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terça-feira, 26 de julho de 2022

A história da diplomacia brasileira nos arquivos do Itamaraty: Miguel Gustavo de Paiva Torres

Meu colega diplomata pernambucano Miguel Gustavo de Paiva Torres, quem sugeriu mudança no título de meu livro "O Itamaraty sob Ataque", para "O Itamaraty Sequestrado", fez uma brilhante pesquisa sobre o verdadeiro fundador da diplomacia brasileira, Paulino José Soares de Souza, Visconde do Uruguai, com base nos arquivos do AHD do Itamaraty-RJ. A obra "O Visconde do Uruguai e sua atuação diplomática para a consolidação da política externa do Império" – apresentada no Curso de Altos Estudos do IRBr, no qual fui parte da banca – está disponível na Biblioteca Digital da Funag.

Paulo Roberto de Almeida

 

A história da diplomacia brasileira nos arquivos do Itamaraty 

Miguel Gustavo de Paiva Torres

https://contextoalagoas.com.br/?p=2428

Muito pouco sabia sobre a vida e a obra do grande brasileiro Paulino José Soares de Souza, o Visconde do Uruguai. Uma conspiração de fiéis e leais colegas e amigos da minha longa caminhada na carreira diplomática me levou a tentar uma empreitada difícil, no início, prazerosa e emocionante no decorrer das minhas pesquisas efetuadas, principalmente, nos Arquivos Históricos do Itamaraty, em sua antiga sede no Rio de Janeiro.

Em 2009, lotado no IPRI, como conselheiro e coordenador daquele Instituto de Relações Internacionais, parte da Fundação Alexandre de Gusmão, meu chefe, colega de turma, e Diretor do IPRI, embaixador Carlos Henrique Cardim, que havia escrito importante monografia sobre Rui Barbosa, convidou-me para um almoço a dois. Disse-me, então, que águas passadas eram águas passadas e que eu deveria escrever nova monografia para apresentação no Curso de Altos Estudos, condição legal para promoção na carreira diplomática.

Já havia apresentado dois projetos: um sobre a inserção econômica, comercial e cultural do Nordeste do Brasil no âmbito da estratégia brasileira de uma futura União Sul-Americana, a partir do MERCOSUL, então praticamente enclausurado no Sul e Sudeste do país, rejeitado sem possibilidade de apelação por se tratar de um “absurdo” retalhar o país em regiões. O segundo versava sobre “A Questão Indígena na América Latina”, com base na minha participação como representante brasileiro na Comissão Indigenista Latino-Americana, sediada no México, onde servi em nossa embaixada. Rejeitada por uma cartinha de três linhas dizendo que no Brasil não existia qualquer “Questão Indígena” e, portanto, não era do interesse da nossa politica externa: dois anos depois Evo Morales foi eleito presidente da Bolívia.

A terceira vez, que na verdade foi a primeira, foi a rejeição a posteriori de monografia já aprovada sobre a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, com a mudança do governo Itamar Franco para as mãos de Fernando Henrique Cardoso: projeto também absurdo de formação de um clube de pobres e africanos.

Por isso a insistência dos colegas e amigos em resistir e continuar. Cardim disse que havia participado de fórum de intelectuais e historiadores promovido pela FUNAG com a participação de José Murilo de Carvalho, ícone de nossa historiografia moderna. José Murilohavia feito uma exortação aos diplomatas brasileiros para pagarem uma dívida da Casa com Paulino José Soares de Souza, fundamental na organização e consolidação da diplomacia e dos pilares fundamentais da política externa brasileira. Essa missão necessitava, a prioridivulgação do seu trabalho entre nossos colegas, quase que exclusivamente focado na diplomacia republicana e no seu patrono, o Barão do Rio Branco.

A ideia foi germinando e crescendo na minha cabeça. Fui a biblioteca em busca de livros sobre o Visconde do Uruguai. Só existiam dois livros: um único e antigo exemplar, quase danificado, publicado em 1944, capa dura azul, com mais de 500 páginas, A Vida do Visconde do Uruguai, escrito por seu sobrinho neto, José Antônio Soares, herdeiro dos arquivos pessoais do seu tio avô, mais tarde doados ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. O outro era de autoria do próprio José Murilo de Carvalho, organizador e autor de esclarecedora e ampla introdução do livro O Visconde do Uruguai, publicado em 2002 pela Editora 34, em São Paulo.

O livro antigo e danificado de José Antônio Soares foi o gatilho do meu encantamento e paixão pela vida e obra do artífice de nossa diplomacia e política externa no Segundo Império. Esse grupo de colegas e amigos que me incentivavam sugeriram que fosse ao Rio de Janeiro fazer pesquisas no Arquivo Histórico do Itamaraty, o que implicava custos e deslocamentos de Brasília para o Rio de Janeiro.

Fui uma primeira vez, por desencargo de consciência, e passei dois anos da minha vida mergulhado e deslumbrado com as correspondências diplomáticas do chanceler de Pedro IIcom os principais gigantes do nosso corpo informal de diplomatas do império, entre os quais os Viscondes do Rio Branco, o Visconde de Sinimbu, o Barão de Penedo, estes dois últimos meus conterrâneos de Alagoas.

Já não se tratava mais de escrever uma monografia para ser aprovado em busca de promoçãoe continuação na carreira. Tratava-se de um desejo profundo de reviver aquela época de esplendor da nossa diplomacia e da nossa política externa. Uma obsessão que me levou a imaginar e a ver como real o Brasil e sua inserção no mundo nos anos de 1849 a 1853.

