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Mostrando postagens com marcador Ernesto Araújo. Mostrar todas as postagens
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domingo, 10 de março de 2024

Onde andará o chanceler acidental dos primeiros dois anos do governo Bolsonaro? - Paulo Roberto de Almeida

 4599. “Onde andará o chanceler acidental dos primeiros dois anos do governo Bolsonaro?”, Brasília, 10 março 2024, 2+8 p. Retomada do trabalho n. 3750, de 9 de setembro de 2020, em postagem no blog Diplomatizzando, efetuada ainda na gestão Ernesto Araújo no Itamaraty, relembrando os absurdos vividos no Brasil na época da “franja lunática”, como os caracterizou o embaixador Rubens Ricupero. 

Onde andará o chanceler acidental dos primeiros dois anos do governo Bolsonaro?

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Retomada do trabalho n. 3750, de 9 de setembro de 2020, em postagem no blog Diplomatizzando, efetuada ainda na gestão Ernesto Araújo no Itamaraty, relembrando os absurdos vividos no Brasil na época da “franja lunática”, como os caracterizou o embaixador Rubens Ricupero.

 

Com as investigações em curso sobre a tentativa de golpe contra o governo eleito em outubro de 2022, tivemos a surpresa de ver o então assessor especial para assuntos internacionais na primeira fase do governo Bolsonaro, autor presumido de uma das minutas golpistas entregues ao presidente ainda antes das eleições, Felipe Martins, preso pela Polícia Federal durante pouco menos de um mês. Por ocasião de sua prisão, efetuei pequena postagem dizendo que o ex-subordinado de Felipe Martins, chanceler acidental de Bolsonaro, diplomata Ernesto Araújo, havia tido sorte, pelo fato de a então senadora Kátia Abreu o ter expelido do governo em março de 2021, e de assim ter possivelmente escapado do mesmo infausto destino do “chanceler paralelo” (stricto e lato sensi). 

Muita gente tende a esquecer o que foram aqueles anos, de loucuras inéditas na política externa brasileira, e de arroubos na política interna, potencializando uma divisão do país que tinha começado lá atrás, antes e durante os governos petistas no Brasil. Continuamos divididos, pois isso corresponde aos interesses de cada um desses dois extremos ideológicos, um supostamente à esquerda – mas com muitos amigos de direita, apenas por serem, como eles, antiamericanos confirmados –, o outro supostamente à direita, mas estupidamente à extrema-direita, ambos reacionários na prática. 

Permito-me retomar aqui, uma das últimas postagens que fiz na gestão do infeliz e patético chanceler acidental, antes que ele fosse defenestrado, após o que ele desativou seu famoso blog “Metapolítica 17: contra o globalismo”, do qual arquivei praticamente todas as postagens, antes que presumivelmente desaparecessem, com a saída do tresloucado diplomata. Ela tem a ver com as recomendações para os diplomatas para as eleições daquele ano, 2020, municipais, como agora, como se o próprio personagem, ainda antes de se tornar diplomata acidental, não tivesse infringido todas e cada uma das normas prescritas aos funcionários. Ele o fez de forma clandestina, antes de ser denunciado, e a partir daí de forma aberta, uma vez garantido o cargo prometido, por ter sido um dos mais aguerridos cruzados da causa bolsonarista. Acompanhei toda a trajetória do desequilibrado colega diplomata, o que pode ser ainda hoje revisitado pelos diversos livros digitais que elaborei durante esses anos desafiadores para os diplomatas profissionais, e para todos os cidadãos democratas.


(...)


Ler a íntegra nesta postagem na plataforma Academia.edu: 

https://www.academia.edu/116052112/4599_Onde_andar%C3%A1_o_chanceler_acidental_dos_primeiros_dois_anos_do_governo_Bolsonaro


segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Itamaraty nomeia braço direito de Ernesto para cargo nos EUA em manobra à la Weintraub - Guilherme Seto (FSP)

 O tal chefe de gabinete do patético ex-chanceler acidental, e o seu chefe submisso ao Rasputin de Subúrbio foram responsáveis por grandes desatinos no Itamaraty, o segundo por desvios inaceitáveis na política externa, sob as ordens do inacreditavelmente estúpido chefe antidiplomático.

Paulo Roberto de Almeida

Itamaraty nomeia braço direito de Ernesto para cargo nos EUA em manobra à la Weintraub

Pedro Wollny, criticado por diplomatas, não participará mais do dia a dia do ministério
Guilherme Seto 
Folha de S. Paulo, Painel, 2.jan.2022 às 22h35

O Itamaraty nomeou o braço direito do ex-chanceler Ernesto Araújo, Pedro Wollny, para o cargo de chefe do escritório financeiro em Nova York. 
Ele foi chefe de gabinete de Araújo e, com Carlos França, tornou-se secretário de gestão administrativa, um cargo importante na hierarquia da pasta e que deixou em setembro.

A mudança de Wollny para os EUA, oficializada no Diário Oficial em 30 de dezembro, foi interpretada como saída similar à que o governo deu a Abraham Weintraub, que deixou o Ministério da Educação e ganhou cargo no Banco Mundial.

Afastado do núcleo decisório, Wollny não terá mais influência no dia a dia do ministério, lidará com questões burocráticas e não deverá receber autoridades internacionais em Nova York.

Um dos diplomatas ouvidos pela Folha descreveu a função como "prebenda de luxo".

