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segunda-feira, 2 de maio de 2011

Oposicao sem posicao - Entrevista Leoncio Martins Rodrigues

Foi mais ou menos o que eu disse em meu artigo da revista Interesse Nacional, já postada aqui, sem no entanto mencionar uma única vez o PSDB.
Paulo Roberto de Almeida

ENTREVISTA da 2ª LEÔNCIO MARTINS RODRIGUES
PSDB corre o risco de se tornar uma legenda maldita
ELEONORA DE LUCENA
Folha de São Paulo, segunda-feira, 02 de maio de 2011

CIENTISTA POLÍTICO DIZ QUE O PARTIDO VIVE CRISE PROFUNDA E PRECISA DE UM CHEFE PARA SUPERÁ-LA
A intelectualidade erra.

DE SÃO PAULO - Depois de abocanhar quase 44 milhões de votos na última eleição presidencial, o PSDB vive a sua pior crise.
Para enfrentá-la precisa ter um único chefe. A opinião é de Leôncio Martins Rodrigues, 76. Cientista político próximo do PSDB e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ele teme pelo futuro dos tucanos. "O PSDB corre esse risco de virar uma legenda maldita", afirma.
Na entrevista, Leôncio diz estranhar o silêncio do ex-governador José Serra e comenta o desmanche na oposição. Para ele, a falta de perspectiva de poder e a disputa entre as lideranças tucanas explicam o momento conturbado.

Folha - Essa é a maior crise que o PSDB já viveu?
Leôncio Martins Rodrigues - Sim. Nunca houve uma crise assim tão forte.

Como o sr. explica essa crise?
Minha impressão é que o PSDB está sem uma mensagem e não tem liderança. Ou melhor, tem liderança demais. Duas grandes lideranças, Aécio e Serra, e esse é o problema. Partido só tem um chefe. Partido com dois chefes briga. Isso faz parte da essência da política. Os bolcheviques tinham um chefe: Lênin. Quando o pobre Lênin morreu, Stálin e Trótski brigaram de morte. O partido tem de ter uma só liderança.

E o governador Alckmin?
Você pode pôr também o Alckmin [como liderança].

Onde foi parar o capital político exibido pelo PSDB na eleição? Ele se evaporou?
Grande parte da votação de Serra não era de votos tucanos ideologicamente. Foi um voto anti-Lula, anti-Dilma, por ela representar a continuidade do Lula e do PT. Dilma muito habilmente entrou no eleitorado de classe média, que se encanta com o fato de ela ser mais taciturna, de ser mais comedida no falar, de falar melhor.
Pode ter havido uma divisão do trabalho: o Lula fica com a parte popular, enquanto ela se orienta para um eleitorado um pouco mais culto e de renda mais elevada. Eu já vi vários amigos que tinham votado no Serra fazendo muitos elogios à Dilma. A mídia também está fazendo. Isso vai fortalecer brutalmente, não sei se o PT, mas a Dilma.

O crescimento do governismo, que o PSDB não consegue deter, explica a crise?
É o terceiro mandato que eles não têm a Presidência. Isso provoca crise. Perderam muitos Estados, tiveram a bancada diminuída. O político se comporta para ganhar as eleições: se a mensagem não dá votos, ele muda.

Há uma debandada do PSDB. É a falta de perspectiva de poder que explica?
Os partidos fazem programas para chegar ao poder, e não vão ao poder para realizar programas. Então, mudam. Eles não vão ficar perdendo tempo, perdendo eleições, gastando dinheiro. Não conseguem arrecadar, não conseguem bons contribuintes sem a perspectiva de ganhar o poder. Têm que mudar, não tem conversa. Tem legendas no Brasil que, com certa frequência, se tornam malditas. Arena, depois o PFL. E eles vão mudando.

O DEM é a maldita da vez?
O DEM não é ainda. O DEM foi criado para evitar uma legenda maldita, mas se arrisca a ficar também.

E o PSDB?
O PSDB corre esse risco de virar uma legenda maldita.

O PSDB é o partido da direita?
De jeito nenhum. O PSDB foi um partido moderno. Fernando Henrique teve muita coragem de tomar medidas, de inventar uma cultura política brasileira, com as privatizações, as agências, o Proer. Foi um partido modernizador do capitalismo no Brasil.

