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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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terça-feira, 20 de agosto de 2024

Sergio Florencio: Posse na Academia de Letras de Brasília

Posse na Academia de Letras de Brasília

 

( 14 de agosto de 2024 )

 

Senhor Presidente da Academia de Letras de Brasília

Senhoras e Senhores Acadêmicos e Acadêmicas

Parentes, amigos e amigas

 

Os afetos

Este é um momento singular em minha vida. Sempre gostei de escrever, mas nunca pensei em tornar-me membro de uma academia de letras. Ao longo da vida, publiquei três livros e escrevi muitos artigos. Mas confesso que não me sinto escritor. O verdadeiro escritor não consegue viver sem a escrita. Eu apenas vivo melhor escrevendo. Sou alguém que desde a infância gostou de livros e histórias. Por isso, meus agradecimentos iniciais vão para o amigo Embaixador Sergio Couri que, na qualidade de acadêmico, submeteu meu nome à consideração dos demais; e vão também para o poeta e presidente desta casa, Raul Carnal, que gentilmente aceitou falar sobre minha trajetória nesta solenidade de posse. 

Talvez possa sintetizar o tema deste meu discurso de posse com uma pergunta – o que me fez estar aqui hoje? A primeira resposta é a palavra forte que acompanha a humanidade desde seu surgimento – amor.

Estou aqui porque, um belo dia, um nordestino se encantou por uma carioca, se casaram, tiveram dois filhos, eu e minha irmã Noia. Assim, antes de tudo, sou produto do amor. Tenho uma foto dela muito jovem, vestido elegante da década de 1930, rosto e corpo de manequim, no cenário de uma calçada desenhada de pedras do centro do Rio. Dele tenho uma foto com uniforme de trabalho da companhia canadense de bondes e um boné escrito Conductor.

Minha mãe estudou no Sacré-Coeur, onde cedo aprendeu francês, piano e boas maneiras. Meu pai veio do sertão do Seridó, de Caicó, onde menino andava a cavalo, nadava nas cheias dos açudes e sabia vaquejar. Fugindo da seca, ele rumou para o Sul, adolescente com o primário incompleto. Sentou praça no Exército, entrou para a polícia, foi condutor de bonde, tudo isso junto com os estudos. Mais tarde foi trabalhar no Ministério da Justiça e Negócios Interiores, onde a função do pai e da mãe também refletia contraste – ele Almoxarife, ela Perito Contadora. 

A segunda razão para eu estar aqui agora também deriva da mesma palavra – amor. Tudo começou numa feste de São João. Eu muito alto, ela de pileque. Depois era ela na Literatura e eu na Economia. “Eu sou funcionário, ela é dançarina”, como na música do Chico. O tempo foi passando, eu fazia o curso Rio Branco e dava aula de economia numa faculdade particular, ela era integrava a primeira e pioneira turma de revisoras mulheres do saudoso Jornal do Brasil. Aí nos casamos, ambos com dinheiro quase imaginário - eu com o curto FGT da Faculdade, ela também com poucos trocados. Mas, como dizem os sábios, nunca se deve desperdiçar uma crise. O Itamaraty demorou a me chamar para assumir em Brasília e fomos viver três meses de encantamento em uma barraca nos campings de Araruama, Cabo Frio, Friburgo e Campos do Jordão. 

Cinco décadas depois, eu escrevia para os filhos essa mensagem. “Cinquenta anos atrás eu partia com sua mãe, um Fusquinha branco, uma barraca, para uma aventura que gerou quatro filhos, sete netas, dois netos, vinte e sete mudanças de casa, sete países, uma Revolução Islâmica , um golpe de Estado latino-americano e muitas coisas que as estatísticas não sabem contar.”

Sobre os quatro filhos, a alegria maior vem do afeto e da diversidade de personalidades. Talvez a origem resida naquilo que aprendemos nos versos de O Profeta, do Khalil Gibran. “Seus filhos não são seus filhos. São filhos e filhas da Vida que anseia por si mesma. Podem abrigar o corpo deles, mas não a alma. Podem se esforçar para ser como eles, mas não tentem fazer com que eles sejam como vocês. Porque a vida não retrocede nem se detém no ontem.”

O primeiro filho, Pedro, tem o atributo mais escasso no Brasil de hoje – um profundo espírito público. Abraçou a carreira de Estado de Gestor de Políticas Públicas, concluiu doutorado na Inglaterra em Direito Econômico, conhece a fundo a máquina do Estado brasileiro. Mas é também o Filho Psicólogo - quando os pais divergem ou se sentem tristes, ele é a fonte de bom senso e de alegria. 

O segundo, Leonardo, a mente clara e brilhante, após concluir um mestrado naLondon Business School decidiu, para grande preocupação dos pais, sair do Banco Central e ir para o setor privado. Sua exitosa trajetória como Executivo de grandes empresas e as atividades inovadoras que desenvolve na avaliação de empresas e arbitragem de litígios revelam o dinamismo e as potencialidades de nossa economia.

O terceiro, Thiago, iraniano, foi estudar História, apesar da insistência da mãe para que seguisse Direito. Eu sempre a contradizia – quem nasceu no meio de uma grande revolução não pode seguir Direito, porque Revolução e Direito são adversários irreconciliáveis. Essa discussão eu ganhei. Hoje ele é professor de História da Cultura Afro-brasileira e Indígena em universidade pública do Cariri cearense e é babalaô do Ifá, uma linha do Candomblé.

O quarto filho, Eduardo, começou na Economia, migrou para a Sociologia, mudou para a Antropologia e terminou diplomata. Encontrou Eva, uma médica alemã, viveram em Tel Avive, Berlim, Dakar, Itzehoe e produziram quatro lindas alemãzinhas. Há um ano se licenciou do Itamaraty, Eva conclui a residência médica perto de Hamburgo, e ele educa as quatro alemãzinhas. Assim, prova que igualdade de gênero não é só retórica. 

Os filhos e as quatro lindas noras geraram sete netas e dois netos, que são nosso grande tesouro. 

Estou aqui hoje também graças aos amigos e amigas do Itamaraty - a instituição de excelência a que tenho a honra de pertencer. Em primeiro lugar, gratidão aos colegas de nossa turma do Instituto Rio Branco (IRBr), em especial ao saudoso Sérgio Amaral, com quem trabalhei no governo Fernando Henrique e muito aprendi. 

Sou igualmente grato a diplomatas de muito valor com quem tive a honra de conviver e trabalhar. Rubens Ricúpero, o “Apóstolo do Real”, autor da obra seminal A Diplomacia na Construção do Brasil, que adotei como livro texto nas minhas aulas no IRBr. Rubens Barbosa, incansável formulador, divulgador e analista de nossa política externa, autor de numerosos livros, artigos e incentivador de pesquisas sobre “o lugar do Brasil no mundo”.

Minha gratidão a outros diplomatas de reconhecido mérito com quem trabalhei, como Paulo Tarso, Ronaldo Sardenberg, Seixas Correa e Marcos Azambuja. Meu reconhecimento ao amigo Paulo Roberto de Almeida, analista sólido, corajoso e combatente em defesa de nossa política externa, a quem chamei de “Embaixador Ombudsman”.

