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domingo, 25 de maio de 2014

Altas e baixas na indefinida nova classe media - Gaudencio Torquato

A classe C, do paraíso ao inferno

25 de maio de 2014 | 2h 06
*Gaudêncio Torquato - O Estado de S.Paulo
Mais uma pista a indicar o andar da carruagem. Parcela da população brasileira é arrastada para cima e para baixo da pirâmide social pelas ondas de marés enchentes e marés vazantes. A primeira carrega as pessoas da classe C, a chamada nova classe média, para um passeio pelos territórios do grupo B, às vezes com direito a uma escapulida (rápida) ao topo, onde habita a categoria A. Quem propicia a subida é grana extra. A segunda empurra o contingente para as águas do fundo. Isso se dá quando a renda das famílias fica apenas no parco rendimento de aposentadoria, pensão ou bolsas, sem os ganhos com bicos e atividades paralelas. No sufoco do bolso apertado, quem foi induzido a consumir e se vê sem condição de ressarcir despesas passa a usar de maneira indiscriminada cartões de crédito e a resvalar pela inadimplência.
Tal radiografia, flagrada por pesquisa encomendada pelo Consultative Group to Assist the Poor, organismo ligado ao Banco Mundial, e exposta neste jornal (18/5), pode explicar fenômenos que estão a ocorrer no País a partir de manifestações de movimentos organizados e categorias profissionais.
Ponderável parcela da classe média que muda de condição, muitas vezes de um mês para outro, acaba ingressando no perigoso meio-fio da instabilidade, tornando-se ela própria um dos eixos a mover a engrenagem da insatisfação social. A expressão desolada de um microempreendedor sobre seus ganhos mensais arremata a situação que abriga milhões de brasileiros: "Ganho algo entre nada e R$ 5 mil; não dá para adivinhar quando e quanto vai entrar".
A insegurança que grassa por classes, espaços, setores e profissões tem-se avolumado nos últimos meses, apesar de a taxa de desemprego se manter estável (em torno de 5% em março nas cinco maiores regiões metropolitanas). A questão é a baixa qualidade do emprego, que leva muitos a buscar outros meios de sobrevivência. Ademais, o cobertor social tem sido curto para cobrir novas demandas. A precária estrutura de serviços não tem recebido do Estado alavancagem para oferecer bom atendimento ao povo. Portanto, por causa do estranho fenômeno que aqui se forma - uma classe C mutante que tateia na escuridão entre as portas do céu e do inferno, passando pelo limbo - as pessoas decidiram abrir a locução sob propícia temperatura ambiental.
As políticas sociais do governo, é oportuno lembrar, abriram buracos. A decisão de implantar gigantesco programa de distribuição de renda - elogiável, porquanto se vive, hoje, o menor nível de desigualdade de nossa História - não tem sido acompanhada de uma política educacional estruturante, capaz de elevar o grau civilizatório de milhões de pessoas que ascenderam na vida. Basta avaliar a estratégia de indução ao consumo, adotada pelo governo brasileiro para enfrentar a crise por que passaram as economias mundiais, a partir de 2008. Ouçam-se especialistas, dentre eles Celso Amâncio, ex-diretor da Casas Bahia (Estado, 18/5): "O governo incentivou o consumo, mas crédito é uma coisa e poder de compra é outro". Quer dizer, o banco até oferece crédito, mas os novos consumidores não dispõem de educação financeira. Acabam usando e abusando de cartões de crédito, um pagando o outro.
O governo forjou, de um lado, o populismo econômico para abrir as portas do consumo aos grupos emergentes, mas, por outro, deixou de lhes oferecer ferramentas (e valores) que balizam comportamentos da classe média tradicional. A cesta de compra dos emergentes inchou: TV por assinatura, internet, plano de saúde, escola privada para os filhos, moto ou carro novo. A ignorância em matéria financeira acabou estourando o bolso de tantos quantos achavam ter encontrado o Eldorado.
Sob essa engenharia se pode compreender o movimento das "placas tectônicas" que causam sismos nas camadas do centro da pirâmide. Como se recorda, o losango tem sido apresentado como o formato do novo Brasil: de topo mais espaçado, alargamento do meio e estreitamento da base. Acontece que o saracoteio da classe C - que ora dança na pista do meio, ora na de baixo - não permite apostar na substituição definitiva da pirâmide pelo losango. O que se vê na configuração é um redemoinho nas camadas centrais, a denotar insatisfação e impactos que afetam a vida de milhões, principalmente os habitantes de grandes cidades, cuja rotina sofre com congestionamentos, mobilizações, greves e paralisações de frentes de serviços públicos.
É verdade que parte considerável da tensão urbana se deve ao momento especial do País: vésperas de Copa do Mundo e de campanha eleitoral. A estratégia de sensibilização do poder e de atores políticos ganha fôlego. Mas é inegável que há uma força centrípeta em ação, aqui mais forte e organizada, ali mais tênue e dispersa, dando a impressão de que o gigante "deitado eternamente em berço esplêndido" faz parte da retórica do passado. A dissonância forma-se em nossa mente quando somos levados a cantar (sem interpretar os versos) nosso belo Hino Nacional.
Remanesce a questão: para onde as altas e baixas marés carregarão a classe C (que soma 64 milhões de pessoas) e, ainda, que consequências serão sentidas em outros conjuntos? A hipótese mais provável é que, a continuar o vaivém dos grupos emergentes, os sismos continuarão a balançar o losango e este voltará a dar lugar à velha pirâmide. As conquistas obtidas com os avanços dos programas de distribuição de renda estariam comprometidas. Reflexos (pressões, contrapressões, conflitos, demandas) aparecerão na malha de toda a classe média (cerca de 100 milhões de brasileiros). As marolas geradas por impactos no meio da lagoa acabarão chegando às margens.
Em suma, enquanto as famílias de classe média se mantiverem "enforcadas", o nó apertará o gogó de outros habitantes da pirâmide. O Brasil terá de voltar a crescer, de maneira forte e sadia, sem usar o esparadrapo de paliativos sociais.
* JORNALISTA, PROFESSOR TITULAR DA USP, É CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO TWITTER@GAUDTORQUATO

