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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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domingo, 10 de março de 2024

Onde andará o chanceler acidental dos primeiros dois anos do governo Bolsonaro? - Paulo Roberto de Almeida

 4599. “Onde andará o chanceler acidental dos primeiros dois anos do governo Bolsonaro?”, Brasília, 10 março 2024, 2+8 p. Retomada do trabalho n. 3750, de 9 de setembro de 2020, em postagem no blog Diplomatizzando, efetuada ainda na gestão Ernesto Araújo no Itamaraty, relembrando os absurdos vividos no Brasil na época da “franja lunática”, como os caracterizou o embaixador Rubens Ricupero. 

Onde andará o chanceler acidental dos primeiros dois anos do governo Bolsonaro?

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Retomada do trabalho n. 3750, de 9 de setembro de 2020, em postagem no blog Diplomatizzando, efetuada ainda na gestão Ernesto Araújo no Itamaraty, relembrando os absurdos vividos no Brasil na época da “franja lunática”, como os caracterizou o embaixador Rubens Ricupero.

 

Com as investigações em curso sobre a tentativa de golpe contra o governo eleito em outubro de 2022, tivemos a surpresa de ver o então assessor especial para assuntos internacionais na primeira fase do governo Bolsonaro, autor presumido de uma das minutas golpistas entregues ao presidente ainda antes das eleições, Felipe Martins, preso pela Polícia Federal durante pouco menos de um mês. Por ocasião de sua prisão, efetuei pequena postagem dizendo que o ex-subordinado de Felipe Martins, chanceler acidental de Bolsonaro, diplomata Ernesto Araújo, havia tido sorte, pelo fato de a então senadora Kátia Abreu o ter expelido do governo em março de 2021, e de assim ter possivelmente escapado do mesmo infausto destino do “chanceler paralelo” (stricto e lato sensi). 

Muita gente tende a esquecer o que foram aqueles anos, de loucuras inéditas na política externa brasileira, e de arroubos na política interna, potencializando uma divisão do país que tinha começado lá atrás, antes e durante os governos petistas no Brasil. Continuamos divididos, pois isso corresponde aos interesses de cada um desses dois extremos ideológicos, um supostamente à esquerda – mas com muitos amigos de direita, apenas por serem, como eles, antiamericanos confirmados –, o outro supostamente à direita, mas estupidamente à extrema-direita, ambos reacionários na prática. 

Permito-me retomar aqui, uma das últimas postagens que fiz na gestão do infeliz e patético chanceler acidental, antes que ele fosse defenestrado, após o que ele desativou seu famoso blog “Metapolítica 17: contra o globalismo”, do qual arquivei praticamente todas as postagens, antes que presumivelmente desaparecessem, com a saída do tresloucado diplomata. Ela tem a ver com as recomendações para os diplomatas para as eleições daquele ano, 2020, municipais, como agora, como se o próprio personagem, ainda antes de se tornar diplomata acidental, não tivesse infringido todas e cada uma das normas prescritas aos funcionários. Ele o fez de forma clandestina, antes de ser denunciado, e a partir daí de forma aberta, uma vez garantido o cargo prometido, por ter sido um dos mais aguerridos cruzados da causa bolsonarista. Acompanhei toda a trajetória do desequilibrado colega diplomata, o que pode ser ainda hoje revisitado pelos diversos livros digitais que elaborei durante esses anos desafiadores para os diplomatas profissionais, e para todos os cidadãos democratas.


(...)


Ler a íntegra nesta postagem na plataforma Academia.edu: 

https://www.academia.edu/116052112/4599_Onde_andar%C3%A1_o_chanceler_acidental_dos_primeiros_dois_anos_do_governo_Bolsonaro


sábado, 29 de julho de 2023

Em 2019, um seminário ridículo sobre o globalismo presidido pelo chanceler acidental no Itamaraty - Vídeo sobre a miséria da diplomacia (2019)

 Quando a gente lembra o que ocorreu no Itamaraty, mais de quatro anos atrás, até março de 2021, fica difícil acreditar que os diplomatas foram expostos a esse nível de ridicularia. O chanceler acidental iniciando um seminário falando de Nietszche, da irmã de Nietszche, de Karl Marx e outras figuras da cultura universal, tudo isso para convencer os diplomatas dos perigos do globalismo.

Como foi possível descer tão baixo no ridículo grotesco?

Nessa mesma época, eu dava início ao primeiro livro do ciclo de cinco obras sobre o bolsolavismo diplomático, que pode ser lido livremente a partir deste link: 

Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty, Boa Vista: Editora da UFRR, 2019, 165 p; disponível nestes links:

 https://docs.wixstatic.com/ugd/6e2800_3e88aadf851b4b2ba4b54c6707fd9086.pdf

https://www.researchgate.net/publication/334450922_Miseria_da_diplomacia_a_destruicao_da_Inteligencia_no_Itamaraty_2019

Aqui o anúncio do seminário e sua abertura pelo ridículo chanceler acidental:  

https://www.youtube.com/watch?v=pPzwpAK-llA

Por favor, não riam do confuso chanceler acidental e sua confusa abertura de um seminário sobre o globalismo. Ele já era um homem torturado pelas dúvidas existenciais e pelo peso do cargo.


quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Onde andará? (Canta o poeta compositor) - Paulo Roberto de Almeida

 “Onde andará?” aquele genial frasista do “comunavirus”, segundo uma estrofe de Chico Buarque, o compositor preferido dos bolsonaristas-raiz (alguns desenraizados precocemente): 

Paulo Roberto de Almeida

Numa de suas últimas postagens, antes das invasões e depredações do dia 8/01, o patético ex-chanceler acidental (o primeiro do desgoverno Bozo) dizia preferir o caos à “ordem comunista” do governo eleito e empossado. 

Deve estar completamente satisfeito agora, com o caos realizado pelos seus antigos companheiros de jornada e de militância bolsonarista extremada.

EA, o símbolo diplomático da Era dos Absurdos, acompanha os acontecimentos de longe, no conforto invernal de Hartford, CT-USA, doravante como apêndice de sua “conja”, ainda ativa no Serviço Exterior que ele se esforçou para desmantelar, enquanto conspurcou a Casa de Rio Branco.

Onde andarão seus pensamentos vagos, num momento em que as trapalhadas do bolsonarismo-raiz acabam de reforçar, paradoxal e extraordinariamente, a “ditadura da esquerdalha comunista”?

EA estaria preparando um novo romance, distópico, como os dois anteriores, ilisíveis, segundo um jornalista que os resenhou?

Já telefonou para uma simples saudação cordial ao seu ex-chefe, temporariamente “refugiado” num condomínio em Orlando?

Reativou seus contatos com Steve Bannon, o estrategista-chefe do trumpismo ascendente?

E aquela sua brilhante ideia de estabelecer uma nova Santa Aliança entre as três grandes nações cristãs do planeta, o Brasil católico, a América protestante e a Rússia ortodoxa? Não valeria um novo ensaio de história das ideias (malucas?), a exemplo daquele que o fez ascender no cenáculo intelequitual do olavismo triunfante, que tratava Trump como o “salvador do Ocidente”?

Quando termina sua LIP (licença para trato de assuntos particulares) no Serviço Exterior brasileiro? 

O Gabinete do atual chanceler manteve a sua foto na galeria dos ministros das relações exteriores, agora bicentenário, começando por José Bonifácio?

Onde andará?, cantaria Chico Buarque?


Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 12/01/2023


quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Triste fim de Policarpo Araujo; finalmente na lata de lixo de uma fase que se encerra na patetice - Paulo Roberto de Almeida, Ereto da Brocha

 Agora que chega ao fim, do modo mais patético possível, o desgoverno do boçal que afundou a imagem do Brasil no mundo, cabe retomar um aspecto da luta de resistência levada a cabo por um desconhecido diplomata que trouxe um pouco de graça (mas também de desespero) ao período mais sombrio do Itamaraty, sob a gestão do desequilibrado chanceler acidental, que ajudou o boçal a desmantelar a autoestima dos diplomatas. Esse desconhecido atendia pelo nome de Ereto da Brocha, e dele não procurei saber mais do que as crônicas publicadas quase que clandestinamente, e artesanalmente, circulando como os samizdats da época dos dissidentes na finada União Soviética. 

