Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
Escrevo esse artigo enquanto o ex-ministro Eduardo Pazuello ainda depõe na CPI da Pandemia. Preciso dizer isso, porque no momento em que o leitor tiver nas mãos este texto, a notícia já será outra, quase nos fazendo esquecer que foi nesta semana que Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil, depôs.
Na última terça, Araújo, que até outro dia ocupava a cadeira por onde tinham passado Rio Branco, Oswaldo Aranha, Celso Amorim entre outros ilustres que tornaram a diplomacia brasileira mundialmente respeitada, mostrou para o país toda a miséria do governo de Jair Bolsonaro, para muito além de sua política externa. Deixando-se de lado o desastre do fato de que o ex-chanceler foi absolutamente incapaz de adquirir vacinas, que contribuiu para provocar sucessivas crises com a China, nosso principal parceiro comercial e mais importante fornecedor de insumos para a preparação do imunizante e que sequer foi capaz de agradecer ao governo venezuelano pelo envio de oxigênio para salvar vidas em Manaus, tudo sobejamente demonstrado na CPI, salta aos olhos toda a loucura terraplanista que esteve instalada no Itamaraty e alhures deste governo.
Dizer que Araújo é um terraplanista desvairado, um negacionista convicto e uma bússola que nos guiou para o caos, como pontou a senadora Kátia Abreu (PP-TO), é o mínimo diante do que assistimos e daquilo que se depreende pelo que este senhor escreve em seu blog chamado Metapolítica 17. Neste universo paralelo, não há espaço para razão, fatos ou evidências, pois campeia uma visão conspiracionista da realidade de onde derivam expressões como “comunavírus”, “globalismo”, “covidismo” entre outros termos apropriados para tanger o gado fanatizado.
Como arauto do pedantismo bacharelesco, que acredita que o mundo foi tomado por uma conspiração comunista que envolve a grande mídia, o “narco-socialismo”, o “climatismo” o “racialismo”, o “abortismo”, a “ideologia de gênero” entre outras fantasias, Araújo imagina-se desempenhando um papel heroico e corajoso frente à conspiração globalista universal que usa a OMS para seus fins. Tornamo-nos “párias do mundo”, mas não apenas pelo que fizemos, mas também pela galhofa que provocamos no plano internacional.
Não surpreende que o Brasil esteja passando pela sua maior tragédia sanitária, cuja antessala é essa miséria moral e intelectual que nos governa. Contudo, como diz Adorno, “não se deve subestimar esses movimentos devido a seu baixo nível intelectual e devido à sua ausência de teoria”. Araújo não é apenas um dos alunos do astrólogo Olavo de Carvalho, é também um dos prestidigitadores de um governo que ainda move hordas de fanáticos e parasitas que ariscam tornar a invasão do Capitólio brincadeira de criança. Estejamos preparados.
Carlos Zacarias é doutor em História e pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades (CRH) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde leciona desde 2010. Entre 1994 e 2010 foi professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), onde dirigiu a Associação Docente (ADUNEB) entre 2000 e 2002 e entre 2007 e 2009. Colunista do jornal A Tarde de Salvador, para o qual escreve artigos desde 2006, escreve às quintas-feiras, quinzenalmente, sobre temas de história e política para o Esquerda OnLine. É autor de Os impasses da estratégia: os comunistas, o antifascismo e a revolução burguesa no Brasil (1936-1948) (São Paulo, Annablume, 2009) e no ano passado publicou De tédio não morreremos: escritos pela esquerda (Salvador, Quarteto, 2016) e ainda organizou Capítulos de história dos comunistas no Brasil (Salvador, Edufba, 2016). É membro da Secretaria de Redação da Revista Outubro e do Conselho Editorial das revistas Crítica Marxista, História & Luta de Classes, Germinal, entre outras.
