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domingo, 9 de janeiro de 2022

Dez anos atrás, dois livros sobre os 90 anos da Semana de Arte Moderna - Sergio Leo

 A Semana de 22, e além

Livros de Raul Bopp e do jornalista Marcos Augusto Gonçalves revivem a Semana de Arte Moderna

"Movimentos modernistas no Brasil (1922-1928)", de Raul Bopp

"1922: A semana que não terminou", de Marcos Augusto Gonçalves

Entre favores de poderosos, viagens instrutivas à Europa e saraus elegantes, pariu-se o modernismo brasileiro. Uma de suas erupções, a Antropofagia de Oswald de Andrade, foi concebida por amigos em torno de um prato de pernas de rã deglutidas com goles de Chablis gelado, num jantar ciceroneado pelo gordo provocador e sua mulher de então, Tarsila do Amaral. Das rãs a Hans Staden, Oswald começou falando delirantemente da evolução das espécies e terminou liderando um movimento de poucos desdobramentos práticos e muitas ideias fascinantes.

A importância dos batráquios na concepção do Movimento Antropofágico é contada em tons ligeiros por Raul Bopp, em um dos livros que, como rojões no Réveillon, pipocaram no começo deste ano, em comemoração aos noventa anos da Semana de Arte Moderna de 22, evento singular em que intelectuais se revoltaram contra os antigos modelos estéticos trazidos da Europa e defenderam, para o Brasil, novos modelos fortemente influenciados… pela Europa vanguardista — como nota Marcos Augusto Gonçalves em outro livro lançado neste ano, 1922: A semana que não terminou.

O livro de Gonçalves é um bom contraponto ao simpático livrinho de Bopp, editado pela José Olympio, Movimentos modernistas no Brasil (1922-1928)A semana… é jornalístico, mas detalhado, documentado e profundo o suficiente para contentar a qualquer acadêmico; Movimentos… é descosido, impreciso, impressionista, mas repleto de detalhes divertidos capazes de prender até quem nem tenha tanto interesse assim no modernismo brasileiro. É um exaustivo inventário de uma parte importante da intelligentsia brasileira, num momento chave de nossa formação cultural.

Bopp, participante do movimento, é um caso nada incomum de escritor que marcou lugar na literatura brasileira com apenas uma de suas obras. O épico Cobra Norato, poema mergulhado no sincretismo das lendas amazônicas e no projeto modernista de levar aos livros a fala brasileira, é sua contribuição à “luta para desafogar o ambiente dos canastrões, que ditavam as regras do bom gosto”. Seu livro sobre a Semana, publicado inicialmente em 1966, começa com o percurso dos movimentos de arte contemporâneos (dele), em um resumo fortemente influenciado pelas ideias do futurismo italiano (“a visão que o homem moderno forma … funde-se em valores dinâmicos”, “a arte moderna veio … seguindo os caminhos da máquina”). Futurismo seria, aliás, a palavra usada — e depois renegada — por Oswald de Andrade e colegas. Razoavelmente honesto, o resumo de Bopp derrapa ao falar do dadaísmo, “composto, em parte, de subartistas apátridas”, na visão míope do escritor. Mas cumpre a função de mostrar que, enquanto fervia a cena artística europeia, concentrada em Paris, o “velho conformismo” amarrava a expressão artística em formas que nada tinham a ver com a crescente metrópole industrial.

Os “futuristas” brasileiros vão recorrer, porém, não à incipiente burguesia industrial, mas ao velho baronato do café, na figura de Paulo Prado, de linhagem aristocrática (para padrões locais) e esclarecida. Um mecenas como até hoje faz falta no cenário da riqueza nacional. Marcos Augusto Gonçalves, um dos melhores jornalistas da Folha, relata em detalhes os saraus da turma quatrocentona paulista, que reuniram e alimentaram a rebeldia de 22, e documenta como o “terremoto” modernista foi uma “rumorosa acomodação de atritos e fissuras nos limites de um mesmo grande campo”.

O projeto modernista, vitorioso, afinal, teve como trilho o esforço da nova elite paulista para assegurar a própria valorização histórica e cimentar a hegemonia intelectual na República nascente, onde a política já mudava de mãos. O discurso hiperbólico dos “futuristas” corria sem atritos pelas estradas de uma São Paulo que, no centenário da Independência, promovia também o revisionismo histórico capaz de fazer dos bandeirantes o modelo de herói nacional.

