ECLUSAS PARA ITAIPU
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 14/12/2021
A visita do presidente do Paraguai, Mario Abdo Benitez, ao Brasil, em novembro passado, abriu novas possibilidades de cooperação entre Assunção e Brasília, a partir de Itaipu, o maior empreendimento entre os dois países. Foi discutida a revisão do Anexo “C” do Tratado de Itaipu, que trata do preço, a comercialização e a disponibilidade da energia. Além de avançar na questão do preço da energia gerada pela binacional a partir de 2023, há um ponto sensível que está previsto em outro Anexo do Tratado de ITAIPU, o “B” (não o “C”), que é a construção de um sistema de Eclusas para permitir o fluxo de transporte fluvial sem interrupção pela hidrovia Paraná-Paraguai e que tem potencial para amalgamar um acordo de convergência entre os países. Em encontro bilateral de ontem na fronteira, os dois presidentes devem ter conversado sobre Itaipu.
O eixo das hidrovias dos Rio Paraguai e Paraná integra partes do Brasil, Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai em torno de bacias hidrográficas Paraguai, Paraná e Uruguai, todos afluentes da grande bacia hidrográfica do Prata. A densidade populacional é baixa (29 hab./km2), exceto para os departamentos de Assunção e Central no Paraguai. Com 20% da superfície da América do Sul (4.036.541 km2), com mais de 30% do PIB, essa região é a segunda maior no Cone Sul e a terceira com mais população (cerca de 29% do total do continente). O Rio Paraná é o mais importante da Bacia do Prata, não só pelo seu grande potencial hidrelétrico, mas pelos seus 2.800 km de extensão quase inteiramente navegáveis. A principal interrupção é onde está localizada a Usina Hidrelétrica de ITAIPU e a execução de um sistema de eclusas nas vias de navegação nesse local possibilitará sua completa navegabilidade, tornando viável inclusive a interligação das hidrovias Tietê-Paraná e Paraná – Prata.
A construção do sistema de eclusas e a ampliação de portos, águas acima e abaixo do reservatório de ITAIPU, associado com sistemas de transbordo de contêineres e cargas de grão sólido e líquido de transporte fluvial até caminhões de carga e vice-versa, conectados por uma estrada pavimentadas de grande capacidade de carga e ferrovias, será um conjunto dos empreendimentos (Transposição + Pólo Intermodal + Ferrovia) que, por efeito sinérgico, trará para cada unidade um benefício que certamente superará o ganho estimado, se fosse adotado somente um modal. Os benefícios são evidentes para a economia como um todo, e permitirão alcançar três objetivos: o desenvolvimento do transporte ferroviário e hidroviário interior com significativo aumento do transporte de produtos agrícolas e minerais); oferta através de concentração (economias de escalas e sinergias), de melhores serviços logísticos em termos de eficácia / eficiência com expressiva redução do custo do transporte de cargas) melhor utilização do uso do território excluindo áreas urbanas com utilizações impróprias ou de elevado impacto ambiental, como aquelas ligadas a transporte de cargas, concentrando-os em âmbitos externos apropriados.
Em vista da revisão do Anexo “C” do Tratado de ITAIPU em 2023, quando o pagamento da dívida estará integralmente amortizado, a empresa binacional estaria em condições de absorver o custo extra da construção das eclusas, que poderia operar a preço de custo ou próximo dele, com impacto muito reduzido sobre a tarifa.
Esses elementos econômicos e comerciais deveriam servir de estímulo para o aproveitamento das potencialidades hidroviárias sul-americanas. Mas não é tudo. Soma-se a isso, a possibilidade de mitigar uma das maiores preocupações da humanidade, a emissão de gases poluentes e geradores de efeito estufa (GEE), que são considerados por diversos estudos como responsáveis pelo avanço do aquecimento global e, por isso, atualmente representando alta relevância nos acordos internacionais que preveem o avanço na regulamentação da redução dos GEE, inclusive, já estipulando a redução compulsória destas emissões. Um eventual incremento da participação do modal hidroviário na matriz de transportes poderia capturar benefícios para o meio ambiente: redução de acidentes rodoviários, redução da emissão de gases poluentes e redução do consumo de combustível. Segundo publicações técnicas, o modal rodoviário é o responsável pela maior taxa de emissão de CO2, com 116 kg de CO2 emitidos para cada 1.000 TKU movimentado. Por outro lado, assumindo a possibilidade de uma maior participação do modal hidroviário na matriz de transportes, as emissões de CO2 podem ser altamente representativas de redução, trazendo a possibilidade de uma monetização desta redução de emissão de gases considerando o mercado de crédito de carbono, além, naturalmente, contribuir para o principal, a melhoria do equilíbrio do clima.
Para facilitar a captação de investimentos para o desenvolvimento regional ao longo dos rios e melhorar a governabilidade deveria ser também examinada a criação de uma autoridade internacional para a Hidrovia, nos moldes da existente no Danúbio e no Ródano, na Europa.
A construção das Eclusas, prevista no Tratado original de Itaipu, poderá transformar os eixos das Hidrovias Paraná-Paraguai no projeto síntese da integração regional.
Rubens Barbosa, presidente do IRICE e membro da Academia Paulista de Letras.
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