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sábado, 23 de dezembro de 2023

O ponto de fusão: Imigrantes na construção do Brasil e na política - Paulo Roberto de Almeida revista Crusoé

 Sou colunista da revista Crusoé, o que implica em resguardar por certo tempo os direitos autorais da editora responsável. Considero que depois de duas ou três semanas seja razoável divulgar por este canal a íntegra dos meus artigos, vários deles de natureza conjuntural. É o que faço agora.

1535. “O ponto de fusão” [título original: “Imigrantes na construção do Brasil e na política”], revista Crusoé (n. 293, 8/12/2023; link: https://crusoe.com.br/edicoes/293/o-ponto-de-fusao/). Relação de Originais n. 4513.

 

Imigrantes na construção do Brasil e na política

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

revista Crusoé revista Crusoé (n. 293, 8/12/2023; link: https://crusoe.com.br/edicoes/293/o-ponto-de-fusao/). 

 

A história da humanidade, desde tempos imemoriais, é formada por um cadinho e por um turbilhão de povos, de culturas e de influências recíprocas, ainda que assimétricas por sua própria natureza: expansão demográfica natural, dominação violenta por hordas de invasores militarmente superiores, emigração voluntária ou forçada, epidemias e endemias seguindo as trilhas da inovação técnica e da disseminação de espécies vegetais e animais mais produtivas. Esse processo durou milhares de anos, e continua de maneira intensa nos nossos dias, com as novas facilidades de transportes e comunicações; mas a marcha a pé, dos campos para as cidades, de uma região a outra, ainda continua a ser a forma mais usual de transmigração. 

Darcy Ribeiro, em suas obras sobre o processo civilizatório, fazia uma distinção entre povos historicamente ancestrais, os da Eurásia e da África, e os “povos novos”, que seriam os que resultaram das grandes navegações a partir daquele grande continente e o espraiamento de seus contingentes humanos sobre o “Novo Mundo” aberto aos europeus desde as primeiras “descobertas” de vikings e de Colombo. Os “ancestrais” do hemisfério americano foram sendo subjugados, eliminados ou transformados pela supremacia das armas e das técnicas: alguns dos ocupantes originais permaneceram, onde sua densidade demográfica e avanços materiais estavam consolidados, comparativamente ao destino mais infeliz daqueles povos ainda situados no paleolítico ou no neolítico superior. 

A conformação de alguns desses “povos novos” é caracteristicamente imigrante, a partir de suas fontes europeias, a América do Norte, Brasil e Argentina ao sul, Austrália e Nova Zelândia no Índico. A Argentina foi, proporcionalmente, o povo mais “importado” do mundo, ainda que os Estados Unidos, numericamente, sejam os campeões absolutos no seu componente imigratório. O Brasil ficou fechado ao mundo, por decisão da metrópole durante os primeiros séculos, mas também recebeu levas de imigrantes a partir do final do século 19 e início do seguinte. Antes dos europeus, japoneses, médio-orientais, armênios e tutti quanti integrou essas levas de trabalhadores incansáveis, os “cristãos novos” já tinham colorido o tecido social originalmente apenas lusitano. Voltaram, mais tarde, com novas diásporas produzidas pelo antissemitismo europeu, aliás precedidos pelos expelidos pela crise do império otomano mais de cem anos atrás. O Brasil foi feito basicamente pelos imigrantes, crescentemente diversificados, mais até do que pelos portugueses, o tronco humano central, mas provavelmente não o mais produtivo ou empreendedor neste último século. Integrados e misturados ao substrato colonial, já naturalmente mesclado, esses imigrantes foram decisivos na construção da nação, antes de serem influentes no governo e na política, desde as décadas de modernização econômica e social da era Vargas (que se confunde com o meio século de grandes transformações culturais e materiais desde a Revolução de 1930). Dificuldades e percalços nas políticas domésticas partir dos anos 1980 reduziram o formidável ímpeto do crescimento econômico nacional, quando o mundo, superada a grande divisão ideológica do imediato pós-Segunda Guerra, ingressava justamente em nova onda globalizadora, que impactou sobretudo antigos povos asiáticos, submetidos durante alguns séculos à hegemonia europeia. A Ásia Pacífico inverteu posições com a América Latina, no comércio mundial, na tecnologia nos trinta anos seguintes à descolonização de velhos impérios europeus. 

O Brasil continuou relevante na América do Sul por seu próprio peso específico no continente, não exatamente por um dinamismo extraordinário: mesmo na retomada de taxas de crescimento mais robustas, no começo do milênio, sua expansão média ficou abaixo da América Latina, abaixo da média mundial e três vezes menos do que os emergentes mais dinâmicos da Ásia Pacífico. Mas os nomes dos imigrantes são cada vez mais visíveis, na política interna, nos empreendimentos econômicos e até na política externa, com destaque para os levantinos, influentes pela riqueza, pela participação nos negócios e na governança. 

Os judeus, povo martirizado no Holocausto de meados do século passado, voltam novamente às primeiras páginas dos jornais, não mais por uma nova Intifada contra sua nação recriada, mas por uma verdadeira tentativa de eliminação do Estado e de todo o seu povo por um movimento terrorista dispondo de poderosos apoios na região e fora dela. Por razões não de todo racionais no âmbito da política interna, o Brasil ficou dividido nessa nova onda de antissemitismo explícito, mais ainda do que nos sombrios anos 1930, quando se relutou de forma mesquinha em acolher os perseguidos pelos pogroms nazistas. Bandos de alucinados chegaram a manifestar apoio aos perpetradores de ataques terroristas contra o povo judeu, em Israel e mundo afora. Não se trata exatamente do componente árabe ou muçulmano integrado à população brasileira, mas mais exatamente uma espécie de reflexo de deformações políticas incorporadas à política externa desde algum tempo, por acaso coincidentes com as escolhas ideológicas do partido que controla temporariamente o governo.

Depois de muito tempo hegemonizada pelas oligarquias dominantes no Império e na República Velha, a diplomacia brasileira recebeu o aporte de imigrantes árabes e judeus em seu corpo profissional. Mesmo de fora da carreira, dois judeus de sobrenome Lafer, tio e sobrinho, ocuparam a chefia da diplomacia a meio século de distância. Ambos tiveram posturas impecáveis na condução geral da política externa, inclusive com respeito aos dramas humanos e diplomáticos que continuaram agitando o Oriente Médio, desde muito tempo e novamente no período recente. Celso Lafer, por sinal, contou com a preciosa ajuda de um descendente de libaneses na secretaria geral das relações exteriores.

Na verdade, a ascendência étnica e cultural de muitos imigrantes na política brasileira teve um peso relativamente menor na definição das grandes linhas da política externa do país, dada a quase total integração desses “importados” ao main stream da governança nacional. Todos, agora, são basicamente brasileiros, pelos hábitos e pela cultura, mais do que outras comunidades de “oriundi” em diversos outros países, que conservam comunidades agregadas pela língua, pela religião e pelos costumes. Festas, futebol e comidas mesclaram quase todos os povos que aportaram no Brasil desde a República laica, mas profundamente religiosa. 

Eventuais divisões decorrentes de preferências políticas relativamente sectárias serão provavelmente passageiras, superado o grande drama que agita novamente o Oriente Médio. As duas comunidades temporariamente em confronto de opiniões não contaminarão de forma excessiva a diplomacia profissional, nem conseguirão infletir a postura sempre equilibrada da política externa vis-à-vis conflitos no cenário mundial. Nunca fomos atingidos por qualquer “choque de civilizações”, nem o drama atual importará ódios manifestados em outras partes do mundo. O “melting pot” brasileiro, basicamente racial e cultural, é resiliente ao ponto de diluir fricções existentes no exterior. Somos todos imigrantes perfeitamente integrados.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4513, 18 novembro 2023, 3 p.

 Publicado como “O ponto de fusão” [título original: “Imigrantes na construção do Brasil e na política”], revista Crusoé(n. 293, 8/12/2023; link: https://crusoe.com.br/edicoes/293/o-ponto-de-fusao/). Relação de Originais n. 4513; Relação de Publicados n. 1535.


sábado, 9 de dezembro de 2023

Artigo mais recente publicado: "O ponto de fusão": a colaboração dos Imigrantes na construção do Brasil e na política - Revista Crusoé

 Meu artigo mais recente: 

   O ponto de fusão

título original: Imigrantes na construção do Brasil e na política 

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

revista Crusoé n. 293, sob o título de “O ponto de fusão” (8/12/2023; link: https://crusoe.com.br/edicoes/293/o-ponto-de-fusao/).  


A história da humanidade, desde tempos imemoriais, é formada por um cadinho e por um turbilhão de povos, de culturas e de influências recíprocas, ainda que assimétricas por sua própria natureza: expansão demográfica natural, dominação violenta por hordas de invasores militarmente superiores, emigração voluntária ou forçada, epidemias e endemias seguindo as trilhas da inovação técnica e da disseminação de espécies vegetais e animais mais produtivas. Esse processo durou milhares de anos, e continua de maneira intensa nos nossos dias, com as novas facilidades de transportes e comunicações; mas a marcha a pé, dos campos para as cidades, de uma região a outra, ainda continua a ser a forma mais usual de transmigração. 

