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quarta-feira, 12 de junho de 2024

Chanceler venezuelano participa em cúpula do BRICS e reforça rumores sobre entrada no bloco - Opera Mundi

Chanceler venezuelano participa em cúpula do BRICS e reforça rumores sobre entrada no bloco

Opera Mundi | política e economia

10 de junho de 2024 

Os rumores sobre o ingresso da Venezuela como um dos novos membros do BRICS a partir de 2025 se fortaleceram nesta segunda-feira (10/06) devido à presença do chanceler do país sul-americano Yván Gil, na cúpula de ministros de Relações Exteriores do bloco, realizada na cidade russa de Nizhny Novgorod.

A presença de ministro venezuelano no evento realizado na Rússia foi significativa, já que ele foi um dos quatro chanceleres presentes que não é representante de um país membro do BRICS - os outros três foram os representantes da Bielorrúsia, Sergei Aleinik, da Turquia, Hakan Fidan, e de Cuba, Bruno Rodríguez Parrilla.

A aproximação de Gil dos demais chanceleres do BRICS vai se encontro a uma das promessas de campanha de Nicolás Maduro, que buscará sua segunda reeleição no pleito que ocorrerá na Venezuela no próximo dia 28 de julho.

Em diversos comícios, e também em seu programa de televisão semanal "Con Maduro +", o mandatário venezuelano vem afirmando que atuará pessoalmente para conseguir o aval do líder russo Vladimir Putin para que seu país seja aceito no BRICS, para o lugar que a Argentina rechaçou em dezembro passado, por decisão de Javier Milei.

Mauro Vieira
A cúpula dos chanceleres dos BRICS foi a primeira desde o ingresso ao bloco de cinco novos membros, em janeiro deste ano: além dos representantes mais antigos, como Brasil, Índia, China e África do Sul, além da anfitriã Rússia, também estiveram presentes os ministros de Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã.

O Brasil foi representado pelo chanceler Mauro Vieira, cujo discurso no evento enfatizou que o BRICS "materializa a crescente influência do Sul Global nos assuntos internacionais".

Vieira também questionou a inação das entidades a nível global com relação ao massacre que Israel vem promovendo contra os civis palestinos residentes na Faixa de Gaza.

"As Nações Unidas e outras instituições multilaterais estão marginalizadas ou paralisadas, e o direito internacional, incluindo princípios humanitários básicos, está sendo flagrantemente desconsiderado, como estamos testemunhando em Gaza", reclamou o chefe do Itamaraty.


quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Carta Aberta de apoio ao presidente e ao chanceler no caso da iniciativa contra Israel por genocidio na Faixa de Gaza

 Carta Aberta de apoio ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República Senhor Luiz Inácio Lula da Silva e ao Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Mauro Vieira

17 de janeiro de 2024

O governo da África do Sul apresentou, em 29 de dezembro passado, uma petição à Corte Internacional de Justiça da Organização das Nações Unidas (ONU), em Haia, órgão com 15 juízes que julga disputas entre Estados, com o apoio de 67 países, inclusive o Brasil. A petição acusa o Estado de Israel de descumprir a Convenção de Prevenção e Punição do Genocídio de 1951.

 No dia 10 de janeiro, em uma nota do Ministério das Relações Exteriores, o presidente da República relatou os esforços e ações que seu governo tem feito em inúmeros fóruns, em prol do cessar fogo, da libertação dos reféns e da proteção da população civil em Gaza. Destacou ainda a atuação incansável do Brasil no exercício da presidência do Conselho de Segurança para promover uma solução diplomática para o conflito.

À luz da continuidade de flagrantes violações ao direito internacional humanitário em Gaza, o presidente Lula manifestou seu apoio à iniciativa da África do Sul de acionar a Corte Internacional de Justiça, para que

 determine que Israel cesse imediatamente todos os atos e medidas que possam constituir genocídio ou crimes relacionados nos termos da Convenção de Genocídio.