Uma saga, uma epopeia sobre a formação e a construção do Brasil pelas mãos de uma dúzia de brilhantes diplomatas do Império do Brasil. Eu tinha a obrigação de contar aos colegas da Casa, e aos brasileiros, parte da vida e das ações desses homens que repousavam em silêncio nos Arquivos Históricos do nosso querido Palácio do Itamaraty no Rio de Janeiro, patrimônio histórico de nossa alma brasileira.


segunda-feira, 2 de maio de 2022

Debate-lançamento do livro de Paulo Fernando Pinheiro Machado sobre o Visconde do Uruguai, o fundador da diplomacia brasileira: Paulino José Soares de Souza: 2/05/2022, 17hs

 Participarei, nesta tarde, deste lançamento, cuja via de acesso é este link: 

https://lnkd.in/dGtjhG5k


Tive o prazer de prefaciar o livro, como registrei nesta postagem: 

A construção da diplomacia brasileira por um de seus pais fundadores”, Prefácio ao livro de Paulo Fernando Pinheiro Machado: Ideias e diplomacia: O Visconde do Uruguai e o nascimento da política externa brasileira– 1849-1853 (Lisboa: Lisbon International, 2022, p. 15-29); apresentado parcialmente no blog Diplomatizzando (23/12/2021; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/12/ideias-e-diplomacia-o-visconde-do.html).

Também preparei algumas notas para o debate desta tarde: 

Paulino, Visconde do Uruguai: apresentação de livro

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Apresentação-debate sobre o livro de Paulo Fernando Pinheiro Machado: Ideias e diplomacia: O Visconde do Uruguai e o nascimento da política externa brasileira– 1849-1853 (Lisboa: Lisbon International, 2022); dia 2/05/2022, na TV-IAB (https://www.youtube.com/tviab). 

 

Uma carreira impressionante na burocracia e na política do Império, desde as Regências e sobretudo na construção do Partido Conservador, a partir do Regresso:

1) Juiz de comarca, 1835

2) Deputado fluminense na primeira Assembleia Provincial, 1835

3) Presidente da província do Rio de Janeiro, de 1836 a 1840

4) Deputado na Assembleia Geral, a partir de 1837

5) Ministro da Justiça, duas vezes: 1840 e 1841

6) Ministro dos Negócios Estrangeiros, três vezes: 1843, 1849 e 1852

7) Senador do Império, 1849

8) Membro do Conselho de Estado, 1849

9) Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário, 1854 na França, Grã-Bretanha e Santa Sé.

10) Autor do Ensaio de Direito Administrativo, 1862, dois tomos, iniciado em 1858, depois que o Marquês de Olinda, presidente do Conselho de Ministros solicita sua colaboração para o que ele chama de “alguns quesitos da nossa organização administrativa” (p. 6)

11) Autor dos Estudos Práticos sobre a Administração das províncias do Brasil, 1865, dois tomos.

 

Diálogo com Tavares Bastos sobre as questões da centralização e descentralização no Império, objeto da dissertação de mestrado e livro de Gabriela Nunes Ferreira (1999); à parte a questão de um dos mais importantes debates, válido e atual até hoje, apreciei muitíssimo a comparação das leituras que fizeram Tavares Bastos e Paulino sobre a grande obra de Tocqueville, cada um escolhendo os trechos que melhor convinham às suas posições respectivas.

 

Livro de Paulo Fernando destaca, na vertente diplomática de Uruguai, o fato de que ele não deixou memórias ou um testemunho direto sobre a imensa obra que ele conduziu nas três vezes em que esteve no MNE, tanto na organização diplomática e no recrutamento de pessoal qualificado, quanto no âmbito da própria política externa, daí merecendo o epíteto legítimo de “pai fundador” da PExtBr.


As razões são expostas por ele mesmo, no preâmbulo do Ensaio:

 

     “Comecei a reunir e a pôr em ordem numerosos documentos, e correspondência mesmo particular que possuo (dá muita luz sobre os fatos) com o fim de escrever umas memórias sobre a nossa política exterior, especialmente dos tempos em que tive a honra de dirigir a Repartição dos Negócios Estrangeiros.

     “Encontrei, porém, dificuldades que me foram inclinando a adiar esse projeto. A história de tais acontecimentos, escrita por quem foi neles, há pouco tempo, também ator, e teve nas mãos o fio dos segredos da época, pode fazer algum mal, quando os fatos não manifestaram ainda todas as consequências que os pejam. Repugnava-me, além disso, entrar em certas apreciações, as quais poderiam, talvez, molestar pessoas, às quais consagrei e consagro respeito e afeição, e que mui bons serviços têm prestado ao país.


(p. 6 da edição de 1997 do Ensaio, feita pelo Ministério da Justiça)

 

(...)


Depois o Marquês de Olinda o convidou para se ocupar de quesitos de direito administrativo, e assim ele adiou o seu projeto de escrever sobre a diplomacia.

 

            Há todo um debate, no capítulo III, sobre as diferenças entre o direito constitucional, ou político, e o direito administrativo, que Paulino se esforça por separar em seu Ensaio, o que envolve também a questão da centralização. Ele critica os países da América do Sul:

            “Quando o país não tem essas instituições [as do direito administrativo] ou as tem mas concebidas, mal assentadas, mal desenvolvidas, cada mudança política traz completa mudança administrativa, e o arbítrio revolucionário não encontra empecilho algum.

“Tais são as Repúblicas Hispano-Americanas. Têm organização política constantemente mutável. Quase não têm organização administrativa. Tudo é precário e depende do arbítrio das revoluções. (p. 27) 

Ele trata dessas necessárias distinções pouco adiante, no mesmo capítulo: 

“A distinção da qual se trata, não se dará por certo em um país onde a falta de conveniente desenvolvimento da parte administrativa, deixa a administração completamente confundida com a política, como acontece entre nós, por quanto entre nós a mesma administração é apenas mero instrumento nos cálculos de parcialidades políticas pessoais, e reduz-se à máquina de eleições, o que é um grande mal.” (p. 30). 