Ajudei quanto pude na divulgação, de que são testemunho os trabalhos que introduziram e fecharam a brochura que eu produzi para uma publicação consolidada, como revelada por estas três fichas sequenciais de trabalhos:

3939. “Introdução às crônicas do diplomata anônimo”, Brasília, 29 junho 2021, 4 p. Prólogo à brochura de Ereto da Brocha, Memorial do Sanatório, ou Ernesto e seus dragões no país de Bolsonaro (Brasília: Ombudsman, 2022, 91 p.). 

3940. “Um cronista misterioso animou a resistência no Itamaraty”, Brasília, 29 junho 2021, 3 p. Epílogo à brochura de Ereto da Brocha, Memorial do Sanatório, ou Ernesto e seus dragões no país de Bolsonaro (Brasília: Ombudsman, 2021, 91 p.). 

3941. Ereto da Brocha, Memorial do Sanatório, ou Ernesto e seus dragões no país de Bolsonaro (Brasília: Ombudsman, 2021, 91 p.). Brochura montada com 58 crônicas do cronista misterioso do Itamaraty, mais meus trabalhos 3939 (Introdução) e 3940 (Epílogo). Publicado digitalmente, disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/71720946/Memorial_do_Sanatorio_Ereto_da_Brocha_Ombudsman_do_Itamaraty_2021_). Relação de Publicados n. 1401bis.


Ereto da Brocha permanece, talvez para sempre, desconhecido, e não me preocupei em desvendar sua verdadeira identidade, e sim em reproduzir suas crônicas desabusadas. Agora que o objeto principal de suas zombarias parece soçobrar num desequilíbrio mental evidente, permito-me reproduzir minha Introdução e o  meu Posfácio que preparei especialmente para a brochura que editei para divulgação do material representativo de uma época pouco memorável. A brochura encontra-se disponível no link acima (trabalho 3941). 


Introdução às crônicas do diplomata anônimo

 

Paulo Roberto de Almeida

 

Aproximadamente em meados de agosto de 2020, e para minha completa surpresa, fui apresentado com certo ar de mistério, e uma defasagem temporal de três meses, a uma dúzia de crônicas desabusadas sobre nosso desprezível chanceler acidental e sua obra destruidora no Itamaraty, deprimente para o seu corpo profissional. Até então, eu me julgava o único dos diplomatas da ativa que ousava criticar, e destratar, aquele que eu sempre chamei de “chanceler acidental”, não só pelo fato do patético chefinho da majestosa Casa de Rio Branco ser uma espécie de servo de gleba, retirado do bolso do colete para servir de capacho voluntário dos novos donos do poder em Brasília, mas também por que o próprio fazia questão de sublinhar sua beata devoção aos ignaros que começaram a conspurcar não só a política externa brasileira, mas também sua diplomacia profissional. O submisso burocrata não só confirmava, a cada vez, sua total sujeição ao bando de novos bárbaros que passaram a rebaixar, terrivelmente, o status do Brasil no plano internacional, como fazia questão, ele mesmo, de expor toda a sua cretinice por meio de postagens estapafúrdias num blog tresloucado, alucinado e alucinante, chamado “Metapolítica 17: contra o globalismo”. 

Eu já tinha publicado em meados do ano anterior, três meses depois de minha exoneração do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais da Fundação Alexandre de Gusmão, numa segunda-feira de Carnaval, um primeiro livro sintomaticamente chamado Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty, que expressava exatamente a minha opinião – fundamentada exatamente nas loucuras que li, vi e ouvi, saídas da boca balbuciante do patético chanceler acidental –, mas que imaginava que seria o único registro de meu horror ante o espetáculo grotesco que o desequilibrado personagem representava em desfavor de nossa diplomacia cada vez que decidia gaguejar em defesa do antiglobalismo de seus amos e patrões. Mal eu imaginava que aquele seria o primeiro de um ciclo tratando do que apelidei de bolsolavismo diplomático, uma série de quatro brochuras de autor – todas disponíveis em minhas ferramentas de comunicação social – com os sugestivos títulos de: O Itamaraty num labirinto de sombrasUma certa ideia do Itamaraty e O Itamaraty Sequestrado (ver no meu blog Diplomatizzando).

Estava eu, portanto, entregue às minhas exegeses acadêmicas sobre o fenômeno mais bizarro que já tinha acontecido nos duzentos anos de história de nossa política externa, quando me deparei – remetidos por interposto colega – com a primeira dúzia de petardos entre o humor e o escárnio, que vinham assinados por esse nome também bizarro de Ereto da Brocha, autonomeado Ombudsman do Itamaraty. Nunca fui um apreciador desse nom de plume – tanto que o chamava de Cronista Misterioso ou de Batman do Itamaraty –, mas encantei-me imediatamente com a verve saborosa, picante e escrachada, do colega obscuro que sabia, com muito maior impacto que tinham minhas críticas pretensamente intelectuais, zombar do infeliz mequetrefe que insistia em diminuir o prestígio do Itamaraty dentro e fora do Brasil.

Desde Aristófanes que a melhor crítica aos demagogos, aos populistas ignorantes, mas donos do poder, é aquela representada pela crítica mordaz das sátiras, dos enredos absurdos, das descrições humorísticas, que destroem toda a pompa vazia desses chefetes ridículos e seus criados amestrados, como era o caso daquele que pode ser classificado como o pior chanceler da história da diplomacia brasileira. Perdão: corrijo-me. Falar em “pior” pode dar a impressão de que tivemos alguns menos ruins do que o sabujo que desgraçou o Itamaraty durante toda a sua desastrosa gestão de dois anos e três meses. Não, isso é impossível: o infeliz chanceler acidental não tem quem lhe possa ser, de perto ou de longe comparado; ele foi um desvio-padrão absoluto na história de nossa chancelaria, nunca teve precedentes e (espera-se) não terá sucedâneos no futuro previsível de nossa instituição. Ele merece todo o desprezo que lhe devotam, pelos meus cálculos, 99,9% do corpo funcional do Itamaraty, tendo sido apenas seguido de modo muito envergonhado pelos oportunistas sacripantas que o seguiram mais por obrigação do que por convicção.

De fato, é praticamente impossível imaginar quem poderia apreciar tão ridículo personagem, aqui “imortalizado” nestas crônicas entre o amargo e o histriônico, entre o risível e o desprezível, entre a troça e a desgraça, em torno do serviçal caninamente fiel aos ineptos que mandavam e desmandavam no visivelmente desequilibrado funcionário. O cronista misterioso do Itamaraty foi muito mais feliz, e eficiente, do que eu fui, com minhas análises supostamente sérias sobre o que foi, de fato, uma experiência grotesca, burlesca, deplorável, na trajetória de uma Casa tida por séria e respeitada. O Itamaraty, sob o tacão dos novos bárbaros e do seu capataz submisso, tornou-se o objeto das troças das chancelarias vizinhas, dos nossos amigos europeus, e até dos americanos que não rezavam pelo credo trumpista que também infernizou a vida dos colegas do Departamento de Estado. Fomos, durante mais de dois anos, o alvo das zombarias de toda a imprensa nacional e internacional, e das lamúrias dos profissionais da diplomacia que não encontravam vazão para expressar o seu horror pelo circo dos novos bárbaros.