A decisão do presidente da República suscitou críticas como a alegação de uma suposta falta de coerência da diplomacia brasileira ao apoiar a ida à Corte, que foi considerada em discordância com a política externa de equilíbrio entre Israel e a Palestina, e teria por objetivo a deslegitimação de Israel quebrando a irmandade(sic) com o povo judeu, reforçando o antissemitismo.

Não há incoerência alguma na diplomacia brasileira. Essas críticas ignoram que o Estado brasileiro tem se guiado, nas relações internacionais, pela primazia do respeito aos direitos humanos, conforme o artigo 4o da Constituição de 1988. A política externa brasileira sob a

 constitucionalidade democrática sempre respeitou a primazia das normas internacionais e das decisões de órgãos multilaterais.

Qualquer referência à crise em Gaza deve ser examinada, como asseverou recentemente o secretário-Geral da ONU, no contexto da história das relações entre Israel e o povo palestino. A manutenção da equidistância nas relações do Brasil advém da situação das duas partes do conflito, sob o ângulo das obrigações do Brasil em face da legislação internacional: o Estado de Israel, como potência ocupante, e a Palestina ocupada, submetida a anos de apartheid, 56 anos de ocupação militar e a 16 anos de bloqueio em Gaza.

Muitas críticas apontam que o processo na Corte deixa de lado o exame dos ataques do Hamas em 7 de outubro. Porém, o Hamas não pode ser parte em um processo perante a Corte Internacional de Justiça, que examina apenas

 disputas entre Estados. A Corte examinará a defesa de Israel, que culpa o Hamas pelas mortes de civis e não pela sua própria conduta. Em qualquer hipótese, o órgão judicial que pode penalizar os crimes de guerra do Hamas é o Tribunal Penal Internacional (que investiga e processa indivíduos), mas Israel impediu o procurador do Tribunal de entrar em Gaza diante do risco de que ele pudesse investigar e processar autoridades oficiais de Israel.

 A acusação de reforçar o antissemitismo faz parte da campanha de instrumentalização política do termo, ao considerar qualquer crítica ao Estado de Israel e seu governo como antissemita. O antissemitismo é um flagelo perigoso e deve ser combatido vigorosamente. Mas não significa ser antissemita condenar o apartheid e o desrespeito sistemático, por Israel, das decisões dos órgaõs da ONU e de leis internacionais humanitárias e de direitos humanos, incluindo a não prevenção de genocídio. Conforme observado pela Declaração de Jerusalém e pelo The Nexus Document sobre antissemitismo, equiparar falsamente antissemitismo com crítica a Israel prejudica a importante luta conta o antissemitismo.

Lamentavelmente todas essas críticas hipócritas à decisão do governo em cartas jactanciosas, editoriais, avalanche de notas na mídia social não levam em conta natureza, âmbito e extensão dos ataques militares de Israel a Gaza, com um bombardeio contínuo durante 100 dias em uma das regiões mais densamente povoadas do mundo, forçando a evacuação de 1,9 milhão de pessoas (85% da população de Gaza) de suas casas, deslocadas para áreas cada vez mais exíguas, sem abrigo adequado, onde continuam a ser bombardeadas, mortas, feridas e privadas de necessidades básicas para sobrevivência. Os ataques já mataram mais de 23 mil palestinos. Gaza se transformou em um cemitério de mais de 10 mil crianças, com milhares de feridos com amputações sem anestesia, desaparecidos, supostamente enterrados sob os escombros. Foram mortos 82 jornalistas, muitos com suas famílias extensas. Mais de 150 funcionários da ONU foram mortos, mais do que em qualquer outro conflito nos 78 anos de história da organização.

Israel destruiu vastas áreas de Gaza, incluindo bairros inteiros, danificou ou destruiu mais de 355 mil casas palestinas, terras agrícolas, padarias, escolas, quatro universidades, empresas, mesquitas e locais de culto, cemitérios, sítios culturais e arqueológicos, serviços municipais e instalações de água e saneamento e redes de eletricidade, sistema médico e de saúde palestinos. Israel continua a reduzir Gaza a escombros, matando, ferindo e destruindo a população e criando condições de vida que a petição da África do Sul alega serem calculadas para a destruição física dos palestinos como grupo étnico e nacional.