Entra aqui, uma grande nota, número 16, que está consignada ao final do volume, entre as páginas 449 e 450:

“Não há talvez país em que a administração esteja mais confundida com a política do que o Brasil, e onde menos tenha feito a legislação para distingui-las e separá-las. Tudo é política, principalmente pessoal; tudo ressumbra política, e é considerado pelo lado político. A imprensa somente se ocupa de política; todas as discussões nas Câmaras e fora delas são políticas, ou têm relação com a política. As grandes questões econômicas, e administrativas, que tanto importam ao futuro do Império [Brasil], são postas de lado, exceto quando acidental e ocasionalmente se manifesta a urgência da solução de algum caso especial.

“Em um país cuja administração está, para assim dizer, no caos e na infância, passam sessões e sessões legislativas sem que seja adotada medida administrativa de alguma importância, excetuadas as que são de expediente, e tendem a satisfazer vagamente em uma espécie, alguma necessidade indeclinável que urge, alguma pretensão que aperta, pondo a faca na garganta.

“A administração é por muitos considerada como um simples e cego instrumento da política para montar e desmontar partidos e influências eleitorais. (...)

“Não há, sobretudo agora, verdadeiro espírito público. As antigas bandeiras quase que desapareceram. Preponderam as paixões e os interesses na maior parte dos lugares. Não se luta por princípios claros e definidos. Luta-se por pessoas, por posições, influência e para granjear patronos que obtenham favores. (p. 449-50). (...)

“Acresce para aumentar essa desmoralização [a nomeação política de funcionários, inclusive juízes] o emprego do dinheiro nas eleições, e Paulino retomava aqui trechos de uma carta do presidente americano Buchanan: ‘Se essa prática tem de continuar crescendo, até o ponto de infectar os eleitores e seus representantes nas legislaturas dos estados e na nacional, achar-se-á infestada a fonte do governo livre, e iremos dar, como a história o prova, no despotismo militar.” (p. 450) (...)

Paulino retoma: 

“Os partidos entre nós vivem acusando-se reciprocamente dos mesmos atos, e encobrindo-os e justificando-os quando são seus, o que destrói as noções do justo e honesto.

“Cada um pretende que o funcionário administrativo lhe preste aquele auxílio contra o qual levantará celeuma, se for dado ao adversário. A intervenção do Governo em nosso favor é justa; é um crime se a bem do nosso contrário [adversário]” (p. 450)

E Paulino conclui sua longa nota 16, capítulo III, por estas palavras: 

“Na minha humilde opinião, a justiça e a estabilidade na administração, a sua separação, quanta seja possível, da política, são meios poderosos que muito poderão contribuir para pôr um paradeiro ao dano que o modo pelo qual se tem feito nestes últimos tempos as eleições entre nós, tem causado e está causando ao país.” (p. 450)

  

            Seguir o debate em torno dos grandes temas da agenda internacional do Brasil, sobretudo no Prata, foco central da política externa durante todo o decorrer do Império.


O restante fica para o debate...


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 2 de maio de 2022


quinta-feira, 14 de abril de 2022

Lançamento do livro de Paulo Fernando Pinheiro Machado sobre o Visconde do Uruguai: um dos fundadores da diplomacia brasileira: 2/05/2022, 17hs

 Terei a honra de participar no próximo dia 2 de maio, em minha qualidade de prefaciador do livro, do lançamento desta obra do meu colega e amigo Paulo Fernando Pinheiro Machado. Eis a ficha do trabalho: 

“A construção da diplomacia brasileira por um de seus pais fundadores”, Prefácio ao livro de Paulo Fernando Pinheiro Machado: Ideias e diplomacia: O Visconde do Uruguai e o nascimento da política externa brasileira– 1849-1853 (Lisboa: Lisbon International, 2022, p. 15-29).

Sumário e apresentação abaixo.

Convido a todos.

Paulo Roberto de Almeida



IDEIAS E DIPLOMACIA: 

O Visconde do Uruguai e o nascimento da política externa brasileira – 1849-1853 

Paulo Fernando Pinheiro Machado 

 

Resumo: 

Esta obra busca compreender o quadro de ideias que prevaleceu e orientou a construção da diplomacia brasileira em seu momento formativo. Nesse contexto, busca-se, sobretudo, descortinar a visão de mundo que prevalecera entre os estadistas do Império sobre nossa diplomacia, mantida no período republicano. Compreender, em suma, como as ideias de em grupo específico – o chamado “núcleo duro do Partido Conservador” – haviam contribuído para manter a unidade territorial do Brasil, que, ao contrário da América Espanhola, não se desintegrou em inúmeras repúblicas menores. Essa obra de centralização política e administrativa foi fruto de uma política consciente, concebida e executada pelos estadistas do Partido Conservador durante o segundo reinado e reafirmada pela diplomacia nobiliárquica da casa de Bragança. Nesse sentido, O Visconde do Uruguai, prócer do Partido Conservador, foi quem pela primeira vez praticou uma política externa no Brasil, consolidando visões antes dispersas sobre uma série de temas. Ao assumir a chancelaria pela segunda vez, em 1849, o Visconde dá um rumo para a diplomacia do Império, organizando o tratamento de assuntos como limites, tráfico de escravos, relacionamento com os vizinhos e com as potências, intervenção, comércio, entre outros. Este estudo procura, assim, desenvolver uma análise de policy change, isto é, procura explicar uma mudança de orientação política (variável dependente) a partir das ideias de um ator privilegiado (variável independente). O presente trabalho buscou, então, estudar a influência que as disposições e as ideias do Visconde do Uruguai tiveram nessa organização inicial da agenda diplomática brasileira e como essas mesmas ideias se solidificaram na tradição diplomática do Brasil, reafirmada pelos sucessores do Visconde.

