Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
Como deve ser de seu conhecimento, o atual presidente russo, Vladimir Putin, invadiu, sem qualquer provocação ou ameaça, um país soberano vizinho à Rússia, a Ucrânia, em fevereiro de 2022, com milhares de tropas fortemente armadas, matou e destruiu patrimônio de milhares de ucranianos, levou milhões ao refúgio, fuga, exílio e emigração, fez alertas quanto ao uso de armas de destruição em massa e incorporou ilegalmente territórios da Ucrânia à soberania russa.
Como todos esses atos violam o direito internacional, assim como diversos artigos da Carta da ONU, eles foram duramente criticados por vários países, que aplicaram sanções previstas nesse instrumento multilateral, ao qual o Brasil solenemente aderiu na conferência de San Francisco, realizada em 1945, ao cabo da mais horrenda conflagração militar em toda a História, da qual nosso país participou.
Nossa diplomacia, como também é do seu conhecimento, sempre defendeu o Direito Internacional e especificamente a Carta das Nações Unidas. Nossa Constituição exibe, entre as cláusulas internacionais do Art. 4, a solução pacífica das controvérsias, assim como a não intervenção nos assuntos internos de outros Estados.
Assim sendo, como diplomata, mas sobretudo como cidadão brasileiro, indago quando o Brasil confirmará tais tradições diplomáticas e o simples acatamento a prescrições constitucionais e do direito internacional, e adotará a postura que se espera de um país que segue o seu próprio ordenamento constitucional e as obrigações multilaterais de um tratado internacional integralmente incorporado à nossa própria ordem legal.
Pela petição, estritamente amparada na Constituição e na Carta da ONU, subscreve, esperançoso de ver o país juntar-se às nações amantes da paz e do Direito Internacional, este cidadão que serviu às nobres tradições da diplomacia nacional durante várias décadas.
O Estado da Arte, O Estado de S. Paulo, 05/06/2020
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Em artigo publicado em meados de 2019 neste Estado da Arte, questionando a legitimidade e a legalidade do inquérito das fake news, bem como o avanço do Supremo Tribunal Federal sobre competências de outros Poderes, mencionei que “vários juristas e cientistas políticos entendem que, com a queda da monarquia, o Poder Moderador, atribuído ao Imperador pela Constituição de 1824, teria passado tacitamente aos militares e, a partir da Constituição de 1988, ao Poder Judiciário – ou, mais especificamente, ao STF”.
A recente crise institucional – motivada por ações judiciais, entrevistas, notas à imprensa e manifestações públicas – trouxe à tona novamente a questão do Poder Moderador, construção teorizada por Benjamin Constant e concretizada, na prática, no art. 98 de nossa Constituição do Império (1824). Na letra da Constituição, competia ao Imperador exercer tal mister, como “chave de toda a organização política” e “chefe supremo da nação”, “para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais Poderes Políticos”.
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Agora, aparecem vozes sugerindo que o art. 142 da Constituição de 1988 conferiria às Forças Armadas o Poder Moderador, no sentido de que, usurpando um Poder a competência de outro ou desbordando daquela que a Lei Fundamental lhe outorgou, poderia o aparato militar agir para garantir a independência e a harmonia entre os Poderes (art. 2º da Constituição). Essa a interpretação que extraem da previsão de que as Forças Armadas “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Uma leitura sistemática da Constituição, e não “em tiras” – a expressão é de Eros Grau[1] –, mostra a inviabilidade lógica e jurídica dessa exegese. Como lograriam as Forças Armadas arbitrar um conflito de atribuições entre os Poderes Políticos, se, conforme o art. 142, podem ser chamadas a atuar por provocação de qualquer deles para garantir a lei e a ordem? Diante de convocações simultâneas de dois Poderes em conflito, reclamando a ação das Forças Armadas em sentidos diametralmente opostos e, portanto, inconciliáveis, caberia aos militares a “interpretação constitucional do litígio” e, assim, uma função de guarda da Constituição ad hoc? Evidentemente, a resposta é negativa.