Qual vai ser a característica do PSDB daqui para frente?
Eu não sei. O político sempre quer ascender, mas depende das possibilidades. Aécio vem de um Estado importante, tem ambições, mas tem de enfrentar outros. Não sei o que vai acontecer, mas acho que pode ser muito mal para o país.

O quê?
A liquidação do PSDB.

O sr. acredita nessa hipótese?
Liquidar eu não diria, porque criar um novo partido é uma coisa um pouco complicada. Mas a perspectiva de juntar com outro partido pode ser boa, porque os partidos recebem muito dinheiro do Estado, não é?

A fusão com o DEM seria boa para o PSDB e para o DEM?
Não sei.

Se essa fusão se confirmar, o PSDB não será um partido mais à direita do que é hoje?
O que é ser de esquerda? Stálin era de esquerda? Os termos direita e esquerda são usados na luta política para desmoralizar o adversário.

O sr. concorda com a tese de que a linha seguida por Alckmin é mais conservadora do que a de Serra ou Aécio?
O PSDB sempre foi um partido paulista. Você se lembra dos líderes. Do outro lado tinha o Aécio, que não era tão importante. Mas os partidos sempre têm uma característica regional muito marcada. O PSDB não conseguiu entrar no Rio. Tem outro problema.
As lideranças do PSDB estão envelhecendo. Não houve o surgimento de uma nova liderança, mais jovem, que encontrasse uma nova mensagem capaz de galvanizar parte da população. O PT teve mais gana para chegar ao poder, de gente que vinha mais de baixo, de classe média. Gente que queria ascender mais, com mais garra. E teve um líder muito bom desse ponto de vista, o Lula, que soube galvanizar mais as massas, levar um pouco de emoção também ao campo da política. O PSDB não está conseguindo levar. Seria preciso que ele tivesse formado novas lideranças. Não apareceram novas lideranças.
Não sei para onde vai o Serra. Vai disputar a prefeitura? Seria esmagado pelos adversários imediatamente. A primeira coisa que iriam fazer é lembrar que ele assinou em cartório que não iria abandonar a prefeitura, e largou. Isso dificulta muito que ele possa concorrer à Prefeitura de São Paulo. Vai ficar esperando a nova eleição? É muito tempo sem cargo.

E a fusão PSDB-DEM?
Você tem mais dinheiro, mais tempo de TV, mais poder de chantagem, mais votos no Legislativo. Você pode chantagear melhor o Executivo. Mas, em compensação, você tende a aumentar a confusão interna. É mais gente disputando o poder e mais alas. Se o partido não surge de um impulso da própria sociedade, a confusão aumenta. Eu não sei como vão dividir, quem é que vai mandar.

E o papel do Aécio? Ficou mais complicado com o evento no Rio, a recusa ao bafômetro, a carteira vencida?
Seguramente o cacife dele baixa bastante. Para um candidato que tem um comportamento de playboy conta muito mal. Porque o presidente da República tem que aparentar responsabilidade, seriedade. Não dá para ficar passeando em alta velocidade e se recusar a cumprir certos rituais, como o bafômetro, ter carteira de motorista em dia. Proceder dessa maneira é dizer: estou acima da lei. Isso em campanha vai ser jogado contra ele. Pioraram muito as chances dele: depois desse episódio terá mais dificuldade para agrupar o PSDB. O Aécio teria de fincar um pé em São Paulo. Ele não consegue. Você não pode ser uma liderança nacional se não conquista São Paulo.

Isso não beneficia Serra? Por que ele está tão calado? Não seria hora de ele, que galvanizou tantos votos há poucos meses, tomar a frente do partido e botar ordem na casa?
Teoricamente, concordo com você. Mas não tenho a menor ideia de por que ele está tão calado. É possível que tenha ficado um pouco abatido com a derrota.