 

 

SUMÁRIO 

INTRODUÇÃO .............. 10 

 

1 O PAPEL DAS IDÉIAS NA POLÍTICA ............... 17 

1.1 CATEGORIAS DE IDÉIAS .................. 19 

1.2 O IMPACTO DAS IDÉIAS NA POLÍTICA ........ 20 

 

2 O CONTEXTO: O MUNDO RESTAURADO PÓS-GUERRAS NAPOLEÔNICAS.. 23 

2.1 PAX BRITANNICA................ 23 

2.2 AS POTÊNCIAS DO CONCERTO EUROPEU ................. 26 

2.3 A AMÉRICA ESPANHOLA E O RIO DA PRATA ........... 29 

2.4 A POSIÇÃO DO BRASIL ...... 33 

 

3 ORIGENS E GESTAÇÃO DO PENSAMENTO DIPLOMÁTICO DO VISCONDE DO URUGUAI . 38 

3.1 ORIGENS FAMILIARES ....... 38 

3.2 EDUCAÇÃO FORMAL ......... 40 

3.3 RELAÇÕES SOCIAIS ............ 42 

3.4 EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL ......... 44 

 

4 O PENSAMENTO POLÍTICO E DIPLOMÁTICO DO VISCONDE DO URUGUAI .. 48 

4.1 O PENSAMENTO CONSERVADOR ................. 48 

4.2 O PENSAMENTO POLÍTICO DO VISCONDE DO URUGUAI ..... 50 

4.3 URUGUAI E O IMPÉRIO ...... 53 

 

5 A DIPLOMACIA COMERCIAL ............ 56 

5.1 OS TRATADOS DESIGUAIS ............... 56 

5.2 A REAÇÃO AO SISTEMA DE TRATADOS ..... 58 

 

6 A DIPLOMACIA FINANCEIRA ........... 63 

6.1 A SITUAÇÃO FINANCEIRA NO PRATA EM MEADOS DA DÉCADA DE 1840 .... 64 

6.2 A DIPLOMACIA FINANCEIRA DO VISCONDE DO URUGUAI ................ 65 

 

7 LIMITES: A GRANDE POLÍTICA AMERICANISTA .................. 69 

7.1 A SITUAÇÃO NO MOMENTO DA INDEPENDÊNCIA ................. 69 

7.2 A IDÉIA DE NACIONALIDADE NO BRASIL ................. 71 

7.3 A POLÍTICA DE LIMITES ANTES DA GESTÃO DO VISCONDE DO URUGUAI . 72 

7.4 A POSIÇÃO DO VISCONDE DO URUGUAI .... 74 

7.5 A POSIÇÃO DOS SUCESSORES DO VISCONDE ...........79 

 

8 AS RELAÇÕES COM A INGLATERRA: DO CONFLITO À PACIFICAÇÃO ... 82 

8.1 UMA RELAÇÃO CONFLITUOSA: AS MÁGOAS DA INDEPENDÊNCIA .........82

8.2 A POSIÇÃO DO VISCONDE DO URUGUAI ....88 

8.3 PRECURSORES E SEGUIDORES DA POLÍTICA DO VISCONDE ..............94

 

9 O PRATA: DA NEUTRALIDADE À INTERVENÇÃO ................. 96 

9.1 O CONTEXTO GEOPOLÍTICO DA REGIÃO ..................96 

9.2 A POLÍTICA DO IMPÉRIO PARA O PRATA ATÉ 1849: ABAETÉ E A DOUTRINA DA NEUTRALIDADE 102 

9.3 A POLÍTICA DO VISCONDE DO URUGUAI: A DOUTRINA DA INTERVENÇÃO .. 103 

9.4 A POLÍTICA PARA O PRATA DEPOIS DO VISCONDE ............ 111 

 

CONCLUSÕES ............ 114 

REFERÊNCIAS ........... 122

 

quinta-feira, 24 de março de 2022

Livro de Paulo Fernando Pinheiro Machado mostra legado do Visconde do Uruguai na política externa brasileira (Conjur)

 

DIPLOMACIA E DIREITO

Livro mostra legado do Visconde do Uruguai na política externa brasileira

O processo de construção do Estado-nação brasileiro pelas visões, crenças e motivações do político e ex-chanceler Paulino José Soares de Souza é tema do livro "Ideias e diplomacia: o Visconde do Uruguai e o nascimento da política externa brasileira (1849-1853)", que a editora portuguesa Lisbon International Press acaba de lançar.

Para o autor, Paulino de Souza, o Visconde do Uruguai, fundou a diplomacia brasileira
Divulgação

Autor da obra, o diplomata e jurista Paulo Fernando Pinheiro Machadomostra que coube a Paulino, também conhecido como Visconde do Uruguai, a tarefa de conferir ao Brasil independente uma política externa coerente e estruturada, legando ao novo país uma tradição diplomática que serviu de referência para seus sucessores.

Para Pinheiro Machado, Paulino foi o pai fundador da política externa brasileira. Senador do Império, ministro da Justiça e dos Negócios Estrangeiros, além de embaixador em missão especial na França, ele acreditava que o Brasil deveria exercer uma hegemonia benévola na América do Sul, que lhe permitisse dialogar de igual para igual com as grandes potências — ideia que agradava ao imperador dom Pedro II e que balizaria a atuação externa do Império no momento da formação do Estado nacional.

No livro, o autor mostra também que Paulino foi responsável pela criação da estrutura administrativa da chancelaria e pela profissionalização do corpo diplomático — são de autoria dele os documentos legais que fundamentaram o antigo Ministério dos Negócios Estrangeiros e as instruções para o exame dos candidatos a "adido de legação", primeiro programa oficial exigido para o ingresso na carreira.

