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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Brasil reitera vontade de receber Putin no G20 apesar da ordem de detenção internacional (Lusa)

Brasil reitera vontade de receber Putin no G20 apesar da ordem de detenção internacional

Lusa, 28/12/2023


O Governo brasileiro reiterou hoje, através do ministro das Relações Exteriores, a sua vontade em receber o Presidente da Rússia na cimeira do G20 de 2024 e desvalorizou a ordem de detenção internacional

Se ele quiser vir, nós ficaremos muito contentes que esteja presente nas reuniões no Brasil”, disse Mauro Vieira, referindo-se ao Presidente russo, Vladimir Putin, em entrevista à BBC Brasil.

O chefe da diplomacia brasileira desvalorizou ainda as responsabilidades que o país tem perante o Tribunal Penal Internacional (TPI).

Em março de 2023, um ano após a invasão russa da Ucrânia, o TPI emitiu um mandado de detenção contra Vladimir Putin por crimes de guerra relacionados com a deportação forçada de crianças ucranianas.

O mandado fez com que o Presidente russo não participasse, por exemplo, presencialmente na reunião dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) que se realizou na cidade sul-africana de Joanesburgo, em agosto passado.

Mauro Vieira, questionado sobre a possibilidade de Putin ser preso no Brasil, atirou: “não sei. Acho que não. Espero também que não. Não sei. Nós não tomaremos nenhuma iniciativa para que isso aconteça”.

Sobre se é “obrigado a cumprir?” disse que “não. Tem que haver a ordem”, insistiu.

No início do mês, o Presidente brasileiro, Lula da Silva, confirmou que vai convidar o homólogo russo para a cimeira do G20 no Rio de Janeiro, mas avisou que o seu país tem responsabilidades perante o Tribunal Penal Internacional.

“Putin vai ser convidado, venha ou não, ele tem um processo [no TPI], tem de avaliar as consequências. Não sou eu quem pode dizer isso. É uma decisão judicial e um Presidente da república não julga decisões judiciais, cumprindo-as ou não”, disse Lula da Silva, citado pelo jornal O Globo.

“Se [Putin] vier, sabe o que vai suceder. Pode acontecer ou não. Ele não faz parte desse tribunal, não é signatário, nem os Estados Unidos. O Brasil faz. Como o Brasil é signatário, o Brasil tem responsabilidades”, acrescentou o Presidente brasileiro.

Já antes, em setembro, o Lula da Silva anunciou que convidaria Putin para a cimeira do G20, em novembro no Rio de Janeiro, garantindo-lhe também que não seria detido, enfrentando de seguida fortes críticas sobre o desrespeito da separação entre o poder político e judicial.

O Brasil, que exerce a presidência do G20 desde o primeiro dia de dezembro, convidou Portugal, Angola, Egito, Emirados Árabes Unidos, Espanha, Nigéria, Noruega e Singapura para observadores da organização

 

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

À CNN, ministro Mauro Vieira rebate críticas sobre força da China nos Brics - CNN Brasil

 À CNN, ministro Mauro Vieira rebate críticas sobre força da China nos Brics

CNN Brasil Online
27 de agosto de 2023

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O ministro das Relações ExterioresMauro Vieira, rebateu as críticas de que a expansão dos Brics teria fortalecido os interesses da China sem que o Brasil tivesse benefícios com a decisão."Não concordo com esse tipo de análise. Primeiro, porque as decisões dos Brics são por consenso. Então, os cinco países concordaram. Se algum deles fosse contra a expansão era só ter se declarado e não haveria a expansão", disse o ministro com exclusividade à CNN.O Itamaraty sempre afirmou que o Brasil não era contra a expansão, mas que defendia, antes, a adoção de alguns princípios para determinar que nações poderiam aderir ao bloco - e em que momento.

"Desde o princípio dissemos que precisaríamos ter critérios para adesão de novos países. E essa expansão com seis novos países, que a partir do ano que vem vão fazer parte do grupo, não está fechando o grupo No futuro, outros países vão se candidatar e decidiremos se poderão ser incluídos também", afirmou o ministro. Segundo o chanceler, pelo menos três critérios defendidos pelo Brasil foram adotados pelos Brics na cúpula de líderes do bloco, realizada na semana passada em Joanesburgo, na África do Sul, para esta e futuras expansões. O primeiro é o comprometimento de todos os candidatos com reformas do sistema de governança global, especialmente a ONU e o seu Conselho de Segurança. Como parte das negociações com a própria China, a maior interessada na expansão do bloco para atender aos seus interesses na disputa geopolítica contra os Estados Unidos, os Brics concordaram no comunicado final da cúpula em incluir uma mensagem explícita de que Brasil, Índia e África do Sul deveriam ter mais poder e espaço dentro do Conselho de Segurança da ONU. Embora não seja uma declaração explícita de que Pequim apoia a entrada desses países como membros com assento permanente no Conselho, o Itamaraty considera que houve uma mudança positiva expressiva na postura chinesa