 Os aqui abaixo assinados apoiam o governo democrático do Brasil e concordam com a decisão tomada pela diplomacia brasileira junto à Corte Internacional de Justiça. Nesse sentido, apoiamos o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e o ministro de Estado das Relações Exteriores, embaixador Mauro Vieira.

PAULO SÉRGIO PINHEIRO, Ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos

KENNETH ROTH, Ex-diretor Executivo da Human Rights Watch

EMBAIXADOR JOSÉ MAURÍCIO BUSTANI, Ex-diretor Geral da Organização para Proibição de Armas Químicas

JUAN E. MENDEZ, Ex-assessor Especial do Secretário-Geral da ONU para a Prevenção do Genocídio

FABIO KONDER COMPARATO, Professor Emérito da Faculdade de Direito, USP

EMBAIXADOR TADEU VALADARES, Ex-diretor do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais, Ministério das Relações Exteriores

JAMES CAVALLARO, Ex-presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, OEA

MARILENA CHAUI, Professora Emérita, Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, USP

PAULO VANNUCHI, Ex-ministro de Direitos Humanos

REGINALDO NASSER, Professor de Relações Internacionais, PUC-SP

ROGERIO SOTTILI, Ex-ministro de Direitos Humanos

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA, Ex-ministro da Fazenda, Ex- ministro da Administração Federal e da Reforma do Estado

EMBAIXADOR EDUARDO ROXO

LUIZ EDUARDO SOARES, Antropólogo e Escritor, Ex-secretário Nacional de Segurança Pública

NILMA LINO GOMES, Ex-ministra da Igualdade Racial

EMBAIXADOR FRANCISCO ALVIM

JOSE ́LUIZ DEL ROIO, Historiador, Ex-senador da Itália

IDELI SALVATI, Ex-senadora, Ex-ministra de Direitos Humanos MILTON HATOUM, Escritor

ELEONORA MENICUCCI DE OLIVEIRA, Ex-ministra de Políticas para as Mulheres

BRENO ALTMAN, Jornalista

SALEM NASSER, Professor de Relações Internacionais, FGV-Direito

PEPE VARGAS, Deputado Estadual- RS e Ex-ministro de Direitos Humanos

LAURA GREENHALGH, Jornalista

MARIA DO ROSARIO, Deputada Federal, Ex-ministra de Direitos Humanos

MARIA VICTORIA DE MESQUITA BENEVIDES, Professora Emérita da Faculdade de Educação, USP

BRUNO HUBERMAN, Professor de Relações Internacionais, PUC-SP EMBAIXADOR JOSÉ VIEGAS FILHO, Ex-ministro da Defesa


sábado, 13 de janeiro de 2024

Professor e ex-chanceler Celso Lafer questiona os fundamentos jurídicos da associação do Brasil à iniciativa da África do Sul de acusar Israel de genocídio

Ao tomar conhecimento da associação do Brasil à iniciativa da África do Sul de iniciar uma denúncia de Israel, junto à Corte Internacional de Justiça, como praticante de ações similares a genocídio no caso da guerra contra o Hamas na Faixa de Gaza, primeiro por uma declaração política improvisada do presidente Lula, depois por meio de uma nota oficial do Itamaraty, logo percebi que a finalidade tinha pouco a ver, ou praticamente nada, com o Direito Internacional, e tudo a ver com política das mais desprovidas de correta fundamentação diplomática. Lamento que o Itamaraty se tenha dobrado a esse tipo de ação.