Através das crônicas semanais do Cronista Misterioso – insisto no apelativo, pois que até hoje não se conhece a identidade do nosso vingativo Lone Ranger, e eu mesmo nunca fiz questão de inquirir meu intermediário – a Casa toda se sentiu vingada, pois que cada novo petardo circulava febrilmente nas redes restritas de grupos de diplomatas conectados por relações de amizade e de confiança. A mim, essa crônicas sempre chegaram com certo atraso temporal – dificultando, aliás, o estabelecimento de uma cronologia correta, pois elas eram apenas identificadas pela numeração serial de cada semana, não por uma data do calendário –, mas a cada vez transcrevia cada uma em meu blog Diplomatizzando, com pequenas notas introdutórias para contextualizar o seu teor para eventuais leitores “paisanos” – aqueles não pertencentes à carreira – e depois tratava de reunir o conjunto recebido num determinado período, colocando a brochura à disposição dos interessados. 

Ao longo do ano que quase transcorreu desde que tomei conhecimento destas crônicas desabusadas, compus algumas brochuras improvisadas, em sucessivas edições que responderam a títulos como estes: Crônicas do Itamaraty bolsolavistaUm ornitorrinco no Itamaraty O Brasil virou um pária internacional? (cujo autor era legendado como “um diplomata desconhecido” ou “o cronista misterioso do Itamaraty”). A série fez tanto sucesso, mesmo entre o público externo, que a Associação dos Funcionários do Ipea (Afipea) preparou sua própria brochura, recolhendo as 40 primeiras crônicas então disponíveis, acompanhadas de minhas notas introdutórias e respectivos prefácios, colocando o conjunto à disposição de todos em seu site, sob o título de Crônicas Tragicômicas de um Diplomata Resistente, por Ereto da Brocha, Ombudsman (disponível neste link: https://afipeasindical.org.br/content/uploads/2021/03/Pilulas_de_Bom_Senso_Caderno_06.pdf).

Eu estava me preparando para compor uma edição definitiva das crônicas, uma espécie de Gesamtkunstwerke, para honrar o trabalho do nosso cronista misterioso, quando tive a ideia de oferecer ao Batman, via meu colega intermediário, a chance dele mesmo assinar uma brochura, coroando sua obra enfim concluída, logo após a demissão do infeliz e patético objeto de seus petardos bem assestados contra a gestão certamente a tresloucada em quase duzentos anos de história. Tendo ele aceito a ideia, propus que ele fizesse o prefácio, cabendo-me, pelo esforço de organização, uma introdução sintética com o único fito de contar um pouco esta historieta inédita nos anais do Itamaraty. Ela o é, há mais de um título, pois nunca antes nessa trajetória bissecular tínhamos enfrentado um tão patético personagem de desventuras temporárias, mas certamente marcantes em termos de ridículo e horror. Agora que a agonia passou, o ex-chanceler acidental deveria desaparecer em escaninhos obscuros da galeria dos ex-chanceleres, um seleto clube no qual ele nunca deveria ter sido normalmente chamado a integrar. 

Os comentários mordazes, inteligentes e divertidos do Cronista Misterioso – alguns deles amargos, ao contemplar o espetáculo histriônico que nos oferecia quase todos os dias o farsante que servia caninamente a um bando de palhaços – já integram a história “secreta” do Itamaraty, independentemente de que venhamos a descobrir, ou não, a identidade de seu autor, o que é menos importante do que a obra de resistência que ele conduziu solitariamente, e clandestinamente, durante um ano inteiro. Se ouso me associar ao esforço, mais como editor e comentarista superficial, é porque também me considero parte desse pequeno grupo de dissidentes declarados da barbárie que presidiu aos destinos do Itamaraty durante a gestão do ex-chanceler acidental. 

Meu trabalho foi conduzido diuturnamente, persistentemente, denodadamente, por meio do quilombo de resistência intelectual que sempre foi o Diplomatizzando, esforço representado pelos quatro títulos já informados a acima e que será complementado por um último livro desse infeliz ciclo do bolsolavismo diplomático – ainda que contendo um espectro mais amplo de análises de nossas relações exteriores –, cujo título é Apogeu e demolição da política externa: itinerários da diplomacia brasileira. 

Quero, por fim, deixar meu registro de admiração, reconhecimento e agradecimento ao “cronista misterioso”, que manteve a chama de nossa resistência à ignorância torpe, ao servilismo abjeto, à subserviência desastrosa ao prestígio anterior da diplomacia brasileira, temporariamente colocada sob os tacões dos novos bárbaros. Ereto da Brocha cumpriu um papel que se apresentou sob a forma de crônicas improvisadas, mas que devem e podem legitimamente integrar o histórico de resistência política do Itamaraty ao desgoverno sob o qual o Brasil vive desde 2019. Esta pequena brochura rende uma homenagem de todo o Serviço Exterior brasileiro ao resistente anônimo de uma época que logo passará para a lata de lixo da história. 

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata e professor

Brasília, 29 de junho de 2021


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Epílogo:

 

Um cronista misterioso animou a resistência no Itamaraty

 

 

Paulo Roberto de Almeida

 

 

Acabou-se o que era doce (algumas vezes amargo): nosso cronista misterioso, o Batman do Itamaraty, aquele que se chamava pelo estranho nome de Ereto da Brocha, e que se classificava como Ombudsman (foi bem mais do que isso) se despediu de seus inúmeros leitores, a maior parte diplomatas, que se sentiram vingados pelas suas ferinas diatribes contra aquele que já ganhou o galardão de “pior chanceler” de toda a história do Itamaraty. Creio que é impossível que tenha havido alguém tão ruim quanto ele, mesmo no passado remoto, e é improvável que um paspalho semelhante se apresente novamente em nosso futuro, ainda que o Brasil tenha o péssimo costume de sempre nos surpreender com coisas peculiarmente bizarras (e bizarro certamente ele foi, o ex-chanceler acidental). 

Damos assim adeus ao nosso impoluto guerreiro de capa e espada (neste caso uma pluma acerada, embora o mais provável seja um computador pessoal), ele que foi o nosso vingador mascarado, nunca revelado, até hoje procurado pelos arapongas da ABIN, aquele escritório feito para a segurança do Estado, mas que foi colocado a serviço dos novos bárbaros, que não conseguiram ainda se vingar do nosso Pimpinela Escarlate, nosso Arsène Lupin, nosso Zorro (sem o Tonto), um Lone Ranger dos bons, que nos divertiu durante um ano inteiro, mas que sempre li defasado no tempo e perdido numa cronologia não explícita.

Confesso meus mixed feelings nesta despedida: por um lado, aliviado que o objeto obscuro e medíocre destas crônicas desabusadas já não forneça matéria-prima gratuita para os lances mais ousados do cronista misterioso; por outro lado, preocupado em que ainda tenhamos motivos para requisitar os serviços do nosso Chapolim diplomático (pois tudo é bizarro no reino dos novos bárbaros).

Adieu Batman. Confirmo por esta última nota em uma brochura que é da sua lavra, que tive o prazer de oferecer a um número um pouco mais vasto de leitores a coleção completa de suas crônicas, dirigidas originalmente ao público mais seleto e mais circunspecto composto por nossos colegas diplomatas. Sua obra, imortalizada nestas crônicas desabusadas, é coisa para ficar na memória dos viventes e dos sobreviventes de uma fase das mais infelizes em nossa trajetória diplomática, ainda que ainda estejamos em tempos um pouco mais infelizes, com a contagem das vítimas dos novos bárbaros ultrapassando a marca do meio milhão de mortos no país. Mas é preciso registrar para as futuras gerações que nem todos foram passivos e indiferentes; a chama da resistência, como aquela que alimentou suas crônicas semanais, aliviou nossas agruras de dois anos e três meses inteiros de recuerdos miseráveis.

O infeliz e desastroso ciclo bolsolavista de nossa diplomacia não ficou impune nesse período, graças em grande medida às suas crônicas implacáveis, esforço para o qual eu também concorri, embora modestamente, nessa vertente aborrecida dos ensaios de cunho acadêmico. Creio que a maioria dos nossos colegas – eu até diria que a quase totalidade, mesmo aqueles que tinham de servir de perto o patético chanceler acidental – se divertiu amplamente ao ler, na calada de suas ferramentas de comunicação, estas crônicas desabusadas, e certamente passou discretamente adiante os petardos semanais.