O segundo ponto diz respeito à implantação de um mecanismo para que o comércio intrabloco seja feito em moedas locais, reduzindo a dependência do dólar em importações e exportações. "Colocamos algumas propostas (durante a cúpula dos líderes), como o estudo pelos ministros das Finanças de cada um dos países sobre encontrar um mecanismo que permita que o comércio bilateral de cada país com os outros países do grupo seja feito nas moedas nacionais. Isso é um passo muito importante, muito rápido. Isso vai agilizar o comércio internacional entre os países do bloco e também baratear as operações", disse o ministro à CNN. Por fim, a menos polêmica das propostas: o Brasil defende que qualquer expansão leve em consideração o equilíbrio regional. Por isso, o Itamaraty defendeu em todas as negociações a inclusão da Argentina no bloco. Não está claro, no entanto, se o país vizinho irá de fato aderir ao grupo em caso de vitória da oposição ao governo do peronista Alberto Fernandez nas eleições deste ano. Fernandez é amigo de Lula, que citou o presidente argentino na Cúpula ao dizer que os dois países atuariam juntos em mais um fórum global."Tivemos um importante avanço na colocação de prioridades e critérios para a reforma da governança global. Foi aceito pelos cinco países dos Brics a necessidade de reforma do Conselho de Segurança da ONU, em ambas as categorias, com menções específicas aos demais três países dos Brics que não são membros permanentes do Conselho de Segurança, que são Brasil, Índia e África do Sul. Então, são duas importantes conquistas e depois a ampliação do grupo trazendo seis novos países sendo mantida a representatividade regional", afirmou o ministro.

terça-feira, 20 de abril de 2021

Como teria sido Merquior como chanceler? - Paulo Roberto de Almeida

 Como teria sido Merquior ministro das Relações Exteriores, um chanceler da inteligência, um diplomata da cultura universal?

Ofereci minha opinião no parágrafo final de meu longo ensaio sobre sua obra de sociologia política:

(...)

“Teria Merquior sido um grande chanceler para o Brasil? Provavelmente sim, mas creio que o Itamaraty seria muito pequeno, e muito burocrático, para ele. No cargo, poderia ter reformado rituais e comportamentos do estamento diplomático, num sentido iluminista, liberal e liberista; mas ainda assim, isso seria pouco para o seu espírito libertário. 

O que ele teria feito, certamente, seria iluminar com a sua notável inteligência os métodos e os objetivos de trabalho, colocando a razão, e o sentido da História, acima de quaisquer outras conveniências conjunturais, o que provavelmente teria provocado resistências burocráticas, corporativas e de grupos de interesse econômico. 

Seria tolerante com os pecados menores de uma burocracia tradicional como o Itamaraty, mas teria deixado uma marca indelével na instituição. 

Para repetir sua tese na London School, inauguraria um período de “burocracia carismática” na velha Casa de Rio Branco, o que talvez a tivesse transformado para sempre, inaugurando novos padrões de inteligência. Vários colegas, dotados do mesmo espírito, mas hoje cingidos pelas regras sacrossantas da hierarquia e da disciplina, partilhariam e apoiariam tais intenções. 

Teria sido divertido...”


O ensaio completo está na brochura José Guilherme Merquior: um intelectual brasileiro, que tornei disponível neste dia do diplomata de 2021.

Procurem na minha página da plataforma Academia.edu (seção Varia), ou no blog Diplomatizzando.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 20/04/2021

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Discurso do chanceler Carlos França aos diplomatas (7/04/2021)

 Um discurso claro, direto, simples, realista, tocando em questões reais da diplomacia profissional do Brasil, sem nenhuma daquelas loucuras, circunlóquios e confabulações fantásticas que ouviamos nos tempos do ex-chanceler acidental, o que deve ter deixado os diplomatas aliviados.