Desde 1891, com a promulgação da nova Constituição, nossa República tem duas grandes inspirações no que concerne ao chamado princípio da separação de Poderes: Montesquieu e os founding fathers estadunidenses. De Montesquieu, herdamos os postulados de equilíbrio e moderação entre os Poderes Políticos,[2] de inibição recíproca entre estes,[3] com vista a garantir a liberdade e evitar o despotismo. De seu turno, os founding fathers legaram-nos o federalismo e, a partir de John Marshall e pelas mãos de Ruy Barbosa, a atribuição ao Poder Judiciário de examinar a constitucionalidade das leis e dos atos dos demais Poderes. Se, no Império, a “chave de toda a organização política” estava no Poder Moderador, na República, the key-stone of our political fabric – palavras de George Washington em carta a John Jay[4] – deslocou-se para o que se tinha por the least dangerous branch – palavras de Alexander Hamilton.[5]
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Dessas premissas, podemos extrair algumas conclusões. A primeira é que crises políticas se resolvem politicamente – e não com recurso à força ou “às Forças”. Como expôs sabiamente, na década de 1920, Hermes Lima, Ministro do STF aposentado compulsoriamente após a edição do AI-5, “o fim da política, da arte verdadeira de governar, será a formação de instituições oportunas capazes de transformar em energia civil, […], em energia legal, a quantidade dinâmica de violência, que é a seiva perpetuamente renovada das reivindicações sociais”.[6]
A segunda conclusão, relacionada diretamente à primeira, é que, ao falar na atribuição das Forças Armadas de “garantia dos poderes constitucionais”, a Constituição não está se referindo à defesa de um Poder em detrimento de outro, mas sim ao conjunto da ordem legal e das competências do Poder Público, competências essas que têm natureza antes de dever do que de poder, prerrogativa ou direito. Por conseguinte, advogar que a Constituição abre as portas para o emprego das Forças Armadas em um embate entre Poderes vai frontalmente contra a ideia de Montesquieu, segundo o qual “como, pelo movimento das coisas, eles são obrigados a avançar, serão obrigados a avançar concertadamente”.[7]
A derradeira conclusão é que, embora seja demasiado falar que o Poder Judiciário ou, mais especificamente, o STF exerce o que um dia se chamou de Poder Moderador, a Constituição outorgou a este o que se vem chamando de “última palavra provisória”, no sentido de que a Lei Fundamental prevê os caminhos para a solução de conflitos, os quais têm um ponto final dentro de cada rodada procedimental, “que pode ser recomeçada indefinidamente”.[8] Exemplos claros disso são emendas constitucionais promulgadas como reação a decisões do STF, bem como a previsão de concessão de anistia pelo Congresso Nacional, com sanção do Presidente da República (art. 48, VIII), mecanismo de caráter eminentemente político que implica não apenas o perdão, mas o esquecimento da prática de um crime,[9] ainda que transitada em julgado a decisão condenatória.
Não poucas vezes tem errado o STF, dentro e fora dos autos; não poucas vezes tem ido além de suas competências – seja ocupando supostos vácuos de poder, seja avançando sobre questões que foram legítima e constitucionalmente tratadas pelos demais Poderes. Os equívocos do STF são de tal monta que é válido questionar se ele continua mesmo inofensivo, como via Hamilton, se ainda se mantém como o “menos perigoso dos Poderes”. Todavia, contra essas ocorrências, a Constituição previu tudo o que se pode fazer dentro da ordem, que não pode estar “à mercê de golpes que contra ela se desfiram fora dos processos legais do seu remodelamento”.[10] Nesse sentido bem se esclareceu que o povo, como delegante, “retém o poder de controlar os governos que ele formou, não por meios de golpes violentos e ilegais de força revolucionária, mas pelos meios previstos na Suprema Lei, que ele mesmo se traçou”[11] – e por certo não está entre esses instrumentos o uso das Forças Armadas para “harmonizar” os Poderes.
O ora famigerado art. 142 está incluído no Título V da Constituição Federal – Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas – Instituições Democráticas, conjunto indissolúvel, cujas partes são inoponíveis entre si, senão na forma da Carta de 1988. Como disse certa feita um Ministro aposentado do STF, a Lei Fundamental “não dá tiro no próprio pé”, não é suicida; não há como, portanto, ter previsto o uso da força por um Poder contra o outro. Repita-se: problemas políticos são resolvidos politicamente. Aqueles que se dedicam a clamar por AI-5 e intervenções militares bem fariam em considerar a lição de Hermes Lima: “Quem está com a Constituição? Esse estará na ordem, esse o conservador”.[12]
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Notas:
[1] GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes: a interpretação/aplicação do direito e os princípios. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 86-87.
[2] GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 9. ed.. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 223-230.
[3] MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 166; FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Direito Constitucional: liberdade de fumar, privacidade, estado, direitos humanos e outros temas. Barueri, SP: Manole, 2007, p. 400; AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello. Sobre a organização de poderes em Montesquieu: comentários ao capítulo VI do livro XI de O espírito das leis. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 97, v. 868, fev. 2008, p. 63.