A atuação de Wollny como chefe de gabinete foi bastante criticada por diplomatas e foi descrita como autoritária.

Em dezembro de 2020, por exemplo, ele cobrou por meio de mensagens de WhatsApp a presença física de diplomatas no Ministério das Relações Exteriores durante a pandemia da Covid-19, como mostrou o jornal O Globo.

https://www.google.com.br/amp/s/www1.folha.uol.com.br/amp/colunas/painel/2022/01/itamaraty-nomeia-braco-direito-de-ernesto-para-cargo-nos-eua-em-manobra-a-la-weintraub.shtml


quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Ex-chanceler e ex-presidente da Funag indiciados por CRIMES? Inédito na história do Itamaraty

Um chanceler criminoso? Du jamais vu...

Um presidente da Funag reles contraventor da lei? Incroyable!

 De memória de homem, e de acordo com os anais da diplomacia brasileira, não se tem notícia de que um chanceler (ainda que ex) e um presidente da Funag (também já substituído) tenham sido, no passado recente ou nos registros remotos, indiciados por CRIMES COMETIDOS no exercício das funções.

É o que se pode ler no Relatório da CPI da Pandemia, um detalhado documento que transcreve as oitivas e as ações (e sobretudo omissões) de cada um no trato da pandemia, no contexto da qual ambos seguiram fielmente as recomendações, diretivas, ordens e loucuras daquele que passa por dirigente nacional, assim como seus respectivos chefes (informais) no Gabinete do Ódio ou entre os círculos íntimos do primeiro.

Paulo Roberto de Almeida

RELATÓRIO PRELIMINAR DA CPI DA PANDEMIA, EM 17/10/2021

Disponível na plataforma Academia.edu, neste link: 

https://www.academia.edu/59148514/Relatorio_Preliminar_da_CPI_da_Pandemia_em_17_10_2021

ou aqui: 

https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida/Varia


Transcrevo as partes pertinentes, relativas ao ex-chanceler acidental e seu fiel escudeiro capacho, ex-presidente da Funag: 

p. 65, notas 32, 33 e 34: 

32. Depoimento à CPI do senhor Ernesto Araújo no dia 18 de maio de 2021. 

33. Na avaliação da documentação enviada à CPI, observou-se que, em nosso entendimento, dificilmente – salvo alguns pouquíssimos casos, não seria necessário o estabelecimento de sigilo para a documentação. Além disso, organizações da sociedade civil obtiveram vários desses documentos por meio da LAI -Lei de Acesso à

Informação – e os tornaram públicos por meio de seus sítios eletrônicos na Internet.

34 A agência de notícias tornou disponíveis os documentos que lhe foram enviados pelo Ministério das Relações Exteriores:  https://drive.google.com/drive/folders/16YkCA-bsu8PcDTUOJDLronL_S75-J2Ww Acesso 21 Ago 2021. 


p. 233, sobre cobertura da vacinação:

 

Conforme documentação obtida pela CPI, o Ministro Ernesto Araújo encaminhou comunicação à Covax Facility, em 31 de agosto, último dia do prazo para adesão, optando pelo modelo de Optional Purchase (que permite recusar qualquer vacina oferecida enquanto mantém a possibilidade de cobrir a porcentagem de doses escolhidas) com cobertura de 20% da população, padrão proposto pela Gavi, que coordena o consórcio junto com a OMS.


p. 613 do Relatório preliminar: 

Em seguida, está o núcleo que oferece suporte político às decisões da organização [formada pelo Gabinete do Ódio]. Ele é formado essencialmente por parlamentares, políticos, autoridades ú.blicas e religiosas. Nele, estão incluídos os Deputados Federais Ricardo Barros, Osmar Terra, Carlos Jordy, Carla Zambelli, Bia Kicis, Silas Malafaia, Carlos Wizard, o ex-ministro Ernesto Araújo, Roberto Goidanich (ex-presidente da FUNAG), o ex-deputado Roberto Jefferson e o ministro Onyx Lorenzoni. Eles incentivaram as pessoas ao descumprimento das normas sanitárias impostas para conter a pandemia e adotaram condutas de incitação ao crime. Os detalhes das postagens de cada um estão devidamente demonstrados no item 9.5.3.


p. 624, sobre as ações conduzidas pelos personagens: 


Citamos o caso ocorrido na Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG). Trata-se de uma entidade da administração pública, subordinada ao Ministério das Relações Exteriores. Conduzida por seu presidente Roberto Goidanich, que agia sob o comando do então Chanceler Ernesto Araújo, a fundação promoveu eventos, palestras e lives com palestrantes negacionistas, incluindo os filhos do Presidente da República. O teor das palestras eram em sua maioria contra as medidas sanitárias de contenção da pandemia e vacinas.


p. 625-26, sobre essas ações: 


Dessa forma, a FUNAG, sob comando de Roberto Goidanich do seu chefe, ministro Ernesto Araújo, utilizaram a estrutura pública para propagar teorias e incentivar o descumprimento das normas sanitárias

durante a pandemia.


p. 721-22, dentro do

Capítulo:  9. DESINFORMAÇÃO NA PANDEMIA (FAKE NEWS)

Seção: 9.4 MODO DE AGIR


- Ernesto Araújo

Ex-chanceler do governo Bolsonaro, durante a pandemia além de atuar diretamente na compra de insumos para vacinas, aparece como responsável na troca de telegramas para garantir a fabricação e disseminação do tratamento precoce, através da cloroquina. Em suas redes sociais, chegou a chamar o coronavírus de Comunavírus, e foi acusado pelo Ministro Gilmar Mendes, do STF, de divulgar fake news em suas redes sociais. Recentemente, postou em seu Twitter que passaria a ingressar o quadro de colunistas do Terça-Livre, com textos semanais.