A carta do professor e ex-chanceler Celso Lafer explicita claramente o que está em jogo na questão: não é nem a condenação de Israel. É simplesmente a PERDA DE CREDIBILIDADE DA DIPLOMACIA BRASILEIRA.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 12/01/2024


  


sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Brasil reitera vontade de receber Putin no G20 apesar da ordem de detenção internacional (Lusa)

Brasil reitera vontade de receber Putin no G20 apesar da ordem de detenção internacional

Lusa, 28/12/2023


O Governo brasileiro reiterou hoje, através do ministro das Relações Exteriores, a sua vontade em receber o Presidente da Rússia na cimeira do G20 de 2024 e desvalorizou a ordem de detenção internacional

Se ele quiser vir, nós ficaremos muito contentes que esteja presente nas reuniões no Brasil”, disse Mauro Vieira, referindo-se ao Presidente russo, Vladimir Putin, em entrevista à BBC Brasil.

O chefe da diplomacia brasileira desvalorizou ainda as responsabilidades que o país tem perante o Tribunal Penal Internacional (TPI).

Em março de 2023, um ano após a invasão russa da Ucrânia, o TPI emitiu um mandado de detenção contra Vladimir Putin por crimes de guerra relacionados com a deportação forçada de crianças ucranianas.

O mandado fez com que o Presidente russo não participasse, por exemplo, presencialmente na reunião dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) que se realizou na cidade sul-africana de Joanesburgo, em agosto passado.

Mauro Vieira, questionado sobre a possibilidade de Putin ser preso no Brasil, atirou: “não sei. Acho que não. Espero também que não. Não sei. Nós não tomaremos nenhuma iniciativa para que isso aconteça”.

Sobre se é “obrigado a cumprir?” disse que “não. Tem que haver a ordem”, insistiu.

No início do mês, o Presidente brasileiro, Lula da Silva, confirmou que vai convidar o homólogo russo para a cimeira do G20 no Rio de Janeiro, mas avisou que o seu país tem responsabilidades perante o Tribunal Penal Internacional.

“Putin vai ser convidado, venha ou não, ele tem um processo [no TPI], tem de avaliar as consequências. Não sou eu quem pode dizer isso. É uma decisão judicial e um Presidente da república não julga decisões judiciais, cumprindo-as ou não”, disse Lula da Silva, citado pelo jornal O Globo.

“Se [Putin] vier, sabe o que vai suceder. Pode acontecer ou não. Ele não faz parte desse tribunal, não é signatário, nem os Estados Unidos. O Brasil faz. Como o Brasil é signatário, o Brasil tem responsabilidades”, acrescentou o Presidente brasileiro.

Já antes, em setembro, o Lula da Silva anunciou que convidaria Putin para a cimeira do G20, em novembro no Rio de Janeiro, garantindo-lhe também que não seria detido, enfrentando de seguida fortes críticas sobre o desrespeito da separação entre o poder político e judicial.

O Brasil, que exerce a presidência do G20 desde o primeiro dia de dezembro, convidou Portugal, Angola, Egito, Emirados Árabes Unidos, Espanha, Nigéria, Noruega e Singapura para observadores da organização

 

quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Se Putin vier ao Brasil, ficaremos muito contentes, diz Mauro Vieira - Entrevista BBC NEWS

 Se Putin vier ao Brasil, ficaremos muito contentes, diz Mauro Vieira


Mauro Vieira comanda, pela segunda vez, Ministério das Relações Exteriores

Author: Leandro Prazeres

BBC News em Brasília, 
27/12/2023

O Ministro das Relações ExterioresMauro Vieira, disse em entrevista exclusiva à BBC News Brasil que o governo brasileiro ficará "contente" se o presidente da Rússia, Vladimir Putin, vier ao Brasil durante a cúpula do G20, em novembro de 2024, apesar de o russo ser alvo de um mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por supostos crimes de guerra cometidos na Ucrânia.

"Se ele (Putin) quiser vir, nós estaremos muito contentes que esteja presente e nas reuniões do Brasil", disse Vieira.