Na volta final ao Brasil, em 2013, trabalhei seis anos no Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada (IPEA), primeiro como pesquisador e depois como Diretor de Política e Economia Internacional. Lá convivi com economistas brilhantes - como Renato Baumann - de sólida formação e com importantes contribuições na área de economia e políticas sociais. 

Estou também aqui hoje graças a meus amigos-irmãos de infância e adolescência da Silva Teles, uma encantadora rua de Vila Isabel, com quem me encontro para uma comidinha e um chope gelado à beira mar, sempre que vou ao Rio. 

Sou grato a meus ancestrais, ao Abreu e Lima, revolucionário do Pernambuco vanguardista de 1817. Devo muito à minha família ampliada – tios (as), primos(as), sobrinhos(as). Ela tem o elo agregador do saudoso Tio José - o Tio da Eterna Alegria. Já no final da vida, ainda se divertia, com suas quatro cuidadoras, que me remetiam a Pantaleão e As Visitadoras, a sensual história de Vargas Llosa. Essa família ampliada continua sendo fonte de afetos, conflitos e reconciliações, no melhor estilo do programa de televisão A Grande Família.

Minha gratidão a dois amigos eternos. Em alusão a Sigmund Freud, pai da psicanálise, eu o chamava de Sig da Democracia – Luis Carlos Sigmaringa Seixas. Foi embora cedo demais. Mas lá em cima, em caso de polarização celestial, ele deve estar pregando alguma forma de conciliação democrática. O outro, meu amigo-irmão iraniano Majid Abaiian. Ele me ensinou um triste axioma da história – as revoluções devoram seus próprios filhos. 

Dou graças a Deus, a Jesus, ao cristianismo dos primeiros séculos, e a San Charbel, meu santo de devoção. Minha gratidão à psicanálise, que me acompanhou pela vida afora, a Freud e Jung, e a dois grandes amigos - Elias Abdalla e Wagner Rosa. A eles devo a aprendizagem com algumas depressões, um certo amadurecimento e alguma sanidade mental. Com eles aprendi que mergulhar nas nossas sombras pode muitas vezes ensinar o caminho das luzes.

 

Meu antecessor na Academia

Cumprindo a boa tradição desta Casa, tenho a honra de saudar meu antecessor nesta Academia. Infelizmente não conheci João Francisco Guimarães. Entretanto, de seus contemporâneos colhi testemunhos todos muito positivos desse engenheiro eletrônico, matemático, mestre em redes de computadores e professor da Universidade de Brasília.

Seus livros refletem, além dessa sólida formação científica, uma mente eclética, aberta tanto à espiritualidade –Tudo que seu mestre mandar, e Deus te faça feliz - como ao mundo maçônico – Amo a Verdade, Procuro-a e Gotas Maçônicas, Conceitos e Crenças. 

O colega Guimarães granjeou, nesta Academia, a admiração de seus membros, graças à cortesia e à cordialidade que sempre marcaram sua convivência com os demais acadêmicos. Esses traços de sua personalidade ficaram inscritos na memória desta instituição. Sua partida prematura deixou saudade que não posso deixar de evocar neste momento. 

O Desafio da Cadeira Roseana

Há poucas semanas soube que a cadeira que vou ocupar nesta academia tem como patrono apenas, simplesmente, João Guimarães Rosa. Aquele saudado, no livro Primeiras Histórias, por Carlos Drummond, com o poema Um chamado João, cheio de perguntas: “João era fabulista? Fabuloso? Fábula? Sertão místico disparando, no exílio da linguagem comum?” 

Lógico que me senti honrado com essa ponte com Rosa - o escritor encantado, encantador de palavras de mil dicionários de centenas de línguas, existentes ou por ele criadas.

Essa ponte com o grande Rosa muito me honra. Mas também nela sinto-me perdido, como o filho de A Terceira Margem do Rio. Perdido naquele momento, em que, “ sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. ... Perguntei ´Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa? Ele só retornou o olhar em mim. ... Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte”.

Nesses momentos sombrios, tão distantes do self, da chama da alma do Jung, eu começava a ter consciência de que, lá em casa, quem nasceu para literatura foi Sônia, minha mulher, graduada em Letras, Mestre em Linguística, e fina sensibilidade que lembrava aquela livraria de Paris – Le Plaisir du Texte. Ou Thiago, o Filho da Revolução, nascido em Teerã, que por isso mesmo foi estudar História, doutorou-se em Literatura, escreveu o belo livro Nativo Ausente e é hoje BabalaôEsses dois entendem do riscado das letras. Mas, curiosa contradição, quem escreve histórias e ama de paixão a Terceira Margem do Rio sou eu e o filho Pedro – outro economista, vejam só. 

Nesses momentos sombrios, eu queria mesmo era engolir a sabedoria resignada do personagem daquela estória que começa assim. “Era um burrinho pedrês, miúdo e resignado. ... Na mocidade, muitas coisas lhe haviam acontecido. ... Trouxera, um dia, do pasto ... uma jararacussú, pendurada do focinho, como linda tromba negra com diagonais amarelas, da qual não morreu porque a lua foi boa e o benzedor acudiu pronto.” 

Às vezes também pensava que o melhor mesmo era telefonar para meu amigo de muitos anos, João como o Rosa, mas Almino Inteligente de nascimento, para me dar algum consolo. Ele, que ensinou Rosa a centenas de estrangeiros, em lugares de tanto prestígio como a Universidade Autônoma do México, Berkley, Stanford e Chicago. Ou então, pensei, apelar para a doce, sensível Heloisa Vilhena, escritora de cinco inspirados livros sobre Rosa. Ela bem que podia me dar um Chá de Erva Cidreira de Rosa, e me deixar mais sossegado nessa nobre e inquietante cadeira. 

Mas não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe. Por isso, também tive meus momentos de êxtase. Era quando eu saía da imaginária Terceira Margem para ingressar na primeira das Primeiras Estórias , aquela que exalta As Margens da Alegria. Aquela que começa quando “ia um Menino, com os tios, passar dias no lugar onde se construía a grande cidade. Era uma viagem inventada no feliz; para ele, produzia-se em caso de sonho.” 

De repente, nuvens escuras, sentimentos tristes me carregavam para outras margens, outras viagens, como a última estória – Os Cimos - do mesmo livro, com o mesmo Menino de letra maiúscula. “Outra era a vez. ... Entrara aturdido no avião, a êsmo tropeçante. ... Sabia que a Mãe estava doente.” 

De volta à Terceira Margem, fico matutando, o que pensaria Rosa de tudo isso? Jamais saberemos, nem ele provavelmente sabia. Mas para onde nos levam essas idas e vindas roseanas, “numa canoinha de nada”? Para onde nos leva, em Grande Sertão: Veredas, aquela fala de Diadorim para Riobaldo – “Viver é muito perigoso. Carece de ter muita coragem.”