Foram muitos os episódios da política brasileira em que o
diplomata, jurista e historiador Rubens Ricupero, 80, foi testemunha e
ator participativo. Desde a implantação do Plano Real, como substituto
de Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda, do governo Itamar
Franco (1992-1994), até a negativa repercussão no “escândalo da
parabólica”, no ano de 1994, resultado de uma transmissão televisiva
vazada. O episódio foi lembrado recentemente numa nota emitida pelo
Planalto Nacional, em reação a uma aspa de Ricupero: “Ninguém quer sair
na foto com o Brasil”. A frase vem no contexto de lançamento do seu novo
livro A Diplomacia na Construção do Brasil: 1750-2016,
recém-lançado pela Versal Editores. Com mais de 55 anos de carreira
dedicados à trajetória diplomática, além de atuação como embaixador do
Brasil nas Nações Unidas e como ministro do Meio Ambiente e Amazônia
Legal, Ricupero apresenta uma pesquisa que lhe demandou imersão de cinco
anos em arquivos brasileiros e internacionais que ainda não tinham
vindo a público. Traz detalhes, por exemplo, sobre os avisos dados pelo
governo norte-americano ao presidente João Goulart a respeito de
“posições antiamericanas”, oferecendo suporte favorável aos militares
para a execução do golpe em 1964. Na passagem por Salvador, onde
palestrou no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da
Ufba, na Associação Comercial, Ricupero conversou com Muito sobre a história do Brasil e sua articulação com a diplomacia internacional.
O senhor diria que o seu novo livro – A Diplomacia na Construção do Brasil: 1750-2016 – é, de algum modo, inaugural?
Eu acho que essa é uma palavra correta, que não tinha me ocorrido,
sabe? É um livro realmente inaugural porque ele preenche um vazio. Não
havia até hoje uma abordagem sobre a história do Brasil que mostrasse a
relação do país com o mundo, e o impacto dos acontecimentos
internacionais na nossa sociedade. No livro, isso é pensado de uma
maneira integrada com a vida interna, com a política e a economia. No
passado, havia uma ou outra pequena história diplomática, mas todos eram
livros muito antigos, de 80, 90 anos atrás. Muito breves, quase todos
concentrados na época colonial e abstraíam por completo da vida política
e econômica interna. É como se tudo acontecesse num abstrato, num
vácuo. Um país qualquer. Aliás, de um modo geral eram livros muito
enfadonhos. Eles se restringiam a falar apenas de limites geográficos,
montanhas, rios. Era uma relação de nomes, datas, tratados. Não havia
palpitação de vida. As histórias gerais do Brasil dão pouca atenção e
espaço aos acontecimentos internacionais. No máximo, um parágrafo, uma
nota ao pé da página. É sempre alguma coisa menor. Procurei fundir as
duas coisas: apresentar a história do Brasil e a história internacional
integradas.
Quais acontecimentos históricos, na opinião do senhor,
deixam clara a implicação de fatos históricos no Brasil com o ambiente
internacional?
A independência e a abertura dos portos, que inclusive ocorreu aqui
em Salvador, são episódios que reverberam o que estava acontecendo na
Europa: a Revolução Francesa, o fim do Antigo Regime, as Guerras
Napoleônicas, a Invasão de Portugal pelas tropas francesas. Então, não
se pode separar uma coisa da outra. No Brasil, já havia descontentamento
com o sistema colonial, e que vinha de longe com a Inconfidência
Mineira e a Revolta dos Alfaiates. Mas nada disso prosperou porque não
havia condições internacionais.
Quando o cenário internacional começou a influenciar a história do Brasil?
Esse cenário começa a mudar quando acontece a convulsão que resulta
no encerramento do Antigo Regime Europeu, na Revolução Americana, na
Revolução Industrial Inglesa. No livro, procuro mostrar que muitos
episódios históricos brasileiros, supostamente apenas internos, na
verdade são internacionais. Eles são a repercussão, no Brasil, do que
acontecia do lado de fora do nosso país.
Esses embates interferem na ideia que outros países fazem hoje do Brasil?
As relações internacionais, a política externa, contribuíram muito
para criar a imagem que o brasileiro faz de si próprio, e também na
imagem de Brasil, nos valores do país. O general Charles de Gaulle
costumava dizer que a França não seria a França sem uma certa ideia de
grandeza. Mas era a ligação com a glória militar. Lá fora, representamos
a imagem de um país pacífico, que não está em guerra com os vizinhos.
Estamos prestes a completar 150 anos ininterruptos de paz com os dez
países que temos fronteiras, tão distintos como Argentina e Suriname,
Guiana e Uruguai. A última guerra bilateral em que o Brasil esteve foi a
Guerra do Paraguai, que acabou em 1870. Isso é muito raro. Os países
que se comparam a nós, como Rússia, China e Índia, viveram sempre em
conflito.
O senhor considera esse fato – de não entrarmos em conflito
com nossos vizinhos, ao contrário de outros países – como um traço
marcante da nossa trajetória política internacional?