A possível vinda de Putin ao Brasil vem causando polêmica porque o Brasil é signatário do TPI desde 2000 e ratificou o tratado que criou o tribunal dois anos depois.

O tribunal é um órgão vinculado à Organização das Nações Unidas e que julga crimes de guerra. Como é signatário do tratado, especialistas afirmam que o Brasil poderia ser obrigado a executar a prisão de Putin caso ele pise em território nacional.

Em março deste ano, o tribunal expediu um mandado de prisão contra Putin e outros agentes do governo russo por conta de supostos crimes cometidos durante as ações militares russas em território ucraniano.

Segundo a decisão, Putin teria participação na deportação de milhares de crianças ucranianas para a Rússia após o início da guerra entre os dois países, em fevereiro de 2022.

O governo russo vem, reiteradamente, rejeitando as acusações de crimes de guerra. Além disso, o país não é signatário do tribunal (assim como países como Estados Unidos, Índia e Israel).

Apesar disso, o receio de uma eventual prisão foi apontado, em agosto deste ano, como um dos motivos pelos quais Putin não compareceu pessoalmente à Cúpula dos BRICS, em Joanesburgo, na África do Sul. Os sul-africanos também são signatários do TPI.

Ainda sobre este caso, Mauro Vieira disse que caso o presidente russo venha ao Brasil no ano que vem, o governo brasileiro não tomará medidas para que Putin seja preso.

"Nós não tomaremos nenhuma iniciativa para que isso aconteça", disse Vieira.

A fala de Vieira está alinhada à posição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que, em setembro deste ano, disse que Putin não seria preso.

"O que eu posso dizer é que, se eu for presidente do Brasil e se ele for para o Brasil, não há porque ele ser preso", declarou Lula a uma TV indiana.

Dias depois, porém, Lula mudou o tom da resposta, afirmando que uma decisão sobre uma eventual prisão de Putin caberia à Justiça e não ao governo.

Balanço e foco africano

Mauro Vieira é um considerado por diversos de seus pares como um dos quadros mais experimentados da história recente do Itamaraty, nome pelo qual o Ministério das Relações Exteriores do Brasil é conhecido.

Esta é a segunda vez que ele assume o comando da pasta. A primeira foi entre 2015 e 2016, durante o último ano do mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Além disso, ele ocupou três dos postos de maior prestígio da diplomacia brasileira: as embaixadas do Brasil na Argentina e nos Estados Unidos e o cargo de representante permanente do país na Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York.

Visto como um nome próximo às gestões petistas, Mauro Vieira foi enviado à embaixada do Brasil na Croácia durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Após a vitória de Lula nas eleições de 2022, seu nome ganhou força e foi confirmado como futuro chanceler.

Em entrevista à BBC News Brasil, Mauro Vieira defendeu a quantidade de viagens internacionais feitas por Lula durante o primeiro ano de seu novo mandato.

Entre janeiro e dezembro deste ano, o petista saiu do Brasil 15 vezes, visitou 24 países e passou mais de 60 dias no exterior.

Segundo Mauro Vieira, havia um "vácuo total" e o Brasil precisava fazer um movimento de "reinserção" na ordem internacional.

Vieira também defendeu a retomada do financiamento brasileiro de projetos tocados por empresas brasileiras no exterior como forma de aumentar a presença do país em regiões como a África.

O chanceler também disse que ainda haveria tempo hábil para que a conclusão do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, mas admitiu que, após fevereiro do ano que vem, essa janela de oportunidade tende a ficar menor por conta das eleições para o Parlamento Europeu.

Confira os principais trechos da entrevista, que foi editada para fins de clareza e concisão.

BBC News Brasil - Neste ano, o presidente Lula e o senhor viajaram bastante e houve críticas sobre o que seria uma falta de foco da política externa brasileira, uma vez que ela teria aberto muitas frentes. O senhor concorda com essa crítica e qual vai ser o foco da política externa do Brasil em 2024?

Mauro Vieira - Em primeiro lugar, eu não concordo.

