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domingo, 9 de janeiro de 2022

A desgovernança no Brasil atual - Tomas Guggenheim

 Peço licença a meu amigo e colega Tomas Guggenheim para transcrever sua pequena síntese sobre as fontes institucionais e políticas de nossa desgovernança atual:

O quadro descrito é desanimador. Em outros tempos, o eleitor, mesmo desprezando a classe política, tinha fé no seu candidato a presidente, confiando em que ele tinha o poder de melhorar de algum modo a sua situação, mas parece que agora a escolha, para boa parte dos eleitores, seria apenas a do "menor dos males".

Pelo que vimos nos últimos muitos anos, é provável que nenhum presidente tenha condições adequadas para executar um programa de governo coerente e fazer reformas significativas, dado que o Poder Executivo se fragilizou frente ao Legislativo e este, fracionado em múltiplos partidos, precisa ser cooptado a cada votação, independente do mérito das iniciativas. E o STF, num comportamento inusitado nas demais democracias, interfere constantemente na governança, como se também fosse uma instituição eleita por voto direto.
Boa parte da responsabilidade por essa situação é da Constituição de 1988, que, entre outros equívocos, não limitou o número de partidos, nem regulamentou o seu funcionamento, e não limitou o direito de intervenção do judiciário na política. 
O "check and balances" está desequilibrado, o que ficou mais transparente depois que parte dos congressistas deixou de ser cooptada pela corrupção e - como resultado da lavajato - o poder dos ministros do STF aumentou com a submissão dos políticos enrascados nos processos penais e com a falta de sustentação parlamentar dos presidentes. Nesse contexto, a qualificação do titular do Executivo pode ser um fator agravante ou atenuante da boa governança, mas não decisivo, dada a atual limitação de seus poderes.
No artigo em anexo um acadêmico americano refere-se às atuais dificuldades de governar nas democracias ocidentais e de manter a adesão da sociedade às formas democráticas tradicionais devido a um fator "estrutural" que descreve como o "fracionamento" que ocorre no sistema político. E disso o Brasil tampouco é poupado.  

"The political fragmentation that now characterizes nearly all Western democracies reflects deep dissatisfaction with the ability of traditional parties and governments to deliver effective policies. Yet perversely, this fragmentation makes it all the more difficult for governments to do so. Mr. Biden is right: Democracies must figure out how to overcome the forces of fragmentation to show they once again can deliver effective government".

sábado, 17 de abril de 2021

Reflexão sobre grandes tiranos e um protótipo incompleto - Paulo Roberto de Almeida

 Frequentemente leio comparações acerca do degenerado que nos desgoverna com outros tiranos do passado e concluo que elas não se aplicam, não porque lhe falte vontade de ser déspota, mas porque não tem sequer condições de aspirar a ser um.

Mussolini e Hitler possuíam realmente projetos de nação, ainda que patológicos e demenciais. Mao Tsetung também, ao lançar o seu Grande Salto para a Frente, que produziu mais mortos do que todos os demais tiranos reunidos, incluindo Stalin, que levou adiante seu projeto de nação a ferro e a fogo, à base de uma moderna escravidão. 

Não é o caso de Bolsonaro: ele não tem qualquer projeto de nação, qualquer programa de governo, qualquer doutrina legitimadora, como tinham todos os demais monstros. 

Ele é a negação absoluta de qualquer projeto, programa ou ação pensada, ele é a pura expressão dos instintos mais primitivos, e o resultado é esse, demolição, eliminação, destruição, muitas vezes sem a intenção expressa de fazê-lo, a não ser em direção daqueles que ele vê como inimigos (e são muitos, todos os que não concordam com sua visão torpe do mundo e que não se lhe submetem). 

Ele é o niilismo no estado mais antifilosófico do termo, a extirpação de qualquer pensamento ou razão, a selvageria de alguém acometido de loucura incurável. Ele consegue reunir em si mesmo vários cavaleiros do apocalipse, mas sequer tem consciência disso. 

O Brasil foi entregue a um demente!

Gostaria de complementar o que escrevi, e postei, abaixo, dando nomes, ou pelo menos “profissões”, aos “bois” (com perdão da palavra, talvez sugestiva demais):

“Diagnóstico da situação: creio que o terreno já está mapeado e claro. Todos os sensatos já desembarcaram da nau desgarrada do capitão. Só sobraram os muito ignorantes, os fanáticos de sempre e os oportunistas de todos os matizes. O homem vai ficar desesperado, mas é o que sobrou!”