Ernesto era o ministro de Relações Exteriores durante o período em que a Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) promoveu seminários e palestras com negacionistas e influenciadores bolsonaristas para atacar medidas de contenção da pandemia.


22/04/2020 – Em postagem em sua rede social chama o Coronavírus e Comunavírus.



06/12/2020 – Em sua rede social fez uma postagem sobre uma teoria da conspiração que diz que a pandemia do novo coronavírus teve origem em um complô das elites com o objetivo de controlar as massas.


04/10/2021 – Anuncia em rede social entrevista que deu ao Terça Livre sobre cenário na pandemia e que passaria escrever artigos semanais para o site.





p. 723, para o ex-presidente da Funag: 


- Roberto Goidanich

Durante o período da pandemia esteve como presidente da Fundação Alexandre de Gusmão – FUNAG, e realizou eventos e palestras negacionistas, inclusive como palestrante. Com ele, a fundação se tornou um dos principais canais de divulgação de teses contrárias às medidas sanitárias adotadas ao longo da pandemia.


01/05/2020 – Postagem realizada nesta data mostra a divulgação do evento no perfil oficial da FUNAG, que também realizava a transmissão ao vivo.




Disponível em: https://twitter.com/FUNAGbrasil/status/1256211263157305348?s=20


p. 990-91, 

Capítulo: 13. INDICIAMENTOS

seção: 13.6 DO CRIME DE EPIDEMIA


Pelas mesmas razões, Mayra Pinheiro, por sua atuação na crise de Manaus, que concorreu para agravar o resultado, e o ex-Chanceler, Ernesto Araújo, que pela aposta em medicamentos, como a cloroquina e hidroxicloroquina, e pela falta de proporção e rigor técnico entre a busca de medicamentos no mercado internacional e pela campanha de desinformação institucional, via Fundação Alexandre de Gusmão, que, sob seu comando, promoveu eventos, palestras e lives com palestrantes negacionistas, incluindo os filhos do Presidente da República, também concorreu, pela imperícia e imprudência, para agravar o resultado da epidemia entre nós.


p. 1007, 

Capítulo: 13. INDICIAMENTOS

seção: 13.10 Da incitação ao crime


Nesse cenário de disseminação de comunicações enganosas, identificou-se a participação do presidente Jair Messias Bolsonaro, ... (...)

Como partícipes desse delito, ainda devem ser incluídos o exministro Ernesto Araújo e o ex-presidente da FUNAG, Roberto Goidanich. Essas condutas configuram a prática do crime de incitação ao crime, previsto no art. 286 do Código Penal.


p. 1058, 13.28 Resumo dos indiciamentos


5) ERNESTO HENRIQUE FRAGA ARAÚJO – Ex-ministro das Relações Exteriores - art. 267, p. 2. (epidemia culposa com resultado morte) e art. 286 (incitação ao crime), combinado com art. 29; todos do Código Penal;


p. 1069-70, continuidade:

14. ENCAMINHAMENTOS

Em relação aos crimes mencionados no item anterior, deverão ser encaminhadas, sem prejuízo de eventuais conexões processuais:

(...)

v) aos Ministérios Públicos estaduais, com competência para atuar na primeira instância da Justiça Comum, e à Secretaria de Segurança Pública dos Estados, para o encaminhamento à delegacia de polícia com competência para a investigação, observando-se o local em que foi cometido o crime ou, não podendo esse ser identificado, o foro do domicílio ou da residência do investigado, cópias do presente relatório e dos documentos e oitivas relacionados aos fatos praticados por (...) por Ernesto Henrique Fraga Araújo; (...); Roberto Goidanich;...


p. 1168, no último capítulo

16. CONCLUSÕES:

(...)

Restou claro, nas sucessivas comunicações diplomáticas a que teve acesso a CPI, o erro de estratégia cometido pela gestão de Pazuello e de Ernesto Araújo (falta de prioridade dada para a vacinação e a aposta em medicamentos, como a cloroquina e hidroxicloroquina), o que contrasta com a postura quase desesperada em 2021 da nova gestão Queiroga e Carlos Alberto França, dada a segunda onda e o aumento de casos e mortes, em busca de vacinas e insumos para produção de vacinas, assim como o pedido de aumento da cobertura populacional na Covax Facility. 

(...)

quarta-feira, 7 de julho de 2021

Sem Ernesto Araújo, Itamaraty retorna à discrição e ensaia moderação - Renato Vasconcelos (OESP)

Sem Ernesto Araújo, Itamaraty retorna à discrição e ensaia moderação

Grande desafio da gestão de Carlos Alberto França é equilibrar interesses do Brasil no duelo EUA-China, em meio à retórica 'antiglobalista' de Bolsonaro

O Estado de S.Paulo
Renato Vasconcelos
07/07/2021, 05:00

Cem dias após a saída de Ernesto Araújo, o Itamaraty ainda tenta recuperar o pragmatismo e a moderação de outrora, características esquecidas durante a gestão do ex-ministro. Sob a liderança do novo chanceler, Carlos Alberto França, a diplomacia brasileira vem trabalhando com discrição , na avaliação de ex-embaixadores e especialistas em política internacional ouvidos pelo Estadão , mas questões de política interna ainda travam mudanças mais significativas na condução da diplomacia brasileira. Apesar disso, a tensão interna no Itamaraty, que marcou os dias turbulentos vividos na gestão Araújo, ficou para trás.

