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quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Carta Aberta de apoio ao presidente e ao chanceler no caso da iniciativa contra Israel por genocidio na Faixa de Gaza

 Carta Aberta de apoio ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República Senhor Luiz Inácio Lula da Silva e ao Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Mauro Vieira

17 de janeiro de 2024

O governo da África do Sul apresentou, em 29 de dezembro passado, uma petição à Corte Internacional de Justiça da Organização das Nações Unidas (ONU), em Haia, órgão com 15 juízes que julga disputas entre Estados, com o apoio de 67 países, inclusive o Brasil. A petição acusa o Estado de Israel de descumprir a Convenção de Prevenção e Punição do Genocídio de 1951.

 No dia 10 de janeiro, em uma nota do Ministério das Relações Exteriores, o presidente da República relatou os esforços e ações que seu governo tem feito em inúmeros fóruns, em prol do cessar fogo, da libertação dos reféns e da proteção da população civil em Gaza. Destacou ainda a atuação incansável do Brasil no exercício da presidência do Conselho de Segurança para promover uma solução diplomática para o conflito.

À luz da continuidade de flagrantes violações ao direito internacional humanitário em Gaza, o presidente Lula manifestou seu apoio à iniciativa da África do Sul de acionar a Corte Internacional de Justiça, para que

 determine que Israel cesse imediatamente todos os atos e medidas que possam constituir genocídio ou crimes relacionados nos termos da Convenção de Genocídio.

A decisão do presidente da República suscitou críticas como a alegação de uma suposta falta de coerência da diplomacia brasileira ao apoiar a ida à Corte, que foi considerada em discordância com a política externa de equilíbrio entre Israel e a Palestina, e teria por objetivo a deslegitimação de Israel quebrando a irmandade(sic) com o povo judeu, reforçando o antissemitismo.

Não há incoerência alguma na diplomacia brasileira. Essas críticas ignoram que o Estado brasileiro tem se guiado, nas relações internacionais, pela primazia do respeito aos direitos humanos, conforme o artigo 4o da Constituição de 1988. A política externa brasileira sob a

 constitucionalidade democrática sempre respeitou a primazia das normas internacionais e das decisões de órgãos multilaterais.

Qualquer referência à crise em Gaza deve ser examinada, como asseverou recentemente o secretário-Geral da ONU, no contexto da história das relações entre Israel e o povo palestino. A manutenção da equidistância nas relações do Brasil advém da situação das duas partes do conflito, sob o ângulo das obrigações do Brasil em face da legislação internacional: o Estado de Israel, como potência ocupante, e a Palestina ocupada, submetida a anos de apartheid, 56 anos de ocupação militar e a 16 anos de bloqueio em Gaza.

Muitas críticas apontam que o processo na Corte deixa de lado o exame dos ataques do Hamas em 7 de outubro. Porém, o Hamas não pode ser parte em um processo perante a Corte Internacional de Justiça, que examina apenas

 disputas entre Estados. A Corte examinará a defesa de Israel, que culpa o Hamas pelas mortes de civis e não pela sua própria conduta. Em qualquer hipótese, o órgão judicial que pode penalizar os crimes de guerra do Hamas é o Tribunal Penal Internacional (que investiga e processa indivíduos), mas Israel impediu o procurador do Tribunal de entrar em Gaza diante do risco de que ele pudesse investigar e processar autoridades oficiais de Israel.

 A acusação de reforçar o antissemitismo faz parte da campanha de instrumentalização política do termo, ao considerar qualquer crítica ao Estado de Israel e seu governo como antissemita. O antissemitismo é um flagelo perigoso e deve ser combatido vigorosamente. Mas não significa ser antissemita condenar o apartheid e o desrespeito sistemático, por Israel, das decisões dos órgaõs da ONU e de leis internacionais humanitárias e de direitos humanos, incluindo a não prevenção de genocídio. Conforme observado pela Declaração de Jerusalém e pelo The Nexus Document sobre antissemitismo, equiparar falsamente antissemitismo com crítica a Israel prejudica a importante luta conta o antissemitismo.