domingo, 6 de abril de 2014

Eleicoes 2014: a importancia da linguagem - Guadencio Torquato

O petês e o tucanês

06 de abril de 2014 | 2h 05
GAUDÊNCIO TORQUATO - O Estado de S.Paulo
A campanha era a de 1985, aquela em que Jânio Quadros ganhou de Fernando Henrique, depois de este se ter sentado na cadeira de prefeito de São Paulo antes de terminada a apuração dos votos. Para um dos raros comícios na periferia - Jânio, ao lado da esposa, Eloá, preferia verberar contra bandidos e sonegadores em despojado programa eleitoral de TV - levou o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, que assim concluiu sua peroração palanqueira: "A grande causa do processo inflacionário é o déficit orçamentário". Após a fala, Jânio puxou Delfim de lado e cochichou: "Olhe para a cara daquele sujeito ali. O que você acha que ele entendeu de seu discurso? Ele não sabe o que é processo, não sabe o que é inflacionário, não sabe o que déficit e não tem a menor ideia do que seja orçamentário. Da próxima vez, diga assim: a causa da carestia é a roubalheira do governo".
O guru da economia, a quem todos hoje recorrem para explicar os sobressaltos que deixam interrogações no ar, passou a reservar seu economês para plateias mais acessíveis ao vocabulário de questões complexas.
O estilo Jânio marcou a história da expressão e do comportamento dos atores políticos. Ele foi o ícone da irreverência. Ponderável parcela da admiração que angariou em todas as faixas da população se deve ao "modo janista de ser", do qual se extraía um conjunto de valores, entre os quais o da autoridade. Jânio forjou uma linguagem política, composta pela imagem histriônica e adornada com trejeitos, olhares esbugalhados, roupas mal ajambradas, compassos e pausas que imprimiam força à fonética esganiçada de construções exóticas. Semântica e estética juntavam-se em apelativa performance que, aos olhos e ouvidos dos espectadores, chamava a atenção. Pois bem, puxando a linguagem janista para a atualidade, podemos concluir que petistas e tucanos também desenvolveram seu jeito de ser no campo da verbalização, o que explica a maior ou menor penetração e/ou rejeição de uns e outros na esfera dos conjuntos sociais.
O dicionário do PT tem um autor, Luiz Inácio Lula da Silva, responsável pelo que se pode designar como petês, o dialeto que ecoa bem no ouvido das massas. Já o PSDB criou uma enciclopédia, pontuada pelos dons sociológicos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e recitada por uma plêiade de especialistas, entre os quais economistas de alto coturno. Nela grupos esclarecidos da população têm acesso às mais interrogativas questões da conjuntura.
Por que vale a pena discorrer sobre as linguagens dos principais contendores do pleito deste ano? Pelo que representam no fatiamento eleitoral. Os modos tucano e petista de ser abrem a pista por onde decolarão os candidatos Aécio Neves e Dilma Rousseff. Cada qual usará o arcabouço de uma expressão elaborada ao longo de décadas e, hoje, responsável por projetar a imagem pública de seus partidos e integrantes. De pronto, convém observar: o principal desafio do PSDB é fazer chegar sua palavra aos habitantes da base da pirâmide social; em contraponto, o desafio do PT é convencer estratos médios sobre a propriedade de um falatório que, a par do tom popularesco, contém laivos (mesmo que atenuados) de luta de classes, pobres contra ricos.
Dentro de sua gramática, Lula embute o ideário petista. Diferente de Jânio (que foi professor de Português), Lula não capricha na sintaxe, preferindo mergulhar num oceano de analogias, comparações, causos, historinhas, platitudes e metáforas que, em sua voz rouca, soam como a "voz do povo". O que explica o fato de o "jeitão Lula de ser" não parecer demagógico? A legitimidade. Luiz Inácio saiu dos fundões para alçar ao patamar mais alto da política. Retirante nordestino, transformou-se em símbolo maior da dinâmica social no País. Suas tiradas podem ser toscas para certos ouvidos, mas as galeras das arquibancadas as aplaudem: "Já tomei tanta chibatada nesta vida que minhas costas estão mais grossas que casco de tartaruga. Não sejam apressados: uma jabuticabeira leva tempo pra dar jabuticaba, uma mulher demora nove meses para dar à luz. No Brasil, alguns comiam a massa e o chantili do bolo, mas, para a grande população, ficava aquele chumbinho de enfeite que colocam em cima do bolo". O verbo pouco refinado frequentou até reuniões como a do G-20: "Você não faz negociação com o pé na parede, na base do dá ou desce, existe uma negociação". Lula sabe que a lâmina de suas estocadas causa impacto.
Essa é a arma petista que o arsenal tucanês deverá enfrentar. Aécio Neves ou Eduardo Campos (que ainda não compôs um dicionário próprio) terão de fazer chegar ao povão matérias complexas como a crise na Petrobrás e conceitos como recuperação da capacidade de investimento, déficit fiscal, alavancagem da infraestrutura técnica, etc. Campos, por exemplo, sabe que se disser aos compatriotas que o Nordeste sofre de "desconforto hídrico temporário" (seca braba) acabará o discurso sob apupos. Neves carecerá mais que de boas aulas de experts tucanos para desvendar engrenagens como "redução compulsória do consumo de energia elétrica" (corte de energia), "retracionismo na empregabilidade" (desemprego) ou "compensação pecuniária às distribuidoras pelo déficit que enfrentam devido ao racionamento" (aumento de tarifas de energia).
E a presidente Dilma? Ora, ela se agasalha no abecedário lulista. Perfil técnico, não fica bem para ela desfiar o petês do guru. Basta a lábia dele para adoçar o coração das bordas sociais. O comando petista intuiu que os ditos usados e abusados por Lula condizem com ethos das massas, estabelecendo fronteiras com a "verbosidade" dos integrantes dos andares superiores. A guerra política do PT, portanto, se valerá da expressão das ruas para laçar a simpatia popular.
Como se pode constatar, veremos contundente disputa entre dois estilos, dois modos de descrever a realidade. Numa esquina a turba grita: "A porca torce o rabo". Na outra se ouve um grupo que prefere assim dizer: "A esposa do suíno contorce o tendão caudal".
JORNALISTA, PROFESSOR
TITULAR DA USP, É CONSULTOR
POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO TWITTER@GAUDTORQUATO