Acho que ele (Lula) tinha de viajar até mais do que viajou. O presidente não viajou mais porque ele é muito requisitado aqui no Brasil. Dentro das circunstâncias, ele fez ótimos circuitos.

Em segundo lugar, havia um vácuo total. Não havia Brasil no mundo. Não se falava do Brasil e nem se chamava o Brasil para nada. O Brasil não participava de nenhuma concertação (internacional), não era consultado para nada nas Nações Unidas. Diante desse vácuo, ele (Lula) tinha que fazer o que fez [...] Este foi um movimento de reinserção.

No ano que vem, ele vai começar por uma coisa que nós estamos estrategicamente planejando para ser uma volta à África. Ele vai começar por uma visita à sede da União Africana, que fica em Adis Abeba (capital da Etiópia), onde ele vai fazer para a assembleia anual da União Africana. Depois, deve visitar outros dois países africanos.

BBC News Brasil - Sobre a África, nos últimos anos, diversos projetos que anteriormente poderiam ser tocados por empresas brasileiras passaram a ser executados por empresas de outros países, em especial as chinesas. Na sua avaliação, o Brasil perdeu o "bonde" da África?

Mauro Vieira - Não acho, não. Nós temos, inclusive, similaridades enormes com os países africanos. O que acontece lá é o seguinte: a China, com a economia que eles têm, participa não só do começo (dos projetos), mas com grandes financiamentos. Eles financiam obras públicas, fazem doações, uma série de coisas. Não podemos e nem queremos competir. Não estamos competindo com a China. Temos capacidades próprias e faremos coisas por lá. Um exemplo: há um grande interesse pelas ações de cooperação técnica. A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) é um grande ativo brasileiro. Todo mundo pede parcerias.

BBC News Brasil - O senhor mencionou que o Brasil não quer e nem vai competir com a China. No passado, o Brasil, por meio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico), tinha instrumentos para financiar projetos de infraestrutura em outros países. Desde a Operação Lava Jato, esses instrumentos foram extintos. Hoje, o tema voltou a ser discutido no Brasil. Na sua avaliação, o Brasil deveria voltar a financiar projetos no exterior?

Mauro Vieira - Eu não tenho dúvidas de que sim. Se dependesse de mim, sim, mas não depende. É um instrumento importantíssimo e valeria a pena porque são financiamentos de produtos ou serviços brasileiros. Houve um momento em que havia um projeto de cooperação técnica em que a gente (o Brasil) dava cursos nos países e vendia tratores de pequeno porte para a agricultura. Era um negócio fantástico. Esses financiamentos sempre foram feitos a empresas e prestadoras de serviços brasileiras [...] Eu sei que (o financiamento a projetos no exterior) era muito criticado, mas isso nunca foi caridade, nunca foi doação. Ao contrário, era financiamento. A exportação de produtos que criava empregos e gerava impostos no Brasil.


BBC News Brasil - Gostaria de abordar o Mercosul. O Brasil e a Bolívia são os únicos países do Mercosul governados por presidentes de esquerda ou de centro-esquerda. Qual o impacto disso para o futuro do bloco? Fica mais difícil negociar com presidentes ideologicamente diferentes?

Mauro Vieira - Não. O Mercosul é tão importante para todos os países que tudo se supera. O presidente do Paraguai (Santiago Peña) tem uma proximidade e uma admiração muito grande pelo presidente Lula e ele vem de uma linha política diferente. No Uruguai é a mesma coisa. O presidente Luis Alberto Lacalle Pou tem orientação política diferente (à de Lula) e fez grandes elogios dizendo que tudo o que acertou com o presidente brasileiro foi cumprido [...] Para você ter uma ideia, nos últimos quatro anos, o Uruguai não tinha aderido às declarações finais do Mercosul. Neste ano, no Brasil, com o presidente Lula, ele aderiu.