Fomos, eu e você, dois diplomatas dissidentes que nos dedicamos a desancar o patético personagem, que insistia em diminuir o Itamaraty e o seu corpo profissional, como se ele não tivesse servido fielmente todos os governos e regimes anteriores. Ele conseguiu ofender a inteligência do Itamaraty, mas não diminuiu nossa capacidade de resistência, pelo menos no que dependeu de você, clandestinamente, e de mim, de modo totalmente aberto. Cabe-nos agora empreender um projeto de reconstrução da política externa e de restauração da diplomacia profissional, pois que a isso nos obriga nossa condição e consciência de diplomatas dissidentes do atual desgoverno. Em sua última crônica já constam algumas recomendações aos jovens, que darão continuidade a esse trabalho de soerguimento da diplomacia profissional. Pois foi um jovem diplomata que me abasteceu, embora com certo retardo, com seus petardos sempre esperados, que eu ia postando sequencialmente em meu quilombo de resistência intelectual, para depois reunir alguns blocos em brochuras improvisadas que fui publicando por minha conta e risco, e sem autorização explícita de seu autor. 

Creio que a maioria dentre nós muito se divertiu com seus petardos, embora alguns fossem mais propriamente desoladores. Mas esse é o retrato do governo atual, assim como ele foi da administração bolsolavista no Itamaraty, felizmente interrompida pela metade. Não espero receber mais crônicas do nosso cronista misterioso, ainda que eu pressinta que esse diplomata ainda não identificado continuará atento às idas e vindas do desgoverno agônico, pronto para voltar ao combate se as circunstâncias assim o exigirem. Quando estes tempos obscuros passarem, ele talvez apareça com seu nome próprio (talvez para reivindicar seu justo copyright, sendo que ele já tem os moral rights pela produção) e será devidamente saudado como o iniciador do processo de resistência, um bravo entre muitos outros bravos (talvez mais discretos).

Eu servi apenas como um assistente de editoração, digamos assim, sendo que meus comentários pontuais a cada uma das crônicas figuraram nas postagens do meu blog Diplomatizzando; elas também serão objeto de uma nova brochura, para registro de um outro tipo de resistência nestes tempos obscuros. Em todo caso, como diriam os companheiros, a luta continua...

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata e professor

29 de junho de 2021

 

 

 




Um ornitorrinco no Itamaraty, agora necessitado de tratamento psiquiátrico (e Memorial do Sanatório) - Paulo Roberto de Almeida, Ereto da Brocha

Tomei conhecimento, no final desta terça-feira 28 de dezembro de 2022, de um inacreditável vídeo do ex-primeiro chanceler do desgoverno Bolsonaro, recomendando o caos para o Brasil, em face da perda total de credibilidade política da extrema-direita que tentou criar um regime autoritário no país. Confesso que senti pena dele. E postei o seguinte na minha página do Facebook: 

"EA, o patético chanceler acidental da pior fase ideológica do desgoverno do Bozo, é, visivelmente, um ser perturbado.

Mas ele já o era, antes mesmo de tomar posse, quando passou a ser chamado, por colegas do Itamaraty, de Beato Salu, o louco da aldeia.
Parece que piorou muito desde então: desprezado pela direita racional, abandonado por todos os antigos companheiros do bolsonarismo raiz, sem qualquer futuro profissional na carreira ou perspectivas no setor privado, só pode recorrer aos nichos niilistas da extrema-direita e por isso deu agora de apoiar o caos no Brasil. Que triste declínio!

Triste fim de um transtornado mental, urgentemente necessitado de alguma ajuda familiar para um bom tratamento psiquiátrico."

Ao mesmo tempo, lembrei-me de um antigo trabalho, escrito depois de um ano da infeliz e desastrosa gestão do personagem à frente da Casa de Rio Branco. Este aqui: 

3609. “Um ornitorrinco no Itamaraty”, Brasília, 29 março 2020, 3 p. Artigo sobre as bizarrices do Itamaraty atual. Incluído no livro O Itamaraty num labirinto de sombras (n. 3687). Postado no blog Diplomatizzando (6/11/2020; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/11/um-ornitorrinco-no-itamaraty-paulo.html). 

Transcrevo esse artigo, apenas para que eu próprio comece a recordar que, desde 2017, eu percebi que algo não andava bem na cabeça do colega diplomático, que foi quando ele submeteu um também inacreditável revista que eu dirigia, no IPRI, chamado "Trump e o Ocidente". A despeito de considerar o artigo inaceitável se os Cadernos de Política Exterior contassem com uma equipe editorial revisora, eu o publiquei, pois não sou de censurar ninguém, e considerava o artigo simplesmente ridículo. Mas isso foi muito antes que ele fosse selecionado pela tropa de novos bárbaros para conspurcar a política externa e afundar o conceito da diplomacia brasileira.

A coletânea de crônicas a que eu me refiro nesse artigo sobre o bizarro animal que perturbava a santa paz da Casa de Rio Branco é uma série de provocações feitas ao mesmo personagem por um colega não identificado do Itamaraty, que eu editei e publiquei como indicado aqui:

Ereto da Brocha, Ombudsman do Itamaraty: Memorial do Sanatório, ou Ernesto e seus Dragões no País de Bolsonaro. Brasília: Ombudsman, 2021, 180 p. ISBN: 978-65-00-26865-2 Índice Prefácio de Ereto da Brocha, Ombudsman do Itamaraty Introdução às crônicas do diplomata anônimo Paulo Roberto de Almeida. 

Disponível neste link: 

https://www.academia.edu/71720946/Memorial_do_Sanatorio_Ereto_da_Brocha_Ombudsman_do_Itamaraty_2021_


Finalmente, transcrevo meu artigo:


sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Um ornitorrinco no Itamaraty - Paulo Roberto de Almeida

 Alguns questionaram a capa de uma coletânea de "crônicas" de cronista misterioso, sobre o Itamaraty bolsolavista, cujo animal representado, o ornitorrinco, não figura em nenhuma das crônicas do nosso resistente do Itamaraty. 

A ilustração tinha sido feita para eventualmente ilustrar a capa de meu livro, a partir de um de seus capítulos, mas que acabou adotando outro título: O Itamaraty num labirinto de sombras. 

Abaixo reproduzo o artigo original, que não deixa de ser uma espécie de distinção, pois que esse animal é o mais estranho de todos, como pode acontecer em outros habitats, com certos seres bizarros...

Paulo Roberto de Almeida

Um ornitorrinco no Itamaraty

 

Paulo Roberto de Almeida

 

O ornitorrinco – nome científico: ornithorhyncus anatinus; em inglês, duckbilled platipus; em francês, ornythorinque; em alemão, Schnabeltier; em grego, platypodas – é um animal absolutamente único na natureza: mamífero, como os primatas, exibe, no entanto, um bico de pato, sendo, como esta ave, um palmípedo, o que já estava evidente pelo seu nome em grego. Os ornitorrincos vivem em paragens distantes do resto do mundo, botam ovos, mas alimentam os seus descendentes, não pelo leite extraído de mamilos, mas por meio de glândulas. A despeito de se parecer com um castor, o ornitorrinco não possui dentes, e não usa os sentidos tradicionais para caçar o seu alimento – olfato, audição ou visão – e sim por meio de vibrações elétricas, o que fica evidente por certo tremelicar no comportamento desse animal bizarro. 

Eles têm certa dificuldade em caminhar, apesar dos pés de pato, o que os leva a passar a maior parte do tempo enfurnados em alguma caverna, que constroem para si mesmos. Com toda a sua aparência inocente, ele pode ser um animal perigoso, pois tem um veneno terrível nos esporões de suas patas, o que é suficiente para matar outros pequenos animais. Mais curioso ainda, o ornitorrinco não possui estômago, o que os cientistas acreditam ser o longo resultado do processo evolutivo, o que acabou criando uma ligação direta entre o esófago e o intestino; tem também uma pele impermeável, o que o habilita a conviver em diferentes ambientes sem problemas aparentes, entre a terra e a água, com desenvolturas diferentes em cada um desses meios.