ABI: "Os crimes que se imputam ao Exmo. Senhor Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, têm previsibilidade constitucional no art. 85, III e IV da Constituição da República, e estão tipificados no art. 7º, incisos 7 e 8, e art. 9º, incisos 4 e 7, da lei 1079/50."
ABI: "O comportamento criminoso do Sr. Jair Messias Bolsonaro na Presidência da República afronta os valores nos quais se fundamentam a República brasileira (art. 1º da CR), a independência e harmonia dos poderes (art. 2º da CR), os objetivos fundamentais da República (art. 3º da CR) e os princípios pelos quais se rege nas relações internacionais (art. 4º da CR)."
Conferindo:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Vamos rever:
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I - independência nacional;
II - prevalência dos direitos humanos;
III - autodeterminação dos povos;
IV - não-intervenção;
V - igualdade entre os Estados;
VI - defesa da paz;
VII - solução pacífica dos conflitos;
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X - concessão de asilo político.
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.
Finalmente:
Artigo 7º, incisos 7 e 8, da Lei 1079/1950:
São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais:
(...)
7 - incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina; G.N.
8 - provocar animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis; G.N.
Este é daqueles livros que mereceriam a atribuição de um critério especial de avaliação. Creio que a possibilidade de conferir “seis estrelas” seria um ótimo símbolo para representar a maravilhosa experiência proporcionada por este livro.
De início, o texto muito bem escrito por Paulo Roberto de Almeida (organizador) reflete bem as ideias de Roberto Campos e traduz, com base também nos textos disponíveis na obra, as críticas que seriam (foram) feitas a diversas condições normativas e alterações políticas que marcaram a edificação a aplicação das normas presentes no Texto Supremo.
Por qualquer dos extremos que se possa olhar em torno dos críticos e teóricos do constitucionalismo – represento os extremos por Burke e Lassalle, por exemplo – é possível enxergar o acerto daqueles que afirmam que o grande problema das constituições é a produção de um texto que não reflete e não se ampara no contexto. Um descolamento entre a constituição escrita e a realidade posta. Uma oportunidade para alguns preservarem interesses em detrimento das liberdades individuais.
Se este livro fosse intitulado como “A Constituição que não é (era) para o Brasil” também reproduziria bem o conteúdo dos brilhantes escritos de Roberto Campos. Mas, entendo que a escolha do título foi oportuna diante das críticas direcionadas a todos os fatos e acordos políticos que conjugaram esforços para a elaboração da Constituição de 1988.
Este livro é uma oportunidade para conhecer as raízes sociais, econômicas e políticas do Brasil daquele período, e reconhecer críticas de um autor que definitivamente não abraça teses acadêmicas em vigor ou ideias que são tradicionalmente defendidas e propagadas pelos “especialistas”.
Especialmente os textos finais apresentam os maiores debates em torno de questões econômicas relevantes e daquilo que se poderia conceber como a liberdade preservada na ordem constitucional de 1988. As críticas elaboradas na época permanecem atuais, dados os efeitos (ou ausência de mudanças significativas) que podemos perceber após três décadas de vigência da chamada Carta Cidadã.
Se alguém tiver acesso ao livro e quiser compreender a qualidade – ter um verdadeiro incentivo para ler o livro inteiro – e o tom das críticas elaboradas – e bem-humoradas – de Roberto Campos recomendo logo de início a leitura do texto 46 do livro “Besteira preventiva”. A sensação de que nós brasileiros estamos carentes de críticos mais profundos e intensos na atual imprensa será generalizada. Desafio o leitor do livro que não concluir a leitura com esta percepção!
Adquiri praticamente todos os livros lançados pela LVM em 2018. Ainda não conclui as leituras de “Rumo a uma sociedade libertária” de Walter Block e “A bela anarquia” de Jeffrey Tucker. Mesmo assim, creio que seja pela qualidade em todos os sentidos do livro, e da indiscutível clareza e pertinência dos textos de Roberto Campos reunidos nessa obra, tenho certeza de que este é o grande lançamento da LVM neste ano. 17 pessoas acharam isso útil
18 de fevereiro de 2019 O título se deve primeiro ao fato de que ao ler este livro percebe-se que o Brasil perdeu uma oportunidade de ouro de se tornar moderno em 1987-8; o segundo sentido é que ao lermos os ensaios de Roberto Campos podemos ver o que há de errado em nossa atual Constituição e buscar meios de desfazer tais erros. As análises que mais gostei da obra foram as que trataram da informática, da exploração de petróleo e minérios e o fato dos 3 poderes invadirem uns aos outros. É triste perceber que coisas como voto distrital e investimento estatal prioritário na educação básica já eram propugnados por Roberto Campos nos últimos decênios do século passado, mas só agora voltam a aparecer na boca de certos políticos. Trata-se de uma obra que deve ser divulgada ao máximo para que as pessoas percebam os motivos de nosso país ser um gigante com pés de barro.