Era isso, apenas, mas vamos aos bois:

A principal base política do capitão é constituída pela segunda categoria , ou seja, o gado propriamente dito, que também pode compreender elementos bípedes da primeira e da terceira categorias. Mas não se sabe bem quantos seriam: tem muitos idiotas das três categorias que participam de marchas e manifestações, e o curralzinho do Alvorada tem ficado cada vez mais rarefeito (será que muitos já morreram, com o “kit Bolsovirus?); eles parecem muito mais numerosos nas redes sociais, pois aí tem algum trabalho dos mercenários que manipulam robôs e replicadores, o que pode dar essa impressão de quantidade (quando de fato pode ser dez ou cem vezes menor o volume do gado).

Os evangélicos se distribuem por todas as três categorias, mas a diferenciação se faz pelas faixas de renda: os pobres estão na primeira, os pastores na dos espertalhões, o que não os impede também de serem cavalgaduras completas.

Os milicos entram majoritariamente na terceira categoria, mas de suboficiais para baixo, e nas PMs, também devem entrar ignorantes e fanáticos. Uma coisa não impede a outra entre fardados, mas dificilmente oficiais que fizeram os cursos de Estado-Maior poderiam ser sinceramente bolsonaristas: seria muito difícil para gente instruída.

Capitalistas, do campo ou da cidade, se situam igualmente na terceira categoria, o que não impede empresários e ruralistas bolsonaristas de serem perfeitamente estúpidos, como ele próprio aliás.

Nem o pessoal do chamado Gabinete do Ódio é fanático: eles apenas estão fazendo o seu trabalho mercenário, e não podem ser tão estúpidos quanto os chefes da famiglia: eles precisam ser pelo menos eficientes, para abastecer as redes e alguns ministros mais idiotas.

Se contarmos que, com o mau exemplo do capitão, sua nau vai ficando sem grumetes, remadores ou marinheiros, que vão morrendo ou desistindo pelo caminho, talvez tenhamos um “navio fantasma” até o final do ano. Vai navegar a esmo pelos mares do Brasil? É provável!

Vai sobrar aquilo que Barbara Tuchman poderia chamar de marcha dos insensatos! 

Titanic já era: virou uma caravela toda estropiada, dentro em pouco um barquinho desmilinguido, a jangada de Medusa...

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3893, 17 de abril de 2021


quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Minha opinião sobre o quadro atual da desgovernança no Brasil - Paulo Roberto de Almeida

 Constatando o óbvio sobre o atual estado de desgovernança no Brasil

Paulo Roberto de Almeida

O problema (um dos problemas) do bando de novos bárbaros que desgovernam o Brasil atualmente não é que eles sejam liberais, de direita, de extrema-direita, conservadores, reacionários, anacrônicos, ou qualquer outra coisa que se encaixe naquele terço final (à direita, evidentemente) do espectro político-ideológico que normalmente costuma dividir o leque das posturas políticas da esquerda à direita, passando obviamente pelo centro e pelas variações de uma ponta à outra do espectro (que vem da Revolução francesa, ou seja, já estava um pouquinho defasado para abrigar todos os matizes da vida política contemporânea).

Esse não é o maior problema, e se fosse só isso tampouco estariam resolvidos nossos problemas atuais de desgovernança no Brasil.

O problema é muito maior e infinitamente mais complicado de resolver ou de superar, pois consiste numa realidade mais prosaica e dificilmente reparável no curto prazo ou nestas duas gerações de novos bárbaros.

Esse problema grave consiste em que os novos bárbaros — eu me refiro à pequena tribo de aloprados que cercam o titular do cargo, familiares e poucos outros assessores mais chegados — são singularmente despreparados para os cargos que ocupam, pois são ignorantes crassos, são de uma burrice congênita, de uma estupidez tão monumental, e de uma arrogância tão fenomenal que os impedem de absorver novos insumos da realidade que os cerca, e que está inteiramente disponível nos meios de comunicação tradicionais, nessa grande mídia que eles tanto desprezam, pois que traz exatamente o oposto do que eles leem habitualmente, ou que eles próprios fabricam em suas bolhas de manipulações fraudulentas, nesse universo de deformações surreais nos quais vivem os representantes da espécie.

Esses alquimistas da ignorância não conseguem aprender com as boas leituras, com a experiência alheia, com a simples observação da realidade, pois que ficam trancados na gaiola de ferro das FakeNews, na célula hermética, inviolável, de sua própria estupidez.