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Pequeno retrato da deterioracao institucional no Brasil (e do Brasil) - Gaudencio Torquato

O jornalista comenta, mas pouco fala dos responsáveis pela atual erosão do mores político no Brasil.
Paulo Roberto de Almeida 

POLÍTICA

Gigantesca delegacia de polícia

Gaudêncio Torquato
O Estado de S.Paulo, 1/12/2013
Maracutaia, acochambração, falcatrua, artimanha, trapaça. As cinco sonoras palavras, que agasalham o corpo de nossa cultura, nunca deixaram o pano de fundo dos relatos que dão conta da vida social e política do país.
Nos últimos tempos, porém, ecoando locuções em defesa e ataque por parte de contendores que se preparam para disputar o campeonato eleitoral de 2014, frequentam com maior intensidade a agenda de manobras erráticas na administração pública. A sensação é inequívoca: o Brasil mais parece uma gigantesca delegacia de polícia.
De maneira proposital, atores variados tentam confundir o terreno da licitude com o espaço da ilicitude, o certo com o errado, em aparente estratégia de defesa de interesses de pessoas e grupos. Ao final dessa tentativa de embaralhar as cartas do jogo político, todos perdem: atores individuais e institucionais.
A impressão que fica é a de que a disputa eleitoral, nesse final de ano, dá o tom maior do discurso, abrindo espaço para acusações e retaliações e expandindo a desconfiança social nos poderes constituídos.
Vejamos exemplos, a começar pela questão da saúde do deputado José Genoíno. Trata-se de paciente com problemas cardíacos a merecer cuidados. A espetacularização montada em torno do caso conferiu ao ex-presidente do PT a imagem de vítima que deve ganhar solidariedade.
O contraditório formado mostra, de um lado, ele, José Dirceu e Delúbio Soares como “presos políticos”, conforme se lê na faixa de um grupo sem terra, dissidente do MST; de outro, “foram julgados e cumprem penas por condutas políticas”, no dizer de um próprio petista Olívio Dutra, ex-governador do RS.
Um laudo clínico produzido por cinco cardiologistas da Universidade de Brasília atesta que Genoíno “é portador de cardiopatia que não se caracteriza como grave”, não carecendo permanecer necessariamente em prisão domiciliar. O STF dará a palavra final, mas é evidente que o processo de vitimização não terminará com o veredicto.
O imbróglio foi despejado na cúpula da Câmara Federal, a quem caberá a decisão de conceder aposentadoria por doença do parlamentar. Caso concedida, livrar-se-ia ele do processo de cassação, não sem suspeitas de acochambração.
Dirceu foi contratado por um hotel de Brasília para trabalhar como gerente, sob uma chuva de críticas. Em regime semiaberto, o detento pode sair de manhã e voltar no fim da tarde à prisão. A polêmica se instala pela inusitada decisão de um perfil portentoso do PT vir a gerenciar um estabelecimento hoteleiro. Ora, não há impedimento legal para que amigos façam um contrato de trabalho com ele.
Possivelmente, os contratantes (com sua ética) viram nele instrumento de marketing para alavancar vendas. Versões de um lado e de outro, com novas acusações de produção de dossiês, aparecem no entorno da questão dos trens em São Paulo, forma de atenuar impacto das prisões de mensaleiros.
O assunto alimenta ódios e paixões entre adversários e admiradores. E o que esperar da decisão do STF de julgar em 2014 a constitucionalidade dos planos econômicos editados nas décadas de 1980 e 1990?
Parlamentos de sistemas democráticos convivem bem com a influência dos Poderes Executivos, particularmente no que concerne à aprovação de normas voltadas para aperfeiçoamento de seu desempenho (funcional/financeiro/contábil etc). Já o exercício do lobby sobre o Poder Judiciário tem sido cauteloso por este simbolizar a balança da Justiça.
No caso dos perdedores da poupança, tal preocupação de assédio inexiste. Autoridades passaram a abordar os ministros da Corte Suprema com um discurso catastrófico: o sistema financeiro ameaça desmoronar; 150 bilhões de desembolso dos bancos poderiam chegar a 600 bilhões de reais com a cobertura a todos os poupadores, não apenas aos que entraram com recursos. Mas o Instituto de Defesa do Consumidor apresenta uma conta de cerca de 8,4 bilhões. O caso será emblemático.
O STF já julgou ações e estabeleceu parâmetros sobre a feição jurídica do sistema monetário e qualquer decisão terá forte repercussão, eis que, de um lado, se ouvirá o barulho de um contingente que há 20 anos espera a decisão, e, de outro, a voz forte do Estado em defesa do status quo bancário.
Suas Excelências aprovarão as fórmulas usadas para calcular a correção da caderneta de poupança? Os bancos ganharão? Eventual reversão das expectativas sociais terá consequências eleitorais? Como se vê, nem o Poder Judiciário escapa ao cerco do jeitinho brasileiro de ser.
Manobras para deixar as coisas conformadas ao patamar das conveniências invadem também o painel das estatísticas nacionais. A maquiagem sobre índices de crescimento e contas públicas é recorrente. No momento, a polêmica gira em torno da reavaliação do PIB de 2012, que teria passado de 0,9% para 1,5, apesar de o IBGE não ter divulgado a revisão.
Como pano de fundo, a proximidade do fim de mandato do governo Dilma e a comparação com administrações anteriores. E haja pressão para mudança de metodologia. Dados recorrentes, passíveis de correção, são os do balanço do PAC, mostrando, de um lado, cronogramas dentro do prazo e, de outro, obras empacadas, como a transposição do São Francisco e a Transnordestina, a par de projetos com cara de interrogação como o Trem de Alta Velocidade (TAV), suspenso em 2011.
O TCU, por sua vez, suspende concurso do Ministério do Planejamento por suspeita de favorecimento a indicados políticos. Ufa! O que esse painel tortuoso mostra sobre o país? Escancara a evidência de que a ausência de eficiente institucionalização política é o motor da corrupção.
Os papéis institucionais acabam subordinados a demandas exógenas. A modernização, que deveria puxar nova escala de valores, a partir da meritocracia, abre fontes de riqueza, fazendo ascender novos grupos, os quais, por sua vez, acumulam recursos para escalar os degraus do poder. O Brasil novo teima em vestir o manto roto do passado.

Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato

domingo, 29 de setembro de 2013

O estado a que chegamos no Estado das elites incompetentes - Guadencia Torquato

Estou absolutamente convencido que o Brasil só é a porcaria que é -- desculpem o termo brando, ainda vou encontrar outro mais forte -- por causa de suas elites (todas elas, as tradicionais, oligárquicas, as " empreendoras", supostamente modernizantes, e as elites companheiras, que se refestelam nas riquezas criadas por outros, e das quais eles vão se apropriando como ratazanas famintas), que são incompetentes, ineptas, rentistas, mandarinescas, ladravazes, ignorantes, irresponsáveis, etc., etc., etc.
Um país se faz com elites e livros: infelizmente o Brasil não tem nem umas, nem outros...
Paulo Roberto de Almeida

Insensatez e desfaçatez

GAUDÊNCIO TORQUATO - O Estado de S.Paulo, 29/09/2013

Não dá para acreditar, mas esta verdade é bem brasileira: a União ofereceu a um pobre agricultor do Piauí, Nelson Nascimento, de 67 anos, R$ 5,39 (isso mesmo) pela indenização de sua propriedade, que corta o traçado da Ferrovia Transnordestina, uma das principais obras do PAC. A quantia, equivalente a menos de um centavo por metro quadrado, é metade do custo de uma passagem para Nascimento tomar um ônibus, no quilombo Contente, e ir ao Fórum da cidade, Paulistana, contestar o "rico dinheirinho".
A ferrovia, promessa do governo Lula, começou com orçamento de R$ 4,5 bilhões, as obras estão pela metade e o custo hoje seria mais de R$ 8 bilhões. Trata-se de um empreendimento privado, com execução pelo governo federal. A Secretaria de Transportes do Piauí, responsável pelas desapropriações, garante que o preço da indenização segue "as normas à risca". O Dnit, que firmou o convênio com a secretaria, confirma que o cálculo de R$ 5,39 obedeceu "a parâmetros usados em todas as desapropriações".
A trombeta da Justiça anuncia o veredicto: o Estado de Direito vence por nocaute o Estado do bom senso. E assim a nau da insensatez vai multiplicando seus hóspedes a cada porto em que atraca, particularmente naqueles onde as águas do nosso oceano se apresentem revoltas em razão de choques entre as correntes humanas e os braços do Estado. As ondas acabam arrebentando sobre os diques do Judiciário, que, por sua vez, estribado na interpretação das normas, nem sempre consegue equilibrar a balança da justiça, usando o peso do entendimento de Spinoza de que "justiça é uma disposição constante da alma a atribuir a cada um o que lhe cabe de acordo com o direito civil". Pior é ver que a balança dos justiceiros não raro pende para um lado, desequilibrando o sistema de freios e contrapesos, engenhosa construção que o barão de Montesquieu criou para harmonizar os Poderes.
Um exemplo? O "palpitômetro" montado para combater o Projeto de Lei 4.330/2004, que trata da terceirização de serviços, em debate na Câmara dos Deputados, e visa a formalizar a situação de 15 milhões de trabalhadores, hoje sob a égide da ultrapassada Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Pois bem, o verbo contra esse projeto legislativo não só foi encampado pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, como recebeu o endosso de 19 ministros do TST, cuja assinatura em manifesto público escancara a tese de um prejulgamento. Imagine-se como se comportaria a plêiade de altos juízes ante a eventual aprovação de uma lei pelo Poder ao qual, de direito, cabe legislar. Sua decisão seria justa? Não estamos diante de um flagrante de controle prévio de constitucionalidade? Bacon (1561-1626) já ensinava que cabe ao magistrado jus dicere, e não jus dare - interpretar leis, e não dar ou fazer leis.