Em Raul Bopp, a memória afetiva torna leves os detalhes pitorescos do agrupamento de intelectuais e porraloucas bem instruídos transformados pela Semana em pioneiros da verdadeira Virada Cultural paulista. Em Marcos Augusto Gonçalves, o que dá leveza ao pantagruélico esforço de digestão bibliográfica é o texto jornalístico, amoroso nas descrições e carinhoso com os personagens (cada figura de importância no movimento ganha pelo menos um capítulo, todos com poucas páginas).

Pelo texto colorido de detalhes, Gonçalves põe o leitor no Teatro Municipal, nos dias nervosos da Semana. O livro traz uma reprodução do catálogo da mostra e Gonçalves se desdobra em minudências nada cansativas sobre as cerca de cem obras de arte expostas para as distintas famílias e a patuleia que participou do ao evento. O esforço do pesquisador traz, para a história, personagens esquecidos, como Ferrignac, que teria sido autor de misteriosa obra dadaísta (Gonçalvez se pergunta se havia dadaísmo de fato, ou se o termo entrou na descrição para inglês ou paulista ver). O livro desencava depoimentos como o de Menotti Del Picchia revelando que algumas obras foram “besuntadas” às pressas para dar volume à mostra e protestar, assim, contra um “meloso e decrépito academicismo”. Com outros exemplos, como o de Yan de Almeida Prado, nota-se que nem todo modernista era militante da causa; alguns, como esquerdistas dos anos 80 em convescotes da Libelu, se achegaram ao grupo por causa das festas.

Nesse debruçar-se sobre os personagens está um dos segredos do encanto no livro de Gonçalves. Mário de Andrade é descrito com riqueza, após surgir, a princípio, como figurante na polêmica exposição de Anita Malfati desancada de maneira boçal por Monteiro Lobato, num momento infeliz do escritor iconoclasta — de credenciais irrepreensíveis quando se tratava de combater o academicismo bolorento na literatura. (Sempre lamento que as preferências de Lobato em pintura não sejam mencionadas nem por Gonçalves, nem pela maioria dos que citam o famosos artigo “Paranoia ou Mistificação”, com que o escritor avacalhou a semente expressionista trazida pela pintora ao cenário brasileiro. No artigo em que apedreja as “cubices” de Anita, Lobato, revelando sua falta de olho em matéria de arte, cita como artistas exemplares pintores hoje relegados à periferia da história, como o “mimoso poeta das manhãs” Paul Chabas e o “gênio rembrandtesco” Frank Brangwin, pintores chegados ao rococó e popularíssimos na época).

No livro de Gonçalves, aos poucos, com Mário, com Oswald de Andrade e outros responsáveis pelo movimento, as histórias pessoais se desenrolam e se misturam aos eventos que passam pela Semana de Arte Moderna e vão além. Gonçalves leva ao leitor as dúvidas do pesquisador, no emaranhado de versões que contam essa história. O autor fala das dúvidas sobre o folclórico chinelo com que Villa-Lobos teria regido a execução de suas obras (provavelmente um pé enfaixado, por ataque de gota); compartilha as indicações de que pode ter sido armação teatral o começo da brutal vaia lançada na segunda noite como saudação contra Oswald e Mário (a primeira noite do evento, até com aplausos, teria frustrado os modernistas que esperavam choque e espanto da burguesia local); corrige os que atribuem a Mário, como resposta aos apupos, a leitura da “Ode ao Burguês”.

Gonçalves conta como Mário, o tímido intelectual atemorizado pela plateia agressiva, resistiu, como descreveria depois, “enceguecido pelo entusiasmo dos outros”; e descreve polifonicamente a vaia a Oswald, de acordo com as diferentes visões do próprio Oswald e de testemunhas do embate. O gosto pelo detalhe e pela documentação nunca tem, em 1922: A semana que não terminou, o sabor rançoso que deixa a leitura de pesquisas burocráticas: são cenas vivas e personagens divertidos que compõem uma história difícil de largar. O autor consegue uma unidade no relato que falta ao livrinho de Bopp, também com histórias que conseguem ser pitorescas e exemplares, mas a meio caminho entre o depoimento e o ensaio. Há uma tentativa, em Bopp, de resumir e classificar as correntes “modernistas”, que tem o mérito de traçar movimentos em todo o país, não só em Sampa. Cecília Meireles e Murilo Mendes, por exemplo, são etiquetados como “espiritualistas”. Há trechos, felizmente curtos, com cheiro de relatório de mestre-escola.

