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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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terça-feira, 20 de agosto de 2024

Sergio Florencio: Posse na Academia de Letras de Brasília

Posse na Academia de Letras de Brasília

 

( 14 de agosto de 2024 )

 

Senhor Presidente da Academia de Letras de Brasília

Senhoras e Senhores Acadêmicos e Acadêmicas

Parentes, amigos e amigas

 

Os afetos

Este é um momento singular em minha vida. Sempre gostei de escrever, mas nunca pensei em tornar-me membro de uma academia de letras. Ao longo da vida, publiquei três livros e escrevi muitos artigos. Mas confesso que não me sinto escritor. O verdadeiro escritor não consegue viver sem a escrita. Eu apenas vivo melhor escrevendo. Sou alguém que desde a infância gostou de livros e histórias. Por isso, meus agradecimentos iniciais vão para o amigo Embaixador Sergio Couri que, na qualidade de acadêmico, submeteu meu nome à consideração dos demais; e vão também para o poeta e presidente desta casa, Raul Carnal, que gentilmente aceitou falar sobre minha trajetória nesta solenidade de posse. 

Talvez possa sintetizar o tema deste meu discurso de posse com uma pergunta – o que me fez estar aqui hoje? A primeira resposta é a palavra forte que acompanha a humanidade desde seu surgimento – amor.

Estou aqui porque, um belo dia, um nordestino se encantou por uma carioca, se casaram, tiveram dois filhos, eu e minha irmã Noia. Assim, antes de tudo, sou produto do amor. Tenho uma foto dela muito jovem, vestido elegante da década de 1930, rosto e corpo de manequim, no cenário de uma calçada desenhada de pedras do centro do Rio. Dele tenho uma foto com uniforme de trabalho da companhia canadense de bondes e um boné escrito Conductor.

Minha mãe estudou no Sacré-Coeur, onde cedo aprendeu francês, piano e boas maneiras. Meu pai veio do sertão do Seridó, de Caicó, onde menino andava a cavalo, nadava nas cheias dos açudes e sabia vaquejar. Fugindo da seca, ele rumou para o Sul, adolescente com o primário incompleto. Sentou praça no Exército, entrou para a polícia, foi condutor de bonde, tudo isso junto com os estudos. Mais tarde foi trabalhar no Ministério da Justiça e Negócios Interiores, onde a função do pai e da mãe também refletia contraste – ele Almoxarife, ela Perito Contadora. 

A segunda razão para eu estar aqui agora também deriva da mesma palavra – amor. Tudo começou numa feste de São João. Eu muito alto, ela de pileque. Depois era ela na Literatura e eu na Economia. “Eu sou funcionário, ela é dançarina”, como na música do Chico. O tempo foi passando, eu fazia o curso Rio Branco e dava aula de economia numa faculdade particular, ela era integrava a primeira e pioneira turma de revisoras mulheres do saudoso Jornal do Brasil. Aí nos casamos, ambos com dinheiro quase imaginário - eu com o curto FGT da Faculdade, ela também com poucos trocados. Mas, como dizem os sábios, nunca se deve desperdiçar uma crise. O Itamaraty demorou a me chamar para assumir em Brasília e fomos viver três meses de encantamento em uma barraca nos campings de Araruama, Cabo Frio, Friburgo e Campos do Jordão. 

Cinco décadas depois, eu escrevia para os filhos essa mensagem. “Cinquenta anos atrás eu partia com sua mãe, um Fusquinha branco, uma barraca, para uma aventura que gerou quatro filhos, sete netas, dois netos, vinte e sete mudanças de casa, sete países, uma Revolução Islâmica , um golpe de Estado latino-americano e muitas coisas que as estatísticas não sabem contar.”

Sobre os quatro filhos, a alegria maior vem do afeto e da diversidade de personalidades. Talvez a origem resida naquilo que aprendemos nos versos de O Profeta, do Khalil Gibran. “Seus filhos não são seus filhos. São filhos e filhas da Vida que anseia por si mesma. Podem abrigar o corpo deles, mas não a alma. Podem se esforçar para ser como eles, mas não tentem fazer com que eles sejam como vocês. Porque a vida não retrocede nem se detém no ontem.”

O primeiro filho, Pedro, tem o atributo mais escasso no Brasil de hoje – um profundo espírito público. Abraçou a carreira de Estado de Gestor de Políticas Públicas, concluiu doutorado na Inglaterra em Direito Econômico, conhece a fundo a máquina do Estado brasileiro. Mas é também o Filho Psicólogo - quando os pais divergem ou se sentem tristes, ele é a fonte de bom senso e de alegria. 

O segundo, Leonardo, a mente clara e brilhante, após concluir um mestrado naLondon Business School decidiu, para grande preocupação dos pais, sair do Banco Central e ir para o setor privado. Sua exitosa trajetória como Executivo de grandes empresas e as atividades inovadoras que desenvolve na avaliação de empresas e arbitragem de litígios revelam o dinamismo e as potencialidades de nossa economia.