"Não se podia esperar transformações em profundidade, porque o ministro é um auxiliar do presidente da República, e as linhas gerais de política externa são dadas por aquele que ganhou as eleições. Carlos França trouxe uma mudança de estilo, que é completamente oposto ao de Ernesto Araújo. Ele não é um militante político, alguém que faz parte do esquema de poder do presidente, mas sim um funcionário do Estado", afirmou o ex-embaixador brasileiro em Washington e ex-ministro da Fazendo, Rubens Ricupero.

A mudança de estilo foi notada pelo também ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Rubens Barbosa. "Mudou o estilo, mudou a retórica e outra grande diferença é a disposição de reconstruir pontes, que foram dinamitadas pelo Ernesto Araújo, em restabelecer canais de comunicação”, analisou.

Carlos Alberto França assumiu o ministério das Relações Exteriores no dia 6 de abril, oito dias depois de Ernesto Araújo ser demitido do cargo. Promovido ao topo da carreira diplomática em 2019, França nunca chefiou um posto no serviço exterior, mas tem familiaridade com o poder: trabalhou no Planalto nos governos Fernando Henrique Cardoso, Dilma Rousseff e Michel Temer, sempre na área do Cerimonial.

Apesar da presumida falta de experiência do chanceler, a simples mudança de comando já foi suficiente para gerar um alívio nas pressões internas do Itamaraty, de acordo com o professor Oliver Stuenkel, coordenador do programa de pós-graduação da Escola de Relações Internacionais da FGV.

"Parte da missão do governo Bolsonaro, inicialmente, foi o desmonte do Itamaraty, que é mais difícil de ser politizado, em função de seu quadro altamente técnico, e a missão do Ernesto Araújo foi basicamente erudir o que a família Bolsonaro chamava de resistência globalista. O novo chanceler, aparentemente, não tem essa missão e trouxe um grau de normalidade à instituição", disse Stuenkel.

Ainda segundo o professor, o novo ministro demonstrou habilidade ao retirar a política externa do embate político interno. "Você não vê o chanceler radicalizando ainda mais o discurso, trazendo teorias da conspiração. Ele atua muito nos bastidores e busca desinflamar os temas de política externa."

Mas a postura não foi a única coisa que mudou no Itamaraty após a troca de comando. Dentro de suas atribuições - imerso na política externa estabelecida pelo governo Bolsonaro - a nova gestão já conseguiu atenuar posicionamentos do Planalto em temas internacionais, entre eles vacinação e clima, ambos destacados por França em seu discurso de posse.

"No tema da covid-19, voltamos a uma linha de sensatez, após a postura de Ernesto Araújo, que chegou a ser negacionista da pandemia. Agora temos uma linha mais positiva em relação à Organização Mundial de Saúde e à Covax Facility" disse Ricupero.

"A política ambiental também foi atenuada. Houve a carta ao presidente americano Joe Biden, a presença de Bolsonaro na Conferência do Clima... Agora vamos ver como o novo Ministro e o Itamaraty vão definir a posição do Brasil no Acordo de Paris", disse Barbosa.

Apesar da tentativa de mudança na narrativa da questão ambiental, Ricupero explica se tratar da linha mais frágil entre as agendas prioritárias do Itamaraty, por depender de mudanças reais no governo. "O papel (do MRE) tem sido tentar negar evidências. Isso diminui o poder de convencimento".

Foi na gestão França que o Itamaraty modulou o voto do Brasil sobre as sanções americanas a Cuba na ONU - enquanto o País se alinhou a Estados Unidos e Israel ao votar contra a retirada dos embargos, neste ano o País se absteve, deixando o bloco opositor.

Os analistas apontam que a nova fase do Itamaraty deve ser marcada por um maior pragmatismo, principalmente no que diz respeito à disputa por protagonismo entre Estados Unidos e China na América do Sul. Ao contrário do que aconteceu no começo do governo Bolsonaro, quando houve um alinhamento quase integral ao governo de Donald Trump.

O alinhamento não ocorreu apenas por causa da gestão de Ernesto Araújo. Ricupero aponta que a própria inclinação do presidente e do filho dele, Eduardo Bolsonaro, aos EUA acabaram por definir este papel, o que fez o Itamaraty se omitir de buscar o melhor posicionamento para o Brasil, uma vez que a derrota do ex-presidente americano na eleição do ano passado deixar o Brasil em uma situação em que é alvo de desconfiança tanto da China quanto do governo Biden.

Não bastasse a desconfiança, o Brasil mantém relações estreitas e importantes tanto com China quanto com Estados Unidos, sendo dependente de ambos em temas estratégicos. O antagonismo com a China - acentuado em alguns momentos - colocou em risco alguns dos principais setores econômicos do país, como o mercado de soja, cujo maior comprador é a China, e os EUA um dos nossos maiores concorrentes.

"Esse lado desapareceu (com a saída de Araújo), mas desapareceu também da parte do presidente. Talvez ele tenha aprendio a lição", diz Ricupero. "O que vai acabar acontecendo é que nós vamos ter uma relação pragmática. Caso a caso, vai se ver o interesse do Brasil".