Íntegra no link: https://crusoe.com.br/edicoes/293/o-ponto-de-fusao/

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Joe Biden deveria renunciar à reeleição - The New York Times

Joe Biden é um presidente impopular e sem alguma recuperação ele poderia facilmente perder para Donald Trump em 2024. 

 THE NEW YORK TIMES, 13/09/2023

O que, em si, não é nenhuma surpresa: seus dois antecessores também eram impopulares neste ponto de suas presidências e também corriam perigo em suas postulações à reeleição. Mas com Trump e Barack Obama havia explicações razoavelmente simples. Para Obama, o índice de desemprego de 9,1% em setembro de 2011 e os ferimentos das batalhas do Obamacare. Para Trump, o fato dele jamais ter sido popular, tornando índices baixos de aprovação o padrão natural de sua presidência. 

 Para Biden, contudo, houve uma lua de mel normal, meses de índices de aprovação razoavelmente altos que terminaram apenas com a caótica retirada do Afeganistão, e desde então tem sido difícil condensar uma explicação para o que tem prejudicado sua popularidade. A economia está melhor do que no primeiro mandato de Obama, a inflação está baixando e a temida recessão não se materializou. As guerras lacradoras e as batalhas sobre a covid que prejudicaram os democratas não são mais fatores centrais, e as guerras culturais pós-Roe parecem um terreno mais amigável. A equipe de política externa de Biden tem defendido a Ucrânia sem uma escalada perigosa com os russos (até aqui), e Biden alcançou até legislações bipartidárias, cooptando promessas trumpistas sobre política industrial no caminho. Isso criou uma mistificação entre democratas sobre por que tudo isso não é suficiente para dar ao presidente uma vantagem decente nas pesquisas. Eu não compartilho dessa mistificação. 

Mas acredito que há uma incerteza real a respeito de quais são as forças mais importantes prejudicando os índices de Biden. Comecemos com a teoria de que os problemas de Biden ainda decorrem principalmente da inflação — que as pessoas simplesmente odeiam ver os preços aumentando e que o presidente não recebe crédito por evitar a recessão porque os aumentos de salários foram consumidos pela inflação até recentemente. Se for esta a questão principal, a Casa Branca não terá muitas opções além de paciência. O pecado original inflacionário do governo, o gasto excessivo no Plano Americano de Resgate Econômico, não se repetirá, e exceto pela possibilidade de um armistício na Ucrânia aliviar parte da pressão sobre os preços do gás, não há muitas outras alavancas políticas a se acionar. 

A esperança tem de ser que a inflação continue a baixar, os salários reais aumentem consistentemente e, em novembro de 2024, Biden receba o crédito que não está recebendo agora pela condição da economia. Um afastamento do centro Mas talvez não seja só a economia. Em várias pesquisas Biden parece estar perdendo apoio de eleitores de minorias, continuando uma tendência da era Trump. Isso levanta a possibilidade da existência de um repuxo para os democratas em relação a temas sociais, no qual mesmo que lacração não seja frontal e central, o fato de que o núcleo ativista do partido está posicionado tão à esquerda gradualmente empurra afro-americanos e hispânicos culturalmente conservadores para o Partido Republicano — num movimento muito parecido com o de democratas brancos conservadores que vaguearam gradualmente para a coalizão republicana entre os anos 60 e 2000. Bill Clinton conteve temporariamente esse movimento rumo à direita comprando brigas públicas com facções à sua esquerda. 

Mas a estratégia de Biden não é esta. Ele se moveu um pouco para a direita em temas como imigração, no qual a visão de políticas do progressismo vai mal. Mas Biden não faz alarde sobre suas diferenças com o flanco progressista. Eu não espero que isso mude — mas isso pode estar lhe cobrando de maneiras um tanto invisíveis para os progressistas neste momento. Um presidente idoso Ou talvez o grande problema seja apenas a ansiedade latente sobre a idade de Biden. Talvez seus índices de aprovação despencaram primeiro na crise do Afeganistão porque a retirada americana evidenciou o absentismo público que com frequência caracteriza sua presidência. 

Talvez alguns eleitores assumam agora que um voto por Biden é um voto na desafortunada Kamala Harris. Talvez exista simplesmente um vigor intensificado em campanhas presidenciais que dê vantagem a Trump. Em qualquer caso, um líder diferente com as mesmas políticas poderia ser mais popular. Sem nenhuma maneira de elevar um líder assim, porém, tudo o que os democratas podem fazer é pedir para Biden mostrar mais vigor público, com todos os riscos que isso pode implicar. Pelos menos é uma — espécie de — estratégia. 

O problema mais difícil para Biden abordar poderá ser o tormento da depressão privada e do pessimismo geral que paira sobre os americanos, especialmente os mais jovens, que foi piorado pela covid mas parece arraigado em tendências sociais mais profundas. Eu não vejo nenhuma maneira óbvia de Biden tratar dessa questão por meio de algum posicionamento normal. Eu não recomendaria atualizar o “discurso do mal-estar” de Jimmy Carter com a terminologia terapêutica do progressismo contemporâneo. E também não considero que o presidente seja o político adequado para travar uma cruzada contra o desarranjo digital ou algum arauto do reavivamento religioso. Biden elegeu-se, em parte, definindo a si mesmo como uma figura transicional, uma ponte para um futuro mais jovial e otimista. 

Agora ele precisa de alguma crença generalizada nesse futuro melhor para ajudá-lo a reeleger-se. Mas onde quer que os americanos venham a encontrar esse otimismo, nós provavelmente passamos bastante do ponto em que um presidente de aparência decrépita poderia esperar ser capaz de, ele próprio, gerá-lo. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

O terrível legado do olavismo para a política e a cultura no Brasil - Guilherme Casarões e Paulo Roberto de Almeida

 Importante artigo sobre uma das nossas misérias dos últimos anos. Eu li e comentei o artigo importante de Guilherme Casarões sobre o “legado” (se o termo se aplica) do olavismo, na atual recomposição dos movimentos de direita e de extrema-direita no Brasil. 

Creio que o oportunismo fisiológico da cleptocracia de parte do estamento político brasileiro prevalecerá sobre qualquer “legado” ideológico. Mas de uma coisa estou certo: o olavismo imbecil, no campo do pensamento internacional, produziu, pelas mãos e pés de um desequilibrado primeiro chanceler (o patético e submisso EA) a maior destruição da imagem externa do Brasil e da credibilidade de sua diplomacia profissional. 

Não gostaria de relembrar, por outro lado, que, à exceção dos aposentados, a quase totalidade dos diplomatas profissionais permaneceu inerme ante o trabalho de destruição de nossos princípios e valores. 

Paulo Roberto de Almeida


O LEGADO DO OLAVISMO

Guilherme Casarões 

O Estado de S. Paulo, 26 de janeiro de 2022

Morreu o homem que resgatou a direita do ostracismo, a radicalizou e a popularizou – tudo isso em poucos anos. Até meados da década passada, Olavo de Carvalho era um ideólogo de nicho. Com seus cursos de filosofia, pregava para algumas centenas de pessoas, potencializado pela inserção precoce no mundo digital e nas redes sociais.

O terremoto político iniciado em 2013, que levou à ascensão de vários movimentos de direita, coincidiu com a chegada de Olavo ao mainstream editorial. Em pouco tempo, o sucesso de seus livros começou a repercutir nas manifestações antipetistas, na forma de cartazes com o escrito “Olavo tem razão”. Olavo, de fato, tinha razão numa coisa. Havia um espaço enorme para o pensamento conservador no mercado das ideias políticas.

Na realidade brasileira, que o ideólogo alegava ser dominada pelo “marxismo cultural”, o fortalecimento do conservadorismo exigiria a destruição total da esquerda. A saída, portanto, era a articulação de um projeto reacionário, uma espécie de jacobinismo de direita. Esse movimento demandava três ingredientes: uma narrativa conspiracionista, uma legião de seguidores fiéis e uma liderança populista que pudesse colocar o projeto em prática.

As teorias conspiratórias foram ganhando força após 2013. Misturando perenialismo de René Guénon, variações católicas e militares do anticomunismo e a paranoia supremacista da alt-right americana, Olavo foi capaz de criar uma narrativa que acolheu e deu sentido a um número crescente de críticos ao Partido dos Trabalhadores.

Uma vez tornadas populares, as teses de Olavo trouxeram milhares de alunos, alguns dos quais passaram a compor uma suposta “nova elite intelectual” tupiniquim. Para certos influenciadores digitais e políticos, ser aluno do Olavo era a maior das virtudes, além de receita certeira de engajamento – mesmo que isso exigisse subscrever a ideias estapafúrdias, equivocadas e muitas vezes perigosas.