Lamentavelmente todas essas críticas hipócritas à decisão do governo em cartas jactanciosas, editoriais, avalanche de notas na mídia social não levam em conta natureza, âmbito e extensão dos ataques militares de Israel a Gaza, com um bombardeio contínuo durante 100 dias em uma das regiões mais densamente povoadas do mundo, forçando a evacuação de 1,9 milhão de pessoas (85% da população de Gaza) de suas casas, deslocadas para áreas cada vez mais exíguas, sem abrigo adequado, onde continuam a ser bombardeadas, mortas, feridas e privadas de necessidades básicas para sobrevivência. Os ataques já mataram mais de 23 mil palestinos. Gaza se transformou em um cemitério de mais de 10 mil crianças, com milhares de feridos com amputações sem anestesia, desaparecidos, supostamente enterrados sob os escombros. Foram mortos 82 jornalistas, muitos com suas famílias extensas. Mais de 150 funcionários da ONU foram mortos, mais do que em qualquer outro conflito nos 78 anos de história da organização.

Israel destruiu vastas áreas de Gaza, incluindo bairros inteiros, danificou ou destruiu mais de 355 mil casas palestinas, terras agrícolas, padarias, escolas, quatro universidades, empresas, mesquitas e locais de culto, cemitérios, sítios culturais e arqueológicos, serviços municipais e instalações de água e saneamento e redes de eletricidade, sistema médico e de saúde palestinos. Israel continua a reduzir Gaza a escombros, matando, ferindo e destruindo a população e criando condições de vida que a petição da África do Sul alega serem calculadas para a destruição física dos palestinos como grupo étnico e nacional.

 Os aqui abaixo assinados apoiam o governo democrático do Brasil e concordam com a decisão tomada pela diplomacia brasileira junto à Corte Internacional de Justiça. Nesse sentido, apoiamos o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e o ministro de Estado das Relações Exteriores, embaixador Mauro Vieira.

PAULO SÉRGIO PINHEIRO, Ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos

KENNETH ROTH, Ex-diretor Executivo da Human Rights Watch

EMBAIXADOR JOSÉ MAURÍCIO BUSTANI, Ex-diretor Geral da Organização para Proibição de Armas Químicas

JUAN E. MENDEZ, Ex-assessor Especial do Secretário-Geral da ONU para a Prevenção do Genocídio

FABIO KONDER COMPARATO, Professor Emérito da Faculdade de Direito, USP

EMBAIXADOR TADEU VALADARES, Ex-diretor do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais, Ministério das Relações Exteriores

JAMES CAVALLARO, Ex-presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, OEA

MARILENA CHAUI, Professora Emérita, Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, USP

PAULO VANNUCHI, Ex-ministro de Direitos Humanos

REGINALDO NASSER, Professor de Relações Internacionais, PUC-SP

ROGERIO SOTTILI, Ex-ministro de Direitos Humanos

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA, Ex-ministro da Fazenda, Ex- ministro da Administração Federal e da Reforma do Estado

EMBAIXADOR EDUARDO ROXO

LUIZ EDUARDO SOARES, Antropólogo e Escritor, Ex-secretário Nacional de Segurança Pública

NILMA LINO GOMES, Ex-ministra da Igualdade Racial

EMBAIXADOR FRANCISCO ALVIM

JOSE ́LUIZ DEL ROIO, Historiador, Ex-senador da Itália

IDELI SALVATI, Ex-senadora, Ex-ministra de Direitos Humanos MILTON HATOUM, Escritor

ELEONORA MENICUCCI DE OLIVEIRA, Ex-ministra de Políticas para as Mulheres

BRENO ALTMAN, Jornalista

SALEM NASSER, Professor de Relações Internacionais, FGV-Direito

PEPE VARGAS, Deputado Estadual- RS e Ex-ministro de Direitos Humanos

LAURA GREENHALGH, Jornalista

MARIA DO ROSARIO, Deputada Federal, Ex-ministra de Direitos Humanos

MARIA VICTORIA DE MESQUITA BENEVIDES, Professora Emérita da Faculdade de Educação, USP

BRUNO HUBERMAN, Professor de Relações Internacionais, PUC-SP EMBAIXADOR JOSÉ VIEGAS FILHO, Ex-ministro da Defesa


Ex-ministros e intelectuais defendem Lula por apoiar denúncia contra Israel por genocídio (FSP)

 Ex-ministros e intelectuais defendem Lula por apoiar denúncia contra Israel por genocídio

Folha de S. Paulo, 17/01/2024

 Carta será envida ao presidente e ao ministro Mauro Vieira Intelectuais, ex-ministros e ativistas elaboraram uma carta aberta em apoio à decisão do governo Lula de endossar a iniciativa da África do Sul em acionar a Corte Internacional de Justiça da ONU contra Israel. O país pede que seja apurada a suposta prática de genocídio pelo Estado judeu contra o povo palestino em Gaza. O documento será enviado, entre a noite desta terça (15) e a manhã de quarta-feira (16), ao presidente e ao ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira. 