BBC News Brasil - Sobre o Mercosul, havia uma expectativa de que o acordo comercial com a União Europeia fosse fechado até o final da cúpula do bloco. No início de dezembro. O acordo não foi fechado. A informação que circulou é de que o governo argentino do ex-presidente Alberto Fernández, recuou na última hora. Foi isso mesmo o que ocorreu e quão surpreendente foi esse movimento?

Mauro Vieira - Não foi surpreendente.

BBC News Brasil - Mas foi isso que aconteceu?

Mauro Vieira - Um pouco foi isso (o que aconteceu) [...] O governo argentino do Alberto Fernández não quis tomar uma decisão sobre um acordo que ia ser totalmente concluído e executado no mandato seguinte. Ele preferiu esperar e deixar essa decisão para o próximo presidente. Coisa que em nada impede a conclusão do acordo. Nós temos ainda até final de fevereiro para aplainar as últimas diferenças e fechar o acordo. Ele (Alberto Fernández) não quis assumir, dois ou três dias antes de deixar o governo, responsabilidades e compromissos que cairiam sobre o próximo governo.

BBC News Brasil - Depois de fevereiro, a janela de oportunidade para o fechamento do acordo fica menor?

Mauro Vieira - Acho que sim porque, na União Europeia, eles vão entrar em eleições para o Parlamento Europeu, para a Comissão (Europeia) e para a Presidência do Conselho (Europeu). Haverá circunstâncias eleitorais próprias deles. Mas acho que o tempo que temos até lá é mais que suficiente.

BBC News Brasil - O presidente argentino, Javier Milei, fez movimentos distintos na campanha e após vencer as eleições. Na campanha, usou palavras de baixo calão para se referir ao presidente Lula. Após a vitória, no entanto, enviou sua chanceler (Diana Mondino) ao Brasil e convidou o presidente Lula para sua posse. Mas também posou com o principal adversário do presidente Lula, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Como o senhor avalia esses movimentos e quão confiável é o governo de Javier Milei sob a perspectiva brasileira?

Mauro Vieira - É confiável pelas declarações feitas a mim pessoalmente, nas duas ocasiões que eu estive com a chanceler Diana Mondino.

Ela veio ao Brasil 15 dias antes da posse e conversamos por uma hora. Depois disso, conversamos na véspera da posse, em Buenos Aires. E ela disse que quer trabalhar com o Brasil.

E quando eu estive com o presidente Milei, em duas oportunidades, [...] ele também disse a mesma coisa. Mandou um recado muito claro de que quer trabalhar com o Brasil e de que os interesses entre os dois países são muito grandes e de que há abertura.

Nós também fizemos gestos em relação a eles [...] Apoiamos um pedido de financiamento deles junto à CAF (Cooperação Andina de Fomento), que foi a prova importante de que trabalharemos juntos porque o interesse nacional está acima de qualquer ideologia.

BBC News Brasil - Ainda sobre a América do Sul, gostaria de falar da recente crise na região de Essequibo, entre a Guiana e a Venezuela. Considerando que o Brasil tem uma relação próxima com o regime venezuelano, o Brasil demorou a agir em relação aos movimentos feitos por Nicolás Maduro, que realizou um referendo sobre a criação de um estado venezuelano sobre o território em disputa?

Mauro Vieira - O Brasil tem boas relações com todo mundo, não apenas com a Venezuela. Em primeiro lugar, a gente sempre falou desse tema. Nem toda a diplomacia pública você anuncia, mas nós sempre falamos desse assunto com os dois lados. Não demoramos, nada. Quando as notícias começaram a subir de intensidade, o presidente Lula mandou imediatamente um emissário, o embaixador Celso Amorim, para levar à Venezuela a nossa posição sobre o assunto que é a posição de que apoiamos a solução pacífica de controvérsias.

BBC News Brasil - O presidente da Guiana, Irfaan Ali, disse à BBC News Brasil que não descarta autorizar uma base militar americana no território do seu país. Em que medida uma base militar americana compromete a posição do Brasil na região?