Por Bopp e Gonçalves, fica claro que Menotti Del Pichia e Di Cavalcantitiveram atuação fundamental na Semana. Di foi quem deu partida à ideia, atestam os autores. Historinhas paralelas pontuam e recompensam a leitura. Fica-se sabendo, por Bopp, que o futurista Marinetti passou por São Paulo e mal foi notado; lemos justificativas para sua tese de que Brasília não vingaria porque tem o “mau olhado dos deuses”; e conhecemos as experiências jornalísticas do autor, como a interessante Agência Nacional, primeiro esforço de uma agência de notícias brasileira, que reuniu simpatizantes da Coluna Prestes e recebia livros até do integralista Plínio Salgado.

O mais interessante entre os relatos pessoais de Bopp, porém, é a narrativa sobre a criação e desenvolvimento do Movimento Antropofágico, que ele acompanhou sem engajar-se inteiramente, como cronista atento. O Clube da Antropofagia, na casa de Tarsila do Amaral, então mulher de Oswald, tinha “feição britânica”, com “criados de luva branca”. Lamentavelmente, para Bopp, a antropofagia não desenvolveu seus achados e teses, como a revisão da história do Brasil a partir de constatações como a de que o país é fruto de imensa grilagem; sem invasão de terras, o Tratado de Tordesilhas teria feito do Brasil um Chile oriental mais gordinho.

São os dois livros uma leitura sem arrependimentos e fonte de consulta permanente. O filão não é esgotado, mas especialmente o leitor do livro de Marcos Augusto Gonçalves descobrirá, se não estava interessado na Semana de Arte Moderna de 22, por que deveria se interessar. Quem sabe, a partir dos achados e recolhidos de Gonçalves, outros autores encontrem ganchos para explicar o ambiente literário nacional contemporâneo, que às vezes repete como farsa o gosto pelos saraus exclusivos da burguesia que se imagina ousada e aprecia chocar-se com o mau comportamento de seus escribas indisciplinados. Quem sabe, o detalhamento da Semana, com obras como essas duas, dê novas luzes para iluminar o percurso criativo do que chamamos cultura brasileira.

::: Movimentos modernistas no Brasil (1922-1928) ::: Raul Bopp :::
::: José Olympio2012182 páginas:::
::: compre na Livraria Cultura :::

::: 1922: A semana que não terminou::: Marcos Augusto Gonçalves :::
::: Companhia das Letras2012368 páginas :::
::: compre na Livraria Cultura :::

Sergio Leo

Repórter especial e colunista do Valor Econômico. Em 2009, seu livro de contos Mentiras do Rio ganhou o Prêmio Sesc de Literatura.

domingo, 4 de abril de 2021

Queda de Araújo é derrota de Olavo de Carvalho e de seita de Steve Bannon - Marcos Augusto Gonçalves

 Como um bando de idiotas, pretensamente tradicionalistas — mas adepto de uma destruição preliminar da ordem existente, como condição para reconstruir o seu munfo imaginado — levou o Brasil ao maior desastre já conhecido em sua história: um desgoverno de desconstrução e de inação em face de problemas reais.

Paulo Roberto de Almeida 

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Queda de Araújo é derrota de Olavo de Carvalho e de seita de Steve Bannon

Indicado por guru de Bolsonaro, chanceler pediu demissão sob forte pressão do Congresso

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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Editor da Ilustríssima e editorialista. Foi editor da Ilustrada, de Opinião e correspondente em Milão e em Nova York

[RESUMO] Demissão do chanceler Ernesto Araújo representa novo fracasso do ideólogo Olavo de Carvalho, que o indicou para o cargo, e do Tradicionalismo, escola filosófica que rejeita a concepção moderna de progresso e defende um projeto reacionário de destruição da ordem estabelecida.​

Em janeiro de 2019, logo após a posse de Jair Bolsonaro, um grupo de brasileiros foi recebido para um jantar na casa de Steve Bannon, em Washington.

A “townhouse”, com imagens ao estilo grego nas paredes e carpete azul com estrelas brancas, no segundo piso, onde os comensais se reuniram, era uma espécie de embaixada do campeão da alt-right, que liderou a campanha vitoriosa de Donald Trump à Casa Branca e foi seu estrategista-chefe no início do governo.

Entre os convidados estava Ernesto Araújo, diplomata pouco conhecido que se tornara subitamente ministro das Relações Exteriores de Bolsonaro, por indicação de Olavo de Carvalho, seu professor e espelho inspirador.