Entre os signatários estão os ex-ministros dos Direitos Humanos Paulo Sérgio Pinheiro, Paulo Vannuchi, Rogério Sottili e Maria do Rosário (hoje deputada federal) e da Defesa José Viegas Filho. Ainda apoiam a carta o ex-diretor-executivo da Humans Right Watch Kenneth Roth, o ex-presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) James Cavallaro, a filósofa Marilena Chauí, o escritor Milton Hatoum, o jornalista Breno Altman e a socióloga Maria Victoria de Mesquita Benevides. A ação da África do Sul foi apresentada ao tribunal, mais conhecido como Corte de Haia, no último dia 29. 

O apoio do Brasil foi divulgado em 10 de janeiro, horas depois de Lula ter se reunido com o embaixador palestino no Brasil, Ibrahim Alzeben. A carta rebate críticas que o governo recebeu de entidades como a Conib (Confederação Israelita do Brasil), que disse, em nota que o governo diverge da posição de equilíbrio e moderação da política externa do país. "Não há incoerência alguma na diplomacia brasileira. Essas críticas ignoram que o Estado brasileiro tem se guiado, nas relações internacionais, pela primazia do respeito aos direitos humanos, conforme o artigo 4º da Constituição de 1988", diz um trecho do manifesto em apoio ao petista. "A acusação de reforçar o antissemitismo faz parte da campanha de instrumentalização política do termo, ao considerar qualquer crítica ao Estado de Israel e seu governo como antissemita. 

O antissemitismo é um flagelo perigoso e deve ser combatido vigorosamente. Mas não significa ser antissemita condenar o apartheid e o desrespeito sistemático, por Israel, das decisões dos órgaõs da ONU e de leis internacionais humanitárias e de direitos humanos, incluindo a não prevenção de genocídio", afirma ainda. 

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Carta aberta a José Múcio Monteiro: perseguição ao Cel. Res. Marcelo Pimentel - Roberto Amaral