Mauro Vieira - Eles (Guiana) nunca nos disseram isso [...] Oficialmente, não tenho essa notícia. Agora, em relação a bases de países estranhos à região, no nosso continente, nós não queremos. A América Latina e a América do Sul são uma zona de paz. Nós não queremos bases estrangeiras. É um toma sobre o qual não temos notificações oficiais, mas é tema sobre o qual poderemos conversar com os nossos vizinhos.

BBC News Brasil - Integrantes do próprio governo afirma em caráter reservado que Maduro fez esse movimento em torno de Essequibo para aglutinar sua militância com vistas às eleições de 2024. O Brasil teme que Maduro faça outras investidas do tipo até as eleições e que elas possam gerar tensão na região?

Mauro Vieira - Investidas em que sentido?

BBC News Brasil - Como a ocorrida em torno da região de Essequibo.

Mauro Vieira - Eu não posso interpretar as projeções futuras ou mesmo fazer projeções futuras ou interpretar atitudes de chefes de estado. O que eu posso dizer é que mantemos um ótimo diálogo com a Venezuela. Reabriremos formalmente a nossa embaixada em Caracas, no dia 4 de janeiro. Indicamos uma embaixadora experiente (Glivânia Maria de Oliveira) e vamos retomar o diálogo que nos interessa. Temos mais de 2 mil quilômetros de fronteira com a Venezuela há mais de 20 mil brasileiros morando lá. Queremos e devemos ter diálogo com a Venezuela, como também com a Guiana e com todos os demais países.

BBC News Brasil - As pesquisas mais recentes mostram o ex-presidente Donald Trump a frente do presidente Joe Biden na corrida eleitoral dos Estados Unidos. Considerando que já sabemos como foi o seu mandato, o que uma eventual eleição de Trump alteraria nas relações entre Brasil e Estados Unidos?

Mauro Vieira - Essa será uma decisão tomada pelos eleitores norte-americanos. No mais, há interesses de cada lado. É preciso continuar procurando o seu interesse na relação que é muito grande e muito forte [...] Quem assumir vai manter uma relação com o Brasil no nível que eles acharem que é importante para o Brasil e para eles. Temos um comércio importante e eles ainda são, e continuarão a ser por algum tempo, os maiores investidores no Brasil. Eu acho que não dá para não ter relações só porque as orientações políticas de cada um são diferentes.

BBC News Brasil - No ano que vem, haverá a cúpula do G20 no Brasil. O presidente Lula já disse que provavelmente vai convidar o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ao Brasil. Considerando que existe um mandado de prisão contra ele pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), qual seria o tamanho do constrangimento da vinda do presidente Putin para o Brasil nesse contexto?

Mauro Vieira - Olha... ele (Lula) não vai convidar... (Putin) está convidado porque é membro nato, fundador do BRICS e todos os países, inclusive os novos, estão convidados. Isso a gente tem que ver a cada caso. Há sempre, mesmo nas normas do TPI, tratamentos para os chefes-de-Estado que a gente tem que examinar. Se ele (Putin) quiser vir, nós estaremos muito contentes que esteja presente e nas reuniões do Brasil.

BBC News Brasil - Mas há a possibilidade de ele vir a ser preso aqui no Brasil?

Mauro Vieira - Não sei. Acho que não. Espero também que não. Não sei. Nós não tomaremos nenhuma iniciativa para que isso aconteça.

BBC News Brasil - Mesmo o Brasil sendo signatário do TPI?

Mauro Vieira - Há tantos países que são...

BBC News Brasil - Mas por ser signatário do TPI, o Brasil não estaria obrigado a cumprir uma decisão do tribunal?

Mauro Vieira - Obrigado a cumprir? Não. Tem que haver a ordem. Senão seria como o TNP (Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares) que é sobre não proliferação e desarmamento e só se pensa no desarmamento, na proliferação ninguém dá importância. Enfim... não é assim. Cada circunstância é uma circunstância.

Crédito, Reuters

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