24 de janeiro de 2019 O ambiente jurídico brasileiro necessita, urgentemente, de mais publicações do tipo. Como estudante de direito, sinto falta de mais obras com a cosmovisão apresentada nos ensaios do Roberto Campos que sejam direcionadas à seara jurídica. Não à toa que os nossos juristas são, em maioria, estatistas declarados ou inconscientes. Carregam a mesma mentalidade - ou pior - dos nossos constituintes. Isso é preocupante, pois a situação do Brasil pede mais prudência e um consequente distanciamento dos nossos "progressistas retrógrados". Creio que nossa história ratificou o dizer do Roberto: que "a proposta das esquerdas brasileiras é comer a semente destinada ao plantio". Ah... a ironia e o sarcasmo são figuras de linguagem presentes em todos estes ensaios reunidos! Em suma, necessitávamos de uma obra que descrevesse o verdadeiro ambiente promiscuo que deu luz à nossa constituição, retirando aquele ar, artificialmente construído em torno da sua promulgação. Em relação ao acabamento do livro, é bonito, mas a qualidade é questionável, pois em 01 semana de leitura a lombada descolou por completo, conforme a foto. Os ensaios reunidos neste livro merecem um acabamento de maior qualidade!
2 de janeiro de 2019 O livro foi lançado num momento oportuno, no qual vemos um maior interesse da sociedade pela política, sobretudo econômica. Impossível lê-lo e não refletir com olhar crítico sobre o formato e função da nossa constituição, independente da preferência política que o leitor tenha, claro que se deve levar em conta a visão liberal do autor. Além disso, temos a oportunidade de contato com o notável estilo textual de Roberto Campos, um dos patriarcas do liberalismo no Brasil.
Texto introdutório ao livro
de Paulo Roberto de Almeida (org.), Roberto Campos, A Constituição Contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte
e a Constituição de 1988 (São Paulo: LVM, 2018, 448 p.; ISBN:
978-85-93751-39-4).
[Objetivo:
contribuição a seleção de ensaios; finalidade: livro sobre Roberto
Campos]
Ensaio serviu de base a um dos
capítulos deste livro:
Paulo Roberto de Almeida
(org.), Roberto Campos, A Constituição Contra o Brasil: ensaios de
Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 (São
Paulo: LVM, 2018, 448 p.; ISBN: 978-85-93751-39-4).
Roberto Campos e a
instabilidade constitucional brasileira
Com a possível
exceção da Petrobras – que ele chamava, carinhosamente, de “Petrossauro” –, a
Constituição brasileira de 1988 foi um dos mais constantes objetos da birra de
Roberto Campos, que a ela dirigiu um volume razoável de críticas acerbas. Não
só a ela, obviamente, mas ao conjunto de regulações infraconstitucionais,
intrusivas e equivocadas, que sempre dificultaram, quando não obstaram por
completo, a criação e a manutenção de um ambiente de negócios relativamente
favorável à acumulação de capital, à incorporação ou criação de tecnologias
avançadas, assim como à simples criação de empregos, de riqueza e de bem-estar
e prosperidade para a população como um todo. E não apenas a partir dela,
evidentemente, pois todo o arcabouço institucional brasileiro, sempre exerceu
uma tremenda barreira à criação de novos negócios, em bases privadas, ao mesmo
tempo em que atribuía ao Estado grande primazia nos empreendimentos
considerados “estratégicos”, inclusive por parte de uma elite sempre mais
focada nos favores estatais do que no empreendedorismo de risco.
As características
negativas da carta constitucional, bem como do ambiente legal como um todo, em
vigor no Brasil desde sempre, mas particularmente agravadas pela Constituição
de 1988, constituíram um dos maiores irritantes ao longo da brilhante carreira
de tecnocrata intelectual que foi a de Roberto Campos desde a República de 1946
até a chamada “Nova República”. Não surpreende, assim, que, em primeiro lugar,
o processo de elaboração constitucional de 1987-88 e que, depois, o texto saído
do Congresso Constituinte, promulgado em outubro de 1988, tenham merecido
justas críticas do mais brilhante intelectual brasileiro da segunda metade do
século XX.