Uma única observação: os diplomatas no exterior, assim como todos os demais servidores em missões oficiais, NÃO PODEM ser submetidos a uma “Lei do Abate Teto” concebida e aplicada para salários no Brasil EM REAIS. Transformar isso em limite no exterior ao câmbio volátil de cada momento não é apenas ERRADO: é de uma ESTUPIDEZ INCOMENSURÁVEL! As despesas em dólar (ou em qualquer outra moeda) NÃO VARIAM, com qualquer variação das paridades do Real que se aplique. Um salário de US$ 10 mil, bastante modesto para despesas correntes com filhos e casa no exterior, pode ficar abaixo de R$ 15 mil, com um câmbio a 1/1,5 (como já esteve), ou perfurar o “teto” (IDIOTA), como o câmbio a mais de 5,5 como está AGORA. Volto a repetir: o Abate-Teto para o exterior é de uma ESTUPIDEZ MONUMENTAL, só possível para causídicos que não têm a menor noção do que seja câmbio ou economia.

Paulo Roberto de Almeida


Em cerimônia com diplomatas, Carlos França pede diálogo no Itamaraty

Reunião foi fechada a servidores

Pede canal aberto com colegas

E “espírito de coesão institucional” 

O novo chefe do Ministério das Relações Exteriores, Carlos França, disse que "a renovação, a adaptação e a superação de desafios são marcas indeléveis da diplomacia brasileira". Na foto, o chanceler durante cerimônia de transmissão de cargo no Palácio do Planalto Marcos Corrêa/PR - 6.abr.2021


Poder 360, 07.abr.2021 (quarta-feira) - 0h27

Em uma cerimônia fechada a diplomatas nesta 3ª feira (6.abr.2021), o novo ministro de Relações Exteriores, Carlos Alberto Franco França, pediu aos funcionários da pasta que mantenham “o espírito de coesão institucional” e um diálogo aberto com o chanceler. Leia a íntegra (74 KB) de seu discurso.

A reunião vem depois da cerimônia de posse no Itamaraty, realizada na manhã desta 3ª feira. Nela, o chanceler, que é ex-assessor especial de Bolsonaro, disse que as missões diplomáticas e os consulados do Brasil no exterior estarão engajadas em “uma verdadeira diplomacia da saúde”, buscando as vacinas e remédios disponíveis junto a governos e farmacêuticas.

A gestão anterior, de Ernesto Araújo, foi marcada por polêmicas envolvendo declarações contra a China e conspirações sobre a pandemiaMas o recrudescimento da crise sanitária no país e a demanda por vacinas e material para a fabricação de imunizantes fez com que a conduta do ex-chanceler virasse alvo de críticas. Os presidentes do Congresso, Rodrigo Pachecoe de Arthur Lira, de governadores passaram a questionar a eficiência de sua gestão. Os próprios diplomatas pediram a sua renúncia. O ex-ministro então acabou demitido no dia 29 de março, depois de forte pressão de congressistas para que deixasse o cargo.

Além de problemas atrelados à pandemia, Carlos França afirmou que a instituição sofre de “desafios crônicos” e “deficiências estruturais”. Citou limitações orçamentárias na progressão da carreira dos funcionários da pasta, diz que há “gargalos de gestão administrativa; dificuldades de lotação; participação e representação das mulheres na carreira [da diplomacia], além de aplicação de teto remuneratório para diplomatas no exterior, que segundo o chanceler “afeta muitos funcionários em postos com custo de vida elevado”.

O ministro empossado cita experiência no exterior por 12 anos. Afirmou que veio de uma turma que teve como Paraninfa uma mulher, a embaixadora Tereza Maria Machado Quintella, dizendo que a questão da representatividade feminina sempre esteve presente entre os integrantes do grupo.

O novo chefe do ministério disse que “a renovação, a adaptação e a superação de desafios são marcas indeléveis da diplomacia brasileira”. Lembrou então os diplomatas de que o Brasil é o país com o 5º maior território do mundo e que vive “em paz com seus vizinhos há 150 anos”. Delegou o mérito das as marcas à linhagem diplomática da pasta, citando Alexandre de Gusmão, Duarte da Ponte Ribeiro e o Barão do Rio Branco.

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Carlos França também falou sobre a energia no Brasil, citando a construção da Usina Binacional de Itaipu, como resultado do “exemplo de diplomatas visionários”. Disse que o país foi capaz de desenvolver um programa de energia nuclear “em plena Guerra Fria”. Exaltou também serviços prestados pelo ministério a brasileiros no exterior, como as missões de repatriação“de mais de 30.ooo brasileiros” em meio à pandemia.