Quem botará ordem na casa?
Em princípio seria o Serra. Mas ele vai encontrar um obstáculo, que não é nada bobo: o Alckmin. Alckmin é muito esperto. Sabe se conter, não é tão açodado assim.
O que deveria ter acontecido seria o surgimento de uma liderança forte, nacional, com mais ou menos 50 anos, com experiência, que se dispusesse a viajar pelo Brasil, ficar conhecido, ganhar apoios locais dos caciques, dos pequenos caciques locais. Mas isso não apareceu.

Frases

"O PSDB está Sem uma mensagem e não tem liderança. ou melhor, tem liderança demais... Partido só tem um chefe. Partido com dois chefes briga

As lideranças do PSDB estão envelhecendo... Seria preciso que ele tivesse formado novas lideranças. Não apareceram"

"Dilma muito habilmente entrou no eleitorado de classe média, que se encanta com o fato de ela ser mais taciturna, de ser mais comedida no falar, de falar melhor

Não sei para onde vai o Serra. Vai disputar a prefeitura? Seria esmagado... Vai ficar esperando a nova eleição? É muito tempo sem cargo

O que deveria ter acontecido seria o surgimento de uma liderança forte, nacional, com mais ou menos 50 anos, com experiência... Mas isso não apareceu "
LEÔNCIO MARTINS RODRIGUES, cientista político

RAIO-X
LEÔNCIO MARTINS RODRIGUES

FORMAÇÃO
Bacharel em Ciências Sociais pela USP (1962), é professor titular aposentado dos departamentos de Ciência Política da USP e da Unicamp

LIVROS
Publicou "Mudanças na Classe Política Brasileira" (2006), "Partidos, Ideologia e Composição Social" (2002) e "Força Sindical"(1993)

sábado, 14 de agosto de 2010

O embuste do discurso contra as elites - Leoncio M Rodrigues.

Nunca antes neste país, membros da nova elite, a nomenklatura saída da máfia sindical, falaram tanto contra as elites, convivendo de forma tão promíscua com as próprias, e sabendo integrar-se tão rapidamente a elas.
Na verdade, como já disse o jornalista Reinaldo Azevedo, se trata da "burguesia do capital alheio". E que está enriquecendo, na verdade, com o dinheiro dos brasileiros pobres.
Quem vive em Brasília, como eu, sabe exatamente que restaurantes frequentam esses novos burgueses, com contas incompatíveis com salários de simples funcionários DAS 5 ou 6. Não é possível manter esse "trem de vida" (como diriam os mineiros), sem fontes extras de rendimentos não declarados...
Para bom entendedor...
Paulo Roberto de Almeida

Nossas elites
Leôncio Martins Rodrigues
O Estado de S.Paulo, 12 de agosto de 2010

De tempos em tempos, a crítica às "nossas elites" volta a frequentar o discurso petista. Não fica claro quem são elas. Sabe-se, contudo, como denunciou recentemente o presidente Lula, que são capazes de muitos crimes contra o povo e contra o País, até mesmo de assassínio de quem morreu de morte morrida, como o ex-presidente Jânio Quadros. Getúlio Vargas - latifundiário, deputado estadual, deputado federal, governador do Rio Grande do Sul, ministro da Fazenda do presidente Washington Luís, 20 anos na Presidência da República (15 dos quais com poderes ditatoriais) -, classificado por Lula como uma das vítimas das "nossas elites", obviamente delas não poderia fazer parte.

Mas a referência às pérfidas elites antipovo, ainda que contenha incorreções históricas, tem um objetivo político-eleitoral. Não deve ser apreciada pela consistência teórica, com a qual, aliás, o ex-sindicalista não está preocupado. O importante é criar, na imaginação popular, um inimigo perigoso, de feições nebulosas, que não se sabe exatamente quem é. Repetida à saciedade, a acusação cria uma verdade.

Se aumentar a tensão social e/ou os cargos públicos correrem risco de passar para os adversários, uma nova categoria política poderia ser criada pelas alas petistas mais à esquerda: a de inimigo do povo. Mas para os novos-ricos que ascenderam sob as asas do ex-metalúrgico agitar a bandeira antielite traz a vantagem suplementar de ocultar a própria ascensão, isto é, fazer parte da elite sem parecer, sonho de todo político nesta época de democracia de massas.