Cada cabeça, uma sentença. Juntando os quebras e as cabeças, a gente vai encontrando sentidos. Para isso, tem serventia aquela Conversa de Bois. Também nos ajuda muito a pensar e a buscar significados aquela malvadeza sem fim de Nhô Augusto, e a redenção espiritualizada de Matraga, em A Hora e a vez de Augusto Matraga. Também nos serve de inspiração o provérbio capiau “Sapo não pula por boniteza, mas porém por percisão”. Mas, para entender os sabores e os ventos do mundo, eu prefiro mesmo a sabedoria mansa, resignada do Burrinho Pedrês.

 

O Inconsciente

Além daquela palavra mágica – amor - as razões para estar aqui nesta Academia de Letras de Brasília remontam também à missão impossível - qual Pedra de Sísifo - de tentar entender esse país que não é para principiantes. Isso me levou a estudar economia e depois política.

O interesse pela política mora no meu inconsciente e tem uma gênese curiosa. Nasceu num episódio de infância que conto no livro Diplomacia, Revolução e Afetos. De Vila Isabel a Teerã, uma historinha que tem como título Pai, Padeiro e Política, aqui reproduzida em parte.

“Todo dia de manhã, sentado na varanda de nossa casa da vila, meu pai abria o jornal. Lia e esperava o padeiro. Seu Horácio chegava carregando uma cesta enorme de pão nos ombros. Ele era filiado ao Partido Comunista, e meu pai, getulista. Eu ficava ouvindo, não entendia nada da discussão dos dois, mas mesmo assim achava o máximo. 

Para mim, aquilo era uma espécie de jogo de futebol. O padeiro sempre tinha a iniciativa, falava com grande convicção, parecia marcar um gol, mas vinha meu pai com uma ideia que colocava Seu Horácio na defensiva, até engrenar outro forte argumento “Florêncio. Não adianta falar de nacionalismo, criticar o Brigadeiro Eduardo Gomes e defender Getúlio! Enquanto você não aceitar a Luta de Classes, estará sempre equivocado! É isso que move a história. O resto são mentiras para iludir o povo.” 

Eu achava aquilo tudo fantástico. Muitas vezes o argumento de seu Horácio era um chute certeiro, entrando no gol. Mas meu pai conseguia retomar a pelota e a levava até o meio de campo adversário. Era sempre uma notícia que fazia o padeiro hesitar, e colocava meu pai na pequena área, muito perto de fazer um gol. 

Mas, novamente Seu Horácio defendia. Vinha com a história da Luta de Classes e trazia o exemplo da União Soviética, que eliminou a pobreza, a exploração do homem pelo homem com a revolução socialista. 

Aí eu pensava. Pronto. Acabou o jogo, Seu Horácio venceu. Mas, que nada, vinha meu pai com o argumento sempre utilizado nesses momentos decisivos - Ideias Fora do Lugar. Seu Horácio respirava fundo em silêncio. Eu ficava feliz da vida. 

Luta de classes versus Ideias Fora do Lugar. Mas a palavra final não vinha do Movimento Operário nem das Forças Nacionalistas. Esse jogo não tinha juiz, mas tinha fim, com o Imperativo Categórico Kantiano que calava os dois. Seu Horácio, envergonhado, não mais parecia o Senhor do Materialismo Histórico. O padeiro amigo resgatava sua cesta de pão e, dentro dela, lá ia embora o meu doce de bata doce. Dona Arlete, vizinha de porta, gritava bem alto para toda a vila da rua Silva Teles 14-A escutar. “Seu Horácio! Chega de conversa fiada com o Florêncio. Entrega logo o pão que chegou quentinho, mas vou comer frio!” 

 

A razão

Assim sempre terminavam as discussões diárias que povoaram o imaginário de minha infância. A lembrança dessa dialética é para mim repleta de significados. Hoje vejo aqueles debates matinais envolvendo dois contendores, ou dois tipos ideais weberianos: um partidário do totalitarismo, outro defensor do autoritarismo, sendo que a ideia de democracia nem sequer era ventilada. 

Anos mais tarde, estudante da Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), tive um encontro mais íntimo com a sociologia política. O mestre Guerreiro Ramos, nosso professor e um dos pais da sociologia no Brasil, formou um grupo de cinco alunos, como assistentes. Nossa função era ler livros e resumir oralmente, para subsidiar sua pesquisa que resultou no livro Administração e Estratégia do Desenvolvimento. Ganhava meio salário-mínimo por mês, mas foi o melhor emprego da minha vida!

Dessa convivência com o mestre Guerreiro, muita coisa ficou registrada para sempre. Por exemplo, do livro Agrarian Socialism, de Seymour Lipset, ficou aquela frase, discutida entre o mestre e o pupilo, que até hoje muito me intriga. “Você pode ensinar socialismo em poucas semanas para um engenheiro. Mas você não pode ensinar em poucas semanas engenharia para um socialista.”

Muitas décadas mais tarde, nos quatro anos que vivi no Irã como jovem diplomata, no final dos anos 1970, me defrontei empiricamente com o embate entre aqueles dois conceitos – o totalitarismo stalinista do padeiro, versus o autoritarismo getulista do pai. O binômio era o mesmo, mas os atores eram diferentes. Quando lá cheguei, o Xá estava no poder, governava com mão de ferro e o braço dos EUA, praticava um autoritarismo repressivo há quase quatro décadas. Mas sua monarquia desmoronou no início de 1979. A Revolução Iraniana, por poucos meses viveu o sonho de uma democracia liberal, e rapidamente o autoritarismo do Xá se transformou no totalitarismo do Aiatolá Khomeini. 

Assim, essa vivência com um Irã autoritário e depois totalitário estimulou em mim o desejo de compreender mais a fundo as razões históricas que levavam países como o Brasil ao pêndulo sem fim que ia de democracias imperfeitas para regimes autoritários. 

 

As Visões do Brasil. Sérgio Buarque e Raimundo Faoro.

Muitas décadas mais tarde, quando regressei ao Brasil após ter sido Embaixador do Brasil em Quito, Genebra (ONU), México e Cônsul Geral em Vancouver, fui trabalhar como pesquisador do IPEA, ao mesmo tempo em que dei aula de História da Política Externa Brasileira (HPEB), no Instituto Rio Branco, durante sete anos, entre 2016 e 2022. Sempre entendi a política externa como a resultante do encontro (ou desencontro) de dois universos - o mundo aqui dentro e o mundo lá fora, ou seja, nunca divorciada da realidade doméstica. Por isso, começava os cursos no Instituto Rio Branco com uma pergunta - Que País é Esse? - inspirada na música da Legião Urbana, de Renato Russo. 

Com essa pergunta em mente, me dediquei a estudar os grandes Intérpretes do Brasil. Mergulhei então na leitura de muitos autores – Guerreiro Ramos, Gilberto Freire, Darcy Ribeiro, Celso Furtado, Caio Prado Junior, José Murilo de Carvalho, Sergio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro. Os dois últimos são para mim as mais importantes fontes para compreender o Brasil de hoje, porque um analisa as raízes de nossa imperfeita democracia e o outro, o resiliente patrimonialismo/corporativismo. 