O chefe das Relações Exteriores então concluiu a mensagem afirmando que as pessoas que compõem a pasta são “o patrimônio mais precioso do Itamaraty”, e que quer dialogar com todos. O chanceler afirmou que terá desafios pela frente, falando em  “trabalho de unidade” para chegar ao final da crise.

LEIA A ÍNTEGRA DO DISCURSO DE CARLOS ALBERTO FRANCO FRANÇA

“Senhoras e senhores Embaixadores, senhores Secretários e Chefes de Departamento, os colegas todos,

Decidi que um dos meus primeiros atos após a posse seria dirigir-me diretamente à Casa, neste momento sem precedentes de crise sanitária, onde é mais fundamental do que nunca que mantenhamos o espírito de coesão institucional e um canal aberto de comunicação entre nós.

A pandemia impõe desafios especiais ao Itamaraty – tanto na gestão da nossa política exterior, aqui na Secretaria de Estado, quanto em nossa rede de 218 embaixadas, delegações, consulados, vice-consulados e escritórios, no Brasil e no exterior.

A pandemia afetou as vidas de todos, em todo o mundo, e nós não somos exceção. Estou muito sensível à situação dos milhares de diplomatas, oficiais de chancelaria, assistentes de chancelaria e outros servidores, todos colegas que compõem a família do Serviço Exterior Brasileiro, da qual há 30 anos orgulhosamente faço parte.

Tenho plena consciência dos imensos esforços – e frequentemente dos sacrifícios – dos colegas. São esforços e sacrifícios necessários para manter a excelência do trabalho que fazemos em nome do Brasil e, ao mesmo tempo, lidar com questões às vezes inéditas, e não menos complexas, na esfera pessoal e familiar.

Para as nossas famílias com filhos em idade escolar, a pandemia impôs carga adicional de cuidados, que se agravou no exterior, como sabemos, onde não contamos com rede mais ampla de apoio.

Prezados colegas,

Sei que as dificuldades que o Itamaraty vive não são apenas circunstanciais e relacionadas à pandemia. Tenho bem presentes os desafios crônicos e as deficiências estruturais que também enfrentamos e que nos impactam de diferentes maneiras. Penso, por exemplo, em temas de progressão funcional; limitações orçamentárias; gargalos de gestão administrativa; dificuldades de lotação, particularmente nos postos C e D; participação e representação das mulheres na carreira de diplomata; e na aplicação do abate-teto no exterior, que afeta muitos funcionários em postos com custo de vida elevado.

Eu e o Secretário-Geral designado, Embaixador Fernando Simas Magalhães, não pouparemos esforços para enfrentar esses e outros desafios – sempre atentos às demandas e ao sentimento da Casa, e com o objetivo maior de melhorar nosso ambiente de trabalho, racionalizar métodos e fomentar o enorme talento humano de nossa instituição.

Eu me permito aqui fazer uma observação pessoal. Os primeiros cinco anos da carreira eu vivi na administração. Aqui no Ministério, foi na administração que eu nasci, em uma época de particular escassez de recursos financeiros e orçamentários. Essa era a realidade em que nasci e que fui criado aqui na Casa. Eu estou muito ciente e muito sensível a essa questão.

Gostaria também de recordar, e me permito fazê-lo sem desconsiderar a experiência de outros colegas, que, dos 12 anos que passei no exterior – 12 anos consecutivos –, mais da metade, seis anos e meio, foram cumpridos em postos da classe C, onde a vida frequentemente é difícil, e onde o profissionalismo dos funcionários do Serviço Exterior Brasileiro é testado dia a dia. Eu vivi pessoalmente essas experiências; essas palavras são palavras que vêm realmente do meu sentimento.

Da mesma maneira, eu gostaria de lembrar que venho da turma Ulisses Guimarães, uma turma que teve como Paraninfa uma mulher, a embaixadora Tereza Maria Machado Quintella, de modo que logo ao início da minha carreira, já antes, no Instituto Rio Branco, antes até de tomar posse como Terceiro Secretário, era presente a questão de gênero, a questão da representação das mulheres na nossa carreira. Devo lembrar até – Otávio Brandelli, nosso Secretário-Geral, o embaixador Brandelli é um colega de turma, há tantos outros aqui, Pedro Miguel, outros que vejo, Pedro Wollny, Sarquis, não estou enxergando direito, então vou parar de citar, senão não cito os outros – lembrar que a primeira embaixadora da minha turma foi a embaixadora Gisela Maria Figueiredo Padovan, foi a primeira colega de turma a ser promovida embaixadora. Foi promovida junto com o embaixador Haroldo, mas ela foi a primeira, porque mais antiga. De modo que essas questões não são questões vazias, não são questões que coloquei no papel apenas para que sejam interesses corporativos. São, mas são questões às quais eu estive submetido, eu estive sensível desde o início de minha carreira, desde que entrei aqui no Itamaraty, há 30 anos atrás.