Paulino José Soares de Souza "foi, indiscutivelmente, um dos pais construtores do Estado brasileiro e um dos fundadores de sua diplomacia, tal como ela conseguiu se libertar de duas pesadas amarras da herança internacional portuguesa e passou a cuidar, verdadeiramente, dos interesses nacionais", diz o embaixador Paulo Roberto de Almeida no prefácio.

Paulo Fernando Pinheiro Machado é diplomata, jurista, historiador, escritor e financista. Viveu em diversos países e atuou como encarregado de negócios do Brasil em Praga (República Tcheca) e em Copenhague (Dinamarca). É integrante das comissões de Direito Internacional do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e da OAB-PR e membro honorário da Comissão Especial de Direito Marítimo, Aeronáutico, Portuário, Aduaneiro e Hidroviário e da Comissão de Relações Internacionais e Integração do Mercosul da OAB-RS.

"Ideias e Diplomacia" custa R$ 39 e está à venda no site da Livraria Atlântico. O prazo para postagem é de 15 dias úteis.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

IDÉIAS E DIPLOMACIA - Paulo Fernando Pinheiro Machado, livro disponível

 


IDÉIAS E DIPLOMACIA - Paulo Fernando Pinheiro Machado

Autor: Paulo Fernando Pinheiro Machado
ISBN: 978-989-37-2189-6
páginas: 224
idioma: Português

Por que o Brasil independente manteve a sua integridade territorial ao passo que a América espanhola se fragmentou em uma série de repúblicas? Essa é uma pergunta que vem intrigando os historiadores e cientistas políticos há dois séculos. A maioria das análises apontam para uma decisão política consciente das elites imperais, em especial do Partido Conservador, de manter a unidade territorial do Brasil pela construção de um estado centralizado, após a pacificação das Revoltas do Período Regencial (1831-1835). Paulo Fernando Pinheiro Machado procura, nesta obra, analisar a face externa desse processo de construção do estado-nação brasileiro, pelas ideias, crenças e motivações de uma personagem central nesse processo: Paulino José Soares de Souza, o Visconde do Uruguai. Paulino foi quem por primeiro conferiu ao Brasil independente uma política externa coerente e estruturada, legando ao novo país uma tradição diplomática que serviu de régua mestra para os seus sucessores desde então. No ano do bicentenário da Independência, a presente obra convida a uma reavaliação crítica das ideias e dos valores fundamentais do Partido Conservador no plano externo, os quais legaram uma diplomacia de alto nível para o país e acabaram também por desembocar na tragédia da Guerra do Paraguai.

• Prazo para postagem: 15 dias úteis
• Código do produto: 8E612E

 

domingo, 13 de fevereiro de 2022

Visconde do Uruguai: o "pai fundador" da diplomacia brasileira livro de Paulo Fernando Pinheiro Machado, prefácio de Paulo Roberto de Almeida

Convido os interessados em história diplomática a conhecer o livro recém publicado sobre o Paulino José Soares de Souza, pois ali se situa, verdadeiramente, o nascimento da diplomacia brasileira. Como estimulante, ofereço meu prefácio ao livro.

Paulo Roberto de Almeida


A construção da diplomacia brasileira por um de seus pais fundadores

  

Paulino José Soares de Souza não figura entre os founding fathers da nação, inclusive porque, nascido em Paris, em 1807, só tinha 15 anos quando da declaração da autonomia, em 1822. Mas, ele foi, indiscutivelmente, um dos pais construtores do Estado brasileiro e um dos fundadores de sua diplomacia, tal como ela conseguiu se libertar de duas pesadas amarras da herança internacional portuguesa e passou a cuidar, verdadeiramente, dos interesses nacionais. Este livro, do eminente colega diplomata e distinto intelectual Paulo Fernando Pinheiro Machado, consolida toda a informação disponível sobre a atuação de Paulino como chanceler (duas vezes), tanto no plano conceitual, quanto no terreno da prática, tendo ele “encerrado” dois episódios que tinham ficado em aberto desde a independência, e dando a partida a uma política externa que será continuada por seus sucessores, com destaque para os dois Rio Branco, o visconde e o barão, cuja tradição de qualidade tornou-se um patrimônio da diplomacia republicana, prolongada até praticamente o período recente.

O Brasil nascente iniciou-se na vida internacional tendo de resolver três problemas herdados da política externa de Portugal, dos quais o primeiro foi contornado logo após a Restauração dos Bourbons na França pós-napoleônica e dois outros prolongados justamente até a atuação de Paulino, no começo dos anos 1850. Caiena, a futura Guiana francesa, que tinha sido ocupada por forças enviadas pelo príncipe regente D. João logo após a chegada da Corte portuguesa no Rio de Janeiro – uma forma de vingança contra Napoleão, que tinha mandado invadir Portugal em 1807 –, foi devolvida à França pelo tratado de Utrecht de 1817. Mas o problema do tráfico escravo, nas relações com a principal potência da época, a Grã-Bretanha, e a questão da Cisplatina – o futuro Uruguai, também invadido por forças portuguesas durante a presença da Corte no Brasil –, incorporada ao território do Império, e foco do nosso primeiro conflito com as Províncias “Desunidas” do Prata, permaneceram como dois focos imediatos de tensão nas relações exteriores da nova nação independente, ao lado e além do próprio reconhecimento diplomático do novo Estado pelas demais potências e vizinhos regionais, finalmente resolvido a partir de 1825. Essas duas questões só foram resolvidas, pelo menos nos seus aspectos mais cruciais, graças à atuação de Paulino na sua segunda encarnação como ministro dos Negócios Estrangeiros, antes mesmo que ele recebesse o título de Visconde do Uruguai, que só chegou em 1854, depois que ambos já tinha encontrado soluções satisfatórias, graças ao segundo melhor chanceler do novo Império do Brasil, depois do primeiro, José Bonifácio, um dos pais fundadores, também conhecido como o “patriarca da Independência”.