Na classificação zoológica, trata-se da única espécie de seu gênero, sendo ainda monotípica, ou seja, não tem subespécies ou variedades reconhecidas. Os cientistas ocidentais, no século XVIII, ao receberem um primeiro exemplar, trazido por visitantes da distante Austrália, pensaram tratar-se de uma fraude, ou seja, um animal semelhante a um castor, ao qual tinha sido costurado um bico de pato, e por isso, um desses cientistas denominou-o de Ornithorhynchus paradoxus. Verificou-se também que sua temperatura média era de apenas 32 graus, bem abaixo dos 37 normais nas espécies placentárias. O fato de ser um dos poucos, talvez o único dos mamíferos venenosos o torna, uma vez mais um animal absolutamente estranho entre os membros do seu gênero dos monotremados. 

Será que ele se sente solitário na natureza, pois que diferente de todos os outros animais? Provavelmente, mas ele não deve discutir esse tipo de questão filosófica. Em todo caso, para o que nos interessa, o Brasil do presidente Bolsonaro também é um país solitário no mundo, praticamente sozinho em determinadas políticas que o fazem sentir-se como um continente à parte, à deriva dos demais, talvez uma jangada de pedra, à maneira de José Saramago. Vive uma fase de transformações culturais que poderia ser apropriadamente chamada de EA, a Era dos Absurdos. Nada é tão mais conforme a essa designação do que a sua política externa e a sua diplomacia, aparentemente sob a condução, mas apenas aparente, de Ernesto Araújo. Ele é o verdadeiro ornitorrinco num governo feito de vários outros animais estranhos. 

Registre-se que as bizarrices começaram antes mesmo da posse do governo, pois que o chanceler, em plena campanha presidencial – o que, em princípio, deveria refrear ardores políticos de funcionários de Estado –, já deblaterava, num blog simbolicamente chamado Metapolítica 17: contra o globalismo, contra colegas que teriam se deixado seduzir pelo marxismo, o petismo, pelo esquerdismo, de modo geral. Depois de algumas décadas de carreira, ele já deveria ter aprendido que os diplomatas não são marxistas ou esquerdistas, e sim carreiristas, embora alguns sejam oportunistas (como, aliás, ele próprio, que se forjou uma identidade olavista para conquistar o cargo). Levantou sua lança contra o multilateralismo, contra um desconhecido “climatismo”, contra um mais estranho ainda “comercialismo”, mas sobretudo – para satisfazer o guru expatriado da Virgínia que o empurrou para cima – contra essa paranoia de conspiracionistas malucos que se chama “globalismo”, o que é propriamente estarrecedor para um diplomata. 

Desde o primeiro dia do governo, antes mesmo de assumir formalmente, já tinha declarado seu servilismo ao império, apoiando a instalação de uma base dos EUA no Brasil, no que foi imediatamente rechaçado pelos militares. Depois da posse – em latim, grego e tupi-guarani, sem expor sua “política externa para o povo” –, eles continuaram a controlar seu ímpeto adesista na tentativa de juntar-se ao projeto eleitoreiro de Trump, de forçar uma mudança de regime na Venezuela, incorporando o vice-presidente Mourão numa das reuniões do Grupo de Lima, para obstar qualquer aventura militar contra a ditadura chavista. Mas ordenou a imediata retirada do Brasil do Pacto Global das Migrações, uma imitação canhestra da postura xenófoba de líderes de extrema direita, quando esse acordo não ameaça em nada a “soberania” de um país que possui muitos mais emigrantes do que imigrantes. A suprema bizarrice foi atribuir ao asfalto a elevação dos termômetros usados pela “turma” do aquecimento global. Essa foi forte!

Uma obsessão doentia por agradar o seu chefe fez com que ofendesse o então candidato nas primárias argentinas, ambos alertando contra a emigração maciça dos hermanos ao Brasil se ganhasse a “esquerdalha”. O chefe, por sua vez, conseguiu brigar contra importantes chefes de governo da Europa, com a retirada de importantes suportes financeiros a programas de sustentabilidade ambiental e mais de uma vez a ministra da agricultura teve de amenizar posturas dos dois que ameaçavam as relações comerciais com a China e com países muçulmanos. Outro exemplo recente foi mais uma tentativa de agradar o chefe ao pretender demonstrar que a “maioria” do G20 não aplica políticas de isolamento na luta contra o Covid-19, o que eventualmente pode torná-lo cúmplice de uma das mais temerárias atitudes de um chefe de Estado no mundo. Ian Bremmer, do Eurasia Group, chegou a dizer que, perto de Bolsonaro, Trump parece um Churchill. 

Se esse é o critério, o ornitorrinco do Itamaraty tem como padrão o chanceler do governo militar Juracy Magalhães, para quem “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Na verdade, a Casa de Rio Branco não conhece precedentes ao estranho animal que intimida pela truculência os colegas diplomatas...

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 29 de março de 2020


terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Itamaraty: repressão política na gestão do chanceler acidental - Jamil Chade, Joice Hasselman

 Reproduzo de tuite da deputada Joice Hasselman (13/12/2022):

“ 🚨O Itamaraty abriu sindicância p/ investigar a relação dos diplomatas c/ Jamil Chade, após o jornalista publicar sobre o alinhamento do Brasil a países islâmicos, ignorando o projeto na ONU p/ proteger mulheres!

Memória:

Foi também na gestão de Araújo, em 2020, que os olavetes Allan dos Santos e B. Küster foram contratados como palestrantes na Fundação Alexandre Gusmão— Funag.

MRE informou que os gastos com as conferências foram de R$151.465, referentes a 4 eventos presenciais e 36 virtuais.“


Os funcionários receberam questionário dte gestão Ernesto Araújo!




segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Sem prestígio internacional, Brasil enfrenta erosão da democracia - Cristiane Noberto (Correio Braziliense)

 Sem prestígio internacional, Brasil enfrenta erosão da democracia


Para especialistas, imagem do Brasil no exterior se degradou porque falta percepção do governo sobre quem é o Brasil no cenário internacional e como são as relações com os outros países

Cristiane Noberto
Correio Braziliense, 10/01/2022 06:00

O ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo cunhou um nome ao Brasil que colou como chiclete na imagem internacional. "Que sejamos pária", disse o diplomata ao falar sobre o papel do país no mundo. Ao mitigar políticas ambientais e deteriorar a democracia nos últimos três anos, o solo tupiniquim se colocou à margem da sociedade internacional.

A questão, no entanto, vai além da fala de um embaixador. O presidente Jair Bolsonaro (PL) se tornou um chefe de Estado contestado pela comunidade internacional. Bolsonaro se utiliza de dados sem comprovação ou equivocados sobre a Amazônia — o que preocupa a maioria dos chefes de Estado. Desde sua primeira aparição para o mundo no Fórum Econômico Mundial, ocorrida em Davos, na Suíça, em janeiro de 2019, já parecia um "estranho no ninho".

Para Alexandre Uehara, doutor em ciência política e coordenador do centro brasileiro de negócios internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), o Brasil chegou a situação de pária porque falta percepção do governo sobre quem é o Brasil no cenário internacional e como são as relações com os outros países. De acordo com o especialista, a percepção do Executivo é "muito presunçosa". "Como se o Brasil fosse um país totalmente independente e que pudesse viver sem as relações com os demais países", afirmou.

Uehara aponta que não se pode ignorar a dependência do Brasil frente às outras nações. "Apesar de ser considerado um país pujante, ainda é uma economia fechada. O governo considera que pode fazer o que desejar sem prestar contas à comunidade internacional, o que não é verdade, isso terá consequências nas relações com os demais países", disse.