Estimados colegas,

O Itamaraty sempre esteve – e continuará a estar – à altura do momento.

Todos conhecemos as contribuições desta Casa para o Brasil. Nosso acervo diplomático é motivo de justificado orgulho.

A hora é oportuna para recordar que a renovação, a adaptação e a superação de desafios são marcas indeléveis da diplomacia brasileira.

Gostamos sempre de lembrar, e com razão: vivemos hoje em um país com o quinto maior território no mundo graças a uma linhagem diplomática que começou antes da Independência e passa por nomes como Alexandre de Gusmão, Duarte da Ponte Ribeiro e o Barão do Rio Branco. Se vivemos em paz com nossos dez vizinhos há mais de 150 anos, também isso devemos à visão de nosso Patrono.

Apenas para mencionar área em que trabalhei diretamente, a da energia, evoco o exemplo de diplomatas visionários cujo trabalho abriu caminho para a construção da usina binacional de Itaipu, que transformou a infraestrutura brasileira e impulsionou nosso desenvolvimento econômico. Itaipu, é sempre bom repetir, foi resultado de delicada composição de interesses com dois de nossos mais importantes vizinhos estratégicos.

Novamente com o concurso da diplomacia, fomos capazes de, em plena Guerra Fria, desenvolver um programa de energia nuclear, com fins exclusivamente pacíficos, outra legítima demanda do desenvolvimento soberano.

E, claro, temos ainda uma tradição de relevantes serviços prestados à comunidade brasileira no exterior. É o ponto de contato mais direto e pessoal do Itamaraty com a população que representamos e defendemos. Quero relembrar as bem-sucedidas missões de repatriação de mais de trinta mil brasileiros retidos no exterior por ocasião da pandemia. Elas são mais um exemplo da dedicação e do profissionalismo que constituem os traços distintivos do nosso Serviço Exterior. Traços que só fazem sobressair em fases críticas como a que agora atravessamos.

Esse é o Itamaraty que sempre nos inspira: o Itamaraty que encara as dificuldades de cada momento e que as vence; que identifica oportunidades na adversidade; que reconhece seus melhores talentos e os mobiliza para promover o interesse nacional; que compreende o valor da transmissão da experiência acumulada às gerações mais modernas.

O patrimônio mais precioso do Itamaraty, não há dúvida, são as pessoas que o compõem. Quero dialogar com a Casa, na certeza de que o diálogo e o debate respeitoso são a chave para o nosso crescimento institucional.

Como de outras vezes, chegaremos ao fim da atual crise mais fortes e confiantes. E o faremos com sentido de unidade, de responsabilidade e profissionalismo.

Não subestimo, é claro, os desafios que teremos pela frente. Mas sinto-me seguro para enfrentá-los, porque sei do que somos capazes de alcançar coletivamente, num quadro de confiança recíproca e trabalho colaborativo.

Sei que, ao lidar, um a um, com aqueles desafios, terei o apoio de cada um de vocês.

Muito obrigado.

sábado, 27 de julho de 2019

Quando a submissão sobe à cabeça - revista Veja sobre a postura do chanceler

Até a revista Veja estranhou que o chanceler se tenha posicionado do lado dos EUA, sem sequer se preocupar em defender os interesses brasileiros neste caso de aplicação extra-territorial, portanto ilegal, de medidas unilaterais contra o Irã, importante parceiro comercial do Brasil. 
Vocês conhecem o "Estado da Lei"? Pois é, ele devia estar um pouco confuso na hora de responder, temeroso de não ofender seus mestres americanos e seus patronos brasileiros, quando o mínimo que deveria fazer seria demonstrar pelo menos a intenção de questionar os EUA nessa atitude que visa impedir o Brasil de comerciar legitimamente com qualquer país do mundo.
Os EUA, a despeito das sanções impostas pelos sucessivos governos e reforçadas por Trump, são o maior fornecedor de alimentos e de medicamentos a Cuba.
Ou seja, os EUA podem comerciar com quem desejarem, e o chanceler se mostra submisso às medidas americanas em prejuízo de interesses econômicos do Brasil.
Que vergonha...
Paulo Roberto de Almeida

Chanceler diz que Petrobras pode sofrer sanções dos EUA
revista Veja, 26/07/2019

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou nesta quinta-feira, 25, que a Petrobras corre o risco de ser punida pelos Estados Unidos caso abasteça os dois navios do Irã que estão estacionados no Paraná. No entanto, acrescentou que a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, em favor do abastecimento das embarcações deve ser cumprida.