Ernesto Araújo (esq.), Olavo de Carvalho e o presidente Jair Bolsonaro durante encontro na embaixada do Brasil em Washington, em 2019 - Alan Santos - 17.mar.19/Presidência da República/AFP

Olavo era a grande atração da noite, inaugurada com palavras entusiasmadas pelo banqueiro Gerald Brant, meio americano, meio brasileiro.

Disse ele: “É um sonho que se torna realidade. Trump está na Casa Branca e Bolsonaro, em Brasília. E nós estamos em Washington: Bannon e Olavo de Carvalho face a face. Isso é um mundo novo, amigos!”.

Bem, o jantar, as conversas, as emoções e as lágrimas contidas de alguns, tudo é descrito em pormenores no livro “A Guerra pela Eternidade” (Editora da Unicamp), de Benjamin Teitelbaum, etnógrafo e pesquisador norte-americano especializado em movimentos radicais de direita, que estava lá naquela noite (em março, em visita aos EUA, o próprio presidente seria homenageado por Bannon e Olavo).

O projeto da obra, baseado em farta pesquisa e entrevistas, era identificar, entre ideólogos internacionais do populismo de ultradireita, a influência de uma espécie de filosofia ou seita ideológica denominada Tradicionalismo —assim mesmo, com maiúscula no T, para diferenciar do uso corrente do termo.

Essa escola espiritual e política manteve um grupo reduzido e eclético de seguidores ao longo dos últimos cem anos e terminou por se amalgamar com propostas nacionalistas autoritárias recentes.

O resultado, segundo Teitelbaum, foi a emergência de “um radicalismo ideológico raro e profundo”.

Entre os principais ideólogos influenciados pelo Tradicionalismo, ainda que com diferenças e reservas, figura o russo Aleksandr Dugin —além, claro, de Bannon e Olavo.

Parafraseando resumo que fiz nesta Ilustríssima, em resenha do livro, o patriarca do Tradicionalismo foi um francês convertido ao islamismo chamado René Guénon, morto em 1951, no Cairo.

Ele e seus seguidores acreditavam que existiu um dia uma religião —“a Tradição, o cerne, ou a Tradição perene”— que se perdeu, deixando apenas fragmentos dispersos em outras religiões. A linha mestra do pensamento de Guénon vem da crença do hinduísmo de que a história humana percorre um ciclo de quatro idades: a de ouro, a de prata, a de bronze e a sombria —que antecede o retorno ao primeiro e glorioso estágio.

A idade de ouro corresponde ao poder dos sacerdotes; a de prata, ao dos guerreiros; a de bronze, ao dos comerciantes; e a das trevas, à desordem e colapso da espiritualidade e das hierarquias sociais. As duas primeiras têm protagonistas guiados por ideais. As seguintes são a degeneração materialista.

O Tradicionalismo ganhou a seguir a contribuição do barão italiano Julius Evola, que acentuou a inclinação para o ideário de extrema direita fascista. Além de uma estratificação com a espiritualidade no topo e o materialismo na base, ele também pregava hierarquizações por raça. A branca ariana, claro, acima de todos —certo, Filipe Martins?

Pela cabeça dessa turma, estaríamos agora em plena degeneração materialista, que rompe a ordem e os valores tradicionais do espírito, franqueando poderes a mulheres, negros, gays etc. E na qual o sistema capitalista internacional, instituições globais de governança e comunismo asiático são a mesma coisa. Globalização e China? “Hope you guess my name”.

Essa concepção circular da história implica a rejeição da ideia moderna de progresso. Afinal, o caminho para superar as trevas é aprofundar a decadência, num processo de destruição que levará à renovação do ciclo.

Esse é o poço profundo de Araújo, que Teitelbaum, com razão, considera mais fiel ao Tradicionalismo do que Olavo. O ex-chanceler bolsonarista cita Guénon em textos, argumentos e bibliografia. O mestre é mais safo, digamos assim.

Entender a discussão sobre o Tradicionalismo e suas imbricações com a nova direita radical (a sempre atenta Patrícia Campos Mello, aliás, entrevistou o autor antes de mim) é importante para entender um pouco melhor que nem tudo é bizarrice reacionária aleatória. Tem também, mas sobretudo evidencia-se um compromisso fundamentalista com um projeto de destruição, condição necessária para o retorno do sonhado mundo ancestral dos sacerdotes e da espiritualidade comunitária sem frestas.

derrota de Araújo é um renovado fracasso do olavismo, apoiado por Eduardo e os demais filhos zeros do presidente, e do Tradicionalismo reempacotado pelo satânico Dr. Bannon e sua alt-right sinistra, já devidamente enxotada pelos eleitores americanos.