Este livro tem um título apropriado, “Ideias e diplomacia”, pois estes são os dois grandes conceitos em torno dos quais Paulo Fernando Pinheiro Machado organiza os seus argumentos substantivos, mas também traz, em seu subtítulo, uma afirmação mais do que apropriada: o “nascimento da política externa brasileira”. Com efeito, até o começo das Regências, a política externa do Brasil tinha sido quase “portuguesa”, e não só pelos problemas do Prata e do tráfico, mas também em função das tribulações de D. Pedro I com os assuntos da antiga metrópole: entre estas se incluem as desventuras de D. João VI de volta ao trono de Portugal, a ambição de D. Miguel, irmão de D. Pedro, este o herdeiro legítimo da coroa na morte (altamente suspeita) do pai em 1826, sua luta deste para fazer de sua filha, Maria da Glória, a legítima sucessora como futura D. Maria II, em benefício de quem abdicou da coroa portuguesa, o que só se efetivourealmente depois da verdadeira guerra civil que teve de travar contra o absolutista D. Miguel, já após sua própria abdicação como imperador do Brasil e volta definitiva a Portugal, em 1831. 

A política externa do primeiro Reinado foi, assim, “portuguesa”, pelo menos em certa medida, por causa dessas desventuras sucessórias, mas também tolhida pelos dois outros problemas que atazanaram a pequena Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros por mais de duas décadas numa delas. O problema da Cisplatina vinha da longeva tentativa lusitana de controlar pelo menos a margem superior do Rio da Prata – aliás, “descoberto” por um navegador português antes mesmo da passagem de Fernão de Magalhães, a quem se deve o nome da futura capital, Montevidéu, “monte vídeo” –, prolongada pela fundação e diversas ocupações da Colônia do Sacramento (onde nasceu Hipólito da Costa, que também pode ser considerado um dos “pais fundadores” da nação), até esta ser “devolvida” à Espanha pelo tratado de Madri de 1750, em troca das missões jesuíticas no Rio Grande do Sul. Foi um erro da administração do império português no Brasil ter ocupado um território visivelmente castelhano, antigamente pertencente ao Vice-Reinado do Rio da Prata (como também era o caso do Paraguai e do sul da futura Bolívia) e foi um erro ainda maior da constituição do nascente Império ter incorporado à jurisdição do novo Estado uma Província Cisplatina, à qual eram reconhecidos um sistema tributário diferente do resto do Império, ademais da própria língua espanhola. Depois da guerrilha contra os seguidores de Artigas, vencidos pelos “brasileiros” – o próprio D. Pedro chegou a se deslocar ao Uruguai –, a guerra aberta travada pelos “orientales” de Lavalleja, com o apoio aberto de Buenos Aires, constituiu o primeiro percalço infeliz da política externa “brasileira”, que teve ainda de enfrentar a hostilidade da França e da própria Grã-Bretanha, a quem coube impor um armistício, já em 1828, base da independência da futura República Oriental. Mas os “estancieros” gaúchos e o próprio Brasil continuaram a se imiscuir nos assuntos internos uruguaios, o que ainda provocaria os demais conflitos no Prata, que se prolongaram até o segundo Reinado.

No outro dossiê herdado de Portugal, mas assumido plenamente pelos novos “donos” do Império, a tensão bilateral com a Grã-Bretanha por causa do tráfico escravo, os irritantes já vinham desde os tratados desiguais de 1810, que Portugal teve de contrair, continuaram no Congresso de Viena (1815), foram objeto de vários acordos bilaterais “para inglês ver”, antes e depois da independência, e continuaram envenenando as relações bilaterais durante todo o período regencial e ao início do segundo Reinado, quando o Bill Aberdeen passa a ameaçar a própria soberania do Império. Todos esses problemas são detalhadamente tratados no livro agora publicado – derivado de uma tese no Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco em 2010 –, mas não apenas em suas démarches propriamente diplomáticas, mas sobretudo no terreno da formulação política dos princípios e valores e dos fundamentos conceituais da diplomacia brasileira. 

Não cabe neste prefácio tratar de todas as questões práticas de diplomacia de que se ocupa Paulo Fernando Pinheiro Machado, com a minúcia de quem leu todos os relatórios, as obras do próprio Paulino e a literatura secundária, com foco centrado nesse “nascimento da política externa brasileira”, como evidenciado no subtítulo da obra. Mas, o seu texto é ainda mais precioso do ponto de vista intelectual, uma vez que ele se lança numa história das ideias, tanto as mais gerais – como as doutrinas políticas em voga em meados do século XIX –, como, principalmente, as do próprio Paulino, a quem ele trata pelo seu título nobiliárquico antes mesmo que ele adquirisse a distinção (Visconde “com grandeza”, como lhe atribuiu o imperador). Paulino não deixou memórias sequer um relato de sua imensa atividade à frente das diversas atribuições, diplomáticas ou outras, que recebeu desde a “correção” do Regresso, ainda no final das Regências, e durante o “tempo saquarema”, ao início do segundo Reinado. Mas ele deixou duas obras de “direito administrativo”, que são verdadeiros manuais de organização do Estado imperial, num momento em que este carecia de códigos, regulamentos e normas que pudessem guiar os dirigentes encarregados da gestão dos negócios internos e externos; Paulino foi um dos poucos a fazê-lo, com base numa leitura atenta da boa doutrina e dos estatutos em vigor nos principais países que moldavam o sistema internacional em sua época, tanto da tradição continental, quanto no âmbito anglo-saxão. 