Analisemos, porém, a tese de que o juiz, como cidadão da polis, pode ser qualificado como ente político, agregando a condição de participar do processo político e opinar sobre os destinos da sociedade. Vamos ao cerne da questão. Não há dúvida quanto à identidade política do juiz, mas haverá de prevalecer em seu sistema decisório o múnus da judicatura, que abriga princípios e valores, a começar da integridade, virtude que os caracteriza. Em O Espírito das Leis, Montesquieu alertava: "Se o poder de julgar estiver unido ao Poder Executivo, o juiz terá a força de um opressor". Imagine-se, agora, uma estrutura de administração da justiça atrelada às pressões de grupos de interesses, organizações corporativas, lideranças políticas e se deixando levar pelas correntes quentes das paixões. O momento nacional sugere que façamos um mergulho nessa hipótese.
A insensatez faz-se presente na vida de outros figurantes da vida institucional. Entorta seus passos em variadas instâncias. Veja-se o caso do Ministério Público (MP), com sua função essencial à justiça, constituído por um batalhão de guerreiros em defesa da sociedade, muitos ainda jovens, mas tocados pela chama cívica. Projetos de magnitude, vitais para o desenvolvimento do País, são retardados ou mesmo se tornam inviáveis por ações impetradas pelo MP, com base em irregularidades apontadas na concessão de licenças ambientais. Recorrente indagação: os processos não estariam contaminados por vieses ideológicos, visões ortodoxas, erros de análise ou mesmo falta de informações?
Multiplicam-se queixas contra o Ibama, o órgão de licenciamento ambiental. Recorde-se o caso da perereca de dois centímetros encontrada na Floresta Nacional Mário Xavier, em Seropédica, entre a Via Dutra e a antiga Rio-São Paulo, que atrasou em um ano e meio as obras do Arco Metropolitano - 77 km de pistas que ligam Itaboraí ao Porto de Itaguaí. Solução? Um viaduto sobre o lago das pererecas. Há mais de 1.600 processos de licenciamento em curso, o que cria suspeitas sobre as razões da excessiva morosidade.
E a que atribuir o fato de a Petrobrás ter gasto US$ 1,18 bilhão, em 2009, na compra de uma refinaria em Pasadena, no Texas (EUA), que custou, em 2005, US$ 42,5 milhões? Má gestão ou "possível compra superfaturada de ações pela Petrobrás", nos termos do Ministério Público Federal?
Da insensatez para a desfaçatez o salto é menor que o da perereca fluminense. É só olhar para o Ceará, onde o governo do Estado pagou caro artistas contratados para shows. Chegaram a custar até oito vezes mais que o preço pago em outros Estados. Na inauguração de um hospital em Sobral, o cachê da cantora Ivete Sangalo foi de R$ 650 mil. Um mês depois uma chuva derrubou a fachada do estabelecimento. Na abertura de um centro de eventos, o tenor Plácido Domingo embolsou R$ 3,1 milhões. Artistas desse porte devem ganhar isso mesmo. A questão é saber se um Estado carente de serviços básicos pode esbanjar seus parcos recursos. Ora, no Brasil, tudo é possível.
GAUDÊNCIO TORQUATO É JORNALISTA, PROFESSOR TITULAR DA USP,  CONSULTOR POLÍTICO DE COMUNICAÇÃO. TWITTER: @GAUDTORQUATO