O pensamento é endossado por Barbosa, que projeta uma posição de independência do Brasil em relação aos dois países. "Não tem como a gente prever, mas eu acho que o chanceler Carlos França vai continuar fazendo o possível para ser o fator de moderação na política externa brasileira".

Assim como Araújo não é o único responsável pelas omissões do Itamaraty na questão envolvendo a política externa da vacina e o alinhamento aos EUA, a troca no comando por si só não resolve a perda de credibilidade da diplomacia brasileira nos últimos anos, que transformou o Brasil em pária internacional.

"A essência do projeto bolsonarista - de ser antiglobalista, questionar o multilateralismo, de não buscar a liderança e a cooperação regional - é o que explica essa situação. Para uma superação do que aconteceu nos últimos dois anos, só se houver uma guinada da política interna", afirma Stuenkel.

Carlos Poggio, professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), explica que a deterioração da imagem da diplomacia brasileira não é algo que se supere facilmente. "Não é uma questão de dias ou de meses, é uma questão de anos até uma recuperação completa da imagem do Brasil", disse. E completa: "É um alívio (a troca de comando), é um respiro e uma esperança de um retorno a alguma normalidade no Itamaraty, mas é algo que ainda talvez demore para se reconstruir totalmente, não no curto ou no médio prazo".

"É um processo de reconstrução. Esse é apenas 'o começo do início', porque o principal dano é o que vem do próprio Bolsonaro, na figura dele e do governo dele. O conjunto da obra do governo dele. O que Carlos França fez muito bem foi eliminar o componente que era agregado pelo Ernesto Araújo, mas isso talvez não fosse nem 10% do total. Todo mundo sabe que o papel dele é limitado", afirma Ricupero.

https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,cem-dias-sem-ernesto-o-que-mudou-no-itamaraty-sob-nova-direcao,70003770570

 

sexta-feira, 21 de maio de 2021

O universo paralelo de Ernesto Araújo - Carlos Zacarias (A Tarde)

O universo paralelo de Ernesto Araújo

Carlos Zacarias 

Jornal A Tarde, Salvador, 21/05/2021

Escrevo esse artigo enquanto o ex-ministro Eduardo Pazuello ainda depõe na CPI da Pandemia. Preciso dizer isso, porque no momento em que o leitor tiver nas mãos este texto, a notícia já será outra, quase nos fazendo esquecer que foi nesta semana que Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil, depôs.

Na última terça, Araújo, que até outro dia ocupava a cadeira por onde tinham passado Rio Branco, Oswaldo Aranha, Celso Amorim entre outros ilustres que tornaram a diplomacia brasileira mundialmente respeitada, mostrou para o país toda a miséria do governo de Jair Bolsonaro, para muito além de sua política externa. Deixando-se de lado o desastre do fato de que o ex-chanceler foi absolutamente incapaz de adquirir vacinas, que contribuiu para provocar sucessivas crises com a China, nosso principal parceiro comercial e mais importante fornecedor de insumos para a preparação do imunizante e que sequer foi capaz de agradecer ao governo venezuelano pelo envio de oxigênio para salvar vidas em Manaus, tudo sobejamente demonstrado na CPI, salta aos olhos toda a loucura terraplanista que esteve instalada no Itamaraty e alhures deste governo.

Dizer que Araújo é um terraplanista desvairado, um negacionista convicto e uma bússola que nos guiou para o caos, como pontou a senadora Kátia Abreu (PP-TO), é o mínimo diante do que assistimos e daquilo que se depreende pelo que este senhor escreve em seu blog chamado Metapolítica 17. Neste universo paralelo, não há espaço para razão, fatos ou evidências, pois campeia uma visão conspiracionista da realidade de onde derivam expressões como “comunavírus”, “globalismo”, “covidismo” entre outros termos apropriados para tanger o gado fanatizado.

Como arauto do pedantismo bacharelesco, que acredita que o mundo foi tomado por uma conspiração comunista que envolve a grande mídia, o “narco-socialismo”, o “climatismo” o “racialismo”, o “abortismo”, a “ideologia de gênero” entre outras fantasias, Araújo imagina-se desempenhando um papel heroico e corajoso frente à conspiração globalista universal que usa a OMS para seus fins. Tornamo-nos “párias do mundo”, mas não apenas pelo que fizemos, mas também pela galhofa que provocamos no plano internacional.

Não surpreende que o Brasil esteja passando pela sua maior tragédia sanitária, cuja antessala é essa miséria moral e intelectual que nos governa. Contudo, como diz Adorno, “não se deve subestimar esses movimentos devido a seu baixo nível intelectual e devido à sua ausência de teoria”. Araújo não é apenas um dos alunos do astrólogo Olavo de Carvalho, é também um dos prestidigitadores de um governo que ainda move hordas de fanáticos e parasitas que ariscam tornar a invasão do Capitólio brincadeira de criança. Estejamos preparados.