Esta é a realidade. Mas tem outra, ainda mais preocupante: mais da metade, talvez a grande maioria da pequena minoria estável dos que os apoiam consiste em pessoas absolutamente iguais a eles, exatamente similares aos novos bárbaros em sua ignorância crassa e estupidez irremediável. Esta é, infelizmente, a realidade de boa parte do eleitorado brasileiro, assim como é a marca distintiva do eleitorado americano que elegeu aquele estupor de presidente.

Não seria um obstáculo insuperável para a substituição dos novos bárbaros por uma tribo um pouco mais inteligente de dirigentes, em todo caso mais aberta à absorção de novos conhecimentos, se a esquerda e o centro não estivessem tão divididos nos pequenos projetos sectários, exclusivos e excludentes, que os mantêm separados e num estado de concorrência predatória entre si. 

Aparentemente, cálculos mesquinhos e experimentos individualistas no centro, na esquerda e na direita vão preservar essa fragmentação da oposição aos novos bárbaros, o que talvez leve estes últimos à conquista de mais um mandato para a desgovernança do Brasil.

Mas a divisão das oposições é apenas o obstáculo menor à recomposição de uma frente unida contra a barbárie: o principal óbice é a INCAPACIDADE DE PENSAR CLARAMENTE, a dificuldade em estabelecer um diagnóstico mais adequado da realidade e, a partir daí, formular uma estratégia de reconquista de espaços junto ao eleitorado semi-ignorante. 

O fato é que as oposições não têm nada a propor ao “popolo grasso” — aos grandes capitalistas, os donos do dinheiro — e sobretudo ao “popolo minuto”, ao Zé Povinho, que constitui a maioria do eleitorado (desinformado obviamente).

Na ausência de propostas mais tentadoras, mais inteligentes, mais sedutoras, a tendência do eleitorado é a de ficar com o que já existe, com o que já é conhecido — inclusive porque massacrado por doses maciças de propaganda enganosa —, o que dificulta qualquer perspectiva de renovação.

Não sei se os marquetólogos políticos já constataram, se os especialistas em comunicações já repararam, pois fazem praticamente dois anos (talvez mais) que somos bombardeados diariamente, constantemente, incessantemente, embrutecedoramente, pela mesma descarga maciça, avassaladora, dominadora de notícias, anúncios e peças de propaganda, pela presença irritante do mesmo personagem, 24hs por dia, sete dias da semana, todos os dias do mês: não existe um dia sequer, talvez nem um mísero minuto em que estejamos livres dessa presença desagradável, desse sujeitinho asqueroso que é o protótipo mesmo dos novos bárbaros, a ignorância em pessoa, a estupidez encarnada, a burrice deslavada, o fulcro da desgovernança em formato de dirigente.

Sorry Brasil, se não trago boas notícias (e eu não trouxe todas as más notícias, por exemplo, sobre a mediocridade de certos assessores, mesmo alguns recheados de títulos) e só dispenso banhos de ducha gelada sobre essa diminuta parcela de pertencentes à reduzida bolha de acadêmicos que me leem. A realidade é dura, para o Brasil e os brasileiros, mas a grande maioria não se dedica a reflexões aprofundadas a esse respeito: o povinho miúdo só quer sobreviver, os donos do dinheiro só querem preservar o seu patrimônio — se possível ampliá-lo, a partir da estupidez e da fragilidade intrínseca dos novos bárbaros — e os meus pares estão, estamos, reduzidos à nossa bolha acadêmica tradicional. 

Não seremos o primeiro, nem o último país a entrar e a se manter numa longa decadência, permeada de retrocessos pontuais, mesmo em meio a certos avanços materiais. Mario de Andrade já dizia, um século atrás, que o progresso também é uma fatalidade.

Pois bem: avançaremos na senda do progresso material, ao mesmo tempo em que estaremos recuando espiritualmente, retrocedendo mentalmente, culturalmente.

Pelo menos, enquanto os novos bárbaros estiverem no poder.

Termino, dizendo que a maior parte da culpa pela desunião das oposições — mas não vou poder argumentar agora, neste texto já muito longo — e pela nova derrota das forças democráticas que certamente virá,  incumbe às esquerdas, como sempre sectárias e arrogantes. Não é o centro, pois o centro está onde sempre esteve, no centro, de modo oportunista ou até sensato. As esquerdas possuem a chave da superação dos atuais impasses brasileiros. Elas estarão à altura de suas responsabilidades? Não acredito; mas sobre isso me pronunciarei oportunamente.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 7/10/2020