 Carta aberta a José Múcio Monteiro

Roberto Amaral
Caro amigo, 

Venho denunciar a perseguição política que de forma insidiosa e covarde, como toda perseguição política,  escalões superiores do exército do Estado brasileiro movem contra oficial que se tem destacado pela defesa da legalidade democrático-republicana. Legalidade seguidamente ofendida pelos seus algozes, e cujo império cumpre restabelecer. São esses, ministro, os nossos tempos: a ilegalidade governa e pune os que defendem a ordem democrática. 
 Denuncio o processo kafkiano com o qual o torturam, torturam seus familiares e ameaçam seus amigos, e peço sua intervenção enérgica, já no dia 1º de janeiro, quando, espera a nação cansada (mas ainda cheia de esperanças), estaremos retomando a interminável construção da democracia brasileira. Uma obra de Sísifo, pois, quando mais a supomos consolidada, mais a vemos ameaçada, como ainda agora. E mais ameaçada é a democracia quando a política partidária e a indisciplina, insuflada por oficiais-generais em comando, dominam os quartéis, tradicionalmente afeitos, em nosso país, à insubordinação e à insurgência. 
Árdua é a tarefa que o aguarda. 
A infâmia que denuncio ocorre aí, ao seu lado, no Recife, mas no silêncio dos quartéis, onde age impunemente a prepotência, e onde tanto agiu, em tempos que não podemos esquecer, a tortura de quantos pernambucanos e brasileiros de todos os quadrantes, muitos nossos amigos ou conhecidos, imolados na luta contra a ditadura militar instalada a partir do golpe de 1º de abril. Luta a qual, em novos termos, tivemos de retomar, desta feita para impedir a continuidade do projeto protofascista civil-militar instalado a partir do golpe que depôs Dilma Rousseff, a cujo governo servimos, cada um do seu modo. Luta que agora lhe incumbe dar continuidade  no desempenho de missão histórica que lhe delega o presidente Lula como depositário da vontade da nação, expressa no pleito de outubro último. Os velhos métodos do autoritarismo militar  – como as cassações de mandatos, as aposentadorias tanto quanto  as reformas compulsórias – são substituídos pela tentativa de, mediante punições disciplinares desamparadas de arrimo legal, enlamear a biografia de um oficial exemplar. Conhecendo os fatos, e apurando-os, a dignidade nos manda agir. Omitindo-nos, nos transformaríamos em cúmplices.
A  vítima da vez é o coronel da reserva Marcelo Pimentel, seu conterrâneo, e seu vizinho, cuja carreira – 38 anos na ativa do exército, 30 como oficial – encerrou como chefe do estado-maior no Comando da 7ª Região Militar, em Recife. 
Marcelo Pimentel – como não lhe será difícil apurar – foi instrutor, comandante do curso de artilharia e chefe da divisão de ensino em CPOR, capitão comandante de bateria de obuses, oficial de estado-maior em brigada de infantaria, comandante de grupo de artilharia de campanha, ordenador de despesas, adido de defesa e do exército em missão no exterior. Seguiu com louvor todos os cursos  requeridos a um coronel do quadro do estado-maior, sempre promovido por merecimento. Finalmente, concorreu em primeiro lugar à promoção ao generalato. 
É esse o oficial que a nomenclatura bolsonarista do exército, ainda governante, tenta ofender. Exatamente por isso: por haver sido, o coronel Marcelo, na ativa, um oficial brilhante, legalista e democrata; por continuar a ser, na reserva, um oficial democrata e legalista a quem desagrada a perniciosa partidarização da forças armadas que a desvia de suas finalidades constitucionais, ora  intervindo na vida civil, ora forcejando pelo inaceitável statu de autarquia política na democracia republicana – que, contra os quarteis, a nação tenta construir desde o golpe de 1889. O legalismo democrático,  que hoje é desvio para o estamento ainda governante, haverá de ser, no novo governo, com você no comando da defesa, o modelo do bom oficial. Mas é este modelo que se pretende abater punindo um oficial legalista, e eis o que lhe peço evitar.
A formação castrense de Marcelo Pimentel foi completada pela vida universitária e o curso de direito que o ajudou a compreender o significado do golpe de 1964. Na reserva, livre das justas amarras que limitam, ou deveriam limitar, a atividade político-partidária do oficial da ativa (restrição ignorada pela súcia fardada que comanda o país a partir do terceiro andar do palácio do planalto), dedicou-se à defesa da democracia e da disciplina militar quebrada pela criminosa radicalização do exército pela direita, obra de seus chefes graduados. As consequências, nos limites da tragédia, foram vividas nos últimos quatro anos, e, com os dados de hoje, ainda é justo temer sua sobrevivência no novo governo.