Sergio Buarque prioriza a “ética de fidalgos”, traço do espírito personalista do português, que marcou a conquista e a colonização do novo mundo. Essa ética condicionou o tipo ideal do aventureiro, que valoriza a audácia, o desafio, ao mesmo tempo que despreza a estabilidade e a segurança. Tem seu contraponto na figura do trabalhador, voltado para a rotina e para o trabalho árduo. 

Aquela “ética de fidalgos” se revela no horror ao trabalho manual e na admiração da atividade intelectual vista como dádiva – talento –, e não como produto do esforço e da disciplina Essa análise vai convergir para o homem cordial(que age com o coração), dotado de uma personalidade emotiva, avessa às convenções e às regras sociais.

Tudo isso fica muito distante da ideia de associativismo, de trabalho em equipe, de solidariedade social. Os diversos prismas e tipos ideais pelos quais Sergio Buarque analisa nossa sociedade – o aventureiro, a ética de fidalgos, o homem cordial – revelam as origens mais profundas e inconscientes de nosso sistema político. Daí a conhecida afirmação de Raízes do Brasil. “A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido”. 

Raymundo Faoro procura desvelar a etiologia nossas duas resilientes doenças irmãs – patrimonialismo e corporativismo. Os Donos do Poder denuncia a opressão do Estado sobre a sociedade, considerada a semente dos grandes males do país.

Faoro parte de uma crítica ao marxismo, que apenas em momentos históricos excepcionais – absolutismo, bonapartismo – admite a autonomia do Estado. Em contraste, segue Max Weber, ao atribuir grande peso ao Estado e ao estamento burocrático. A origem seria o Estado absolutista precoce em Portugal, que abriu caminho, no Brasil, para o patrimonialismo e para um capitalismo politicamente orientado, em que as atividades mercantis se subordinariam a um Estado patrimonial-estamental. 

Rupturas com esse modelo são ensaiadas, mas terminam fracassando. A Coroa exercia seu domínio hegemônico e, assim, impedia o avanço do liberalismo. 

A cisão entre Estado e nação é a grande chave explicativa para a recorrência de soluções autoritárias. O Estado patrimonial- estamental foi o grande inimigo da modernidade econômica e do Estado de direito. 

Esse adiamento de uma efetiva modernidade no Brasil engloba também o nacional-desenvolvimentismo e a ideologia nacionalista, uma vez que não se orientam pela ruptura com o arcaico Estado patrimonial-estamental. 

As intervenções autoritárias recorrentes têm papel semelhante. Como ele próprio afirma em Os Donos do Poder, “ o autoritarismo político seria constitutivo à nossa formação, ora sob formas brandas, ora exasperadas”. 

 

Minha visão do Brasil de hoje

O que penso sobre o Brasil de hoje talvez tenha seu começo no registro inconsciente das conversas do padeiro com o pai. Daí passaram, na adolescência, pela conhecida História da Riqueza do Homem, de Leo Huberman, prosseguiram com O Conceito Marxista do Homem, do popular Erich Fromm, e os Manuscritos Econômicos e Filosóficos, de Marx. As leituras avançaram (ou regrediram) com os grupos de estudo de Poulantzas, Althusser.

Já ingressando na graduação em Economia, as atenções se voltaram para a controvérsia Eugênio Gudin versus Roberto Simonsen, para as leituras sobre economia brasileira - Celso Furtado, Maria da Conceição Tavares, Fernando Henrique Cardoso da Teoria da Dependência e muitos cepalinos. Depois vieram as influências de grandes professores do início de Mestrado na Universidade de Brasília – Dionísio Carneiro, Edmar Bacha, Lauro Campos. 

No Mestrado concluído na Universidade de Ottawa, as divergências se ampliaram e englobaram ícones da teoria econômica. Alfred Marshall, o formulador original da teoria neoclássica e dos fundamentos de uma economia competitiva. Joseph Schumpeter, para quem a “destruição criativa” era o motor essencial do capitalismo. Joan Robinson, contestadora do modelo de concorrência perfeita e aguda analista das imperfeições de mercado que explicavam as discrepâncias nos salários e no emprego. Milton Friedman, reconhecido pela rigorosa análise das causas da Grande Depressão, mas popularizado como o inspirador de regimes autoritários, como o do general Pinochet. Finalmente, John Maynard Keynes, o formulador da Revolução Keynesiana, base do New Deal de Roosevelt, e da visão do déficit público como ferramenta para corrigir uma economia funcionando abaixo da plena capacidade. No plano da filosofia e da sociologia política, o fio condutor residiu, entre outros, em John Stuart Mill, do célebre ensaio Sobre a Liberdade, e em Max Weber, da Ética protestante e o Espírito do Capitalismo.

Aqueles Intérpretes do Brasil e esse diversificado conjunto de economistas são os pilares de meu pensamento sobre nosso país. Dois são os grandes desafios. Primeiro, fazer com que a democracia deixe de ser aquele “lamentável mal-entendido” do Sérgio Buarque. Segundo, curar as duas resilientes doenças denunciadas por Raymundo Faoro - o patrimonialismo e o corporativismo. A meta a alcançar será sempre a democracia liberal, baseada no avanço da economia e na ampliação da justiça social. 

Ao fim, relembro a miscigenação cultural que me trouxe ao mundo – o sertanejo do Seridó, que gostava de Humberto Teixeira, Catulo da Paixão Cearense, e a moça do Sacré Coeur, que falava francês e tocava piano. Resgato também o encontro com minha mulher Flor Amorosa, filhos, netos e netas. E finalizo como episódio preferido de meu pai - a sábia tirada do matuto nordestino. Quando perguntado sobre o que achava da vida, respondia sempre “Vivendo e achando bom”. 

 

Muito obrigado

 

Sergio Florencio de Abreu e Lima Sobrinho 

 

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Discurso do chanceler brasileiro na sessão ampliada com Estados Associados do MERCOSUL - Nota do MRE

 Ministério das Relações Exteriores

Assessoria Especial de Comunicação Social

 

Nota nº 575

6 de dezembro de 2023

 

Discurso do Ministro Mauro Vieira na sessão ampliada com Estados Associados do MERCOSUL

 

Senhoras e senhores ministros,

É uma grande honra receber a todos na cidade do Rio de Janeiro, para esta reunião do Conselho do Mercado Comum. A última Cúpula do MERCOSUL realizada no Rio foi no ano de 2007, quando ainda não existia este Museu do Amanhã que nos acolhe hoje. Como representante da presidência ‘pro tempore’ do Brasil, espero que a arquitetura inovadora desse edifício e as ideias por ele representadas possam nos inspirar a caminhos e decisões para seguir levando adiante o MERCOSUL e a integração regional na América do Sul de forma mais ampla.

Essa é a 63ª Reunião do Conselho do Mercado Comum, seguida, amanhã, da 63ª edição da Cúpula de Presidentes do MERCOSUL. São 32 anos de MERCOSUL, durante os quais a região tem passado por grandes transformações econômicas, sociais e políticas. Ao longo de todo esse tempo, contudo, uma realidade objetiva segue unindo e aproximando os nossos países: além da proximidade geográfica, também nos unem fortes laços humanos e culturais, e nos aproximam uma ampla gama de interesses e oportunidades, que dependem de uma efetiva e regular articulação regional.