Chave
Além de implodir a democracia brasileira, Bolsonaro se afasta da principal política de alinhamento internacional com o Brasil: o meio ambiente. A falta de conhecimento e apresentação de dados imprecisos sobre a Amazônia pelo presidente brasileiro são um soco no estômago do Brasil na comunidade internacional. Além disso, o país deixou importantes acordos como o de Paris e do Pacto Global das Migrações.

"O Brasil nunca protestou. Medidas não foram tomadas para proteger, ou praticar política antidumping. Daí vieram uma série de medidas ilegais. Ele começou a passar um trator em cima das entidades. Demitiu o diretor do Inpe porque os dados da Amazônia estavam "errados", além de desmantelar as organizações ambientais. Bolsonaro já estava grifado no mundo por sua postura ambiental", avalia Paulo Roberto Almeida, diplomata e ex-presidente do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri).

O afastamento das questões ambientais também preocupa o legislativo. De acordo com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a imagem desgastada do Brasil no exterior é resultado, em primeiro lugar, da má gestão do meio ambiente brasileiro e as consequências são graves. "Há projetos importantes como a lei de licenciamento ambiental, da grilagem e a do agrotóxico. Essas pautas deverão ser debatidas independente do governo para o ano que se inicia", afirmou ao Correio.

O líder da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Rodrigo Agostinho (PSB- SP), afirma que o colegiado acompanha mais de mil projetos ambientais. "Existem 5 propostas que chamam a atenção internacional: a lei de licenciamento ambiental e a lei da grilagem que estão no Senado, as propostas que acabam com terras indígenas, a legislação de mineração e a lei do veneno. Uma parte será aprovada e a última esperança será o Judiciário. O preço será caro pois teremos muita retaliação comercial. A Europa já está tirando produtos brasileiros das prateleiras", frisou.

Economia internacional
A deterioração do PIB também é um ponto no qual o atual governo chama a atenção da comunidade internacional. No índice de liberdade econômica do think-thank Heritage Foundation Freedom of the World, que mede 12 liberdades - de direitos de propriedade e liberdade financeira - em 184 países, o Brasil pontuou 53.4 e ficou atrás da média global dos 48 países mais pobres da África Subsaariana, que pontuou 55.7. É a primeira vez desde 1996 que isso acontece.

No comércio exterior, o país fica cada vez mais aquém. Com a China, principal parceiro comercial, esta é a pior relação dos últimos anos. Segundo Alexandre Uehara, o Brasil se coloca como imprescindível para a China, o que não é verdade. "O Brasil hoje depende muito mais da China do que o oposto", disse. Segundo o especialista, as relações do Brasil com a Ásia ainda é tímida. "O que falta ao Brasil, é olhar com mais cuidado para os países asiáticos de uma forma geral, dado que o mundo percebe a região como o futuro. O Brasil precisa de planejamento", avaliou.

Cidadão prejudicado
A situação afeta a vida do cidadão comum. Paulo Roberto destaca que o impacto da falta de articulação internacional é "muito grave para os brasileiros". De acordo com o ex-embaixador, "há impactos no comércio, na gestão sanitária e no Orçamento Público. Mandaram o Exército fazer toneladas de cloroquina, desperdiçando dinheiro. Há impacto no programa interno, erosão da democracia, ataque a instituições. No plano da credibilidade humana é um pária de direito e de fato. Na questão comercial, toda vez que ele (Bolsonaro) falava, o real caía e o dólar subia.

O custo dessa reconstrução de credibilidade ainda é incerto. Para Alcides Costa Vaz, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, é possível, mas demandará um grande esforço. "Há no seio da comunidade internacional o reconhecimento de que as atuais posições do Brasil não são condizentes com aquelas tradicionalmente perseguiu. Antes de mais nada é necessário uma mudança no comando da política externa, resgatando as suas posições tradicionais, procurando reinserir o país nos principais fóruns de negociação multilateral a uma agenda global.

https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/01/4976377-sem-prestigio-internacional-brasil-enfrenta-erosao-da-democracia.html

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Minha carta pedindo a renúncia do chanceler acidental, em janeiro de 2021 - Paulo Roberto de Almeida

 Confesso que eu tinha esquecido completamente, mas acabei caindo por acaso numa postagem do começo do ano na qual eu pedia a renúncia do chanceler acidental, o tal da Era dos Absurdos. Não sei como ela apareceu na minha tela, mas eis aí o que escrevi em janeiro.

Não sei se foi por isso que o PIOR chanceler de todos os tempos em todos os países renunciou ao cargo – na verdade foi empurrado para fora – mas o fato é que eu devo tê-lo deixado ainda mais deprimido.

No intervalo entre janeiro e outubro, acabei publicando mais dois livros: O Itamaraty Sequestrado, em formato Kindle, e Apogeu e Demolição da Política Externa, em distribuição em formato impresso pela Appris.

Paulo Roberto de Almeida


quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Carta aberta a um diplomata completamente fora do tom - Paulo Roberto de Almeida

 Carta aberta a um diplomata completamente fora do tom  

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[Objetivorecomendar renúnciafinalidade: declaração a colegas de carreira

 

Diplomata EA, 

Eu estava, recentemente, revisando a lista de minhas resenhas de livros – eu fiz centenas delas – e deparei-me com esta aqui, que na verdade nunca teve divulgação plena, pois a RBPI só publicava resenhas curtas, e eu sempre fiz resenhas-artigos, no modelo da The New York Review of Books, uma jornal literário da esquerda americana, que tenho certeza é do seu conhecimento. A ficha desta resenha, que acabo de publicar em sua íntegra, é esta aqui (e tenho certeza de que você também conhece o meu blog, muito crítico como sempre): 

518. “O Mercosul por quem o fez”, Brasília, 17 março 1996, 3 p. Resenha de Sérgio Abreu e Lima Florêncio e Ernesto Henrique Fraga Araújo: Mercosul Hoje (São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1996). Inédito na versão completa. Publicado em versão resumida na Revista Brasileira de Política Internacional (vol. 39, n. 1, janeiro-julho 1996, p. 175-177). Divulgado em versão integral blog Diplomatizzando (27/01/2021; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/01/o-mercosul-por-quem-o-fez-resenha-do.html). Relação de Publicados n. 194.

 

Ao reler a avaliação bastante positiva que fiz desse livro, constatei que, até o final de 2018, nunca mais havia lido qualquer coisa inteligível saída de sua pluma. Ouvi falar de dois ou três romances bizarros mas nenhum colega soube me dizer algo inteligível sobre eles, e a única resenha que li – de um jornalista da revista Época, logo ao início deste governo – não me motivou a buscá-los para tomar conhecimento do que poderia haver de interessante neles. Também deve ser de seu conhecimento que durante quase duas décadas eu assinei a seção Prata da Casa na revista da nossa Associação, resenhando a cada número quatro ou seis obras de diplomatas, mas nunca tive a oportunidade de receber esses “romances” para resenhar. Falha sua, pois quem sabe eu teria algo de inteligente a dizer sobre coisas antigas, quando o Brasil, ainda que ameaçado pela turma do Foro de S. Paulo e pelo marxismo cultural, parecia ser um país mais normal do que atualmente.

Em todo caso, quando voltei a lê-lo novamente, num blog de nome aparentemente inspirado nos círculos wagnerianos – Metapolítica 17: contra o globalismo –, confesso que fiquei estarrecido pelo conjunto de afirmações absurdas e propostas estapafúrdias. Foi tal o choque, que desandei imediatamente a formular argumentos contrários em meu blog Diplomatizzando – que eu chamo de quilombo de resistência intelectual –, o que deve tê-lo motivado a me exonerar do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais numa segunda-feira de Carnaval, uma data estranha para gesto já tão esperado. O choque e o estranhamento foram tais – não só daqueles escritos vitriólicos, mas também das entrevistas raivosas, dos discursos excêntricos, das aulas estranhas para os alunos do Instituto Rio Branco – que eu fiz aquilo que sempre faço quando me deparo com algo fora do normal: ponho-me logo a registrar minhas impressões e contra-argumentos. 