Mais importante ainda, do ponto de vista da organização do corpo diplomático brasileiro e do próprio funcionamento da diplomacia do Império, que, naquela época, estava compartimentado em pelo menos três “carreiras” (o termo não se aplica inteiramente) distintas e separadas: os diplomatas propriamente ditos, que passavam a vida circulando entre os postos no exterior, as legações do Império na Europa, nas Américas e algumas na Ásia, os poucos funcionários da Secretaria de Estado no Rio de Janeiro, e os encarregados dos serviços consulares, geralmente dotados de menor consideração hierárquica e política, pois que se ocupando daqueles assuntos que eram desdenhosamente chamados de “secos e molhados”, ou seja, estampilhas cartoriais, vistos e rudimentos da promoção comercial. Foi Paulino que reformou o primeiro Regulamento da Secretaria de Estado – dado por Aureliano de Souza, em 1842 – e que produziu, de sua própria mão, uma sucessão de documentos que fundamentaram, organicamente, o funcionamento do antigo Ministério dos Negócios Estrangeiros, de uma forma que nunca tinha sido feita até então. A importância dessa obra administrativa, mais do que relevante, efetuada em sua segunda gestão como chanceler, merece que esses documentos de organização sejam mencionados por inteiro (e aqui eu recorro à excelente pesquisa feita pelo nosso colega Flávio Mendes de Oliveira Castro, na sua obra Itamaraty: dois séculos de história): 

1) a primeira organização do corpo diplomático brasileiro (Lei n. 614, de 22/08/1851);

2) o segundo regimento do corpo diplomático (Decreto n. 940, de 20/03/1852);

3) o decreto que fixou o número e as categorias das missões diplomáticas (1852);

4) o decreto que determinou uma inédita tabela de remuneração no exterior (1852).

 

Como explicitou Flávio Castro, esses quatro diplomas legais “vieram consolidar, em textos próprios, uma série de medidas administrativas, de disposições orgânicas e funcionais do Serviço Diplomático já capituladas, esparsamente, em administrações anteriores” (op. cit., Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009, vol. I, p. 93). Mas Paulino fez ainda muito mais: ele se preocupou com a qualidade do capital humano com o qual deveria passar a trabalhar, doravante, a diplomacia brasileira. Como ainda relata Flávio Castro: 

Anexas ao Regulamento Paulino de Souza vieram à luz as

Instruções para o exame dos candidatos ao lugar de Adido de Legação, às quais se refere o Regulamento n. 940, de 20 de março de 1852

que acreditamos ser o primeiro programa oficial exigido para o ingresso na carreira diplomática. A Comissão Examinadora seria composta de três membros, presidida pelo Ministro de Estado. O exame deveria ser prestado publicamente, em sala da Secretaria de Estado, com a duração de duas horas, sendo 20 minutos dedicados a cada uma das seguintes matérias: 

1º. – Conhecimento das línguas modernas, especialmente da inglesa e francesa, devendo o candidato traduzir, escrever e falar esta última.

2º. – História Geral e Geografia Política, História Nacional, e notícia dos Tratados feitos entre o Brasil e as Potências estrangeiras.

3º. – Princípios gerais do Direito das Gentes, e do Direito Público nacional e das principais nações estrangeiras. 

4º. – Princípios gerais de economia política, e do sistema comercial dos principais Estados, e da produção, indústria, importação e exportação do Brasil.

5º. – A parte do Direito Civil relativa às pessoas e princípios fundamentais em matéria de sucessão.

6º. – Estilo diplomático, redação de despachos, notas, relatórios, etc.

O escalonamento da carreira foi assegurado pelo artigo 4º do Regulamento Paulino de Souza, que determinava o processo de ascensão ao cume da hierarquia. O funcionário progrediria ao cargo imediatamente superior, não dando mais margem às interpolações de adventícios. (...)

Os adventícios no Serviço Diplomático de então eram os Embaixadores de fora da carreira..., Chefes e Empregados de Missões Especiais, que poderiam ser também estranhos à carreira. Tais funcionários, se continuassem servindo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, não teriam os benefícios e vantagens da estabilidade remunerada ou da aposentadoria...

No Regulamento Paulino de Souza não foram estabelecidas normas precisas sobre critérios a seguir para promoções. Há, porém, a referência de que o serviço em Legações de países americanos ou o exercício das funções de Secretário ou de Adido na Legação de Londres, além de outros, seriam motivos de preferências nas promoções... Segundo instruções especiais..., haveria uma revisão da lista de Adidos de 1ª. e 2ª. Classes, ‘a fim de serem eliminados aqueles que houverem dado provas de pouca capacidade, ou tiverem procedimento menos regular’. (Castro, 2009, p. 98-100; ênfases no original)

 

As reformas introduzidas por Paulino constituíram, sem dúvida alguma, a mais importante reforma estrutural jamais efetuada na carreira e no serviço diplomático até então, sendo que um novo Regulamento de organização só seria introduzido em 1859 pelo ministro José Maria da Silva Paranhos. Mas o Visconde do Rio Branco o fez sem tocar, por exemplo, nos requerimentos de seleção de adidos de 1ª. classe, porta obrigatória de ingresso na carreira, o que confirma que Paulino estabeleceu um padrão de qualidade no recrutamento dos servidores do quadro diplomático que seria invariavelmente seguindo, com as pequenas adaptações pertinentes, até os nossos dias. De fato, a aura de excelência do Itamaraty atual deita raízes nas reformas e nos estatutos concebidos, escritos e implementados por Paulino, antes até que ele recebesse a honra de ser elevado ao título de Visconde do Uruguai. 