Num mundo conturbado por tantos conflitos, é sempre importante lembrar a contribuição do MERCOSUL para que a América do Sul constitua hoje a zona de paz mais extensa do mundo. A manutenção da paz é condição imprescindível para o desenvolvimento econômico. É essencial que continuemos dialogando e trabalhando para que nossa região siga nessa trilha.

Ao longo das três décadas desde sua criação, o MERCOSUL se consolidou como um elemento central de coesão e articulação da integração da América do Sul. Graças ao MERCOSUL e aos esforços conjuntos com nossos Estados Associados, constituímos, desde 2019, uma zona de livre comércio de fato na América Latina, que estimula a produção e o comércio de bens com valor agregado e oferece claros benefícios econômicos e sociais para os nossos povos.

Por isso, é com grande alegria que aproveito para celebrar, mais uma vez, a aprovação, pelo Congresso brasileiro, na semana passada, do Protocolo de Adesão da Bolívia ao MERCOSUL. Temos a confiança de que prontamente teremos uma Bolívia integrada aos acordos e compromissos do MERCOSUL, assim como atuante nos diversos foros, tanto econômicos como da agenda social e cidadã.

Para o governo brasileiro, o MERCOSUL constitui o principal mecanismo político, econômico e diplomático para a articulação regional. O bloco conta com robusta institucionalidade composta, de um lado, de seus órgãos constitutivos, e também, por outro lado, das dezenas de reuniões de ministros e de autoridades especializadas, seja em questões técnicas seja na agenda social e cidadã. A maioria dos nossos ministérios setoriais mantém contato regular entre si para intercambiar boas práticas e para desenvolver uma agenda comum.

Nos últimos anos, temos buscado mapear interesses comuns que transcendam a seara estritamente comercial, para fortalecer a integração econômica e complementar a área de livre comércio na América do Sul. Sabemos que ainda há espaço para melhorarmos o acesso a mercado para bens. Mas também é verdade que há oportunidade para avançarmos com os Estados Associados em temas não tarifários, como no caso do Chile, com o qual cada um dos Estados Partes já firmou acordo comercial bilateral de última geração.

O mundo passa por um momento de relocalização de investimentos que oferece oportunidades para geração de emprego e renda. Precisamos capitalizar esse momento de reorientação produtiva global em prol de nossos países. A integração das cadeias regionais de valor, por exemplo, será beneficiada se lograrmos incorporar novos temas às nossas negociações, tais como facilitação do comércio, compras públicas, comércio eletrônico, apoio à internacionalização de micro, pequenas e médias empresa, bem como capítulos sobre investimentos e serviços.

Senhoras e senhores,

No âmbito da Presidência ‘Pro Tempore’ brasileira de 2023, trabalhamos para fortalecer a institucionalidade do nosso bloco regional. Buscamos, com isso, a construção de um ‘MERCOSUL do Amanhã’ como vetor da integração sul-americana.

No que diz respeito aos órgãos do MERCOSUL, o governo brasileiro quitou suas dívidas com diversos órgãos do bloco, incluindo a Secretaria do MERCOSUL e o FOCEM. As pendências financeiras do Brasil com o Instituto Social do MERCOSUL e o Tribunal Permanente de Revisão também foram devidamente encaminhadas. Reconhecemos que o Instituto Social vinha enfrentando desafios significativos devido à escassez de recursos. Esperamos que, com seu orçamento fortalecido, possa cumprir seu papel crucial na promoção da agenda social e cidadã do bloco. O Tribunal Permanente, que tem papel fundamental na garantia do cumprimento das normas estabelecidas em nossos acordos, também precisa ter suas capacidades asseguradas. Temos, agora, em discussão, um acordo entre os Estados Partes, para recompor o quadro de funcionários dos institutos, que havia sido reduzido nos governos anteriores. Gostaria, ainda, de recordar que nosso compromisso com o fortalecimento dos órgãos do MERCOSUL foi reafirmado, também, pelas indicações realizadas ao longo do último ano de valorosos brasileiros para ocupar os cargos que cabiam ao Brasil. Foram os casos, por exemplo, dos árbitros titulares e suplentes do Tribunal Permanente de Revisão, respectivamente o ex-ministro da Suprema Corte Ricardo Lewandowski e a professora Gisele Ricobom, além de, mais recentemente, a senhora Andressa Caldas, para assumir, a partir de fevereiro, a Diretoria Executiva do Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos, em linha com nosso compromisso com o avanço da igualdade de gênero nos cargos de direção dos organismos do bloco.

Em relação às reuniões de ministros, de altas autoridades e de foros especializados do MERCOSUL, a Presidência “Pro Tempore” Brasileira priorizou a retomada de atividades de diversos foros que vinham mantendo agendas de baixa intensidade. Entre eles, alguns tratam de temas centrais para a região, como meio ambiente, desenvolvimento social, direitos humanos, mulheres, igualdade racial, povos indígenas. Também trabalhamos juntos nos temas de justiça e segurança pública, os quais, cada vez mais, dependem da coordenação regional na luta contra organizações criminosas de crescente sofisticação e atuação internacional.

É com grande satisfação que notamos, em particular, o interesse renovado de autoridades setoriais dos Estados Associados em participar das reuniões de ministros e demais foros especializados. Trata-se de resultado promissor, que atesta a densidade do processo de integração regional e a importância de se contar com apoio institucional para a coordenação de políticas e troca de experiências.

Acreditamos que esses esforços estão em linha com o Consenso de Brasília entre os doze líderes sul-americanos e com os compromissos que assumimos no seu seguimento, em particular no sentido de aproveitar foros da agenda social e cidadã do MERCOSUL para a coordenação mais ampla entre os países sul-americanos. Convidamos as próximas presidências ‘pro tempore’ a continuar a buscar sinergias entre a agenda do MERCOSUL ampliado e os objetivos do Consenso de Brasília, no sentido de otimizar recursos e aproveitar a experiência consolidada do nosso bloco, como plataforma para a promoção da integração regional de maneira mais ampla.

Também gostaria de ressaltar os esforços da Presidência brasileira no fortalecimento do Foro de Consulta e Concertação Política do MERCOSUL, seguindo a prioridade tomada pela presidência da Argentina no semestre anterior. Como instância de acompanhamento dos foros da agenda social e cidadã do MERCOSUL, esse Foro (FCCP) pode contribuir ainda mais na articulação de políticas transversais coordenadas, com foco na renovação e no fortalecimento da integração.

Nesse âmbito, celebro uma vez mais a realização da Cúpula Social do MERCOSUL, que contou com a participação de representantes de organizações e movimentos sociais de Estados Partes e de Estados Associados. Tratou-se da primeira edição presencial da Cúpula Social desde 2016, após a iniciativa da Argentina de organizar evento em formato virtual no semestre passado. Para o Brasil, a participação social somente tem a contribuir para o êxito do MERCOSUL e de um projeto de integração regional verdadeiramente democrático, voltado à contínua melhoria das condições de vida de suas populações e à superação das desigualdades que seguem prejudicando o desenvolvimento dos nossos países e da região.