segunda-feira, 10 de junho de 2013

O fascismo em construcao no Brasil: delacao fiscal compulsoria da COAF

Leviatã manda lembranças

09 de junho de 2013 | 2h 05
GAUDÊNCIO TORQUATO - O Estado de S.Paulo
 
Incrível, porém verdadeiro. Cidadãos brasileiros estão sendo induzidos a praticar o "dedurismo", denúncia contra pessoas físicas e jurídicas e, desse modo, a fazer parte de um exército de agentes especiais que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão do Ministério da Fazenda, está organizando. Não se trata, como se pode pensar, da "delação premiada", que réus usam para obter vantagens judiciais em processos criminais a que se submetem. A iniciativa, que agita prestadores de serviços e operadores do Direito, chama a atenção pelo abuso contra princípios constitucionais.
Duas resoluções baixadas pela entidade (Resoluções 24 e 25, de janeiro de 2013), sob o escudo do combate aos crimes de lavagem de dinheiro, constituem o eixo da polêmica. Obrigam pessoas físicas ou jurídicas que prestem serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência em operações a fazer um cadastro de clientes e guardá-lo por cinco anos. A par da exigência de declarar bens ou serviços prestados no valor igual ou superior a R$ 5 mil, o "agente" que o conselho está criando é obrigado a "denunciar" seu cliente, caso, seis meses depois, este fizer nova operação que implique valor igual ou superior a R$ 30 mil. E se o prestador se recusar a entrar nesse "grupamento"? Será submetido a multa de até R$ 200 mil, cassação do registro profissional e vedação do exercício da atividade.
É mais que sabido que cabe ao Estado a tarefa de investigar, fiscalizar, controlar e combater todas as veredas que levam às ilicitudes, a partir do tráfico de drogas, de armas, lavagem de dinheiro, peculato, furtos e roubos. Passar o Brasil a limpo deve ser anseio contínuo dos órgãos públicos, o que demanda medidas e ações para defender a sociedade, investigar as máfias que agem nos intestinos do Estado e extirpar os tumores que corrompem os sistemas produtivos. A premissa se torna mais premente ante o paradigma do "puro caos", que o professor Samuel P. Huntington tão bem descreve em seu Choque de Civilizações: "Uma quebra no mundo inteiro da lei e da ordem, Estados fracassados, anarquia crescente, uma onda global de criminalidade, máfias transnacionais, cartéis de drogas, crescente número de viciados, debilitação generalizada da família, declínio na confiança e na solidariedade social em muitos países, violência étnica, religiosa e civilizacional e a lei do revólver predominando em grande parte do planeta". Tal moldura sugere a maximização de energias pelas estruturas que executam controles na frente das finanças. Mas qualquer ação ou medida há de se ajustar aos primados consagrados na Carta Magna.
Emerge, aqui, a primeira indagação: a ordem de obrigações e punições emanadas nas duas resoluções do Coaf fere ou não princípios da livre iniciativa e do sigilo de dados pessoais, garantidos na Constituição? O tributarista Raul Haidar lembra que apenas leis abrigam o poder de gerar obrigações e sanções. O princípio de que o direito deve se fundar na Constituição, jamais em medidas, decretos, resoluções e até em leis consideradas inconstitucionais, é um dos mais sagrados das Nações democráticas. Desvios e ilegalidades que ocorrem na vida institucional revelam muito sobre o estado civilizatório que o país atravessa. É o caso de enxergar um viés politiqueiro na planificação e execução de políticas de monitoramento do universo dos negócios, não se descartando a hipótese de que grupos, hoje imperando na administração pública, se esforçam para impor uma visão onipotente, onisciente e onipresente.
A onipresença fica patente na intenção escancarada de multiplicar os olhos do Big Brother, não deixando nenhum espaço fora de sua vista (George Orwell ficaria embasbacado); a onisciência se apresenta no modo unívoco de entender que o Estado encarna a moral, é a razão efetivada, um Todo ético organizado, na expressão de Hegel, não cometendo erros; e a onipotência se apresenta na atitude rude de rasgar a letra constitucional.
Mais uma observação. Ao contrário da cultura anglo-saxã, de rígida obediência a normas, a cultura tupiniquim usa frequentemente as curvas para se moldar aos climas impostos. Será que os inventivos controladores do conselho não imaginaram o cadastramento de operações falsas, malandragem para atrapalhar concorrentes? Perfis mafiosos ou de má-fé não produzirão denúncias apenas para embaralhar as cartas do jogo? É razoável a hipótese de que alguns, entre esses "agentes do Estado", agirão em causa própria, usando a norma para preencher conveniências pessoais. Na conta das probabilidades, não se descarta a beligerância entre amigos e clientes, quando uns descobrirem que outros apontaram o "dedo-duro".
Nessa moldura, entra bem a imagem de Sólon, um dos sete sábios da Grécia antiga, também conhecido como o pai da Democracia. Perguntaram a ele se as leis que outorgara aos atenienses eram as melhores. Respondeu: "Dei-lhes as melhores que podiam eles aguentar". A resposta do filósofo exprime moderação e clareza mental, valores que construíram a grandeza de Atenas. Ao longo da história da civilização, as Nações beberam nessa fonte de conhecimento, produzindo boas leis, plasmando bons princípios e sólidos valores sobre os quais repousam o edifício das liberdades e os fundamentos do Estado Democrático.
É o caso de indagar aos dirigentes do Coaf se as disposições que outorgaram aos brasileiros são condizentes com o império do Direito ou desenham a imagem do Leviatã, o monstro bíblico, cruel e invencível, plasmado pelo ideário absolutista de Thomas Hobbes. Talvez seja o caso de Suas Excelências refletirem sobre a lição de Montesquieu em seu Espírito das Leis: "A única vantagem que um povo livre exerce sobre outro é a segurança que tem de que o capricho de um ou de outro não lhe tirará seus bens ou sua vida. Um povo com esse bom senso seria tão feliz quanto um povo livre".