Até aqui foram quatro livros sobre essa estranha fase de nossa diplomacia, uma verdadeira Era dos Absurdos (a EA, que deve entrar para a história), o que me ocupou de uma forma absolutamente inútil, tendo em vista pesquisas sérias e livros mais consistentes que eu poderia estar escrevendo e publicando. Tenho certeza de que você também já tomou conhecimento desses livros, que podem tranquilamente ser acessados no meu citado blog, quaisquer que sejam seus sentimentos e reações a eles. Creio até que foi o primeiro desses livros – Miséria da Diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (2019) – que o motivou a tomar novas medidas punitivas contra mim, até por meio de ilegalidades, como o fato de cortar meu salário do mês de janeiro de 2020, a pretexto de “faltas injustificadas”, quando eu havia justificado cada uma delas (em duas, aliás, estávamos juntos em eventos dos bravos militares, no Forte Apache e no próprio Ministério da Defesa). Eu poderia lhe dizer que a raiva não é boa conselheira, mas não creio que adiantasse muito, pois desde a Guerra de Troia, ela já produziu muitos gestos insensatos nas relações humanas.

Pois foi quando “redescobri” essa resenha nunca publicada integralmente que tomei a decisão de escrever-lhe uma carta aberta, como convém num caso de interesse público, como é essa horrível gestão sua à frente de nosso tão infeliz ministério. Nunca assistimos, em 200 anos de construção do Brasil pela sua diplomacia – parafraseando a obra já clássica de um colega, o embaixador Rubens Ricupero, que também deve fazer parte de sua biblioteca, tenho certeza disso – um itinerário tão desastroso na condução de nossa política externa. Sei que muito disso é devido aos aloprados no poder, aquela família de crenças ultrapassadas, e até mesmo reacionárias, e não a seus sentimentos profundos. 

Mas, ao fim e a cabo, é o seu nome que está em causa, numa quase unanimidade da mídia, como associado à pior gestão do Itamaraty desde o início sob a responsabilidade de um dos pais da pátria e ao longo de dois séculos de lento estabelecimento de uma diplomacia reconhecida como excelente por todos os nossos parceiros externos, a começar pelos vizinhos e todas as grandes potências. Não é mais o caso atualmente, tanto é que assistimos incrédulos ao seu discurso do Dia do Diplomata de 2020, quando, de sua própria boca, saiu a fatídica palavra: “sejamos párias”. Foi uma declaração original em 200 anos de independência, como todos saberemos reconhecer; talvez tenha sido o ponto mais baixo de sua desastrosa gestão, uma espécie de epitáfio que há de permanecer como a marca única e distintiva de um período vergonhoso, mas que ocupará mais algumas páginas de um futura obra que devo ainda escrever: uma história sincera do Itamaraty, na qual relatarei os pontos mais baixos de sua horrorosa gestão. 

Pois é com base em todas essas constatações que eu me permito recomendar-lhe a única coisa decente que você ainda poderia fazer para aliviar nossas agruras de diplomatas de carreira: renuncie EA, faça isso em benefício da Casa que o acolheu tão bem nas últimas três décadas, mas que agora se encontra deprimida pelo pavoroso cenário de fracassos evidentes e de alucinações delirantes. Reparou que eu sequer o chamei de “chanceler acidental”, o que fiz de forma consciente ao longo dos últimos dois anos? Acredito que o adjetivo é plenamente devido, mas o substantivo não lhe cabe, pois essa qualificação só se aplica a quem conduz, de fato, a implementação da política externa, o que nunca foi o seu caso.

Para sua tranquilidade, e antes que o seu caso se agrave ainda mais, renuncie, para o alívio da quase totalidade de seus colegas, e até de certos membros da família, que levam o terrível constrangimento de verem destruídos os fundamentos da política externa pela qual tanto lutaram, entre ventos e marés, inclusive a diplomacia blindada do regime militar. Sua gestão é um desastre, suas ideias são anacrônicas ou delirantes, seu servilismo a dirigentes estrangeiros é uma vergonha não só para os diplomatas, mas para todos os brasileiros. Salve o que pode ainda ser salvo de sua carreira renunciando, inclusive para não me obrigar a escrever um quinto livro sobre esta Era dos Absurdos diplomáticos.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3848, 27 de janeiro de 2021

 

 

Um comentário:

Unknown disse...

Obrigado! Por mais diplomatas com coragem de denunciar a tragédia dos tempos atuais.

sexta-feira, 14 de maio de 2021

Brasil não fecha acordo do spray nasal em Israel; dados têm sigilo até 2036 - Jamil Chade (UOL)

 Brasil não fecha acordo do spray nasal em Israel; dados têm sigilo até 2036

Jamil Chade
Colunista do UOL
14/05/2021 04h00

RESUMO DA NOTÍCIA
-Em resposta ao PSOL, Itamaraty admitiu que proposta de carta de intenções não foi fechada durante visita de Ernesto Araújo para Israel
-Telegramas diplomáticos sobre viagem foram classificados como confidenciais e serão acessíveis apenas no ano de 2026 ou mesmo 2036
-Custo da viagem foi de mais de R$ 88 mil, sem contar o avião da FAB que levou a comitiva
-Ministério da Saúde não deu respostas sobre o motivo da falta de um acordo
-Proposta de carta de intenções com outro instituto israelense tampouco foi concluída

O Itamaraty admite que a viagem do ex-chanceler Ernesto Araújo para Israel, em meio à pandemia, não resultou na assinatura de um acordo por escrito de cooperação com o hospital Ichilov para o desenvolvimento ou importação de um tratamento contra a covid-19 conhecido como spray nasal.

Tampouco houve a assinatura de um convênio final com outra entidade israelense, o Instituto Weizmann, responsável por diversas pesquisas no campo da pandemia. O governo brasileiro ainda decidiu classificar os telegramas diplomáticos entre Brasília e Tel Aviv como reservado ou secretos, impedindo alguns deles de serem consultados pelos próximos 15 anos.

Na prática, as informações completas sobre a viagem da delegação brasileira, que foi alvo de polêmica, serão conhecidas apenas em 2036.

As revelações fazem parte de uma resposta de mais de 40 páginas submetida pelo novo chanceler Carlos França à bancada do PSOL na Câmara, no dia 7 de maio. Os deputados tinham solicitado explicações sobre a viagem de uma delegação do governo brasileiro para Israel, na primeira semana de março.

Além de Ernesto Araújo, que chegou a levar um pito público durante a viagem por não usar máscara, o avião da FAB (Força Aérea Brasileira) transportou para Israel o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o deputado Helio Lopes (PSL-RJ), o assessor especial Filipe Martins, e o então secretário de Comunicações, Fabio Wajngarten, além de diplomatas.

Da área técnica, a delegação contava com apenas dois representantes: Hélio Angotti Neto, do Ministério da Saúde, e Marco Morales, do Ministério da Ciência e Tecnologia.

No total, o custo da missão foi de mais de R$ 88 mil, sem contar o transporte no avião da FAB e a parcela de gastos arcada pelo governo de Israel.

Antes da missão, Eduardo Bolsonaro e outros membros do governo justificaram a ida para Israel por conta, entre outros fatores, de uma perspectiva de cooperação no desenvolvimento de um spray que ajudaria a combater a covid-19.

O presidente Jair Bolsonaro também usou sua live nas redes sociais para tocar no assunto. O produto teria tido bons resultados contra a covid-19. Mas tinha sido testado em apenas 30 pessoas.

Ao escrever para os deputados do PSOL, o chanceler Carlos França confirmou que houve reunião com a direção do hospital Ichilov, responsável pelo desenvolvimento do spray, oficialmente denominado de EXO-CD24.