“É um tema que está na Justiça, nosso entendimento é de que as partes envolvidas têm que seguir a decisão da Justiça. Nós temos chamado a atenção ao fato de que a Petrobras poderia estar sujeita a ter prejuízos em suas atividades nos Estados Unidos. De acordo com as medidas que estão em vigor nos Estados Unidos, determinado comportamento da empresa por ter esse tipo de repercussão”, disse.  “Achamos que a situação permanece, mas existe o Estado da Lei”, completou.

A declaração do chanceler causou surpresa por não vir acompanhada de nenhum questionamento a esse mecanismo de retaliação americano, que atinge companhias de qualquer país com negócios com firmas desse setor iraniano, nem ao mérito dessas medidas dos Estados Unidos contra Teerã. Araújo acatou a ameaça americana como dado da realidade e esquivou-se também de defender o direito do Brasil de garantir a viabilidade de seu comércio com o Irã e qualquer outro parceiro comercial.

Na noite de quarta-feira 24, Tofolli  determinou que a Petrobras abastecesse os dois cargueiros. O STF informou que o ministro indeferiu o pedido da estatal brasileira e manteve a decisão do Tribunal de Justiça (TJ) do Paraná, que tinha determinado o fornecimento do combustível. Ao recusar-se a fornecer o combustível, a Petrobras alegava que poderia ser punida pois as embarcações são alvo de sanções americanas.

Bavand e Temeh, as embarcações ancoradas no Porto de Paranaguá desde o início de junho por falta de combustível, têm a missão de desembarcar ureia ao Brasil e carregar milho ao Irã. Maior importador de produtos brasileiros no Oriente Médio, o Irã disparou a ameaça de vetar as importações de produtos do Brasil se os seus navios não forem abastecidos. Ao Irã podem se seguir outros destinos de bens agropecuários no Oriente Médio.

“Eu disse aos brasileiros que são eles que devem resolver o problema, não os iranianos”, afirmou embaixador do Irã em Brasília, Seyed Ali Saghaeyan na quarta-feira, 24. “Mas se não for resolvido, talvez as autoridades em Teerã tenham que tomar algumas decisões, porque isso é o livre-comércio e outros países estão disponíveis”, agregou, ao destacar que não haverá problemas em encontrar outros fornecedores de milho.

domingo, 7 de abril de 2019

Chanceler, chantecler: on est déjà lá? - Paulo Roberto de Almeida

Meu amigo Fabio Pereira Ribeiro, administrador, ex-militar, escritor (dois romances tendo Paris do entre-guerras como cenário, e uma tese em preparação sobre... a Paris dos anos 1920), ex-várias outras coisas mais, costuma chamar o nosso chanceler acidental de "chantecler", esta sendo uma designação que vários diplomatas bem-humorados reservavam, no passado, a um ou outro chanceler mais vistoso, digamos assim. 

Como sabem os amantes da cultura francesa, chantecler é um galo, o dono do galinheiro, com todo o respeito que merece um galinheiro francês, mas no caso específico da tradição historiográfica e literária, trata-se de um personagem de romances medievais com histórias de animais, depois consolidados no famoso Roman de Renart.

Chantecler também é uma famosa peça de teatro de um dos grandes dramaturgos e escritores franceses da belle époque, Edmond de Rostand, publicada e encenada pela primeira vez em 1910. 

Não tenho certeza de que os diplomatas que, antigamente, chamavam certos chanceleres de "chantecler", seriam tentados, hoje, a aplicar a mesma designação ao chanceler acidental atual, que não tem, digamos assim, a pompa de um chefe de galinheiro, com toda a autoridade que tal posição requer.

Ele se parece mais com um galinho garnizé, tentando pateticamente assegurar a sua legitimidade, quando as diretivas, as diretrizes, as recomendações, as instruções, as grandes linhas (se é que elas existem) da "política externa familiar" não lhe permitem tais faculdades gerenciais.