https://esquerdaonline.com.br/2021/05/21/o-universo-paralelo-de-ernesto-araujo/ 

Carlos Zacarias

Carlos Zacarias é doutor em História e pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades (CRH) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde leciona desde 2010. Entre 1994 e 2010 foi professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), onde dirigiu a Associação Docente (ADUNEB) entre 2000 e 2002 e entre 2007 e 2009. Colunista do jornal A Tarde de Salvador, para o qual escreve artigos desde 2006, escreve às quintas-feiras, quinzenalmente, sobre temas de história e política para o Esquerda OnLine. É autor de Os impasses da estratégia: os comunistas, o antifascismo e a revolução burguesa no Brasil (1936-1948) (São Paulo, Annablume, 2009) e no ano passado publicou De tédio não morreremos: escritos pela esquerda (Salvador, Quarteto, 2016) e ainda organizou Capítulos de história dos comunistas no Brasil (Salvador, Edufba, 2016). É membro da Secretaria de Redação da Revista Outubro e do Conselho Editorial das revistas Crítica Marxista, História & Luta de Classes, Germinal, entre outras.



quinta-feira, 20 de maio de 2021

Além da CPI: Kátia Abreu cobra R$ 100 mil de Ernesto Araújo na Justiça por danos morais - Nelson Lima Neto (O Globo)

 Além da CPI: Kátia Abreu cobra R$ 100 mil de Ernesto Araújo na Justiça por danos morais

Por Nelson Lima Neto

O Globo, 20/05/2021 • 06:00

Na terça, como se sabe, a senadora Kátia Abreu e o ex-chanceler Ernesto Araújo trocaram acusações durante a CPI da Covid-19. De um lado, Kátia chamou o diplomata de incompetente e mentiroso, enquanto Araújo voltou a afirmar que a parlamentar fez lobby favorável a China no leilão do 5G.

Pois o embate entre os dois também está na Justiça - e justamente por conta da opinião de Araújo sobre um suposto interesse da senadora no leilão do 5G. O caso está na 9ª Vara Cível de Brasília.

Kátia cobra, veja só, R$ 100 mil de Araújo por danos morais por uma postagem feita no Twitter em março.

"Em 4/3 recebi a Senadora Kátia Abreu para almoçar no MRE. Conversa cortês. Pouco ou nada falou de vacinas. No final, à mesa, disse: “Ministro, se o senhor fizer um gesto em relação ao 5G, será o rei do Senado", disse o ex-ministro.

Na petição assinada pelos advogados do Senado, consta que Araújo "imputou falsamente à autora fato ofensivo à sua reputação, como a prática de chantagem; também imputou falsamente conduta definida como crime, advocacia administrativa (art. 321 do CP) por parte da Senadora junto ao então Ministro de Estado, sugerido que ela possuísse interesse no leilão para definir a exploração da tecnologia 5G no Brasil".

https://blogs.oglobo.globo.com/ancelmo/post/alem-da-cpi-katia-abreu-cobra-r-100-mil-de-ernesto-araujo-na-justica-por-danos-morais.html


segunda-feira, 10 de maio de 2021

Ernesto mobilizou Itamaraty para garantir cloroquina, mesmo após alertas - Patrícia Campos Mello (FSP)

 Telegramas mostram que Ernesto mobilizou Itamaraty para garantir cloroquina, mesmo após alertas


Em telefonema, Bolsonaro disse ao premiê indiano que havia resultados positivos da droga contra Covid no Brasil

Folha de S. Paulo, 9.mai.2021 às 23h15
Patrícia Campos Mello

O ex-chanceler Ernesto Araújo mobilizou o aparato diplomático do Brasil para garantir fornecimento de cloroquina ao país, mesmo após a Organização Mundial da Saúde ter interrompido testes clínicos com a droga e depois de associações médicas terem alertado para a ineficácia e o risco de efeitos colaterais.

Isso é o que revelam telegramas diplomáticos obtidos pela Folha e informações de pessoas envolvidas nas negociações. O ex-ministro, que pediu demissão no fim de março, será ouvido na CPI da Covid na próxima quinta (13), para explicar se houve prejuízo na aquisição de insumos e vacinas por causa da política externa de sua gestão.

A corrida do Itamaraty atrás da cloroquina começou pouco depois de o presidente Jair Bolsonaro falar em "possível cura para a doença" em suas redes sociais, em 21 de março do ano passado.

"Hospital Albert Einstein e a possível cura dos pacientes com Covid-19. Agora há pouco os profissionais do hospital Albert Einstein me informaram que iniciaram um protocolo de pesquisa para avaliar a eficácia da cloroquina nos pacientes com Covid-19", escreveu ele.

Um dia antes, a Prevent Senior e o hospital Albert Einstein haviam anunciado que tinham iniciado estudos com o medicamento. Em declaração durante reunião do G-20, em 26 de março, relatada em telegrama, Bolsonaro apontou para “testes bem-sucedidos, em hospitais brasileiros, com a utilização de hidroxicloroquina no tratamento de pacientes infectados pela Covid-19, com a possibilidade de cooperação sobre a experiência brasileira”.

No mesmo dia, mesmo não existindo nenhum “teste bem-sucedido” em hospitais brasileiros, o ministério das Relações Exteriores pediu, em telegrama, que os diplomatas tentassem “sensibilizar o governo indiano para a urgência da liberação da exportação dos bens encomendados pelas empresas antes referidas [EMS, Eurofarma, Biolab e Apsen] e outras que se encontrem em igual condição, cujo desabastecimento no Brasil teria impactos muito negativos no sistema nacional de saúde”. Na época, o governo indiano havia restringido a exportação da cloroquina.

Em outra comunicação, no dia 15 de abril, o ministério pede que a embaixada na Índia faça gestões junto ao governo indiano para liberar uma carga de hidroxicloroquina comprada pela empresa Apsen antes de a exportação ser vetada por Déli e para que a venda da droga seja normalizada.