De que é acusado o coronel da reserva Marcelo Pimentel?
De em debates, palestras e artigos, em estudos acadêmicos, classificar como golpe de estado parlamentar a deposição de Dilma Rousseff, violência que, sabemos todos, contou com o decisivo  aval de oficiais do alto comando sob a liderança do próprio comandante do exército, o general Villas-Bôas. Que, não obstante suas circunstâncias pessoais, continua ameaçando o país com novas intervenções militares. 
Oficiais da ativa comprometidos com a continuidade do projeto protofascista não tergiversam quando se trata de, contra a lei e o regimento disciplinar, filiar-se a pregações partidárias e golpistas.  Assim se destacam, entre muitos, o  atual ministro da defesa, os três comandantes das armas e figuras menores como o general comandante da 10ª região militar, dando o tom da insubordinação que contamina o conjunto da tropa, adestrada para a obediência como reflexo condicionado. Descumprem a lei e o regimento disciplinar do exército, ao tempo que negam as garantias da Lei n° 7.524/86, que garante ao “militar inativo o direito à livre expressão do pensamento e da opinião sobre temas políticos, filosóficos, ideológicos e de interesse público, independentemente das disposições dos regulamentos disciplinares das Forças Armadas”. Esse direito está sendo negado ao coronel Marcelo Pimentel, e por isso vem ele colecionando processos e punições (contam-se em cinco), tanto constrangedoras quanto ilegais, todas violadoras dos princípios constitucionais que asseguram o direito à livre manifestação do pensamento. O objetivo é humilhar, intimidar. É a arte clássica do autoritarismo amparado na força.
Marcelo Pimentel é acusado ora de “desrespeitar superior hierárquico”, ora “de ofender Instituição-Exército”, por criticar, em artigo de jornal, a bolsonarização do exército e a participação de oficiais da ativa e da reserva na campanha eleitoral de 2018. É punido por haver aplaudido artigo publicado no Estadãono qual o autor, um acadêmico, oferece crítica à conduta de oficiais do exército nominados por desmandos no relatório final da CPI da Covid. 
A questão central é o anacrônico, impróprio, indevido, antirregimental e ilegal protagonismo político-partidário das cúpulas hierárquicas das forças armadas, amesquinhando as corporações ao transformá-las em partido político e fazer dos quartéis verdadeiros comitês-eleitorais, como foram  nas eleições de 2018 e 2022. A história republicana registra quão nociva é essa partidarização, e exige nosso permanente combate. 
Por que punir Marcelo Pimentel, que defende a ordem constitucional, e não aqueles que a tentam fraturar? 
Despreocupados com o tráfico de cocaína em aviões da FAB – vimos esse transporte até em aeronave presidencial – os serviços de inteligência não cessam de monitorar o coronel Pimentel, que vem a ser processado por haver produzido um tweet no qual faz restrições à nota-manifesto do insubordinado atual ministro da defesa (seguida de manifestação de igual teor e ilegalidade assinada pelos chefes das três forças) criticando o sistema eleitoral e a segurança da votação mediante as urnas eletrônicas, jogando assim mais lenha na pregação golpista do candidato à reeleição derrotado.
Pretexto após pretexto, o coronel Pimentel é agora punido por “publicar ato ou fato militar que possa contribuir para o desprestígio das forças armadas”. Sua indisciplina foi o registro na demora de atendimento de seu pai, em tratamento de um câncer, em hospital militar. Não se apura a eventual negligência do serviço público essencial, mas, pasme, a reclamação da vítima!
Está à vista que se trata de perseguição politica, inominável por definição, que não podemos admitir. Conheço esses fatos e os levo ao seu conhecimento porque me foram relatados pela vítima. Mas quantas outras muitas violências devem estar correndo Brasil afora, livres da denúncia da publicidade e fora do alcance do novo ministro da defesa? A perseguição ao coronel Marcelo Pimentel não pode ser vista como fato isolado, mas sua denúncia é oferecida como ponto de partida de uma ação enérgica que se reclama  do futuro ministro da defesa do governo democrático do presidente Lula para impedir a continuidade da ignomínia, pois não há conciliação possível com o inconciliável, tanto quanto é inconcebível a acomodação de forças antagônicas. Se não é possível punir os criminosos – admitamos apenas por argumentar –, que pelo menos possamos proteger suas vítimas. 
Receba um abraço esperançoso deste seu amigo.
Roberto Amaral