O ápice do olavismo deu-se em 2018, diante da possibilidade real da vitória de Jair Bolsonaro à presidência. As concepções tortas e a vocação populista do ex-capitão, mas sobretudo seu ímpeto destrutivo, casavam-se bem com o projeto reacionário de Olavo. Mais que isso: uma vez no poder, Bolsonaro poderia transformar o ideólogo em guru e seus seguidores em peças-chave do desmantelamento institucional do país. E assim o fez.

Mas a combinação entre incompetência técnica, fundamentalismo ideológico e desavenças políticas logo tornou Olavo e seu grupo um fardo para Bolsonaro. Para chegar ao fim do mandato, o governo trocou a extrema direita jacobina pela direita fisiológica, ainda que permaneça o legado de destruição em áreas tão diversas como saúde, educação e relações exteriores.

Olavo morreu, mas suas ideias permanecem – e serão chave para compreendermos o futuro da extrema direita, de Bolsonaro e da política nacional. No momento, elas estão à espera de alguém que confira alguma unidade ao movimento forjado a partir de 2013 e que vem rachando sob o peso das disputas de poder. Resta saber se o legado do olavismo sobreviverá à ganância de seus herdeiros.

Guilherme Casarões é professor da FGV EAESP


quinta-feira, 5 de maio de 2022

Nosso parlamentarismo de fachada - Paulo Roberto de Almeida

 Nosso “parlamentarismo” de fachada

Paulo Roberto de Almeida


O Brasil já chegou ao “parlamentarismo”, mas de um tipo disfarçado, deformado e até criminoso, pois que apenas exercido no sentido da apropriação, em vários casos da extorsão, de recursos públicos por parte dos “parlamentares”, com finalidades exclusivamente patrimonialistas.

Isso se deve ao fato de que o presidente atual é um completo inepto em matéria de governança e por isso transferiu — ou transferiram — a essência do seu desgoverno aos profissionais do ramo, os mesmos que elevaram os fundos indecentes a extremos de apropriação.

Se trata de um “parlamentarismo” podre, no qual os parlamentares não assumem nenhuma responsabilidade pela gestão, apenas se dedicam a arrancar nacos do orçamento para seus fins pessoais e familiares. Uma espécie de familiocracia miliciana.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

'País precisa sair da armadilha do baixo crescimento', diz Maílson da Nóbrega - Entrevista com Sonia Racy (OESP)

 Economia 

'País precisa sair da armadilha do baixo crescimento', diz Maílson da Nóbrega

Saída é trocar de presidente e voltar a ter uma economia mais produtiva, aponta ex-ministro do governo Sarney, que também vê um cenário difícil para uma terceira via

Entrevista com Maílson da Nóbrega, economista e ex-ministro da Fazenda

Sonia Racy, O Estado de S.Paulo

22 de dezembro de 2021 | 05h00


Economista experiente, ministro da Fazenda nos difíceis anos de alta inflação do governo Sarney e um dos criadores da Tendências Consultoria, o hoje consultor Mailson da Nóbrega aponta dois passos que o Brasil precisa dar para voltar a respirar e ter rumo. Primeiro, trocar de presidente em 2022. Segundo, “sair da armadilha do baixo crescimento”.

Nesta conversa com Cenários, considera urgente aprovar uma reforma tributária – o projeto de lei já existe, foi coordenado pelo economista Bernard Appy. A opção escolhida pelo governo Bolsonaro, “é péssima, resume-se a reforma do Imposto de Renda”. Para 2022, ele acredita que a terceira via “é um projeto difícil”. E que, entre Lula e Bolsonaro, o petista “pode ter cometido erros”, mas “entende como funcionam as instituições e mostrou que sabe governar”. Aqui vão trechos da conversa.

Com o clima de incertezas tanto na política bem como na economia, dá para desenhar algo para próximos anos?

Acho que temos dois desafios. O primeiro é a alternância do poder em 2022 – ou seja, a substituição de Jair Bolsonaro por um presidente que saiba conduzir-se na gestão do governo e restabeleça o prestígio que o Brasil já teve na cena internacional. O segundo, sair desse cenário de baixo crescimento, a chamada armadilha da renda média. A renda per capita estagnou nos últimos 40 anos, e a razão principal foi a queda da produtividade, que é o grande fator de geração de riqueza de um país. 

Mas esse problema, de baixa produtividade, vem desde os anos 80, não?

Os 80 foram o início dessa derrocada. Nos 50, 60 e 70, a produtividade trouxe o maior crescimento do Brasil de todos os tempos, o chamado milagre brasileiro de 1968 a 1973, que chegou aos 11,1% ao ano. Nos 80, isso começou a cair.

O que motivou essa virada?

Foi a queda da eficiência na economia. Temos aí fatores externos, como as crises do petróleo em 1973 e 79 e o esgotamento da estratégia de crescimento pela substituição das importações e forte intervenção dirigista do Estado. Também acabou o benefício dos campos, provocando forte migração do campo para as cidades. E, de quebra, tivemos uma piora do sistema fiscal. 

Como foi isso?

O Brasil criou um sistema fiscal avançado, em 1965. Adotou-se um método de tributação de consumo dos mais modernos do mundo. Na época, era o ICM, depois ICMS e IPI. Isso foi sendo deteriorado por novas formas de tributação, que abriga hoje o PIS e o Cofins. E a Constituição de 1988 foi uma pá de cal na eficiência tributária porque, sob pressão dos governadores e prefeitos, atribuiu-se a Estados o poder de decidir sobre ICMS. 

Foi uma má ideia?

Foi um desastre. Trouxe imposto sobre imposto e virou uma bagunça. Com o ICMS mudando sete vezes por semana, nenhuma empresa de atuação nacional consegue acompanhar essa loucura. Eu diria que hoje o principal fator de redução da produtividade no Brasil é o ICMS.

Existe alguma possibilidade de, um dia, termos uma boa reforma tributária?

O Brasil perdeu agora uma oportunidade de fazê-la, por meio da proposta do Centro de Cidadania Fiscal, liderada pelo Bernard Appy. Ali, pela primeira vez na história, governadores e secretários da Fazenda se puseram de acordo. Por que não emplacou? Porque os Estados depois se convenceram de que esse sistema é inviável. Hoje, a economia é cada vez mais de serviços, que já tomam 73% da economia brasileira, e há poucos serviços tributados por Estados – a grande massa deles está na área tecnológica, é tudo dos municípios. Mas acho que o projeto não está enterrado, ele pode renascer se houver uma mudança de poder em 2022.

Qual é a importância dessa alternância de poder?

É evitar a presença de um presidente despreparado como o atual, sem a menor capacidade de coordenar o jogo político e com capacidade inacreditável de dizer bobagem todo dia.

O que acha da candidatura do Lula? E da terceira via?

No nosso cenário lá na Tendências Consultoria, caminhamos para um segundo turno entre Lula e Bolsonaro no qual Lula será o vencedor. Não vemos espaço, no momento, para uma terceira via. Quanto a Bolsonaro, talvez ele veja que não tem chance de chegar ao segundo turno e tente ser deputado, para ficar a salvo de processos. 

Como vê o futuro de Lula?

Ele é candidatíssimo e quer mostrar que não foi corrupto. Agora, se você me perguntar “o governo do Lula seria melhor do que o do Bolsonaro?”, não tenho dúvida em dizer que sim. Ele sabe como funcionam as instituições, já mostrou que sabe governar. 

Mas ainda é cedo e muita coisa pode mudar, não?

Acho que 2022 vai ser um ano difícil, O ambiente externo é desafiador, estamos num momento de mudança na política monetária dos EUA, onde a inflação já passou dos 6%. E acho esse programa que substitui o Bolsa Família uma aposta arriscada de Bolsonaro. Na campanha, o Lula vai dizer ao eleitor, principalmente no Nordeste, que é o mesmo Bolsa Família, uma criação dele.


https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,pais-precisa-sair-da-armadilha-do-baixo-crescimento-diz-mailson-da-nobrega,70003933036 

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

América Latina: política e economia contraditórias - Domingo Cavallo e Andrés Malamud

 Grato a meu amigo e colega Pedro Luiz Rodrigues, pela compilação diária das melhores notícias da imprensa internacional

Clarín, Buenos Aires – 2.12.2021

La asombrosa resiliencia argentina

En el caso de la Argentina, su política es sorprendentemente estable pese a que su economía es una desgracia.

Andrés Malamud

 

En América Latina hay cuatro tipos de países. Los clasificamos según cómo les va en política y en economía. Un pequeño grupo tiene la macroeconomía estable y la política sana. Uruguay y Costa Rica son los mejores ejemplos.

Un segundo grupo tiene la macroeconomía en ruinas y la democracia rota. Aquí sobresalen Venezuela y Haití.

En el medio de estos dos grupos se sitúan los otros dos. El más numeroso disfruta de una macroeconomía estable pero tiene la política descompuesta. Lo encabezan Chile y Perú.

El cuarto grupo es la Argentina. Su política es sorprendentemente estable pese a que su economía es una desgracia.