É um traço, mas não porque somos melhores do que os outros. Não quero
dizer isso. Apenas tivemos a sorte de construir um país numa área de,
relativamente, pequena incidência de conflitos. Além do mais, um aspecto
muito importante a realçar é que o Brasil, desde cedo, foi herdeiro da
tradição portuguesa. Portugal sempre foi um país fraco, diminuto,
dependente da diplomacia para evitar ser engolido pela Espanha, que de
1500 até 1640 era a nação mais poderosa do mundo. Quando Portugal se
torna independente dos 60 anos de dominação espanhola, se defendeu como?
Não pela força própria, já que não tinha. Mas, sim, pela aliança com a
Inglaterra, isto é, pela diplomacia. Essa é a aliança mais antiga do
mundo e nunca foi interrompida: desde 1280, atravessando a Segunda
Guerra Mundial. Isso é interessante para mostrar que a diplomacia, a
política externa, é a arma daqueles que não têm armas, exército.
De que modo o Brasil incorporou essa postura portuguesa nas estratégias diplomáticas?
O país segue com essa particularidade: se não fosse a diplomacia,
teríamos menos de um terço do território atual, não seríamos membro dos
Brics [grupo político de cooperação formado por Brasil, Rússia, Índia,
China e África do Sul] nem teríamos a pujança do agronegócio. Dos dez
municípios de maior produção de soja, carnes e milho no Brasil, os que
fazem a exportação do agronegócio, oito estão localizados no Mato
Grosso. Eles, hoje, poderiam ser território do Peru, Colômbia ou
Bolívia. Não ganhamos isso pelo exército, porque sempre fomos um país
militarmente fraco. Nunca houve um exército poderoso. O Brasil ganhou
isso através da arma da diplomacia, negociação, perseverança, aquilo que
eu chamo no meu livro de “diplomacia do conhecimento”, aquela que se
baseia no estudo, nos argumentos cartográficos, nos mapas, nos
documentos que, hoje, as pessoas esqueceram.
Historicamente, nas tomadas de posição internacional do
Brasil, as ideologias partidárias chegaram a influenciar rumos da
política externa?
De maneira geral, a nossa política externa tomou bastante cuidado com
ideologias e modismos passageiros. Houve um momento ou outro de
influência, mas a nossa tradição histórica nunca foi de paixão
ideológica. Veja a Proclamação da República no Brasil: o movimento não
teve, nem de longe, a violência da França, por exemplo. A família
imperial foi tratada corretamente, não eram muitos monarquistas. A
ideia-base que sempre tivemos no Brasil é que o diplomata, assim como um
militar, serve a um Estado, quer dizer, a encarnação do país, e não
serve a um governo. Não há nada condenável em servir a um governo ou a
um partido, mas isso é uma maioria eventual, que pode mudar. O diplomata
ou militar tem que ter em mente a permanência do país. Em momentos mais
recentes, por exemplo, houve um certo afastamento disso, sobretudo
durante a época da diplomacia do governo Lula em relação à América
Latina. Mas isso não é uma tradição nossa. Em geral, nós procuramos
promover as melhores relações com os nossos vizinhos, mas sem
misturar-se à política interna dos outros. Lula tinha um entendimento
diferente, inclusive participando de comícios do Evo Morales [presidente
da Bolívia]. A visão dele é de um homem de partido, por conta da
questão de fraternidade. Mas é perigoso porque o país acaba se
amarrando.
O apoio dado pelo governo americano ao golpe militar de 1964,
por exemplo, que é mencionado pelo senhor no livro, deixa claro como a
história interna depende dos interesses externos.
Nessa época, eu era diplomata em início de carreira em Brasília,
havia muito poucos na cidade porque o Itamaraty ficou no Rio de Janeiro.
Por acaso, recebi a comitiva americana que chegou na véspera do Natal
de 1962, quando o presidente John Kennedy mandou o irmão dele, Robert
Kennedy, vir ao Brasil para dar um ultimato a João Goulart: os
americanos queriam que o Brasil escolhesse entre Cuba e Estados Unidos.
Ou fazíamos isso ou então eles iam negar a ajuda econômica que o Brasil
estava pleiteando. Quando Hermes Lima, então primeiro-ministro e
chanceler, me telefonou já eram altas horas da noite. Ele me incumbiu de
recebê-los na base área militar em nome do governo brasileiro. Na
manhã, por volta das 11h, Robert Kennedy foi recebido por João Goulart
no Palácio da Alvorada. Eu não entrei naquela reunião, fiquei do lado de
fora. Aliás, os únicos a participar foram Goulart, Kennedy, o
embaixador americano Lincoln Gordon e um intérprete americano. Foi uma
conversa duríssima, complicada, com ameaças e momentos de quase ruptura,
mas ninguém tinha uma ideia clara do que tinha acontecido. Nos
levantamentos para o livro, descobri que, 50 anos depois, os americanos
haviam finalmente liberado um documento que era um relato de 17 páginas,
quase palavra por palavra, feito pelo embaixador americano. Já era o
“beijo da morte”. A partir desse encontro, os americanos encorajaram
cada vez mais a conspiração militar. Inclusive prometendo aos militares
que, se o golpe não desse certo, eles receberiam apoio dos Estados
Unidos.