Vamos ouvir amanhã, na Cúpula, relatos das discussões mantidas por representantes das nossas sociedades. Estou certo de que essa edição da Cúpula Social marcará a retomada de uma participação social mais estruturada e regular nas atividades do MERCOSUL. Esperamos que as Presidências Pro Tempore do Paraguai e do Uruguai possam seguir apoiando esse esforço.

Gostaria de destacar, ademais, o enfoque conferido por distintos foros, em particular pela Reunião de Ministros de Desenvolvimento Social, às políticas de cuidado. Em uma região como a América do Sul, que segue passando por significativas mudanças demográficas e ainda enfrenta grandes desafios no acesso à saúde, temos a confiança de que as discussões ao longo desse semestre poderão proporcionar novas ações e linhas de trabalho conjunto na região.

Também aproveito para notar a intensa agenda de trabalho desenvolvida em temas de saúde, em particular no âmbito da Reunião de Ministros da Saúde. Em diversas iniciativas que contam também com a participação de Estados Associados, a PPTB realizou curso técnico regional com foco na produção de vacinas, assim como tomou medidas para fortalecer a cooperação em epidemiologia e em saúde nas fronteiras. Como demonstra a recente experiência global com a pandemia do COVID-19, é evidente a necessidade de coordenação regional para se assegurar que a região possa ter as capacidades de pesquisa, desenvolvimento e produção necessárias para que estejamos melhor preparados frente a novas pandemias.

Durante a Presidência brasileira, também atuamos para fortalecer a relação dos órgãos decisórios do MERCOSUL com o Parlamento do MERCOSUL, o PARLASUL, reconhecendo o papel central dos representantes legislativos na internalização e implementação dos compromissos políticos. Trabalhamos também para o avanço dos processos de ratificação de acordos relevantes junto ao Congresso Nacional brasileiro, tais como o Protocolo de Contratações Públicas, o Acordo sobre Indicações Geográficas e o Acordo sobre Facilitação de Comércio do MERCOSUL, todos aprovados.

Também neste semestre, o bloco negociou e adotou documento com recomendações sobre Conduta Empresarial Responsável, que servirá para orientar relações entre empresários dos países do bloco.

Organizamos, ainda, durante a nossa presidência, a XI Edição do Foro Empresarial do MERCOSUL, centrada nos seguintes temas: i) desafios e Estratégias para o Complexo Econômico-Industrial da Saúde; ii) Comércio e Sustentabilidade; iii) Empreendedorismo Feminino no MERCOSUL; e iv) Integração Produtiva no MERCOSUL. Os eventos promovidos no marco do Foro Empresarial propiciam importante plataforma de interação entre agentes públicos e representantes dos setores privados, dando ensejo a discussões frutíferas, com a aprovação de recomendações que, esperamos, sirvam de inspiração para futuras interações sobre os temas discutidos.

Senhoras e senhores,

Como pudemos ver, a Presidência ‘Pro Tempore’ do Brasil durante este segundo semestre de 2023 representou período de intensa atividade e conquistas para o MERCOSUL. Ao longo desses meses, testemunhamos avanços significativos na consolidação da integração regional, destacando-se a recente aprovação do Protocolo de Adesão da Bolívia, o fortalecimento da institucionalidade do bloco e o impulso dado a temas que transcendem o âmbito estritamente comercial. A participação ativa dos Estados Associados e o aprofundamento das discussões em áreas como meio ambiente, desenvolvimento social, saúde e conduta empresarial responsável refletem o comprometimento em construir um MERCOSUL mais robusto e adaptado aos desafios contemporâneos. Com a confiança de que as próximas Presidências ‘Pro Tempore’ manterão o ímpeto construtivo, encerramos este ciclo renovados em nosso compromisso com o futuro do MERCOSUL e aprofundamento da cooperação e integração regional.

Muito obrigado

 

[Nota publicada em: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/discurso-do-ministro-mauro-vieira-na-sessao-ampliada-com-estados-associados-do-mercosul 

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Discurso do Ministro Mauro Vieira por ocasião do Dia do Diplomata, 2023

 

Discurso do Ministro Mauro Vieira por ocasião do Dia do Diplomata - Brasília, 21 de novembro de 2023

Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva,

Senhora Secretária-geral das Relações Exteriores, embaixadora Maria Laura da Rocha,

Excelência reverendíssima, Arcebispo Giambattista Diquattro, Núncio Apostólico

Senhora Diretora-Geral do Instituto Rio Branco embaixadora Glivânia Maria de Oliveira,

Senhora paraninfa da Turma Mônica de Menezes Campos, embaixadora Maria Elisa Teófilo de Luna,

Senhor orador da Turma Mônica de Menezes Campos, Secretário Essí Rafael Mongenot Leal, 

Colegas do serviço exterior brasileiro,

Formandos, familiares, amigos, senhoras e senhores,

Estendo aos formandos da Turma Mônica de Menezes Campos as mais calorosas boas-vindas a esta cerimônia tão aguardada.

Os novos colegas participaram do concurso de admissão à carreira diplomática em período especialmente desafiador para o Brasil, marcado por graves retrocessos políticos, sociais e econômicos, e pela pandemia de COVID-19.

Felizmente para todos nós, eles perseveraram, e hoje somam-se, oficialmente, a essa grande missão em prol do povo brasileiro que é o serviço exterior.

Permitam-me ilustrar, com uma experiência recente, a complexidade e a urgência dessa missão, bem como a relevância dos servidores que a desempenham.

Há cerca de uma semana, quando a aeronave VC-2, da Força Aérea Brasileira, abriu suas portas no aeroporto de Brasília, o país comoveu-se diante da alegria das crianças que, junto com suas famílias, pisavam, finalmente, o solo brasileiro.

Vinham da Faixa de Gaza, zona conflagrada do Oriente Médio da qual conseguiram partir em segurança após semanas de gestões incansáveis do governo federal, em todos os níveis – desde os funcionários de nossas embaixadas na região, até o próprio Presidente Lula.

Esse foi o décimo voo da Operação Voltando em Paz, por meio da qual foram repatriados 1477 brasileiros e familiares afetados pelo mais recente capítulo do conflito e da ocupação que seguem, há décadas, pendentes de resolução entre Israel e a Palestina.

Essa rápida resposta à crise mobilizou os principais instrumentos da política externa: da diplomacia bilateral, que cultiva o diálogo com todos os países, à diplomacia multilateral, que expressa nossa voz nos foros internacionais; da assistência a brasileiros no exterior à cooperação humanitária; das mais discretas tarefas administrativas a uma pujante diplomacia pública e presidencial.

Todas essas linhas de ação dependem de uma infraestrutura comum: a imprescindível rede de embaixadas, consulados e missões do Brasil no exterior. Essa presença política, logística e, sobretudo, humana no mundo, onde quer que estejam em jogo os interesses nacionais e globais do país, tem importância existencial para o nosso povo.

Senhoras e senhores,

Vinte anos separam a formatura de hoje da cerimônia da Turma Sérgio Vieira Melo, em 2003, a primeira das oito presididas pelo Presidente Lula ao longo de seus dois primeiros mandatos.