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Carta aberta ao Sr. Presidente da República - Paulo Roberto de Almeida

 Carta aberta ao Sr. Presidente da República:

Senhor presidente,

Como deve ser de seu conhecimento, o atual presidente russo, Vladimir Putin, invadiu, sem qualquer provocação ou ameaça, um país soberano vizinho à Rússia, a Ucrânia, em fevereiro de 2022, com milhares de tropas fortemente armadas, matou e destruiu patrimônio de milhares de ucranianos, levou milhões ao refúgio, fuga, exílio e emigração, fez alertas  quanto ao uso de armas de destruição em massa e incorporou ilegalmente territórios da Ucrânia à soberania russa.

Como todos esses atos violam o direito internacional, assim como diversos artigos da Carta da ONU, eles foram duramente criticados por vários países, que aplicaram sanções previstas nesse instrumento multilateral, ao qual o Brasil solenemente aderiu na conferência de San Francisco, realizada em 1945, ao cabo da mais horrenda conflagração militar em toda a História, da qual nosso país participou.

Nossa diplomacia, como também é do seu conhecimento, sempre defendeu o Direito Internacional e especificamente a Carta das Nações Unidas. Nossa Constituição exibe, entre as cláusulas internacionais do Art. 4, a solução pacífica das controvérsias, assim como a não intervenção nos assuntos internos de outros Estados.

Assim sendo, como diplomata, mas sobretudo como cidadão brasileiro, indago quando o Brasil confirmará tais tradições diplomáticas e o simples acatamento a prescrições constitucionais e do direito internacional, e adotará a postura que se espera de um país que segue o seu próprio ordenamento constitucional e as obrigações multilaterais de um tratado internacional integralmente incorporado à nossa própria ordem legal.

Pela petição, estritamente amparada na Constituição e na Carta da ONU, subscreve, esperançoso de ver o país juntar-se às nações amantes da paz e do Direito Internacional, este cidadão que serviu às nobres tradições da diplomacia nacional durante várias décadas.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 7 de outubro de 2022

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Carta aberta a um diplomata completamente fora do tom - Paulo Roberto de Almeida

 Carta aberta a um diplomata completamente fora do tom  

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[Objetivorecomendar renúnciafinalidade: declaração a colegas de carreira] 

 

Diplomata EA, 

Eu estava, recentemente, revisando a lista de minhas resenhas de livros – eu fiz centenas delas – e deparei-me com esta aqui, que na verdade nunca teve divulgação plena, pois a RBPI só publicava resenhas curtas, e eu sempre fiz resenhas-artigos, no modelo da The New York Review of Books, uma jornal literário da esquerda americana, que tenho certeza é do seu conhecimento. A ficha desta resenha, que acabo de publicar em sua íntegra, é esta aqui (e tenho certeza de que você também conhece o meu blog, muito crítico como sempre): 

518. “O Mercosul por quem o fez”, Brasília, 17 março 1996, 3 p. Resenha de Sérgio Abreu e Lima Florêncio e Ernesto Henrique Fraga Araújo: Mercosul Hoje (São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1996). Inédito na versão completa. Publicado em versão resumida na Revista Brasileira de Política Internacional (vol. 39, n. 1, janeiro-julho 1996, p. 175-177). Divulgado em versão integral blog Diplomatizzando (27/01/2021; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/01/o-mercosul-por-quem-o-fez-resenha-do.html). Relação de Publicados n. 194.

 

Ao reler a avaliação bastante positiva que fiz desse livro, constatei que, até o final de 2018, nunca mais havia lido qualquer coisa inteligível saída de sua pluma. Ouvi falar de dois ou três romances bizarros mas nenhum colega soube me dizer algo inteligível sobre eles, e a única resenha que li – de um jornalista da revista Época, logo ao início deste governo – não me motivou a buscá-los para tomar conhecimento do que poderia haver de interessante neles. Também deve ser de seu conhecimento que durante quase duas décadas eu assinei a seção Prata da Casa na revista da nossa Associação, resenhando a cada número quatro ou seis obras de diplomatas, mas nunca tive a oportunidade de receber esses “romances” para resenhar. Falha sua, pois quem sabe eu teria algo de inteligente a dizer sobre coisas antigas, quando o Brasil, ainda que ameaçado pela turma do Foro de S. Paulo e pelo marxismo cultural, parecia ser um país mais normal do que atualmente.

Em todo caso, quando voltei a lê-lo novamente, num blog de nome aparentemente inspirado nos círculos wagnerianos – Metapolítica 17: contra o globalismo –, confesso que fiquei estarrecido pelo conjunto de afirmações absurdas e propostas estapafúrdias. Foi tal o choque, que desandei imediatamente a formular argumentos contrários em meu blog Diplomatizzando – que eu chamo de quilombo de resistência intelectual –, o que deve tê-lo motivado a me exonerar do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais numa segunda-feira de Carnaval, uma data estranha para gesto já tão esperado. O choque e o estranhamento foram tais – não só daqueles escritos vitriólicos, mas também das entrevistas raivosas, dos discursos excêntricos, das aulas estranhas para os alunos do Instituto Rio Branco – que eu fiz aquilo que sempre faço quando me deparo com algo fora do normal: ponho-me logo a registrar minhas impressões e contra-argumentos. 