La comparación ayuda a entender. Perú tiene el mismo presidente del Banco Central desde hace 15 años: lo nombró Alan García en 2006. Su inflación ronda el 2% anual, y se financia en los mercados internacionales también al 2%. En el mismo periodo, la Argentina tuvo ocho presidentes del Banco Central. Su inflación supera el 50% y nadie le presta un dólar.

En contraste, todos los expresidentes peruanos están prófugos o presos o se suicidaron para no ir presos. Los más recientes ni siquiera terminaron su mandato. Los partidos políticos tradicionales se disolvieron: en la última elección, los dos candidatos presidenciales más votados sumaron el 32% de los votos. Mientras tanto, todos los presidentes argentinos desde 2003 terminaron su mandato y ninguno está preso, aunque muchos consideren esto inapropiado.

Los partidos tradicionales gobiernan la enorme mayoría de municipios y provincias del país. En la última elección, los dos candidatos presidenciales más votados sumaron el 88% de los votos.

Perú tiene la macroeconomía sana y la política rota; Argentina, al revés.

¿Cuánto tiempo más puede aguantar la democracia argentina sin romperse? A la vista de los resultados electorales, bastante. Las dos fuerzas principales concentraron el 75% de los votos en las recientes elecciones legislativas, que tienden a fragmentar el voto en vez de concentrarlo. Las terceras fuerzas, sean libertarias o trotskistas, sumaron solo cuatro diputados cada una. Estas fuerzas tienen cero senadores, cero gobernadores y cero intendentes.

Hagamos un ejercicio de imaginación. Si en 2023 la fórmula presidencial Milei-Espert sacara el 50% de los votos en todas las provincias, los libertarios ganarían la presidencia y vicepresidencia de la república. Pero, aun con semejante votación, solo obtendrían 16 senadores sobre 72 (dos por cada una de las ocho provincias donde se vota para la cámara alta) y 69 diputados sobre 257 (la mitad de los que estarán en disputa más los cuatro actuales).

Para gobernar, o incluso para no ser destituidos, tendrían que tejer acuerdos con los partidos tradicionales. Las instituciones políticas argentinas están diseñadas para filtrar o deglutir terceras fuerzas, no para facilitarles la vida.

Y las instituciones no están solas: la sociedad argentina también es reacia a las disrupciones, aunque de vez en cuando parezca que quiere romper todo. El ejemplo más claro viene de las provincias.

Desde 1983 hasta hoy hubo diez elecciones para gobernador, y el promedio es de veinte victorias oficialistas cada veinticuatro votaciones: alrededor del 85%. La política nacional parece turbulenta cuando se mira las olas desde la superficie porteña, pero el agua profunda es muy estable.

Las anteojeras porteñas no son pasajeras. Desde la reforma constitucional de 1994, el jefe de gobierno de la Capital Federal es electo por el pueblo y proyecta su figura y su gestión a todo el país. La razón es que los medios de comunicación llamados “nacionales” son porteños, y un piquete en la 9 de Julio se transforma inmediatamente en un corte nacional.

El conurbano actúa como un amplificador subordinado de la CABA: encandilados por el Metrobús y los helechos repletos de luz y agua, los habitantes del Gran Buenos Aires son porteños aspiracionales y no se cansan de elegir dirigentes metropolitanos para mandar a La Plata: los últimos cinco gobernadores (Carlos Ruckauf, Daniel Scioli, Felipe Solá, María Eugenia Vidal y Axel Kicillof) tuvieron que cruzar la General Paz para gobernar la Provincia.

El porteñocentrismo, cuya versión magnificada es el AMBAcentrismo, se encarna en el deforme gabinete nacional. De veintiún ministros, diecinueve provienen de las dos Buenos Aires.

Las otras veintidós provincias reúnen dos ministros entre todas: Juan Manzur y Martín Soria. Esto significa que, con el 45% de la población, las Buenos Aires ocupan más del 90% del poder ejecutivo. Solo la mansedumbre bovina de la dirigencia del interior explica que no se levante en el horizonte otro Grito de Alcorta, aquella rebelión agraria de pequeños y medianos arrendatarios rurales que se inició en 1912 en Santa Fe y se extendió por toda la región pampeana.

La razón es, probablemente, que los dirigentes del interior pertenecen a los mismos partidos AMBAcéntricos que se turnan en el gobierno nacional. Paradójicamente las alternativas a estos partidos, vengan por derecha o por izquierda, son todavía más AMBAcéntricas – y mucho menos populares.

A diferencia de Brasil, Chile o Perú, Argentina parece condenada a gobernarse con los partidos que tiene. Los nuevos prometen pero no tienen condiciones para cumplir. Si esto es así, conviene reconciliarse con lo que hay y participar para mejorarlo. La alternativa, romper todo, no estaría funcionando en América Latina.

 

Andrés Malamud es politólogo. Profesor e investigador de la Universidad de Lisboa.

 

*

 

La Nación, Buenos Aires – 1.12.2021

Domingo Cavallo 

“Permitir que el dólar funcione como moneda” puede ayudar a la economía del país

El exministro rescató su experiencia en los años 90, cuando propuso la convertibilidad; pidió analizar el caso de Perú

 

El exministro de Economía Domingo Cavallo consideró necesario “permitir que el dólar funcione como moneda” para “ayudar a la economía”, a través de un mecanismo de “intermediación financiera”, de forma tal de hacer frente a la falta de confianza actual en el peso.

El promotor de la convertibilidad en los años ‘90 se refirió de este modo durante un encuentro virtual organizado por el instituto universitario Eseade, en el que expuso su análisis de la situación cambiaria y las conversaciones que mantiene el país en relación a la deuda externa. En esa oportunidad dialogó con el especialista Alberto Benegas Lynch.

“Permitir que funcione el dólar como moneda es algo que tiene una aplicación práctica hoy en la Argentina y que puede ayudar a que la economía funcione mejor”, afirmó en la conferencia, en la que lanzó duras críticas a la emisión monetaria del Gobierno.

Cavallo amplió: “Tendrían que dejar que funcione un mercado libre y que sirva el dólar para la intermediación financiera como sucede en Perú y en economías bimonetarias”.

El exministro señaló que “un Banco Central no puede crear crédito” y consideró que el crédito es el resultado del “fruto del ahorro y la confianza”. Y cargó contra la emisión monetaria. “Un Banco Central emitiendo dinero lo único que hace es recolectar un impuesto subrepticio que es el impuesto inflacionario”, agregó.

En su razonamiento, el dinero debe facilitar “los intercambios” y permitir “que la gente pueda mantener sus ahorros en forma líquida” y que, además, “sirvan para financiar inversiones”. “No podemos imaginar una economía que no tenga al menos un dinero, que pueda cumplir estos roles”, agregó.

Cavallo rescató su experiencia en los ´90 cuando decidió promover la paridad entre la divisa estadounidense y la moneda nacional. “La gente ahorraba en dólares porque sentía que se protegía el ahorro. Mientras que el austral era una moneda que la gente no demandaba. Apenas la recibía se la trataba de sacar comprando dólares o pagando por bienes y servicios”, analizó.

De este modo, consignó que la legalización del dólar como moneda en el país y la autorización para que haya intermediación financiera en el país con dólares “logró estabilizar la economía argentina”.

“El dólar permitió que la economía se estabilizara y funcionara como otras economías estables del mundo”, señaló, aunque aclaró: “Tener una moneda que tenga estabilidad no significa que no va a haber crisis”.

Deuda

Cavallo también se refirió a la situación de la deuda externa y recordó la experiencia del país en la crisis de 2001, que coincidió con su último mandato como ministro de Economía en el país.

“La crisis de 2001 fue la típica crisis financiera. Los bancos habían prestado, sobre todo a las provincias, plata que no iban a poder devolver”, explicó y añadió: “Cuando los grandes depositantes en los bancos comenzaron a sospechar de la solvencia de algunos iniciaron el retiro de sus depósitos”.

En ese sentido, criticó la decisión de Adolfo Rodríguez Saá de declarar el default. “Desdolarizaron la economía de forma forzosa y aplicaron la solución tradicional de pagadiós”.

En ese sentido, remató: “No hay forma sencilla de restructurar pasivos, pero se pueden encontrar formas de restructuración ordenada como lo han encontrado en la crisis de subprime en Estados Unidos”.

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Até quando suportaremos? - Luiz Werneck Vianna, Carlos Alberto Torres, Paulo Roberto de Almeida

 Transcrevo do FB de Roda Democrática, que por sua vez copiou de Decisões Interativas, este artigo de Luiz Werneck Vianna, introduzido por Carlos Alberto Torres. Devo dizer que concordo com ambos em seus argumentos descritivos da situação, mas discordo radicalmente da conclusão, aliás pouco conclusiva, de Luiz Werneck Vianna, que pretende que:

"O lixo do atraso está pronto para ser varrido."

Não, não está, ele está mais pujante do que nunca, e pretende continuar no próximo governo, que, como todos os precedentes, depende de um Congresso formado por um estamento parlamentar basicamente corrupto para dispor de um mínimo de governança. Não estamos perto de eliminar o atraso...