Acontece que a popularização da composição da classe política e da elite no poder, ou seja, a ascensão de lideranças originárias das camadas médias, está fazendo menos convincentes e eleitoralmente pouco rendoso culpar as "nossas elites". Uma larga parcela dos ricos e poderosos está aliada ao PT. O presidente Lula poderia chamá-los de companheiros. A elite política brasileira, a alta cúpula do governo, dos que mandam e ocupam posições estratégicas na máquina governamental, é formada hoje pelos políticos, intelectuais de esquerda, apparatchiks, militantes e sindicalistas do PT. A maioria entrou para a política pelo trampolim de poderosos sindicatos da estrutura corporativa fascista, do catolicismo "progressista", das igrejas evangélicas, das ONGs e de outras organizações que servem de passagem para a classe política e dela para as instâncias de poder e ampliação do patrimônio. Na Câmara dos Deputados, para dar um exemplo, os ex-sindicalistas têm ocupado, nas últimas eleições, cerca de 10% das cadeiras.

Do ângulo socioprofissional, os componentes da nova classe ascendente dos políticos profissionais vêm dos segmentos das classes médias de nível relativamente alto de escolaridade, em que avultam os professores do ensino elementar e médio da rede pública, os bancários e técnicos, os servidores públicos e empregados do Estado, setores que poderíamos incluir - com a imprecisão habitual do conceito - nas classes médias-médias, a classe C. Não vêm tipicamente das camadas mais pobres que não dispõem de nível educacional que lhes possibilite passar de eleitor a eleito, ou seja, "entrar para a política". Seriam as classes D e E, com as quais os políticos da classe C, na disputa pelo voto dos pobres, têm mais facilidade de comunicação do que os das classes A e B.

Para captar o fenômeno da popularização da classe política e do declínio das elites tradicionais basta considerar os três principais competidores ao cargo máximo de presidente da República (duas mulheres). Todos vieram de fora da elite política tradicional. Marina Silva é quem veio mais de baixo. O pai era seringueiro. Alfabetizou-se aos 16 anos. José Serra é filho de feirante, imigrante italiano. Dilma Rousseff vem de uma família de classe média alta, mas não tradicional: o pai era engenheiro, nascido na Bulgária. Todos os três obtiveram diploma de nível universitário. Embora hoje possam ser classificados como membros da elite política, nenhum teve origem na própria elite. Entraram na política pela porta da esquerda, como é comum ocorrer com os pré-políticos de classe média e baixa que estão procurando entrar para a vida pública.

Não seria necessário ressaltar que grandes empresas e políticos de alta renda continuam a ter muito peso no interior dos órgãos de poder e da classe política. Ainda que o espaço que ocupavam no sistema decisório se tenha reduzido, as camadas empresariais continuam sendo uma peça importante na arena política. Talvez estejam mais participantes do que nunca, por meio, também, do financiamento dos candidatos de classe média e classe popular empenhados em ascender. Acontece que a popularização e a democratização marcham junto com a elevação astronômica dos custos das campanhas eleitorais. Esses custos se tornaram muito mais elevados do que na época do poder oligárquico, em que poucos votavam. Os ex-plebeus recém-chegados à classe política são, pois, forçados a recorrer às doações dos grandes financiadores de campanhas. A democracia de massas não elimina a influência do grande capital, das grandes empreiteiras e do sistema financeiro, particularmente. Expulsos pela porta, voltaram pela janela.

O resultado hoje é uma elite política heterogênea. Políticos das velhas oligarquias, que seriam a expressão mais típica das "nossas elites", confraternizam com os ex-plebeus ascendentes, os primeiros geralmente nos partidos ditos de direita, os segundo nos partidos ditos de esquerda.

Assim, a denúncia demagógica contra as nossas elites, mesmo que continue a habitar o discurso petista, tende a soar cada vez mais falsa, não só porque as classes altas tradicionais não têm mais o monopólio do poder político, como também porque as altas chefias petistas passaram a fazer parte da elite.

EX-PROFESSOR TITULAR DOS DEPARTAMENTOS DE CIÊNCIA POLÍTICA DA USP E DA UNICAMP, É AUTOR DE "DESTINO DO SINDICALISMO"