Durante todo o mês de abril, houve inúmeros pedidos do Itamaraty para obtenção de cloroquina —defendida por Bolsonaro como “cura” para a Covid-19.

Um dos telegramas, por exemplo, afirma que o Itamaraty teria pedido à Organização Pan-Americana de Saúde que entrasse em contato com o governo indiano para conseguir a liberação de um lote de milhões de doses de hidroxicloroquina.

Em outro, datado de 24 de abril, o ministério pede apoio para uma farmacêutica brasileira conseguir importar sulfato de hidroxicloroquina e relata que ela forneceria habitualmente para "FURP [Fundação para o Remédio Popular], Fiocruz, LAQFA [Laboratório Químico-Farmacêutico da Aeronáutica] e Laboratório do Exército". Na comunicação, o ministério pede à embaixada que sejam feitas gestões junto ao governo indiano para liberar a carga.

Mesmo depois de a Sociedade Brasileira de Infectologia, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e a Associação de Medicina Intensiva Brasileira desaconselharam o uso da cloroquina contra a Covid e apontarem efeitos colaterais graves, em 19 de maio, o Itamaraty continuou acionando o corpo diplomático, em telegramas em junho, para garantir o fornecimento de hidroxicloroquina.

Já o empenho do Itamaraty para garantir vacinas e medicamentos da China foi muito menor do que o dedicado à cloroquina. Até novembro de 2020, o ministério não havia enviado instruções específicas para diplomatas prospectarem potenciais fornecedores de vacinas ou medicamentos na China, segundo pessoas envolvidas em negociações.

A China é o país que mais produz imunizantes contra a Covid e foi alvo de ataques constantes durante a gestão de Ernesto. O país tem cinco vacinas aprovadas pelas autoridades sanitárias locais, entre elas a da gigante Sinopharm —ainda que os produtos chineses tenham eficácia menor do que os da Pfizer e da Moderna, por exemplo.

Das chinesas, o Brasil só usa a Coronavac, da Sinovac, produzida em parceria com o Instituto Butantan, em acordo fechado pelo governador de São Paulo, João Doria. Mais de 80% das doses administradas no Brasil são de Coronavac. Segundo pessoas envolvidas na negociação, houve apenas pedidos vagos de informação sobre os desenvolvimentos na área de vacinas, mas nenhuma orientação ativa para obter vacinas, ao contrário do que foi feito com a cloroquina.

Só a partir deste ano, a embaixada do Brasil na China foi acionada para fazer gestões pela liberação de insumos para a produção de vacinas da AstraZeneca.

Um telegrama de 4 de abril de 2020 relata que o presidente Bolsonaro teria dito, em conversa telefônica com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, que o Brasil havia tido “resultados animadores” no uso da hidroxicloroquina para tratar pacientes com Covid-19.

No entanto, não houve no Brasil nenhum estudo considerado padrão-ouro (randomizado, duplo-cego e com grupo controle) que demonstrasse eficácia da hidroxicloroquina contra a doença. Só duas semanas após o telefonema de Bolsonaro, a Prevent Senior divulgou um estudo preliminar, que foi considerado falho, incompleto e com indícios de fraude.

O Albert Einstein também conduzia um estudo com um grupo de hospitais sobre o uso da hidroxicloroquina —o resultado, divulgado no fim de julho, aponta que a droga não mostrou efeito favorável na evolução clínica de pacientes adultos hospitalizados com formas leves ou moderadas de Covid-19.

No telefonema ao premiê indiano, relatado no telegrama, Bolsonaro pedia a Modi a liberação de carregamentos de hidroxicloroquina adquiridos por empresas brasileiras, dizendo ser “um apelo humanitário” e afirmando que a cloroquina “poderia salvar muitas vidas no Brasil”.

A reportagem entrou em contato com o Itamaraty por e-mail e telefone em busca de posicionamento do ministério e do ex-ministro Ernesto Araújo sobre a questão. Até o fechamento desta edição, o Itamaraty não havia respondido.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/05/telegramas-mostram-que-ernesto-mobilizou-itamaraty-para-garantir-cloroquina-mesmo-apos-alertas.shtml


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Permito-me remeter a minha postagem sobre essa matéria: 

domingo, 4 de abril de 2021

Queda de Araújo é derrota de Olavo de Carvalho e de seita de Steve Bannon - Marcos Augusto Gonçalves

 Como um bando de idiotas, pretensamente tradicionalistas — mas adepto de uma destruição preliminar da ordem existente, como condição para reconstruir o seu munfo imaginado — levou o Brasil ao maior desastre já conhecido em sua história: um desgoverno de desconstrução e de inação em face de problemas reais.

Paulo Roberto de Almeida 

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Queda de Araújo é derrota de Olavo de Carvalho e de seita de Steve Bannon

Indicado por guru de Bolsonaro, chanceler pediu demissão sob forte pressão do Congresso

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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Editor da Ilustríssima e editorialista. Foi editor da Ilustrada, de Opinião e correspondente em Milão e em Nova York

[RESUMO] Demissão do chanceler Ernesto Araújo representa novo fracasso do ideólogo Olavo de Carvalho, que o indicou para o cargo, e do Tradicionalismo, escola filosófica que rejeita a concepção moderna de progresso e defende um projeto reacionário de destruição da ordem estabelecida.​

Em janeiro de 2019, logo após a posse de Jair Bolsonaro, um grupo de brasileiros foi recebido para um jantar na casa de Steve Bannon, em Washington.