Paulo Roberto de Almeida


terça-feira, 9 de novembro de 2021


Até quando suportaremos?


A palavra autorizada do sociólogo Luiz Werneck Vianna nos auxilia a reconhecer o contexto histórico-político em que se desdobrarão os próximos acontecimentos.

 

Permito-me ressaltar, com o meu olhar, contemplando o amplo quadro de análise com que o artigo nos brinda, três pontos estratégicos, que dele se podem deduzir, para desbloquear o desenvolvimento de nossa democracia:

1.              O caráter democrático do combate à corrupção e para acabar com a impunidade;

2.             A superação do risco de um golpe militar de Bolsonaro apoiado por militares nostálgicos do regime militar instaurado em 1964;

3.             A necessidade histórica de superarmos a polarização bolsonarismo versus lulopetismo para dar espaço ao projeto da democracia; ou seja, “o lixo do atraso está pronto para ser varrido”.


 

Com a palavra Werneck Vianna, em Horizontes Democráticos, 9 de novembro de 2021 (*)

 

Até quando vamos tolerar o saque de uma gangue instalada no coração da política brasileira que se apropria do que é ganho pelos brasileiros que mourejam para ter o pão de cada dia?

 

Até quando vamos permanecer passivos diante dos crimes continuados que perpetram mesmo diante de uma sociedade vítima de uma cruel pandemia que ceifou a vida de 600 mil cidadãos, parte dos quais poderia ter sobrevivido não fossem as ações criminosas da quadrilha que pretendeu tirar proveito da calamidade sanitária que ainda nos aflige em negócios escusos?

 

Até quando será permitida a eles comprometer nosso futuro com a depredação da nossa natureza e dos recursos nossos humanos privando as novas gerações de uma formação que lhes permita o acesso a uma vida ativa e produtiva? Quem são os nossos algozes e de onde extraem o poder com que nos assolam? 

 

Não fomos objeto de uma conquista militar por parte de um país inimigo que nos imponha pela força a vassalagem como a antiga Roma reinava em seu vasto império. Ao contrário, estamos submetidos a naturais da terra com nomes e sobrenomes conhecidos, não poucos de longa data, herdeiros da nossa história comum de contubérnio entre o latifúndio e a escravidão. Essa marca de registro do nosso DNA, tantas vezes diagnosticada e não poucas combatidas pelos que tentam extirpá-la sem êxito, persiste como mácula em nossa formação, resistente ao que foi a obra da Abolição, que deixou ao desamparo a população liberta com sua opção preferencial pela emigração massiva dos pobres europeus, e na forma de república sem povo que se criou aqui com o protagonismo dos militares e dos proprietários de terras paulistas.

 

Tal herança maldita, longe de perder influência com os sucessivos surtos da modernização do país, foi preservada em suas linhas principais, exemplar o processo de industrialização conduzido por uma política de Estado que sintomaticamente se aliou às elites agrárias. No caso, nada de melhor expressa essa aliança do que a legislação trabalhista do governo Vargas nos anos 1930 do que a exclusão dos trabalhadores da terra dos direitos concedidos aos urbanos. 

 

Classicamente, configuraríamos o tipo de modernização conservadora, confirmado nas décadas seguintes, com os resultados nefastos que hoje se estampam aos olhos de todos como na abissal desigualdade social reinante entre nós, raiz dos processos pelos quais as elites proprietárias se apropriam do poder político e fazem uso dele para preservar seus privilégios.

 

Raimundo Faoro, em ensaio magistral sobre a modernização nacional procura demonstrar seus elos de ligação com as reformas modernizadoras introduzidas pelo marquês de Pombal em Portugal de fins do século XVIII, que se aproveitou de recursos do despotismo político para introduzi-las ao tempo em que conservavam os setores privilegiados como a nobreza e o clero. Sem bases novas de sustentação, suas mudanças não resistiram à duração de um reinado e tiveram frustrados seus objetivos. Tal modelagem pombalina, conclui Faoro, nunca abalada ter-se-ia conformado na plataforma de todas as modernizações brasileiras, cujas mudanças sempre impuseram o resultado de ainda mais reforçar o domínio das forças conservadoras.

 

Quase ironicamente, o argumento de Faoro sugere que, por volta dos anos 1870, a tal revoada das ideias novas de que fala a bibliografia no seu culto à ciência importado pelo positivismo mal ocultaria o retorno do espírito pombalino de cientificismo. O lugar de assentamento dessas novas ideias seria a das academias militares, o da Escola Politécnica e das faculdades de medicina. O positivista Comte teria recuperado Pombal. A emergência das novas elites intelectuais forjadas nessas instituições teria dado origem ao pathos de um desenvolvimento e de uma industrialização induzida pelas luzes da ciência mediante ações orquestradas por elas. 

 

Nesse novo cenário, sob a república, os militares são investidos de papel de protagonismo e com advento do Estado Novo, em 1937, se tornam hegemônicos na condução da política brasileira e, a partir daí, atores privilegiados na condução da industrialização acelerada do país, presentes na construção de Volta Redonda, na Petrobras, assim como na imensa malha das empresas estatais. O script, longamente ensaiado cumpriria seu enredo: a modernização brasileira teria um andamento conservador sob a tutela militar.

 

O desafio a esse andamento, no começo dos anos 1960, centrado em um programa de reformas sociais, entre as quais a agrária, proposto pelo governo João Goulart, com ampla base popular, encontrará seu desenlace no golpe de 1964, quando os militares se auto-investirão dos papeis de condutores da modernização pelo alto, com atenção especial à questão agrária, tal como se evidenciou na implantação do agronegócio.

 

Essa história de frustações e de desencantos das modernizações autoritárias podem, até elas, conhecer o sortilégio da astúcia na história, pois os processos que desatam contêm em si a possibilidade de trazer o moderno como antídoto a elas, tal como ocorreu nos idos dos anos 1980 quando foram derrotadas por uma coalizão ampla de forças democráticas escorada por massivas manifestações populares. Lá como agora onde se generaliza a percepção de que o país está sem rumo e dirigido por caminhos equívocos que somente trazem o aprofundamento da miséria social reinante, por toda parte, inclusive em setores das elites, soam os sinais de que isso que aí está deve ser interrompido como solução de salvação nacional.

 

A derrota da fascitização da sociedade, a essa altura consumada, culminou, como último recurso para esse governo de militares nostálgicos da ditadura do AI-5 se manterem no poder, na cínica aliança aos políticos avulsos do Centrão sempre aplicados em suas pretensões de roer até os ossos o patrimônio comum. Tal mudança de rota se afasta radicalmente das tradições modernizadoras brasileiras, inclusive daquelas que se originaram nos meandros das corporações militares. O lixo do atraso está pronto para ser varrido.


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(*) https://horizontesdemocraticos.com.br/ate-quando-suportaremos/ 

 

terça-feira, 12 de outubro de 2021

Sobre os atuais impasses do Brasil - Paulo Roberto de Almeida

 Sobre os atuais impasses do Brasil 

Paulo Roberto de Almeida

Não me surpreende a existência de loucos que se distinguem na paisagem, e que por isso mesmo atraem os demais (parece que são muitos) desequilibrados que andavam dispersos na sociedade. Essa combinação só aparece nas sociedades em crise, quando a classe média— pois é ela quem determina tudo — resolve se agarrar a alguma solução fora dos padrões para ver se isso estanca o mal desatado pela crise. 

O que me surpreende é a existência de tantas pessoas dotadas de educação, de informação e até de padrões razoáveis de vida que se agarram nessa pretensa “boia salvadora” para salvar a si e ao país de ameaças indefinidas que foram exploradas pelo louco oportunista que subiu na onda da revolta contra a situação.

A existência de tantos bolsonaristas — ou seja, pessoas que incensam, seguem e defendem um psicopata mentiroso, medíocre e perverso — é um fenômeno surpreendente para quem achava, como eu, que o Brasil já tinha chegado a um grau razoável de desenvolvimento para não se enredar novamente nessas fraudes políticas que se abatem sobre o país a intervalos regulares.

E parece que o ciclo não acabou: a sociedade está novamente disposta a eleger um demagogo mentiroso que sempre esteve mais para chefe de gangue do que para estadista reformador. É o que deduzo das pesquisas eleitorais.

Será que tenho de chegar à conclusão de que a deseducação estrutural, a ignorância pura e simples e a total falta de senso — o que junta no mesmo saco bolsonaristas e lulistas, explorados pelos oportunistas de plantão—  estão muito mais presentes na sociedade do que se poderia imaginar?

Olhando para cima, é exatamente o que se assiste na maior potência econômica do planeta, praticamente paralisada por antivacinais e trumpistas true believers. Como uma sociedade supostamente desenvolvida pode emburrecer de repente?