*JORNALISTA,  É PROFESSOR , TITULAR DA USP, CONSULTOR , POLÍTICO, DE COMUNICAÇÃO , TWITTER: @GAUDTORQUATO

domingo, 24 de março de 2013

Certeza certissima: a deterioracao do ensino - Gaudencio Torquaato

Mas não só do ensino, pois esta é a formalidade formal da qual ninguém consegue escapar.
Creio que há uma deterioração da inteligência, se é que ela existia antes.
Supondo que existisse, e que ela continua a se desenvolver, a despeito dos embaraços do MEC, a deterioração se dá apenas em certas faixas, mas relevantes, do cenário nacional: entre a classe política, por exemplo, entre os professores, certamente, e no MEC, com toda a certeza.
O Brasil vai continuar recuando, pelo menos no que depender dos políticos, do sistema educacional e das máfias sindicais que nos governam.
Paulo Roberto de Almeida


Tia Zulmira está de volta

24 de março de 2013 | 2h 08
GAUDÊNCIO TORQUATO * - O Estado de S.Paulo
O que diria Tia Zulmira, a engraçada personagem criada por Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo do impagável cronista Sérgio Porto, no início dos anos 60, ao enchergar (isso mesmo, com ch) numa dissertação sobre movimentos imigratórios para o Brasil no século 21 uma receita de Miojo e um trecho do hino do Palmeiras? Acharia rasoavel (assim mesmo, com s e sem acento) as notas 560 e 500, de um total de 1.000, obtidas, respectivamente, por um galhofeiro que mostrou como se faz o famoso macarrão instantâneo e por um apaixonado torcedor do Verdão? E que nota daria ao Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, que orienta os corretores da prova a "aproveitar o que for possível", mesmo ante a inserção de textos com evidente intenção de desmoralizar o processo corretivo? O próprio autor da receita confessa que seu intuito era mostrar que "os corretores não leem completamente a redação". A velha senhora da família Ponte Preta enquadraria seguramente os personagens em questão no Festival de Besteiras que Assola o País, sempre muito farto por ocasião do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). E aproveitaria para pinçar mais uma pérola que explica o motivo de tanta asneira no famigerado concurso: "O nervo ótico transmite ideias luminosas ao cérebro".
Todos os anos o Enem produz extensa crônica de besteiras previsíveis. As expressões fosforescentes transmitidas por apreciável parcela dos cérebros que prestam o exame deixam transparecer um estado de hibernação, para não dizer piora, do corpo educacional do País. O Brasil continua a ocupar um vergonhoso 88.º lugar entre 127 no ranking de educação da Unesco. Seis anos atrás tinha melhor posição(72.ª). Há 6 milhões de alunos no ensino superior, mas 38% não dominam habilidades básicas de leitura e escrita. Ou seja, de cada dez alunos, quatro são analfabetos funcionais, como atesta pesquisa do Instituto Paulo Montenegro e da ONG Ação Educativa entre 2001 e 2012.
A considerar o denso programa de avaliações em todos os níveis de ensino e as campanhas que fazem loas à nossa educação, deveríamos ser um território livre de todas as categorias do analfabetismo. Se o número de analfabetos diminuiu nos últimos três anos, o porcentual de analfabetos funcionais - que sabem escrever o nome, leem e escrevem frases simples, mas são incapazes de usar a leitura e a escrita no dia a dia - tem permanecido o mesmo. Os dados continuam desanimadores. Cerca de 75% das pessoas entre 15 e 64 anos não conseguem ler, escrever e calcular plenamente; destes, 68% são analfabetos funcionais e 7%, considerados analfabetos absolutos - sem habilidade de leitura ou escrita. O IBGE calcula haver cerca de 30 milhões de analfabetos funcionais, a maioria vivendo nas Regiões Norte e Nordeste, onde 25,3% e 30,9% habitam, respectivamente, esse compartimento.