Ele já recebeu diferentes apelidos, da parte de diplomatas da ativa ou de aposentados, assim como outras designações por jornalistas mais abusados. Vamos aguardar para ver qual desses se afirma como o mais adequado, ou qual seria o mais representativo.
No momento, creio que chantecler pode ser de fato um apelido simpático.
Vamos aguardar novas sugestões...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 de abril de 2019


terça-feira, 26 de março de 2019

Nunca Antes na Diplomacia: a aula antidiplomática do chanceler atual - The Intercept

A aula magna lisérgica de Ernesto Araújo

O diplomata, num acesso de empáfia digna do olavismo, afirma que muitas pessoas no Itamaraty “estavam no fundo da caverna, vendo as sombras, se relacionando com essas sombras”. Mas que ele e sua equipe estão “tentando puxar essas pessoas para fora”, para a “luz do dia”, numa alusão ao Mito das Cavernas de Platão.
Pois bem, vejamos o que disse o iluminado na aula magna. Araújo listou os “problemas” da diplomacia brasileira em sua intervenção:

A indiferença moral

Para o chanceler, o país pratica uma diplomacia sem “bússola moral”, desconhecendo que existe um “norte moral e um sul moral” – será que há um oeste imoral e um leste amoral?
Ou seja, existe o bem e o mal no mundo, materializado por estados e governos, bons e ruins. E que nós deveríamos nos relacionar apenas com os “bons”. Certamente o Brasil não deveria manter relações amistosas com regimes racistas – como o da África do Sul nos tempos de apartheid – ou genocidas. O problema é que, para além desses exemplos óbvios, as coisas se complicam.
Para onde aponta a bússola de Araújo nestes casos? Em qual aula do curso online de Olavo esses meandros são abordados? Não sabemos.

A indiferença civilizacional

Segundo o chanceler, nossa diplomacia não reconhece que “nós fazemos parte de uma determinada civilização, e que isso nos impõe um legado e uma responsabilidade”. Trata-se de um trecho vago, mas apoiando-se no ponto anterior, somos levados a concluir que existem civilizações boas e ruins, melhores e piores. Espero que não seja esse o caso, pois o ranqueamento de culturas, povos e tradições é algo que só gera racismo e violência. Coisas que certamente passam longe de nosso chanceler.

O comercialismo

Seria a “tendência de ver a política externa como política comercial”. Há uma tradição no Brasil de realizar trocas comerciais com os mais diversos países, colocando a busca por mercados acima de ideologias pessoais. Por exemplo, Médici e Geisel, dois militares inimigos do comunismo no Brasil, jamais tiveram pudores de fomentar as trocas entre o Brasil e os países do bloco soviético. Isso se chama “pragmatismo”.
Agora, na era Ernesto, para ser parceiro comercial do Brasil é preciso não apenas ter dólares para comprar nossos produtos, é preciso também ser bom, é preciso estar no “norte” (ou seria “sul”) moral do chanceler.
Conhecendo-se o pensamento de Olavo e de seu seguidor, isso é uma crítica às relações entre Brasil e China. A China não é “boa”, não é “ocidental”, então não é nosso parceiro preferencial. Especulo, apenas.

O nominalismo

Sua preocupação é com “caráter redondo da expressão”. O leitor me perdoe, mas não sou capaz de analisar essa afirmação.

Isolamento do Itamaraty em relação à sociedade brasileira

Araújo afirma que o “Itamaraty é um escritório da ONU no Brasil, com o papel de disciplinar essas massas ‘ignorantes’”. Conhecendo o pensamento de Olavo, sabemos o que Araújo entende por “sociedade brasileira”. Essa se resume àquela fração do Facebook, do Twitter e do WhatsApp que apoia de maneira tresloucada as ações do “Capitão” e seus amigos.
Araújo deveria saber que a sociedade brasileira depositou 57 milhões de votos em Bolsonaro, mas também 47 milhões em Fernando Haddad. E que atualmente 24% da sociedade julga o governo Bolsonaro ruim/péssimo, segundo pesquisa Ibope do dia 20 de março. Muito cuidado, então, quando falar em “sociedade brasileira” – ela está longe de ser o bloco homogêneo que o séquito olavista está acostumado a tratar.