Mas houve realmente uma interferência dos Estados Unidos em relação aos movimentos das Forças Armadas brasileiras?
No final, não foi necessário. O governo caiu como um castelo de
cartas. Mas os Estados Unidos já tinham montado uma operação, numa
força-tarefa marítima, planejando a chegada de navios pela Baía de
Guanabara, trazendo armas, munições e abastecimento de combustível para
apoiar na repressão dos rebeldes, caso houvesse uma guerra civil. No dia
do golpe militar, há um telegrama do embaixador americano que dizia:
“Está 95% terminado, Castelo [Branco] me disse que já tomou o Rio de
Janeiro e não precisa da nossa ajuda”. É assim, literal. Você vê que,
com todas as letras, se precisasse, eles iriam ajudar.
O presidente John Kennedy acompanhava de perto os rumos do golpe?
Durante a minha pesquisa, eu descobri algo que divulgo pela primeira
vez num livro nacional: a primeira conversa gravada do presidente John
Kennedy, no famoso Salão Oval da Casa Branca, é sobre o Brasil. Ele e o
embaixador americano decidem mandar o coronel Vernon Walters para cá.
Esse homem era um americano que, durante a Segunda Guerra Mundial, atuou
como oficial de ligação com Castelo Branco, então integrante do
Estado-Maior e o primeiro presidente do governo militar. Walters é
enviado para retomar o contato e preparar a conspiração. Essa conversa,
que ninguém sequer sabia que existia, aconteceu no dia 30 de julho de
1962.
Recentemente, manchetes de jornais e capas de revistas trazem
notícias sobre escândalos de corrupção, crise econômica e política,
numa abordagem diferente da famosa capa na revista The Economist, em
2009, onde o Cristo Redentor aparecia decolando como um foguete. Qual
imagem o Brasil tem, hoje em dia, no âmbito internacional?
Isso me permite retomar aquilo que considero como a mensagem
principal deste novo livro. Não se pode separar a diplomacia da
política interna e da economia. Um país, para conseguir ganhar
projeção no mundo, precisa estar bem: ter uma situação política
democrática, respeitar os direitos humanos, ter prosperidade econômica,
combater a desigualdade e a pobreza. Quando um país não tem nada disso,
quando a imagem que se tem é negativa, falta aquele elemento fundamental
da diplomacia: o prestígio, que é chamado de o poder suave. O poder
duro é o das armas, da coação econômica, aquele que o Brasil não tem. O
poder brando, do exemplo, é aquele que vem do prestígio, do fato de
que as coisas dão certo. Por exemplo, o Brasil no fim do governo Lula,
por volta de 2009, 2010, possuía um grande prestígio. Era o país dessas
capas de revista. Aquilo era falso? Não, já que na época o país ia bem.
Aquilo, na verdade, não era sustentável, porque, a partir de um certo
momento, passou-se a gastar muito mais do que o país podia. Quando a
arrecadação caiu, a crise começou a morder. Mas, ao invés de o governo
reduzir, ele continuou gastando. Aquilo não era uma mentira. Seria um
erro dizer que a percepção que o mundo tinha era falsa. Só não
trabalhamos o bastante para torná-la sustentável ao longo do tempo. É
esse o desafio agora.
Qual lição fica, sobre relações diplomáticas e conflitos
internacionais, no caso do reconhecimento de Jerusalém como capital de
Israel pelo governo de Donald Trump?
Isso expressa o erro colossal de um país que, agora, insiste em tomar
medidas unilaterais. É o contrário do que deve ser a diplomacia. A base
da paz no mundo é uma evolução por meio de acordos. O Estatuto de
Jerusalém, por exemplo, deve ser proposto na base da negociação entre os
palestinos e os israelenses. Os Estados Unidos não têm nenhuma
atribuição para posicionamento em relação a isso, isso cabe à
Organização das Nações Unidas (ONU). Diplomacia é ouvir os outros, é
respeitar os outros na base do consenso, da convergência. Nunca da
força. Quando as armas começam a falar, esse é o fracasso da
diplomacia.