A “townhouse”, com imagens ao estilo grego nas paredes e carpete azul com estrelas brancas, no segundo piso, onde os comensais se reuniram, era uma espécie de embaixada do campeão da alt-right, que liderou a campanha vitoriosa de Donald Trump à Casa Branca e foi seu estrategista-chefe no início do governo.

Entre os convidados estava Ernesto Araújo, diplomata pouco conhecido que se tornara subitamente ministro das Relações Exteriores de Bolsonaro, por indicação de Olavo de Carvalho, seu professor e espelho inspirador.

Ernesto Araújo (esq.), Olavo de Carvalho e o presidente Jair Bolsonaro durante encontro na embaixada do Brasil em Washington, em 2019 - Alan Santos - 17.mar.19/Presidência da República/AFP

Olavo era a grande atração da noite, inaugurada com palavras entusiasmadas pelo banqueiro Gerald Brant, meio americano, meio brasileiro.

Disse ele: “É um sonho que se torna realidade. Trump está na Casa Branca e Bolsonaro, em Brasília. E nós estamos em Washington: Bannon e Olavo de Carvalho face a face. Isso é um mundo novo, amigos!”.

Bem, o jantar, as conversas, as emoções e as lágrimas contidas de alguns, tudo é descrito em pormenores no livro “A Guerra pela Eternidade” (Editora da Unicamp), de Benjamin Teitelbaum, etnógrafo e pesquisador norte-americano especializado em movimentos radicais de direita, que estava lá naquela noite (em março, em visita aos EUA, o próprio presidente seria homenageado por Bannon e Olavo).

O projeto da obra, baseado em farta pesquisa e entrevistas, era identificar, entre ideólogos internacionais do populismo de ultradireita, a influência de uma espécie de filosofia ou seita ideológica denominada Tradicionalismo —assim mesmo, com maiúscula no T, para diferenciar do uso corrente do termo.

Essa escola espiritual e política manteve um grupo reduzido e eclético de seguidores ao longo dos últimos cem anos e terminou por se amalgamar com propostas nacionalistas autoritárias recentes.

O resultado, segundo Teitelbaum, foi a emergência de “um radicalismo ideológico raro e profundo”.

Entre os principais ideólogos influenciados pelo Tradicionalismo, ainda que com diferenças e reservas, figura o russo Aleksandr Dugin —além, claro, de Bannon e Olavo.

Parafraseando resumo que fiz nesta Ilustríssima, em resenha do livro, o patriarca do Tradicionalismo foi um francês convertido ao islamismo chamado René Guénon, morto em 1951, no Cairo.

Ele e seus seguidores acreditavam que existiu um dia uma religião —“a Tradição, o cerne, ou a Tradição perene”— que se perdeu, deixando apenas fragmentos dispersos em outras religiões. A linha mestra do pensamento de Guénon vem da crença do hinduísmo de que a história humana percorre um ciclo de quatro idades: a de ouro, a de prata, a de bronze e a sombria —que antecede o retorno ao primeiro e glorioso estágio.

A idade de ouro corresponde ao poder dos sacerdotes; a de prata, ao dos guerreiros; a de bronze, ao dos comerciantes; e a das trevas, à desordem e colapso da espiritualidade e das hierarquias sociais. As duas primeiras têm protagonistas guiados por ideais. As seguintes são a degeneração materialista.

O Tradicionalismo ganhou a seguir a contribuição do barão italiano Julius Evola, que acentuou a inclinação para o ideário de extrema direita fascista. Além de uma estratificação com a espiritualidade no topo e o materialismo na base, ele também pregava hierarquizações por raça. A branca ariana, claro, acima de todos —certo, Filipe Martins?

Pela cabeça dessa turma, estaríamos agora em plena degeneração materialista, que rompe a ordem e os valores tradicionais do espírito, franqueando poderes a mulheres, negros, gays etc. E na qual o sistema capitalista internacional, instituições globais de governança e comunismo asiático são a mesma coisa. Globalização e China? “Hope you guess my name”.

Essa concepção circular da história implica a rejeição da ideia moderna de progresso. Afinal, o caminho para superar as trevas é aprofundar a decadência, num processo de destruição que levará à renovação do ciclo.

Esse é o poço profundo de Araújo, que Teitelbaum, com razão, considera mais fiel ao Tradicionalismo do que Olavo. O ex-chanceler bolsonarista cita Guénon em textos, argumentos e bibliografia. O mestre é mais safo, digamos assim.

Entender a discussão sobre o Tradicionalismo e suas imbricações com a nova direita radical (a sempre atenta Patrícia Campos Mello, aliás, entrevistou o autor antes de mim) é importante para entender um pouco melhor que nem tudo é bizarrice reacionária aleatória. Tem também, mas sobretudo evidencia-se um compromisso fundamentalista com um projeto de destruição, condição necessária para o retorno do sonhado mundo ancestral dos sacerdotes e da espiritualidade comunitária sem frestas.

derrota de Araújo é um renovado fracasso do olavismo, apoiado por Eduardo e os demais filhos zeros do presidente, e do Tradicionalismo reempacotado pelo satânico Dr. Bannon e sua alt-right sinistra, já devidamente enxotada pelos eleitores americanos.