Isolamento da política externa em relação às demais políticas nacionais

Novamente, Araújo fala do isolamento do Itamaraty em relação à mítica “sociedade”, ente jamais definido pelo chanceler. Talvez objetivo seja substituir o paradigma da P.E.I (Política Externa Independente) pela P.E.Z. (Política Externa do Zap).
Aqui o chanceler reclama da falta de “pensamento analógico” (?!?) no Itamaraty, e condena o que chamamos de “políticas de estado”, que são posições e defesas mantidas pelo ministério ao longo de todos os governos das últimas décadas. Por exemplo, a prioridade dada à integração regional ou o não reconhecimento do território obtido por Israel através de conquistas militares. Tudo isso seria lixo para o nosso ministro.

O tematismo

Termo que na definição de Araújo é, simplesmente, a chamada “especialização do trabalho”. Algo louvado por Adam Smith em 1776 e por Platão em 380 a.c. como crucial para o desenvolvimento das sociedades. É um problema para Araújo, que inclusive mudou a grade curricular do curso preparatório no Instituto Rio Branco. Tirou a cadeira que tratava da história da América Latina, e reduziu a carga de outras, como a de economia. Em troca, foram criadas as cadeiras de clássicos I e II. Essas duas últimas disciplinas incluem em suas ementas textos de autores comoHomero, Tucídides, Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Kant, Hobbes e Rousseau.
Os jovens diplomatas receberão salários de R$ 18 mil para lerem a Íliada, poema épico escrito no século 8 a.C.. Uma torre de marfim para ninguém botar defeito.
O objetivo da criação dessas disciplinas parece ser o de colocar em marcha o projeto de Olavo de Carvalho de defesa da “civilização ocidental”. Ou ainda, emular o conteúdo do “curso de filosofia” online do astrólogo da Virgínia, guru intelectual do chanceler. Não há dúvidas que o Itamaraty é formado, em sua esmagadora maioria, por indivíduos de grande inteligência e erudição.
O sonho do intelectual erudito completo, que entende desde metafísica até física quântica, é o desvario que faz com que Olavo de Carvalho se sinta capaz não só de discutir toda a filosofia, mas também tenha tempo para refutar as teorias de Einstein.

A agenda globalista

Araújo acha perniciosos os conceitos de universalismo e multilateralismo que são pilares da tradição do Itamaraty. O multilateralismo diz respeito à busca de soluções negociadas, baseadas no direito internacional, no debate, no consenso. O Brasil, há mais de século, busca participar ativamente dos fóruns internacionais. A definição de nossas fronteiras, desde o Tratado de Madri (1750) passando pela compra do Acre (1903), foi obra de diplomatas, não de militares.
O universalismo seria “a doutrina da indiferença, o apagamento das nossas identidades”, segundo Ernesto. Na sua visão, sem qualquer base real, o chanceler afirma que, no nosso caso, o “universalismo” significa que “pode tudo, menos cooperar com os Estados Unidos”.
Mas nessa cooperação com os EUA, Araújo fala explicitamente da questão venezuelana. O chanceler parece realmente disposto a apoiar uma aventura militar no país vizinho, liderada pelo insano presidente Trump, numa repetição tragicômica da episódio de 1965, quando o Brasil enviou tropas para apoiar os EUA na sua invasão à República Dominicana.
Araújo tem os atributos dos olavistas: adora conspirações e despreza a realidade concreta. O chanceler afirma que o Brasil errou na escolha de seus parceiros comerciais a partir dos 1950 e, principalmente, a partir dos anos 1970:
“…por causa dessa aposta equivocada é que talvez se explique que o Brasil, que foi o país que mais cresceu no mundo, mais ou menos 1900 e 1975, quando seu principal parceiro de desenvolvimento eram os EUA, depois estagnou, quando desprezou essa parceria e começou a buscar a Europa, ou uma integração latino-americana e mais recentemente a aposta no mundo pós-americano dos BRICS”.
Trata-se de um argumento tão surreal, tão sem base empírica, sem qualquer evidência ou teoria que o suporte, que alguém deveria ter tirado o microfone do chanceler neste momento, evitando que essa vergonha ficasse registrada nos anais da casa de Joaquim Nabuco.
O que parece evidente a partir desses episódios é que falta a Ernesto Araújo não só a experiência necessária como o preparo intelectual e acadêmico para servir em tão nobre e disputada função. Para evitar suas sandices em relação à Venezuela, General Mourão como colocado como sua babá na última cúpula de Lima.
O próximo passo seria devolver Araújo para o segundo escalão da burocracia do ministério, trazendo para o cargo alguém que saiba juntar lé com cré. Algo certamente facilmente encontrado nos corredores do Itamaraty.
Araújo, se tudo der certo, será lembrado como “o breve”.