O que mais impacta, porém, na análise da moldura social é o contraste entre o avanço de uns setores e o atraso de outros. Veja-se a situação de renda das margens, que tem aumentado a ponto de se trombetear, todo o tempo, a inserção de 30 milhões de brasileiros na classe C e a "salvação" de outros tantos que saíram da miséria absoluta. Se a desigualdade diminuiu, não seria lógico imaginar, em sua cola, a melhoria de padrões educacionais? Há muitos pontos obscuros no discurso que trata da educação. Não é um paradoxo constatar que quase 80% dos brasileiros são usuários da internet e quase 70% possuem celular, mas o Brasil, com 401 pontos, está numa das últimas posições do Programa Internacional de Avaliação de Alunos(Pisa), atrás de países como Trinidad e Tobago, Bulgária, México e Turquia? Lembre-se que esse programa avalia sistemas educacionais de 65 países, examinando o desempenho de estudantes na faixa etária dos 15 anos.
O que trava o sistema, quando todas as áreas do ensino estão suficientemente diagnosticadas? Na educação básica há uma provinha, a Prova Brasil, e o Enem. No ensino superior, o Enade, aliado ao Censo Escolar, a par de avaliações feitas por comissões de avaliadores. Na pós-graduação, nada funciona sem o endosso da Capes, que autoriza e reconhece os cursos. Faltam mais recursos? Os programas de formação de professores são precários e insuficientes? Como equacionar o imenso buraco causado pela expansão da evasão escolar?
As respostas não são fáceis. Enquanto os ciclos governamentais cultuam a si mesmos tecendo loas ao sucesso de suas políticas, o fato é que o edifício educacional apresenta rachaduras em todos os andares. Pior é ver a avalanche que sobe ao último piso. São milhares de estudantes que entram em cursos inapropriados, outros tantos que buscam um segundo diploma e mais uma leva que interrompe a trajetória no meio. A matriz profissionalizante acaba influenciando as decisões do alunado, prejudicando a formação global, humanística, generalista, imprescindível para a integração num mundo em constante evolução.
Da competição desvairada por vagas em escolas de baixa qualidade não é de surpreender o besteirol que sai desses polêmicos exames de avaliação. A razão das enchentes que assolam a Região Serrana do Rio? Eis a resposta: "É o Euninho. Que provoca secas e enchentes calamitosas". O que se entende por arte funerária? "A arte que egípcios antigos desenvolveram para que os mortos pudessem viver melhor." O que é ateísmo? "É uma religião anônima." E fé? "Uma graça através da qual podemos ver o que não vemos." Agora, o conceito de respiração anaeróbica é mesmo de tirar o fôlego: "É a respiração sem ar que não deve passar de três minutos". Ao sublinhar tão eloquentes "ideias luminosas", Tia Zulmira garante que a receita do Miojo no mais recente Enem trousse, sim, elevada contribuição ao verbo destes tempos tresloucados.
* JORNALISTA,  PROFESSOR TITULAR DA USP,  É CONSULTOR POLÍTICO DE COMUNICAÇÃO