No nosso caso, o fenômeno pode também ser atribuído à existência de elites predatórias que se apoiam em mavericks eleitorais para extrairem ainda mais recurso coletivos. Foi exatamente o que sucedeu com a emergência de lulistas e bolsonaristas, sendo que o segundo “salvador” é, na verdade, um destruidor de instituições, como de quaisquer outros padrões civilizatórios. 

Lula pertence à categoria dos populistas tradicionais da AL, que mantêm seus países num atraso que eles não merecem. Já Bolsonaro pertence ao pequeno grupo de psicopatas capazes de destruir um país na perseguição de miragens impossíveis, como foi o caso de um Hitler. Mas o Brasil não é obviamente uma potência econômica para destruir junto outros países: o mal fica contido nas fronteiras nacionais.

Lula é um Perón de botequim. Bolsonaro é apenas uma contrafação medíocre e estúpida de um Hitler de circo. Pena que tantos militares e capitalistas o apoiaram, por puro oportunismo, como também o fazem os politicos profissionais. Essas três categorias de atores políticos são os verdadeiros responsáveis pela desgraça do Brasil atual, e são eles que podem trazer de volta o demagogo mafioso que promete salvar o Brasil da atual desgraça. 

Estou quase aderindo à falsa teoria de Marcel Eliade sobre o “eterno retorno”. Ela é manifestamente equivocada, mas cabe recordar que todas as pessoas nascem exatamente com a mesma dotação primária, ou seja: 0 km em matéria de conhecimento acumulado, tudo precisa ser aprendido a partir de zero. O que significa que todos os pré-conceitos sociais, equívocos políticos e a ignorância consolidada numa sociedade deseducada como a brasileira vão florescer novamente em momentos de crise como os que já vivemos de forma recorrente desde nossa formação como Estado independente.

De fato, não se pode pedir que as pessoas venham ao mundo educadas, inteligentes e sensatas. Elas são o que o seu background familiar e social-ambiental permitiu que elas fossem, e o nosso manifestamente não é conducente a padrões avançados de desenvolvimento econômico e social, a níveis razoáveis de bem-estar material para aqueles membros da sociedade mais desprovidos pela sorte. 

O fato é que o Brasil é, pelo estoque já razoável de acúmulo de riqueza material obtido ao longo do século XX, um país desproporcionalmente dotado de muitos pobres, milhões deles, e de um contingente insuportavelmente alto de miseráveis, de destituídos pela “sorte”. Esse imenso “exército de miseráveis”, de andrajosos e de ignorantes eu atribuo ao egoísmo e à mediocridade das elites, todas elas, que primeiro preservaram o tráfico e o regime escravo, depois a não educação das massas e a não reforma agrária, em seguida o patrimonialismo e a corrupção política e finalmente a estupidez de acreditarem que o monstro metafísico do Estado seria capaz de, no lugar de uma sociedade livre, resolver os problemas da miséria e da desigualdade. 

Atenção: o Brasil não é pobre porque é desigual; ele é desigual porque é pobre, ou porque tem muitos pobres, um excesso de miseráveis. O problema principal do Brasil não é a desigualdade, é a pobreza. E esta vem da não educação.

Este é o crime, imperdoável, das nossas elites, e estas não são apenas os “ricos”. Sindicatos, magistrados, políticos profissionais, até acadêmicos, entram nessa conta. Os pobres não têm culpa pela nossa pobreza material. Esta é produzida pela indigência mental de nossas elites. A miséria é sobretudo intelectual, ou, como gostava de dizer Millor Fernandes, ela é intelequitual.

Que os atuais membros das elites mais dotadas de poder — capitalistas, militares e políticos— sejam incapazes de se colocar de acordo sobre um programa imediato de superação de nossos atuais impasses e, depois, sobre um programa razoável de desenvolvimento econômico e social, é um testemunho flagrante dessa indigência mental e da mediocridade intelequitual que as caracterizam. 

Não vejo nenhum impulso vigoroso no horizonte de possibilidades imediatas, apenas mais estagnação e mediocridade, ou seja, perspectivas exasperantemente lentas de melhorias necessárias. Ricos e classes médias vão continuar se safando da maneira habitual: os primeiros exportando seus capitais e seus filhos para paragens mais amenas e as segundas dando um duro danado para não refluirem para a pobreza das classes subalternas.

Quanto aos pobres e miseráveis, estes continuaram a soçobrar, a perecer nos escombros produzidos pelo egoísmo e mediocridade daquelas elites.

Sorry pelo excesso de realismo.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 12/10/2021

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Quando o ódio for tudo o que nos restou é sinal que não sobrou mais nada - Marcos Cavalcanti

 Quando o ódio for tudo o que nos restou é sinal que não sobrou mais nada

Marcos Cavalcanti

Na minha adolescência tive um professor de biologia que para mim representava tudo o que um professor NÃO deveria ser. A forma de motivar os alunos era pelo medo e pelas ameaças. Suas provas eram um exercício de memória baseado em sua apostila. Quem decorasse a apostila tirava dez, quem não decorasse se dava mal. Eu me dava mal. Era ótimo aluno nas outras matérias, mas em biologia eu só tirava nota vermelha... Aquilo foi me incomodando a tal ponto que fiquei com raiva do professor e de mim mesmo e jurei que ia passar de ano sem fazer prova final. Deu certo. Passei de ano. E até hoje não sei nada de biologia...

O ódio pode ser usado para motivar as pessoas e até para conseguir resultados objetivos, mas raramente o saldo final é positivo. Os ganhos não ficam para a vida. Quando o ódio acaba não sobra nada de bom.

O PT e lula representaram um dia, um projeto de esperança em um novo Brasil: incorporaram mais gente ao mercado consumidor e abriram mais vagas no ensino superior. Mas não tocaram nos fundamentos que fazem a nossa sociedade ser injusta e desigual há séculos. O Estado continuou a ser uma máquina a serviço de poucos grupos em detrimento da maioria esmagadora da sociedade. Os banqueiros, latifundiários e empreiteiras nunca ganharam tanto dinheiro como nos 13 anos em que o partido esteve no poder. Pior, não melhoraram nem ampliaram a educação fundamental, a saúde pública ou o saneamento básico. Em resumo, aumentaram o número de consumidores e os lucros, mas não ampliaram a cidadania. Tomaram, literalmente, de assalto a máquina pública, colocando-a à serviço do partido e não da sociedade. Todos os outros partidos fizeram isto antes, mas nenhum ousou tanto e teve tão pouca vergonha de fazê-lo. E, sobretudo, nenhum outro teve a arrogância e 

intelectuais que o defendem mesmo diante da corrupção mais vergonhosa da história do país.

 

Estamos aprendendo, dolorosamente, que distribuição de renda não se resume a poder comprar geladeiras e fogões a prazo, mas acontece via educação, saúde, ciência, tecnologia, produtividade e competitividade. 

Ninguém tem o dom da verdade ou acerta sempre. Como dizia meu avô, na vida a gente raramente acerta, mas em todas as outras vezes aprende. 

Ou não... 

Para alguns de nós os errados são sempre os outros. O discurso do ódio de lula (“coxinhas”, “golpistas”, “contra Moro e a Lava Jato”) só tem espaço porque do outro lado tem gente falando de “petralhas”, “comunistas” e que tais. Bolsonaro e lula dependem um do outro para sobreviver. São dois lados da mesma moeda: o ódio e a gana pelo poder. Tanto é assim que os dois querem exatamente a mesma coisa: impedir o surgimento de um terceiro candidato, de forma que eles possam manter esta polarização que os favorece. 

E esta polarização, que só nos faz ver inimigos em todos os que pensam diferente, está nos levando para onde? Para o precipício e para a falta de esperança. Que Bolsonaro e as viúvas e viúvos da ditadura assumam este discurso não me choca nem surpreende. Estão no seu triste papel de defender o passado. O que me espanta é ver pessoas que se dizem intelectuais assumindo este discurso. Mesmo que de forma envergonhada:“não sou PT, mas"...

Acredito que estes amigos façam isto em defesa de sua história de lutas pela democracia e pela justiça social. E porque, no passado, o PT encarnava este discurso e esta esperança. Se esquecem, no entanto, que o PT FOI isso. Não é mais, pelo menos desde o mensalão. Quem mudou foi o partido e não estes amigos que, acredito, continuam a querer fazer do Brasil um país justo e menos desigual.

Precisamos mudar este rumo. Um discurso baseado no ódio pode ser suficiente para manter a tropa reunida em torno do seu chefe e guru, mas não constrói alternativas e nem é portador de futuro. O fracasso do PT não é o fracasso do projeto de vida meu ou destes amigos. É o fracasso de um partido que abandonou seus sonhos e ideais para se tornar mais uma outra quadrilha a assaltar o Estado. Quem mudou foi o partido, que passou a ser o "partido do lula", que prega o ódio contra seus adversários (como Marina, Cristovão Buarque ou FHC) e que só admite uma frente se o partido estiver liderando. Mesmo que o discurso do “lulinha paz e amor” volte, para tentar enganar de novo os desavisados e esquecidos.

