em Paris e em Washington, quando ele passava rápida ou
ocasionalmente, ou quando ele se delongava para os compromissos, multilaterais
ou bilaterais, que estivessem na agenda de relações exteriores e de política
internacional do Brasil.
Em todas essas ocasiões,
pude avaliar seu conhecimento perfeito dos temas da agenda econômica, comercial
ou financeira, dos quais eu me ocupava, e sobretudo seu senso de equilíbrio,
seja em relação ao Gatt-OMC, organizações de Bretton Woods, Mercosul, negociações
da Alca, acordos de investimento, e vários outros assuntos dos quais fui
sucessivamente responsável e em relação aos quais cabia a ele tomar a decisão
final, no âmbito do nosso ministério (e acima dele, na Presidência da
República).
Nunca tive esse privilégio
de trabalhar sob suas ordens diretas, mas tive a oportunidade de preparar “position
papers”, ou notas de informação, e até mesmo discursos, quando ele tinha de ir
ao Congresso, falar em uma ou outra das comissões de relações exteriores, ou
quando tinha de falar em público, em algum encontro diplomático ou seminário
acadêmico.
Lembro-me, especialmente
(e devo ter o texto registrado como documento de trabalho em meu computador),
de ter preparado, em 1993, subsídios para seu discurso de posse, quando o então
senador Fernando Henrique Cardoso foi designado chanceler pelo presidente
Itamar Franco, e ele assumiu a Secretaria Geral do Itamaraty, o mais alto
posto, fora do cargo político de ministro de Estado (que ele também assumiu
mais tarde), a que pode aspirar um diplomata. Foi o momento em que o Brasil
distanciou-se do conceito bastante vago e pouco operacional de América Latina,
para adotar a prioridade política da América do Sul, nosso ambiente de
"manobras diplomáticas" naturais para a construção de um espaço
econômico integrado no continente a partir do Mercosul (ainda não tinha sido
lançada a Alca, mas o presidente Bush pai já tinha proposta a "Iniciativa
para as Américas" e o Brasil tomou a iniciativa de reforçar os laços sub-regionais).
Anos mais tarde,
lembro-me igualmente de tê-lo questionado sobre o "esquecimento
relativo" da América do Sul (e isso foi antes da reunião de presidentes da
região em 2000, a convite do presidente FHC), durante esses anos todos em que
ele foi chanceler. Ele me respondeu evasivamente, mas era claro que trabalhar
com os vizinhos, sobretudo num projeto de livre comércio, quando o Brasil
estava claramente à frente de vários dos nossos vizinhos, seja industrialmente
ou tecnologicamente, era bastante difícil, e Lampreia tinha plena consciência
disso. Os projetos de acordos comerciais com os vizinhos do Grupo Andino (logo
em seguida CAN) não avançavam como gostaríamos.
Foi por isso, aliás, que
o Brasil propôs a IIRSA, em 2000, Iniciativa de Integração Física da América do
Sul, que depois foi sabotada deliberadamente pelos companheiros, quando eles
assumiram o poder em 2003, ou pelo menos colocada em bases políticas antiamericanas,
no experimento da CASA, que depois redundou (por manobras do caudilho Chávez)
na Unasul bolivariana, dando um golpe nas pretensões e nos projetos do Brasil).
Lampreia provavelmente
teria atuado de maneira muito diferente se tivesse, por um desses acasos da
história, continuado à frente do Itamaraty. Por isso mesmo, sempre admirei seu
senso de equilíbrio, seu jeito ponderado e cuidadoso de atuar nas diversas
frentes de trabalho, a anos-luz de distância da pirotecnia e do histrionismo
conduzido mais tarde pelos companheiros.
Um último episódio de
meu relacionamento com ele posso revelar aqui, pois ele foi um dos muitos
colegas -- vários embaixadores experientes -- que “caíram como patinhos”, se
ouso dizer, nas minhas memórias apócrifas do Barão do Rio Branco.
Corria o ano de 2011, e
estavam sendo feito preparativos para comemorar dignamente os 100 anos de falecimento
do nosso patrono maior da diplomacia, Juca Paranhos. Eu inventei um caderno
desconhecido, “descoberto” por acaso nos arquivos históricos do Itamaraty do
Rio de Janeiro, e me pus a escrever eu mesmo as "memórias" de Rio
Branco, com sutilezas, subentendidos e alusões muito pertinentes ao ambiente da
época, mas também com “mensagens” subreptícias dirigidas a nossa própria época,
um pouco sobretudo (Argentina, obviamente, os militares também, e vários outros
episódios muito conhecidos dos biógrafos e leitores, especialmente diplomatas).
Comecei a publicar no meu blog, esses "episódios" da vida do Barão,
que tinham permanecido na obscuridade durante cem anos, e, para minha surpresa,
muita gente graúda se deixou convencer pela veracidade do caderno. Descendentes
do Barão vieram me interrogar onde estaria esse caderno até então desconhecido,
e eu disse que tinha obtido uma cópia anos atrás no próprio arquivo, e mais não
disse.
Lembro-me, então, que
estando em Paris, para aulas na Sorbonne, em março ou abril de 2012,
encontrei-me a seu pedido com Luiz Felipe Lampreia, que me confessou que foi um
dos muitos que se deixou levar pela minha brincadeira com a história.