No encontro, foi acordado um programa de cooperação "com vistas à participação do Brasil no desenvolvimento conjunto do produto (fase 2 e 3 de estudos), caso a Anvisa e a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa autorizem ensaios clínicos no país".

"Foi proposto que o Brasil integrasse a fase 2 do desenvolvimento do medicando EXO-CD24", fazendo parte de pool internacional", explicou o chanceler.

Mas, na mesma resposta, o Itamaraty também afirma que a cooperação em relação ao spray nasal não se concretizou por meio de um documento, apesar de a delegação ter preparado em inglês e português um modelo de carta de intenções que foi levada para Israel.

"No que diz respeito à carta de intenções entre o Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Saúde e OBCTCCD24 LTDA [empresa que desenvolve o produto] sobre cooperação em relação ao spray nasal EXO-CD24, cujo objetivo seria consolidar a intenção do governo brasileiro de dar continuidade ao diálogo sobre cooperação com aquela empresa, o projeto da carta não teve sua celebração completada, uma vez que não foi assinada pelo representante do Ministério da Saúde e não chegou à troca de instrumentos entre os signatários, conforme prática de negociações internacionais", diz o texto assinado por França.

Aos deputados, o chanceler submeteu a proposta de texto do acordo. Ela traz as assinaturas de Ernesto Araújo e da parte israelense, mas a do Ministério da Saúde está ausente.

Procurada, a pasta hoje comandada por Marcelo Queiroga não explicou o motivo de o texto não ter sido assinado, mesmo com um representante do Ministério da Saúde na delegação em Israel. Seus assistentes chegaram a pedir à reportagem mais tempo para que a informação pudesse ser buscada pela pasta. Mas não deram mais retorno.

Ainda nas respostas dadas aos parlamentares, o ministro França insistiu que a viagem "não deve ser reduzida às iniciativas de cooperação no domínio da Saúde, muito menos às tratativas para potencial desenvolvimento do spray nasal".

Procurada, a embaixada de Israel no Brasil explicou que "o trabalho da delegação brasileira que foi a Israel foi muito frutífero e positivo". "Muitas discussões estão sendo feitas. Os hospitais Hadassah e Ichilov estão em contato com o Ministério da Saúde e o Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil", disse.

"Uma série de acompanhamentos por videoconferência sobre o assunto está em andamento", completou.

No hospital Ichilov, a coluna tentou em diversas ocasiões contato com os responsáveis pelo projeto após a viagem de Araújo. Mas os pedidos de informação não foram atendidos.

Em resposta à coluna, o Itamaraty explicou que, "em 9/3/2021, a delegação brasileira que foi a Israel reuniu-se com o diretor do Hospital lchilov/Sourasky, Dr. Ronni Gamzu, e com o chefe do Centro de Pesquisa Médica daquela instituição, Dr. Nadar Arber, e com representantes da empresa OBTCD24. O lchilov é o maior hospital de Tel Aviv, responsável pelo desenvolvimento do spray nasal EXO-CD24, para fins de tratamento da COVID-19".

Mas a chancelaria confirma que o acordo não foi concluído. "Carta de intenções sobre cooperação em relação ao ''spray" nasal "EXO-CD24" foi rubricada pelo então Ministro das Relações Exteriores, embaixador Ernesto Araújo, com o objetivo de consolidar a intenção do governo brasileiro de dar continuidade ao diálogo sobre cooperação com a empresa OBCTCD-24", disse.

"O projeto de carta não teve sua celebração completada, uma vez que não foi assinada pelo representante do Ministério da Saúde e não se chegou à troca de instrumentos entre os signatários, conforme prática de negociação internacional", disse.

"O projeto de carta de intenção, apenas rubricado, não continha elementos juridicamente vinculantes, nem previsão de gravames financeiros ou obrigações de qualquer espécie para as partes participantes naquela etapa das tratativas", apontou.

Ausência de assinatura de acordo com instituto
Esse não foi o único assunto que não resultou num acordo por escrito. Diferentemente do que o site do governo dá a entender, o Itamaraty declarou em sua carta aos deputados que "não há registro da assinatura de instrumento com o Instituto Weizmann, apesar da propositura do Ministério da Ciência e Tecnologia". Ou seja, a intenção do governo era de ter um convênio assinado.

O Instituto é um dos maiores centros de pesquisa do mundo. De acordo com a resposta da chancelaria, houve despachos telegráficos sobre o tema. No entanto, assim como todos os demais telegramas solicitados, os parlamentares apenas receberam o trecho em que diz que os documentos foram classificados como sigilosos ou secretos.

Segundo o Itamaraty, quatro telegramas diplomáticos se referem à cooperação com o Instituto Weizmann. Mas toda a informação está embargada por anos.

No texto da explicação assinado pelo chanceler Carlos França, ele confirma, porém, que houve um encontro com o presidente do Instituto Weizmann, Alan Chen, durante o qual foi debatido intercâmbio de acadêmicos e que, no curto prazo, "acordou-se que a prioridade da parceira será a cooperação em temas ligados à pandemia".

Ao terminar a viagem, num comunicado de imprensa, o governo anunciou que a delegação de autoridades brasileiras "firmou cooperação, de curto prazo, com o Instituto Weizmann, para pesquisas de combate à covid. A longo prazo, foi estabelecida cooperação em outras áreas, entre elas, a bioeconomia."

Em resposta à coluna, o Itamaraty explicou que, no dia 7 de março, a delegação liderada pelo então Ministro das Relações Exteriores, com a participação de Secretários do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovações (MCTI) e do Ministério da Saúde (MS), "manteve produtiva reunião com o presidente do Instituto Weizmann, Dr. Alon Chen". "O Weizmann é um dos dez maiores institutos de pesquisa do mundo, que dispõe de 65 linhas de pesquisa sobre o COVID-19, incluindo desenvolvimento de vacinas", diz a chancelaria.

"Ao final do encontro, decidiu-se pela adoção simbólica, por consenso e sem assinatura, de um plano de trabalho entre o MCTI e o Instituto Weizmann", completou.

Telegramas em sigilo até o ano de 2036
Os deputados ainda solicitaram que todos os telegramas diplomáticos sobre a viagem fossem disponibilizados. Mas o Itamaraty enviou 28 Termos de Classificação de Informação, no qual apontava como todos os documentos passaram a ser impedidos de ter seus conteúdos revelados.

Alguns deles estão sob sigilo até 2026, enquanto outros até o ano 2036. O Itamaraty ainda colocou tarjas negras para impedir que se saiba até mesmo o motivo pelo qual os telegramas foram classificados como secretos

Viagem estava em discussão havia um ano
Entre as diversas respostas, o Itamaraty ainda indicou que a viagem era um tema que há meses vinha sendo tratado. O primeiro convite partiu do governo de Israel, ainda em maio de 2020 e, naquele momento, não tinha como principal objetivo buscar soluções para a pandemia, mas a manutenção e aprofundamento do laço preferencial com Israel. A pandemia, porém, foi adiando a possibilidade de uma viagem.

Segundo o governo, foi o "agravamento dos efeitos da pandemia e o surgimento de variantes do novo coronavírus no mundo" que deram um "sentido de urgência" à ideia de uma missão até Israel.

Entre as metas estava "conhecer in loco os notáveis resultados obtidos por Israel no combate à pandemia". Além da "premência de colher frutos, sobre tudo em termos de cooperação técnica e científica, da parceira estratégica entre Brasil e Israel".

Nas declarações emitidas ao final da viagem, porém, os dois governos deixaram claro que a questão da pandemia não era o único assunto. Naquele momento, o então chanceler deu apoio aos israelenses em suas críticas contra a decisão da procuradoria do Tribunal Penal Internacional de abrir investigações contra membros do governo de Israel por suas ações contra palestinos.

Na resposta aos deputados, porém, o Itamaraty adota uma postura mais equilibrada e diz respeitar a independência da corte, em Haia.

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/05/14/brasil-nao-fecha-acordo-do-spray-nasal-em-israel-dados-tem-sigilo-ate-2036.htm