IDEIAS E DIPLOMACIA: O Visconde do Uruguai e o nascimento da política externa brasileira – 1849-1853
Paulo Fernando Pinheiro Machado
(Lisboa: Lisbon International, 2022; ISBN: 978-989-37-2189-6).
Por que o Brasil independente manteve a sua integridade territorial ao passo que a América espanhola se fragmentou em uma série de repúblicas? Essa é uma pergunta que vem intrigando os historiadores e cientistas políticos há dois séculos. A maioria das análises apontam para uma decisão política consciente das elites imperais, em especial do Partido Conservador, de manter a unidade territorial do Brasil pela construção de um estado centralizado, após a pacificação das Revoltas do Período Regencial (1831-1835). Paulo Fernando Pinheiro Machado procura, nesta obra, analisar a face externa desse processo de construção do estado-nação brasileiro, pelas ideias, crenças e motivações de uma personagem central nesse processo: Paulino José Soares de Souza, o Visconde do Uruguai. Paulino foi quem por primeiro conferiu ao Brasil independente uma política externa coerente e estruturada, legando ao novo país uma tradição diplomática que serviu de régua mestra para os seus sucessores desde então. No ano do bicentenário da Independência, a presente obra convida a uma reavaliação crítica das ideias e dos valores fundamentais do Partido Conservador no plano externo, os quais legaram uma diplomacia de alto nível para o país e acabaram também por desembocar na tragédia da Guerra do Paraguai.
Índice
PREFÁCIO, Paulo Roberto de Almeida
INTRODUÇÃO
1. O PAPEL DAS IDEIAS NA POLÍTICA
1.1 CATEGORIAS DE IDEIAS
1.2 O IMPACTO DAS IDEIAS NA POLÍTICA
2. O CONTEXTO: O MUNDO RESTAURADO PÓS‑GUERRAS NAPOLEÔNICAS
2.1 PAX BRITANNICA
2.2 AS POTÊNCIAS DO CONCERTO EUROPEU
2.3 A AMÉRICA ESPANHOLA E O RIO DA PRATA
2.4 A POSIÇÃO DO BRASIL
3. ORIGENS E GESTAÇÃO DO PENSAMENTO DIPLOMÁTICO DO VISCONDE DO URUGUAI
3.1 ORIGENS FAMILIARES
3.2 EDUCAÇÃO FORMAL
3.3 RELAÇÕES SOCIAIS
3.4 EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL
4. O PENSAMENTO POLÍTICO E DIPLOMÁTICO DO VISCONDE DO URUGUAI
4.1 O PENSAMENTO CONSERVADOR
4.2 O PENSAMENTO POLÍTICO DO VISCONDE DO URUGUAI
4.3 URUGUAI E O IMPÉRIO
5. A DIPLOMACIA COMERCIAL
5.1 OS TRATADOS DESIGUAIS
5.2 A REAÇÃO AO SISTEMA DE TRATADOS
5.3 A DIPLOMACIA FINANCEIRA
6. A SITUAÇÃO FINANCEIRA NO PRATA EM MEADOS DA DÉCADA DE 1840
6.1 A DIPLOMACIA FINANCEIRA DO VISCONDE DO URUGUAI
6.2 LIMITES: A GRANDE POLÍTICA AMERICANISTA
7. A SITUAÇÃO NO MOMENTO DA INDEPENDÊNCIA
7.1 A IDÉIA DE NACIONALIDADE NO BRASIL
7.2 A POLÍTICA DE LIMITES ANTES DA GESTÃO DO VISCONDE DO URUGUAI
7.3 A POSIÇÃO DO VISCONDE DO URUGUAI
7.4 A POSIÇÃO DOS SUCESSORES DO VISCONDE
7.5 AS RELAÇÕES COM A INGLATERRA: DO CONFLITO À PACIFICAÇÃO
8. UMA RELAÇÃO CONFLITUOSA: AS MÁGOAS DA INDEPENDÊNCIA
8.1 A POSIÇÃO DO VISCONDE DO URUGUAI
8.2 PRECURSORES E SEGUIDORES DA POLÍTICA DO VISCONDE
8.3 O PRATA: DA NEUTRALIDADE À INTERVENÇÃO
9. O CONTEXTO GEOPOLÍTICO DA REGIÃO
9.1 O CONTEXTO GEOPOLÍTICO DA REGIÃO
9.2 A POLÍTICA DO IMPÉRIO PARA O PRATA ATÉ 1849: ABAETÉ E A DOUTRINA DA NEUTRALIDADE
9.3 A POLÍTICA DO VISCONDE DO URUGUAI: A DOUTRINA DA INTERVENÇÃO
9.4 A POLÍTICA PARA O PRATA DEPOIS DO VISCONDE
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
Trechos do Prefácio:
A construção da diplomacia brasileira por um de seus pais fundadores
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor
Paulino José Soares de Souza não figura entre os founding fathers da nação, inclusive porque, nascido em Paris, em 1807, só tinha 15 anos quando da declaração da autonomia, em 1822. Mas, ele foi, indiscutivelmente, um dos pais construtores do Estado brasileiro e um dos fundadores de sua diplomacia, tal como ela conseguiu se libertar de duas pesadas amarras da herança internacional portuguesa e passou a cuidar, verdadeiramente, dos interesses nacionais. Este livro, do eminente colega diplomata e distinto intelectual Paulo Fernando Pinheiro Machado, consolida toda a informação disponível sobre a atuação de Paulino como chanceler (duas vezes), tanto no plano conceitual, quanto no terreno da prática, tendo ele “encerrado” dois episódios que tinham ficado em aberto desde a independência, e dado a partida a uma política externa que será continuada por seus sucessores, com destaque para os dois Rio Branco, o visconde e o barão, cuja tradição de qualidade tornou-se um patrimônio da diplomacia republicana, prolongada até praticamente o período recente.
O Brasil nascente iniciou-se na vida internacional tendo de resolver três problemas herdados da política externa de Portugal, dos quais o primeiro foi contornado logo após a Restauração dos Bourbons na França pós-napoleônica e dois outros prolongados justamente até a atuação de Paulino, no começo dos anos 1850. Caiena, a futura Guiana francesa, que tinha sido ocupada por forças enviadas pelo príncipe regente D. João logo após a chegada da Corte portuguesa no Rio de Janeiro – uma forma de vingança contra Napoleão, que tinha mandado invadir Portugal em 1807 –, foi devolvida à França pelo tratado de Utrecht de 1817. Mas o problema do tráfico escravo, nas relações com a principal potência da época, a Grã-Bretanha, e a questão da Cisplatina – o futuro Uruguai, também invadido por forças portuguesas durante a presença da Corte no Brasil –, incorporada ao território do Império, e foco do nosso primeiro conflito com as Províncias “Desunidas” do Prata, permaneceram como dois focos imediatos de tensão nas relações exteriores da nova nação independente, ao lado e além do próprio reconhecimento diplomático do novo Estado pelas demais potências e vizinhos regionais, finalmente resolvido a partir de 1825. Essas duas questões só foram resolvidas, pelo menos nos seus aspectos mais cruciais, graças à atuação de Paulino na sua segunda encarnação como ministro dos Negócios Estrangeiros, antes mesmo que ele recebesse o título de Visconde do Uruguai, que só chegou em 1854, depois que ambos já tinha encontrado soluções satisfatórias, graças ao segundo melhor chanceler do novo Império do Brasil, depois do primeiro, José Bonifácio, um dos pais fundadores, também conhecido como o “patriarca da Independência”.
Este livro tem um título apropriado, “Ideias e diplomacia”, pois estes são os dois grandes conceitos em torno dos quais Paulo Fernando Pinheiro Machado organiza os seus argumentos substantivos, mas também traz, em seu subtítulo, uma afirmação mais do que apropriada: o “nascimento da política externa brasileira”. Com efeito, até o começo das Regências, a política externa do Brasil tinha sido quase “portuguesa”, e não só pelos problemas do Prata e do tráfico, mas também em função das tribulações de D. Pedro I com os assuntos da antiga metrópole: entre estas se incluem as desventuras de D. João VI de volta ao trono de Portugal, a ambição de D. Miguel, irmão de D. Pedro, este o herdeiro legítimo da coroa na morte (altamente suspeita) do pai em 1826, sua luta deste para fazer de sua filha, Maria da Glória, a legítima sucessora como futura D. Maria II, em benefício de quem abdicou da coroa portuguesa, o que só se efetivourealmente depois da verdadeira guerra civil que teve de travar contra o absolutista D. Miguel, já após sua própria abdicação como imperador do Brasil e volta definitiva a Portugal, em 1831.
(...)
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, dezembro de 2021
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