Mesmo as mais bonitas histórias de amor podem acabar mal, mas não precisa ser assim. A escolha sobre como tudo isto vai acabar é de cada um. Podem restar boas lembranças e, sobretudo, podem restar muitas lições aprendidas. 

Eu prefiro seguir a oração de São Francisco de Assis e superar esta polarização que está destruindo o Brasil: onde houver ódio que a gente leve amor; onde houver discórdia, que a gente saiba se unir. 

Triste seria se constatarmos que ao final, tudo o que restou foi ódio. Porque a história já ensinou que, neste caso, não nos resta mais nada. 

Nem mesma a esperança.


quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Mistura de religião com política, fazendo do Estado laico um Estado religioso: O Itamaraty degrada o sentido do Estado (Revista Forum)

 Em conferência religiosa, Ernesto Araújo diz que “politicamente correto” é tão grave “quanto a violência física”


Sem citar dados, ministro das Relações Exteriores falou em "cristofobia", acusou Maduro de perseguir cristãos e afirmou que o materialismo "não é compatível com sociedades livres"
Marcelo Hailer 
Revista Fórum, 19 nov 2020 - 10:30

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araujo, participou esta semana do encontro da International Religious Freedom of Belief Alliance (em português, Aliança para a Liberdade de Religião ou Crença) e, sem apresentar dados e fontes, afirmou que “oito cristãos são mortos por dia no mundo” e que são a parcela religiosa mais perseguida.

Araújo falou a respeito de perseguição contra as minorias religiosas e que estas são “oprimidas em todo o mundo”, mas, em momento algum falou sobre os ataques contra as religiões de matriz afro dentro do Brasil. “Nenhuma fé está a salvo da intolerância e da perseguição e os cristão estão entre suas principais vítimas”, declarou Araújo.

Ao misturar a concepção de Estado e democracia com fé, o ministro afirmou que “a liberdade religiosa não é algo que a sociedade democrática deveria apenas tolerar, como se a religião fosse apenas um corpo estranho. Religião, fé e vida espiritual devem ser consideradas fundamentais para a democracia”.

Também fez ataque a outras concepções de mundo, como a materialista, ao dizer que esta é incompatível com a liberdade. “As pessoas só podem ser livres na medida em que preservam a dimensão espiritual interior. O materialismo não é compatível com sociedades livres. A concepção materialista do mundo e da vida encerra o ser humano em uma prisão de impulso e satisfação sem nenhuma aspiração mais elevada, tornando-o presa fácil dos ditames políticos do momento”, criticou o ministro.

Para Araújo, apenas a comunicação com Deus pode livrar as pessoas da opressão. “Somente se puder se comunicar com o que está acima e além, o ser humano poderá escapar do ciclo de controle e opressão”, disse.

Na sua fala, Araújo afirma que o presidente Bolsonaro defende “ativamente a liberdade religiosa no Brasil e no exterior”. Destacou, como uma das ações de Bolsonaro, em defesa da liberdade religiosa, de que os cultos religiosos não fossem interrompidos durante o lockdown, método realizado no mundo para evitar a propagação do coronavírus.

Ao dizer que o governo brasileiro defende a liberdade das religiões, o ministro disse que “ao mesmo tempo, também reconhecemos nossa fé religiosa predominante, o cristianismo como fundamento e pilar de nossa identidade nacional”. Além disso, Araújo resgatou a fala de Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, de que é preciso uma aliança internacional para “combater a cristofobia”.

Novamente, sem citar fontes, o ministro volta a dizer que os cristãos são perseguidos e que enfrentam “dificuldades e desafio para expressar sua fé e viver e e praticar suas religiões no mundo de hoje”. E, como é de praxe do ministro, voltou a atacar “a cultura dominante” e o “politicamente correto”.

“A cultura dominante, formada em torno do politicamente correto, não reconhece o devido lugar da religião e da dimensão espiritual na vida humana. Ela trata a fé com desprezo e hostilidade. Isso talvez não seja menos sério do que a violência física e a perseguição. É mais sutil e pernicioso do que a violência porque deslegitima a fé nas mentes das pessoas”, analisou.

O ministro também aproveitou a sua fala para atacar o governo de Nicolás Maduro. “Na Venezuela, os crimes de Maduro contra a humanidade não poupam os fiéis. Cardeais denunciaram seu uso de leis anti-ódio para processar católicos que se manifestaram contra ele”, criticou.

Ao término de seu discurso, o ministro Ernesto Araújo anuncia que o Brasil vai sediar, em 2021, A Reunião Ministerial para a Promoção da Liberdade de Religião ou Crença e o Fórum de Ministros da Aliança Internacional para a Liberdade de Religião ou Crença.

Abaixo, confira a fala do ministro na íntegra (vídeos)

https://revistaforum.com.br/noticias/em-conferencia-religiosa-ernesto-araujo-diz-que-politicamente-correto-e-tao-grave-quanto-a-violencia-fisica/

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Brasil precisa de mais interesse nacional', embaixador Rubens Barbosa (CB)

'Brasil precisa de mais interesse nacional', diz ex-embaixador nos EUA

Membro do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint), da Universidade de São Paulo (USP), Barbosa alerta para os riscos do que ele chama de "ideologização" do atual governo brasileiro

Correio Braziliense, 23/08/2020 06:00 


(foto: L.NOVA)
Um dos mais destacados representantes da diplomacia brasileira, o embaixador Rubens Barbosa concluiu carreira no Itamaraty há 16 anos e, hoje, dedica-se a discutir os temas mundiais como diretor-presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), sediado em São Paulo. Embaixador em Londres, de 1994 a 1999, e em Washington, D.C., de 1999 a 2004, ele concedeu entrevista ao Correio, na qual analisou os posicionamentos adotados pelo Brasil em importantes questões globais, como a pandemia, o meio ambiente, a economia e a geopolítica.

Membro do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint), da Universidade de São Paulo (USP), Barbosa alertou para os riscos do que ele chama de “ideologização” do atual governo brasileiro no alinhamento automático com os Estados Unidos. “A política externa não pode estar a serviço de partidos nem de ideologias; a política externa tem que refletir o interesse nacional”, frisou, citando uma frase de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão de Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira.
Barbosa também mencionou vários casos que, segundo ele, demonstram que o apoio incondicional a Washington tem empurrado o Brasil para um isolamento, cada vez maior, no cenário mundial, além de ser um desgaste para a relação com a China, principal parceiro comercial do país.

Que desafios a pandemia trouxe para as exportações brasileiras?
A maneira como o governo, nos três níveis — federal, municipal e estadual —, tratou essa questão da pandemia acrescentou mais um elemento de incerteza e de crítica no exterior em relação ao Brasil. Acredito que, além da política ambiental, a política de saúde, a maneira como, nesses sete ou oito meses, a pandemia, foi tratada aqui no Brasil acrescentou mais um elemento que afetou, que está afetando, a credibilidade do Brasil, no exterior, porque se desconsideraram as opiniões científicas sobre como tratar a pandemia, como tratar a questão do isolamento, como tratar a questão da saída do isolamento. Isso foi muito notado no exterior.

Há poucos dias, a China detectou o novo coronavírus em asas de frango congeladas que foram importadas do Brasil. Quais são os reflexos disso para o Brasil?
Essa questão da China é discutível. A notícia chegou truncada, não se sabe se era dentro do frango, na asa, fora do frango, tanto que, até agora, não houve nenhuma consequência em relação à suspensão ou à proibição de exportação de frango para a China. Vamos aguardar, a gente não sabe exatamente o que pode acontecer. Agora, de qualquer maneira, essa questão da fiscalização e do controle sanitário, nós vamos ter de aumentar muito, porque a gente já sofreu no passado, com a vaca louca, por falta de resposta a um formulário do Canadá de questões técnicas sanitárias.

Qual é a importância da política ambiental do Brasil para as exportações do país?
A gente tem de reconhecer que a questão ambiental está incluída na agenda global. Quem não aceitar isso, não está entendendo o que está acontecendo. Isso quer dizer que apareceu um novo personagem, que não existia há 40, 50 anos, nessa questão ambiental: o consumidor. Ele, hoje, tem uma influência muito grande na área comercial e na área governamental, inclusive, nos países que compram do Brasil. Há uma onda verde na Europa. Acho que nos Estados Unidos também. No caso das empresas industriais, que compram, vendem para o Brasil, há disposições, e nós vimos isso até com os bancos, agora. Há disposições contra negócios com produtos brasileiros que sejam de áreas que impliquem no desmatamento da Amazônia. Já há cláusulas contratuais.

O senhor acredita que a política ambiental brasileira pode inviabilizar a ratificação do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia?
A política ambiental passou a ser parte das negociações comerciais. O acordo entre Mercosul e União Europeia tem um capítulo novo, que se chama desenvolvimento sustentável. Nele, estão incluídos todos os acordos de meio ambiente que o Brasil assinou no passado. O governo atual os referendou. Então, há compromissos de meio ambiente, de mudança de clima, de proteção à floresta, proteção ao indígena. E o fato de você aceitar a necessidade de cumprimento desses acordos faz com que o descumprimento acarrete consequências.