Até aqui foram quatro livros sobre essa estranha fase de nossa diplomacia, uma verdadeira Era dos Absurdos (a EA, que deve entrar para a história), o que me ocupou de uma forma absolutamente inútil, tendo em vista pesquisas sérias e livros mais consistentes que eu poderia estar escrevendo e publicando. Tenho certeza de que você também já tomou conhecimento desses livros, que podem tranquilamente ser acessados no meu citado blog, quaisquer que sejam seus sentimentos e reações a eles. Creio até que foi o primeiro desses livros – Miséria da Diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (2019) – que o motivou a tomar novas medidas punitivas contra mim, até por meio de ilegalidades, como o fato de cortar meu salário do mês de janeiro de 2020, a pretexto de “faltas injustificadas”, quando eu havia justificado cada uma delas (em duas, aliás, estávamos juntos em eventos dos bravos militares, no Forte Apache e no próprio Ministério da Defesa). Eu poderia lhe dizer que a raiva não é boa conselheira, mas não creio que adiantasse muito, pois desde a Guerra de Troia, ela já produziu muitos gestos insensatos nas relações humanas.

Pois foi quando “redescobri” essa resenha nunca publicada integralmente que tomei a decisão de escrever-lhe uma carta aberta, como convém num caso de interesse público, como é essa horrível gestão sua à frente de nosso tão infeliz ministério. Nunca assistimos, em 200 anos de construção do Brasil pela sua diplomacia – parafraseando a obra já clássica de um colega, o embaixador Rubens Ricupero, que também deve fazer parte de sua biblioteca, tenho certeza disso – um itinerário tão desastroso na condução de nossa política externa. Sei que muito disso é devido aos aloprados no poder, aquela família de crenças ultrapassadas, e até mesmo reacionárias, e não a seus sentimentos profundos. 

Mas, ao fim e a cabo, é o seu nome que está em causa, numa quase unanimidade da mídia, como associado à pior gestão do Itamaraty desde o início sob a responsabilidade de um dos pais da pátria e ao longo de dois séculos de lento estabelecimento de uma diplomacia reconhecida como excelente por todos os nossos parceiros externos, a começar pelos vizinhos e todas as grandes potências. Não é mais o caso atualmente, tanto é que assistimos incrédulos ao seu discurso do Dia do Diplomata de 2020, quando, de sua própria boca, saiu a fatídica palavra: “sejamos párias”. Foi uma declaração original em 200 anos de independência, como todos saberemos reconhecer; talvez tenha sido o ponto mais baixo de sua desastrosa gestão, uma espécie de epitáfio que há de permanecer como a marca única e distintiva de um período vergonhoso, mas que ocupará mais algumas páginas de um futura obra que devo ainda escrever: uma história sincera do Itamaraty, na qual relatarei os pontos mais baixos de sua horrorosa gestão. 

Pois é com base em todas essas constatações que eu me permito recomendar-lhe a única coisa decente que você ainda poderia fazer para aliviar nossas agruras de diplomatas de carreira: renuncie EA, faça isso em benefício da Casa que o acolheu tão bem nas últimas três décadas, mas que agora se encontra deprimida pelo pavoroso cenário de fracassos evidentes e de alucinações delirantes. Reparou que eu sequer o chamei de “chanceler acidental”, o que fiz de forma consciente ao longo dos últimos dois anos? Acredito que o adjetivo é plenamente devido, mas o substantivo não lhe cabe, pois essa qualificação só se aplica a quem conduz, de fato, a implementação da política externa, o que nunca foi o seu caso.

Para sua tranquilidade, e antes que o seu caso se agrave ainda mais, renuncie, para o alívio da quase totalidade de seus colegas, e até de certos membros da família, que levam o terrível constrangimento de verem destruídos os fundamentos da política externa pela qual tanto lutaram, entre ventos e marés, inclusive a diplomacia blindada do regime militar. Sua gestão é um desastre, suas ideias são anacrônicas ou delirantes, seu servilismo a dirigentes estrangeiros é uma vergonha não só para os diplomatas, mas para todos os brasileiros. Salve o que pode ainda ser salvo de sua carreira renunciando, inclusive para não me obrigar a escrever um quinto livro sobre esta Era dos Absurdos diplomáticos.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3848, 27 de janeiro de 2021