FOLHA DE SÃO PAULO 18.02.2016
CREDIBILIDADE
Pedro Dutra
No início de 1963, a situação econômica do país era dramática. O processo inflacionário, iniciado com a guerra, recrudescera no operoso, mas perdulário, governo Kubitschek, e os seus índices não cessavam de subir. No plano externo, a dívida vencia a curto e a médio prazo, extremando o ceticismo dos credores no governo brasileiro.
Em final de janeiro, o presidente João Goulart (Jango) formou um ministério com os melhores nomes da política nacional. Entre eles, na pasta do Planejamento, o economista Celso Furtado, autor do Plano Trienal, de combate à inflação e de retomada do crescimento. Na Fazenda, o exímio advogado e deputado pelo Partido Trabalhista Brasileiro, o mesmo de Jango, San Tiago Dantas.
Embora ciente de que só a retomada do desenvolvimento poderia vencer a crise, San Tiago estava advertido de que o combate à inflação e o ajuste fiscal eram os requisitos essenciais para alcançar o objetivo.
Tão logo assumiu a pasta, expôs ao país, na televisão, a sua situação real. Explicou as etapas do plano a serem cumpridas. E mostrou ser indispensável o apoio da classe política, empresários e trabalhadores, aos quais, em sucessivas reuniões, detalhou a tarefa a desafiar a todos.
Em visita ao presidente americano John F. Kennedy, articulou a renegociação da dívida externa, em limites e condições extremas, porém suportáveis, se a situação interna se estabilizasse. E logo os principais indicadores econômicos reagiram positivamente aos cortes de despesas públicas anunciadas e à suspensão de emissões de papel moeda, único recurso a atender às despesas crescentes do Tesouro.
Imediatamente, o dólar no câmbio livre caiu de 900 para 600 cruzeiros, reajustes de preços privados foram adiados, ampliou-se o espaço junto ao empresariado, antes refratário à discussão das reformas de base. As
principais propostas de San Tiago foram objeto de uma semana de discussões em São Paulo, registradas em um caderno especial lançado por esta Folha.
Mas o presidente hesitava em apoiar, decidida e publicamente, o programa e a ação econômica de seus ministros. Educado e cordial, faltava, porém, a Jango a energia política que em horas de crise cobra redobrada determinação. Ele logo se viu sitiado pela sua própria base partidária, arrebatada pelo deputado, e seu cunhado, Leonel Brizola.
Exsudando um vigor político extraordinário, a serviço de um frenético discurso populista, Brizola açulou, contra a política econômica e o ministro da Fazenda, os sindicatos que formavam a base do partido do governo, lançando um repto incandescente às forças da esquerda sectária de que as reformas viriam "na lei ou na marra". À oposição dos sindicatos uniram-se, cerradas na defesa de seus privilégios, as corporações públicas, engrossando o enfrentamento ao ministro da Fazenda.
San Tiago reagiu à "esquerda negativa", como a crismou. Considerava-a cega à realidade do país, pois, ao agitar críticas infundadas e propostas inexequíveis, agravava a situação econômica e fecundava a crise política, cujo desdobramento seria a ruptura da ordem democrática.
A indecisão de Jango em romper com a "esquerda negativa" corroeu a credibilidade que San Tiago alcançou infundir nos principais agentes econômicos e, por um momento, sinalizou a superação da crise.
A "esquerda negativa" saiu vitoriosa e o país não demoraria a sentir os efeitos da sua ação, daí a nove meses, em abril de 1964.
PEDRO DUTRA, 65, advogado, é membro do Ibrac - Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional. É autor de "San Tiago Dantas - A Razão Vencida" (ed. Singular), vencedor do Prêmio Senador José Ermírio Moraes da Academia Brasileira de Letras
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