Essa pressão também tem vindo de representantes do Partido Democrata dos EUA. O que pode acontecer ao Brasil, nessa área, com uma eventual vitória de Joe Biden nas eleições americanas?
As manifestações foram de democratas e de republicanos também. O Departamento de Estado, o Congresso, vários deputados dos dois partidos e, agora, Kamala Harris (senadora democrata, candidata a vice na chapa de Biden) manifestaram-se publicamente criticando a política ambiental brasileira. Então, se Biden ganhar essa eleição, certamente os Estados Unidos vão mudar sua política ambiental. Eles vão entrar no Acordo de Paris, que Donald Trump não quis, e vão passar a defender uma política econômica com grande componente ambiental, de preservação do meio ambiente. E, aí, eles vão ser muito críticos de países que não preservem o meio ambiente. Então, aqui, você vai ter um elemento adicional de pressão sobre a política brasileira; não só à política, mas, também, à retórica ambiental brasileira.

Quais são as falhas da política ambiental brasileira?
Você tem as políticas públicas que foram adotadas pelo governo que enfraqueceram a fiscalização, que negligenciaram o combate às ilegalidades, porque o mais grave dessa questão ambiental é que o problema ambiental está ligado a ilegalidades, e o governo tem obrigação de coibir. Ilegalidade no desmatamento, ilegalidade nas queimadas e ilegalidade no garimpo. E também cuidar, porque, no exterior, tem muito foco disso: cuidar dos indígenas. Está na legislação, na Constituição. Essa posição negacionista do governo é um problema aqui, não é um problema lá de fora. No momento em que você corrigir os problemas que estão aqui, acaba a disputa lá fora.

Como deve ficar a relação entre Brasil e Estados Unidos com uma eventual vitória de Joe Biden?
Eu acho que se o Biden for eleito, primeiro, você vai ter uma mudança no relacionamento entre os presidentes. Quer dizer, o presidente Bolsonaro não vai ter a intimidade que ele tem com Trump, porque (a candidata) a vice-presidente tem uma posição muito forte sobre o Brasil, e Biden tinha ligação com o Brasil quando ele era vice-presidente. E, certamente, vai delegar para Kamala a relação com a América Latina, porque o presidente, nos Estados Unidos, não tem uma função específica. Então, delega funções. Se o Biden delegar a Kamala o acompanhamento das relações com a América do Sul, é ela que vai cuidar do Brasil. Kamala tem uma posição muito crítica, há uma nota dela criticando a posição do Brasil na política ambiental e na destruição da floresta.

Acredita que o isolamento do Brasil na comunidade internacional vai aumentar com uma eventual vitória de Biden?
Os Estados Unidos vão mudar de posição em relação aos organismos internacionais — a ONU (Organização das Nações Unidas), a OMC (Organização Mundial do Comércio), a OMS (Organização Mundial da Saúde), enfim, todas as organizações. Nós vamos ficar mais isolados, porque, hoje, nas questões do Oriente Médio, a gente só fica do lado de Israel e dos Estados Unidos. Se os Estados Unidos mudarem de posição, o Brasil vai ficar ainda mais isolado.

Os interesses nacionais estão preservados nesse alinhamento automático com os EUA?
Aconteceu um fato, que é objeto de um artigo que eu estou escrevendo, que é uma coisa atual, porque saiu uma nota do Itamaraty, em conjunto com o Ministério da Economia (de 17 de junho de 2020), que, até o momento, não provocou reações. É uma nota sobre a presidência do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Essa questão da presidência do BID é muito importante, por quê? O BID foi criado em 1959. Os Estados Unidos são o maior contribuidor do BID, com 30% do capital. O Brasil é o segundo. A União Europeia está lá em cima também. E ficou acertado que a sede do BID seria em Washington, que a vice-presidência seria sempre dos Estados Unidos, e a presidência do BID seria sempre de um latino-americano. Então, nesses 60 anos, todos os presidentes do BID foram latino-americanos. Agora, era a vez do Brasil. O Brasil apresentou um candidato. Paulo Guedes (ministro da Economia) comunicou ao secretário do Tesouro americano que o Brasil ia ter um candidato. Acontece que, agora, Trump resolveu quebrar essa tradição de 60 anos e atropelou o Brasil apresentando um candidato americano. E o Brasil emitiu nota apoiando a posição americana e abrindo mão da candidatura brasileira!

Há disputa EUA x China por trás dessa polêmica na eleição para o BID?
Eu acho que sim. Eles estão trazendo, aqui para a região, a questão geopolítica. A razão desse interesse de Trump pela presidência do BID é porque o BID financia projetos aqui na América do Sul sem nenhuma politização, sem nada, só baseado em projetos. Agora, eles vão financiar de acordo com os países que boicotarem a China. O Brasil não pode entrar nessa disputa geopolítica, porque não é um país pequeno. O Brasil é uma das 10 maiores economias, é o quinto ou o sexto maior território, quinta ou sexta maior população. Então, nós temos interesses variados, nós somos global player. Os Estados Unidos vão exigir lealdades. Isso contraria o interesse brasileiro. O Brasil precisa de menos geopolítica e ideologia e de mais interesse nacional.

Como avalia o apoio do Brasil à proposta dos EUA de discutir se países que não são economia de mercado podem ser membros da OMC, o que, na prática, excluiria a China da organização?
Essa proposta foi apresentada no último dia útil de trabalho da OMC. Não foi discutida. Ela foi apresentada, e nenhum outro país apoiou, só o Brasil. E, aí, se suspenderam os trabalhos, porque entraram de férias. Agora em setembro, esse assunto vai voltar, e a gente vai ter de ser coerente e defender essa posição, que vai desgastar o Brasil perante a China. Acho que essa proposta não vai prosperar, porque não há acordo. Os Estados Unidos querem é que se mudem as regras da OMC para permitir que somente economias de mercado possam ser membros da OMC, porque havia um período de transição para a China se tornar uma economia de mercado, e passou o período de transição, e a China é considerada uma economia de mercado. Os Estados Unidos querem reabrir esse assunto para que a China possa ser considerada uma economia não de mercado, e como uma economia não de mercado não pode pertencer à OMC. É um desgaste desnecessário do Brasil perante a China.

O alinhamento automático do Brasil com os EUA trouxe mais benefícios ou prejuízos?
A relação institucional entre as burocracias dos dois países continuam com o trabalho. Em termos de resultado, eu não vejo nem grandes vantagens nem grandes desvantagens, porque o relacionamento institucional segue com as qualificações que as duas burocracias fazem. Por exemplo, do lado do que não aconteceu: o Brasil queria ter uma posição especial na questão de vistos para os Estados Unidos. Isso não aconteceu. O lado positivo que houve foi a aprovação do acordo de salvaguardas tecnológicas que vai permitir o uso da Base de Alcântara (no Maranhão).

E a defesa de Trump pela entrada do Brasil na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico)? Como o senhor avalia?
O Brasil pediu (ingresso na OCDE), e Trump apoiou a Argentina. Depois, com a eleição de Cristina Kirchner como vice de Alberto Fernández, aí, os Estados Unidos mudaram, mas não por causa do Brasil, por causa da Argentina.

A implantação da tecnologia 5G é outro campo de disputa entre EUA e China na América do Sul. Como analisa a postura do Brasil?
O Brasil não deveria tomar partido e deveria abrir a licitação para todos os países. E o resultado da licitação deveria ser o que fosse mais favorável ao Brasil. Acho que esse é o exemplo mais forte dessa questão geopolítica sendo trazida aqui para a região. Acho que o adiamento dessa licitação não resolve; ao contrário, a licitação deveria ser feita imediatamente, porque, quanto mais cedo o 5G entrar no nosso cenário, mais rapidamente o Brasil vai sair da crise. O 5G poderia ajudar o Brasil a sair da crise porque ia modernizar, mais rapidamente, a economia e as indústrias, para a indústria nacional chegar ao 4.0, porque há redes privadas que as indústrias poderão utilizar imediatamente.

O presidente Jair Bolsonaro prometeu acabar com o que chamou de “viés ideológico” na diplomacia brasileira. Essa promessa foi cumprida?
Estou à vontade para falar sobre isso, porque fui um dos críticos mais fortes da política externa do PT enquanto eles partidarizaram e ideologizaram a política externa. Agora, está havendo a mesma coisa; está havendo ideologização da política externa com sinal trocado. Mas, você tem as prioridades da política externa, que não se alteraram, nem com os governos anteriores nem com este. Se você fizer uma listagem das principais prioridades, elas são as mesmas. O problema é a questão da ideologização e da partidarização. Eu acho que, como Rio Branco (patrono da diplomacia brasileira) afirmava: ‘A política externa não pode estar a serviço de partidos nem de ideologias; a política externa tem de refletir o interesse nacional’. Eu disse isso durante os anos do PT e estou continuando a repetir agora.