Naquela ocasião, assim dirigiu-se Vossa Excelência, Senhor Presidente, aos formandos, e cito: “Vocês ingressaram na carreira diplomática em um momento de mudanças, em que o Brasil se afirma com crescente desenvoltura e confiança perante o mundo. (...) Ao mesmo tempo, é preciso que lutemos por um sistema internacional mais justo”.

Essas foram as bases da política externa que magnificaria a grandeza do Brasil no mundo, a partir de um reencontro consigo mesmo e com nossa região, e redefiniria os termos do debate sobre relações internacionais em nosso país neste primeiro quarto do século XXI.

Seu principal expoente, o chanceler, e caro amigo, Celso Amorim, definiria essa exitosa política como “desassombrada e solidária”, ao dirigir-se aos formandos do seu último ano à frente do Ministério das Relações Exteriores, em 2010.

A passagem do tempo confirmou o acerto dessa visão arrojada. Ensinou, também, que nenhuma conquista é suficiente, nem definitiva: todas requerem atenção contínua ao seu aprofundamento, bem como à sua proteção contra retrocessos.

A afirmação, pelo Presidente Lula, de que “nossa guerra é contra a fome” é tão pertinente hoje quanto o fora em 2003. A ordem internacional segue incapaz de “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra”, objetivo principal da quase octogenária Carta das Nações Unidas.

Países em desenvolvimento são crescentemente pressionados a alinhamentos automáticos. Nossa tradição diplomática é o melhor antídoto contra esse mau caminho. Ao longo de sua história, o Brasil soube navegar soberanamente a política do mundo, tendo como bússola os seus próprios valores, interesses e aspirações, além do direito internacional.

Recordo, aqui, um preceito de grande atualidade do ex-chanceler à época em que tomei posse como diplomata, Antonio Francisco Azeredo da Silveira, sob cuja liderança tive a honra de trabalhar em meu primeiro posto no exterior: o Brasil nunca será satélite de nenhum país ou bloco.

Como tem dito o Presidente Lula, o Brasil está de volta. Voltou, antes de tudo, a si mesmo, retomando o projeto da Constituição Federal de 1988 em sua plenitude. Voltou ao seu entorno geoestratégico na América do Sul e no Atlântico Sul e, a partir dele, ao contato com parceiros de todas as regiões do globo. Voltou, enfim, ao palco dos grandes debates internacionais.

A intensidade dessa correção de rumos evidencia-se nas mais de 200 interações do Presidente da República com autoridades estrangeiras, desde 1º de janeiro até o momento, na forma de participação em cúpulas e em reuniões bilaterais às suas margens; visitas realizadas e recebidas; telefonemas e videoconferências.

A recuperação do universalismo da política externa não poderia ter expressão mais clara.

Assim como o Brasil voltou ao mundo, o mundo também voltou ao Brasil. Nosso país será, nos próximos anos, a capital de foros internacionais da mais alta relevância, como o G20, a COP30 do Clima, o BRICS e a Zona de Paz e de Cooperação do Atlântico Sul, entre vários outros. Seguirá, igualmente, recebendo importantes visitas bilaterais.

Já no próximo mês, assumiremos duas imensas responsabilidades nessa caminhada.

A primeira delas será a assunção da presidência do G20, agrupamento que reúne as maiores economias do mundo e debaterá iniciativas concretas para enfrentar os principais desafios contemporâneos.

A segunda será a formalização da presidência brasileira da COP30 do Clima, a ser realizada em 2025, mas cuja preparação já começou. A COP constituirá oportunidade única para revitalizar o regime multilateral do clima; buscar limitar o aumento da temperatura global em 1,5 graus centígrados; e acelerar nossa própria transição ecológica e energética.

Essas duas linhas de ação receberão tratamento prioritário em 2024, em conjunto com uma terceira, de caráter permanente: seguir fortalecendo a integração regional, por meio do adensamento das relações bilaterais com os países latino-americanos e caribenhos e do seguimento dos resultados das cúpulas aqui sediadas no Brasil em 2023.

A aposta brasileira na integração, princípio constitucional que rege as relações internacionais do Brasil, seguirá sendo conduzida como projeto de Estado, que atende aos interesses de longo prazo do povo brasileiro, e transcende governos e orientações políticas.

Senhoras e senhores,

O ideal de política externa aqui enunciado, há 20 anos, pelo Presidente Lula segue mais atual do que nunca. Retomá-lo, em novas circunstâncias, exige análise atualizada do contexto internacional, atento aos desafios e aspirações contemporâneos de cada região e de cada país.

O sexagésimo aniversário do discurso proferido pelo chanceler Araújo Castro nas Nações Unidas, em 1963, sobre desenvolvimento, desarmamento e descolonização, convida-nos a reimpulsionar iniciativas diplomáticas voltadas para uma ordem internacional mais justa, pacífica, e capaz de reduzir desigualdades entre países e entre pessoas.

Os próprios parâmetros do exercício da diplomacia também devem ser atualizados, para internalizar o reconhecimento do protagonismo de mulheres, pessoas negras, LGBTQIA+, com deficiência e povos indígenas na história, e nos destinos, do Brasil e das relações internacionais.

A igualdade de gênero e a igualdade racial serão objetivos prioritários e transversais da política externa. O Brasil está em posição única para contribuir com formulações próprias para esse debate, a partir de suas múltiplas identidades como país do Sul, latino-americano, e da diáspora africana.

Prezados colegas,

A dedicação exemplar de seus servidores possibilitou que o Itamaraty conseguisse acompanhar a súbita, e muito bem-vinda, mudança do ritmo da política externa em janeiro deste ano – de um estado de inanição para o reengajamento simultâneo com todos os foros, temas e continentes.

Não obstante, é imperativo reconhecer um limite operacional inegável: a insuficiência de pessoal na Secretaria de Estado das Relações Exteriores.

A agenda da política externa para 2024 nos exigirá ainda mais: além do intenso trabalho habitual em suas áreas, os servidores farão o seguimento de iniciativas lançadas; realizarão cerca de 100 reuniões do G20; e prepararão, para as cúpulas a serem sediadas no Brasil em 2025, algo em torno de cem processos negociadores da COP30 do Clima e dezenas de reuniões do BRICS e do MERCOSUL.

Nesse quadro, questões relativas à gestão de pessoas – incluindo o ingresso, a alocação e a progressão de carreira dos servidores – revestem-se de fundamental importância para o êxito da política externa.

Serão tomadas medidas sistêmicas para, de um lado, mitigar o déficit de funcionários, a exemplo dos concursos já convocados para diplomatas e oficiais de chancelaria; e, de outro, para alocar a força de trabalho do Itamaraty de modo mais eficiente e alinhado com as prioridades estabelecidas pelo senhor Presidente da República.

o planejamento institucional do ministério para o período 2024-2027 conferirá especial atenção à ampliação da diversidade no quadro dos servidores, avançando a partir de conquistas já realizadas como o Programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco e da criação, neste governo, do sistema de diversidade e inclusão.

Trabalharemos para aprimorar a qualidade de vida no ambiente de trabalho, com particular atenção à segurança e à saúde física e mental de servidores, e a uma política robusta de prevenção e combate a assédios e a qualquer forma de discriminação.