Nesse momento, tive de
contar a verdade, pois o jornalista Merval Pereira pretendia publicar em sua
coluna diversos dos meus "trechos das memórias do Barão", como se
verdadeiros fossem. Para evitar um constrangimento ao jornalista, tive de
confessar a tramoia. Mas, vários embaixadores se entusiasmaram com a minha “descoberta”
-- Lampreia entre eles -- a ponto de me sugerir publicação completa, e não
apenas em “pílulas” (que eu ia fabricando de acordo com a imaginação, e
tentando adaptar o mais possível ¡a linguagem da época; o Embaixador Ricupero,
aliás, me sugeriu várias expressões do Barão, como essa coisa de "suar dez
lenços", para subir a serra até Petrópolis).
Enfim, foi uma tarde
algumas gargalhadas e uma conversa sumamente agradável num hotel de Saint
Germain, que não sei se foi um dos que hospedaram D. Pedro II em seu exílio.
Devo tê-lo encontrado
uma ou duas vezes mais, no Rio ou em Brasília, e trocamos diversas
correspondências eletrônicas ao longo destes últimos anos, quando ele escrevia
seus artigos e eu comentava, ou quando eu lhe mandava alguns materiais de minha
lavra.
Ficou faltando, e aqui
confesso minha frustração, uma resenha comparada, ou paralela, que eu pretendia
faze de seu livro sobre o frustrado acordo de Teheran, com a Turquia, a
propósito do programa nuclear iraniano, objeto igualmente de um livro do
ex-chanceler Amorim (que conduziu uma política externa não consensual, objeto
de diversas críticas tópicas, mas elegantes, de Lampreia). Ainda vou fazer,
assim como escrever mais alguns textos com base em seus livros e artigos.
Um grande chanceler:
expresso aqui meus mais profundos sentimentos e condolências a todos os seus
familiares, que confesso ter conhecido muito pouco, e expresso aqui minha
simpatia e elevada consideração a todos os seus muitos alunos, da ESPM-Rio,
entre outros, e também a seus muitos admiradores, entre os quais eu me incluo,
certamente.
Numa época, e que faltam
estadistas ao Brasil (e como), Lampreia se colocava exatamente entre o
reduzidíssimo número de personalidades que tinham perfeita consciência dos
desafios colocados ao país, e que sabia o que, e como, precisávamos fazer para
construir uma nação respeitada no ambiente internacional, sem essas
demonstrações de amadorismo e de sectarismo dos últimos treze anos.
Minha homenagem,
portanto, ao ex-chanceler Lampreia, um dos grandes dos últimos cem anos, com
Rio Branco, Oswaldo Aranha, Silveirinha e Celso Lafer.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2 de fevereiro de 2016
Nota de pesar sobre
o falecimento do Embaixador Luiz Felipe Lampreia
CEBRI,
2/02/2016
É com imenso pesar que o Centro Brasileiro de Relações Internacionais
(CEBRI) comunica, em 2 de fevereiro, a perda de um dos grandes nomes da
diplomacia brasileira, Embaixador Luiz Felipe Lampreia, conselheiro fundador do
CEBRI, ex-Presidente do Conselho Curador e referência global em relações
internacionais.
Lampreia foi um dos esteios do CEBRI desde a sua fundação. Graças a ele,
o CEBRI consolidou-se como um respeitado centro de discussões sobre o
posicionamento do Brasil no cenário internacional. “O Brasil perde uma
referência em relações internacionais, e o CEBRI, um de seus mentores.
Colaborador atuante, objetivo e pragmático, o Embaixador Lampreia era grande
incentivador de uma postura ousada e atuante do CEBRI”, destaca o presidente Rafael
Benke. “Cabe-nos agora trabalhar arduamente para continuar fazendo realidade
esse desejo”, finaliza.
Com destacada atuação no tratamento de temas financeiros, econômicos e
comerciais, o Embaixador Lampreia foi um ícone da diplomacia brasileira, dedicando-se
às relações exteriores do país por três décadas. Foi um dos mais longevos
ministros das Relações Exteriores, de 1995 a 2001, além de representante
permanente do Brasil junto aos organismos internacionais sediados em Genebra,
na Suíça. Mesmo aposentado, continuava atuante: mantinha um blog no GLOBO,
escrevia artigos e participava de debates e entrevistas sobre política externa
com frequência. Era presidente do Conselho de Relações Internacionais da
Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) e integrava o
Conselho de várias empresas nacionais e multinacionais.
O CEBRI lamenta sua partida prematura, transmite sua solidariedade aos
familiares, amigos e admiradores do Embaixador Lampreia, e coloca o e-mail à
disposição para receber mensagens e depoimentos que serão encaminhados à
família: institucional@cebri.org.br
O corpo do embaixador será velado no dia 04.02, quinta-feira, na Capela
3 do Memorial do Carmo.
Rua Monsenhor Manoel Gomes, 287 - Caju, Rio de Janeiro
11h- Velório
14h- Cremação
Rafael Benke
Presidente do Conselho Curador - Centro Brasileiro de Relações
Internacionais
Nenhum comentário:
Postar um comentário