Se examinarmos, por exemplo, a lista acima das matérias exigidas para a admissão de novos servidores constata-se que esse imenso conhecimento das mais diversas disciplinas continuou a ser exigido dos candidatos à carreira nos 170 anos seguintes, depois que Paulino traçou, pela primeira vez, essa amplitude de domínio de matérias afetas ao trabalho diplomático (e consular também, com variações apropriadas) que o aspirante precisaria ter antes de passar a integrar o reduzido, mas capacitado corpo diplomático brasileiro, uma obra magnífica de Paulino. Com efeito, no seu decreto 941, de 1852, ele também fixou o número e a categoria dos funcionários que caberia manter nas 21 missões diplomáticas que o Império passou a manter no exterior, integradas por 15 a 19 adidos, 7 secretários, 12 encarregados de negócios – no Paraguai, no Chile, conjuntamente na Venezuela, Nova Granada (Colômbia) e Equador, e em nove monarquias europeias –, 2 ministros residentes – na Bolívia e na Prússia e cidades hanseáticas – e 7 Enviados Extraordinários e Ministros Plenipotenciários (que são chamados atualmente de embaixadores), estes nas Américas (Estados Unidos, Confederação Argentina, Uruguai e Peru) e na Europa (Grã-Bretanha, França e Portugal). 

Em outros termos, Paulino conduziu, com maestria, não só a política externa do Império, como demonstra com total domínio de cada um dos assuntos substantivos Paulo Fernando Pinheiro Machado, como o estadista do Regresso também soube organizar, nos mínimos detalhes, toda a organização, o funcionamento e a seleção do pessoal diplomático. Ele estabeleceu um padrão de qualidade que, se foi modificado ao sabor da evolução natural da política regional e internacional do Brasil, jamais deixou de se pautar pelo espírito das normas e requerimentos exigentes que Paulino traçou em matéria de desempenho funcional e de rigor intelectual dos diplomatas recrutados para serviço exterior do país. 

Ao lado de outros grandes nomes vindos da Regência, liberais ou conservadores, como Bernardo de Vasconcelos, Honório Hermeto, Eusébio de Queirós Mattoso, Alves Branco e Paranhos, o Visconde do Uruguai foi um dos grandes estadistas e agentes políticos do Império, atuando tanto na esfera política, constitucional, administrativa, quando, principalmente, no nascimento e na consolidação de uma política externa propriamente brasileira, e não mais “portuguesa”, como ele ainda encontrou ao assumir pela primeira vez a chancelaria (em 1843). De 1849 a 1853, ele foi o mestre absoluto do todos os atos na frente externa, mesmo numa agenda tão pouco favorável à imagem do Brasil no exterior, como era a infeliz defesa do tráfico. Paranhos, que o seguiu mais adiante, também teve de se ocupar do dossiê da escravidão, o que ele fez pela Lei do Ventre Livre, em 1871. 

Esta obra primorosa – inclusive e principalmente pelo seu lado de “história das ideias” – rende homenagem à figura humana, ao homem político, ao pensador insigne e ao estadista excepcional que foi o Visconde do Uruguai, um formulador consistente das bases institucionais de funcionamento do Estado imperial, um leitor de Burke, de Guizot, de Tocqueville, mas que sabia adaptar doutrinas e regulamentos estrangeiros às condições materiais e sociais de uma nação ainda em formação como era o Brasil em meados do século XIX. Ele debateu com outros tribunos do Império, como Tavares Bastos ou Zacarias de Góis e Vasconcelos, sobre os temas mais candentes de nossa organização política, defendendo o modelo de Estado que ele julgava ser o mais conforme às possibilidades concretas de um país ainda atrasado em quase todos os quesitos civilizatórios, mas que ele pretendia ter uma estrutura administrativa e um corpo de funcionários similares, se não semelhantes, aos dos Estados mais avançados da Europa. 

Como escreveu sobre ele uma das principais estudiosas de sua obra e pensamento: 

No Brasil o mundo da política era, segundo Uruguai, desvirtuado e perigoso, sujeito às paixões e aos interesses mesquinhos nascidos nas localidades – onde faltavam homens talhados para agir visando ao interesse público. O maior dique contra esse mundo era a administração. Em toda a obra do visconde transparece a valorização da administração, terreno da neutralidade e da eficácia, em contraposição à esfera da política, presa fácil das facções. (Gabriela Nunes Ferreira, “Visconde do Uruguai: teoria e prática do Estado brasileiro”, in: André Botelho e Lilia Moritz Schwarcz (orgs.), Um enigma chamado Brasil: 20 intérpretes e um país. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 18-31, cf. p. 26)

 

Senador do Império, ministro de Estado por duas vezes na Justiça e por três vezes na pasta dos Negócios Estrangeiros, embaixador em missão especial na França, para tratar do caso da Guiana – que só seria resolvido na República, pelo barão do Rio Branco –, Paulino José Soares de Souza não deixou um registro circunstanciado de seu imenso trabalho de gestor, de político, de chefe fundador de uma diplomacia verdadeiramente brasileira, mas ofereceu sua contribuição de estadista como autor de duas obras de direito administrativo. Seu neto, José Antonio Soares de Souza, deixou sobre ele um relato encomiástico, mas honesto, na obra A vida do visconde do Uruguai (1944), com ampla informação sobre cada uma de suas múltiplas atividades nos diversos cargos em que se desempenhou sempre de forma brilhante. Outros estudiosos importantes, como José Murilo de Carvalho, que organizou a reedição de suas principais obras (2002), ou Ilmar Mattos (1999), examinaram o seu trabalho como construtor do Estado imperial. Esta obra, de meu colega Paulo Fernando Pinheiro Machado, completa agora, pelo estudo de suas ideias e pelo acompanhamento de sua ação na diplomacia, o panorama virtualmente completo desse grande formador do Brasil na primeira fase de sua existência como nação independente.  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata e professor

Brasília, dezembro de 2021