Tais medidas – combinadas a uma abordagem inclusiva na gestão do patrimônio físico, histórico e artístico da diplomacia – fortalecerão o Itamaraty, e os serviços que presta à sociedade, como espaço de pertencimento físico, político e simbólico para todos os brasileiros.

A diplomacia pública e as relações com os demais ministérios, o Congresso Nacional, e os entes federativos, serão intensificadas. Em seu governo, Presidente Lula, o Itamaraty será mais diverso e permeável ao diálogo com o Estado, a academia e a sociedade brasileira.

Caros formandos,

Compraz-me receber os novos diplomatas ao lado de colegas com quem iniciei minha carreira e com quem compartilho a celebração hoje de 50 anos de serviço público.

Deixo uma palavra de reconhecimento e afeto aos colegas Carlos Antonio da Rocha Paranhos, João Almino de Souza Filho e Andréia Cristina Nogueira Rigueira, e aos colegas de turma do meu curso do Instituto Rio Branco: Piragibe dos Santos Tarragô, Carlos Alberto Lopes Asfora, Eduardo Prisco Paraíso Ramos e Moira Pinto Coelho.

Esse encontro entre as turmas de 2023 e 1973 confere sentido especial a uma palavra muito cara ao Itamaraty: tradição, a qual expressa um ato de entrega. A importância simbólica dessa formação de vínculos, dessa troca de saberes entre gerações, reside tanto em quem passa o bastão, como em quem o recebe.

É nesse espírito que peço aos jovens colegas que recebam as múltiplas matrizes da tradição viva da diplomacia brasileira: prontos a conhecê-la, a honrá-la e a transformá-la quando necessário. E a construir, a partir dela, as novas tradições que conduzirão o futuro do Brasil e do Itamaraty.

É, igualmente, nesse espírito que peço a todos os servidores do Ministério que recebam os formandos: abertos a seus valiosos aportes e ideias, dos quais todos temos muito a nos beneficiar.

Muitas felicidades a todos e muito obrigado.



quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Stefan Zweig: cerimônia de entrega póstuma de condecoração Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul - Paulo Roberto de Almeida

3208. “Stefan Zweig: cerimônia de entrega de condecoração”, Brasília, 12 dezembro 2017, 2 p. Texto oferecido como proposta de discurso do Sr. Ministro de Estado, em cerimônia de condecoração póstuma, com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, ao grande escritor austríaco, entregue à embaixadora da Áustria no Brasil, em 18/12/2017, para ser entregue à Casa Stefan Zweig, de Petrópolis.


 


Stefan Zweig: cerimônia de entrega de condecoração

 

IPRI-Funag: proposta de discurso do Sr. Ministro de Estado

[Objetivo: pronunciamento em cerimônia; finalidade: atribuição de comenda]

 

[Palavras protocolares de abertura (cerimonial),]

 

O motivo desta cerimônia de atribuição da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, no grau de Grã-Cruz, em homenagem a um dos maiores escritores austríacos de todos os tempos, Stefan Zweig, possui um significado especial para o Brasil, como país singularizado em sua vasta produção literária e intelectual, mas também para este ministério, que o acolheu com todas as honras, quando de sua primeira viagem ao país, em 1936. Naquela ocasião, Stefan Zweig foi homenageado com um banquete oferecido pelo chanceler José Carlos de Macedo Soares, a quem Stefan Zweig retribuiu com a entrega dos originais, em alemão, de sua famosa conferência, feita depois em francês, sobre “A Unidade Espiritual do Mundo”. Esse texto, traduzido em cinco línguas e objeto de nova publicação por iniciativa da Casa Stefan Zweig, de Petrópolis, e da editora Memória Brasil, sob a direção de Israel Beloch, esteve no centro da homenagem que prestamos novamente ao escritor, neste ano, em cerimônia no Instituto Rio Branco, com a presença do ex-chanceler Celso Lafer, que assinou uma bela introdução ao livro.

Ao reverenciarmos, novamente hoje, a sua memória e sua obra excepcional, não podemos deixar de mencionar que o nome de Stefan Zweig está para sempre ligado à imagem otimista que ele traçou de nosso país. Em seu trabalho sobre o Brasil como país do futuro, um dos seus últimos escritos no exílio, antes que ele assinasse suas memórias sobre “O Mundo de Ontem”, Zweig destacou especialmente uma das características que distinguem ainda hoje nosso país em face da diversas nações deste hemisfério e mesmo do mundo: a capacidade da nação em operar uma feliz mistura de raças, a fusão das mais diversas tradições culturais, nossa tolerância religiosa, o sincretismo harmonioso de tantas contribuições étnicas e sociais, o que constitui, justamente, uma realidade que combina com o título da sua conferência de 1936: uma “unidade espiritual”. 

Naquela conjuntura sombria, a Europa caminhava para a guerra, já antecipada na guerra civil espanhola que recém começava, para precipitar-se, pouco mais adiante, nos horrores do holocausto racial, ambos promovidos pelo bárbaro regime nazista, que também engolfou o seu país de origem, e que foi um dos motivos de seu primeiro exílio, na Inglaterra. Naquele momento, ele já tinha publicado a sua biografia de Erasmo, o símbolo da tolerância e do humanismo, nome que hoje batiza um dos mais famosos e apreciados programas europeus de integração educacional. Pouco depois, Stefan Zweig soube ver no Brasil as marcas da diversidade e da tolerância, características que ainda hoje distinguem o nosso povo e a nossa sociedade. Já famoso em todo o mundo, como grande autor de novelas e peças de teatro, Zweig se tornou imediatamente popular no Brasil, onde continua sendo lido e devidamente homenageado, notadamente por meio das muitas exposições e iniciativas culturais da Casa Stefan Zweig de Petrópolis. 

Ao fazer a entrega, hoje, das insígnias e do diploma da Ordem do Cruzeiro do Sul à embaixadora da Áustria, Irene Giner-Reichl, este ministério e o governo brasileiro desejam reafirmar toda a nossa admiração pelo escritor que reafirmou a posição impar do Brasil no mundo, justamente pela imagem que ele soube consolidar de um país multirracial, como nos orgulhamos de ser, uma nação diversa, multicolorida, mas unida espiritualmente, tolerante com todas as raças e credos, uma sociedade, finalmente, imune a comportamentos xenófobos e exclusivistas. 

A Europa, como aliás recomendou a Economist em editorial de um ano atrás, deveria ler, ou reler, Stefan Zweig, sobretudo em sua mensagem em favor de uma Europa tolerante, infensa aos temores raciais, novamente unida espiritualmente em torno da ideia do congraçamento universal dos povos. Esta é mensagem que Stefan Zweig nos legou, e com a qual nós nos sentimos, mais do que nunca, profundamente identificados. Receba, senhora embaixadora, os símbolos de nossa contínua admiração pelo grande austríaco que, enterrado em nosso solo, continua reverenciado como um dos grandes amigos do Brasil, um traço de união entre nossos dois países. 


Brasília, 12 de dezembro de 2017.