O terceiro, Thiago, iraniano, foi estudar História, apesar da insistência da mãe para que seguisse Direito. Eu sempre a contradizia – quem nasceu no meio de uma grande revolução não pode seguir Direito, porque Revolução e Direito são adversários irreconciliáveis. Essa discussão eu ganhei. Hoje ele é professor de História da Cultura Afro-brasileira e Indígena em universidade pública do Cariri cearense e é babalaô do Ifá, uma linha do Candomblé.

O quarto filho, Eduardo, começou na Economia, migrou para a Sociologia, mudou para a Antropologia e terminou diplomata. Encontrou Eva, uma médica alemã, viveram em Tel Avive, Berlim, Dakar, Itzehoe e produziram quatro lindas alemãzinhas. Há um ano se licenciou do Itamaraty, Eva conclui a residência médica perto de Hamburgo, e ele educa as quatro alemãzinhas. Assim, prova que igualdade de gênero não é só retórica. 

Os filhos e as quatro lindas noras geraram sete netas e dois netos, que são nosso grande tesouro. 

Estou aqui hoje também graças aos amigos e amigas do Itamaraty - a instituição de excelência a que tenho a honra de pertencer. Em primeiro lugar, gratidão aos colegas de nossa turma do Instituto Rio Branco (IRBr), em especial ao saudoso Sérgio Amaral, com quem trabalhei no governo Fernando Henrique e muito aprendi. 

Sou igualmente grato a diplomatas de muito valor com quem tive a honra de conviver e trabalhar. Rubens Ricúpero, o “Apóstolo do Real”, autor da obra seminal A Diplomacia na Construção do Brasil, que adotei como livro texto nas minhas aulas no IRBr. Rubens Barbosa, incansável formulador, divulgador e analista de nossa política externa, autor de numerosos livros, artigos e incentivador de pesquisas sobre “o lugar do Brasil no mundo”.

Minha gratidão a outros diplomatas de reconhecido mérito com quem trabalhei, como Paulo Tarso, Ronaldo Sardenberg, Seixas Correa e Marcos Azambuja. Meu reconhecimento ao amigo Paulo Roberto de Almeida, analista sólido, corajoso e combatente em defesa de nossa política externa, a quem chamei de “Embaixador Ombudsman”.

Na volta final ao Brasil, em 2013, trabalhei seis anos no Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada (IPEA), primeiro como pesquisador e depois como Diretor de Política e Economia Internacional. Lá convivi com economistas brilhantes - como Renato Baumann - de sólida formação e com importantes contribuições na área de economia e políticas sociais. 

Estou também aqui hoje graças a meus amigos-irmãos de infância e adolescência da Silva Teles, uma encantadora rua de Vila Isabel, com quem me encontro para uma comidinha e um chope gelado à beira mar, sempre que vou ao Rio. 

Sou grato a meus ancestrais, ao Abreu e Lima, revolucionário do Pernambuco vanguardista de 1817. Devo muito à minha família ampliada – tios (as), primos(as), sobrinhos(as). Ela tem o elo agregador do saudoso Tio José - o Tio da Eterna Alegria. Já no final da vida, ainda se divertia, com suas quatro cuidadoras, que me remetiam a Pantaleão e As Visitadoras, a sensual história de Vargas Llosa. Essa família ampliada continua sendo fonte de afetos, conflitos e reconciliações, no melhor estilo do programa de televisão A Grande Família.

Minha gratidão a dois amigos eternos. Em alusão a Sigmund Freud, pai da psicanálise, eu o chamava de Sig da Democracia – Luis Carlos Sigmaringa Seixas. Foi embora cedo demais. Mas lá em cima, em caso de polarização celestial, ele deve estar pregando alguma forma de conciliação democrática. O outro, meu amigo-irmão iraniano Majid Abaiian. Ele me ensinou um triste axioma da história – as revoluções devoram seus próprios filhos. 

Dou graças a Deus, a Jesus, ao cristianismo dos primeiros séculos, e a San Charbel, meu santo de devoção. Minha gratidão à psicanálise, que me acompanhou pela vida afora, a Freud e Jung, e a dois grandes amigos - Elias Abdalla e Wagner Rosa. A eles devo a aprendizagem com algumas depressões, um certo amadurecimento e alguma sanidade mental. Com eles aprendi que mergulhar nas nossas sombras pode muitas vezes ensinar o caminho das luzes.

 

Meu antecessor na Academia

Cumprindo a boa tradição desta Casa, tenho a honra de saudar meu antecessor nesta Academia. Infelizmente não conheci João Francisco Guimarães. Entretanto, de seus contemporâneos colhi testemunhos todos muito positivos desse engenheiro eletrônico, matemático, mestre em redes de computadores e professor da Universidade de Brasília.

Seus livros refletem, além dessa sólida formação científica, uma mente eclética, aberta tanto à espiritualidade –Tudo que seu mestre mandar, e Deus te faça feliz - como ao mundo maçônico – Amo a Verdade, Procuro-a e Gotas Maçônicas, Conceitos e Crenças. 

O colega Guimarães granjeou, nesta Academia, a admiração de seus membros, graças à cortesia e à cordialidade que sempre marcaram sua convivência com os demais acadêmicos. Esses traços de sua personalidade ficaram inscritos na memória desta instituição. Sua partida prematura deixou saudade que não posso deixar de evocar neste momento. 

O Desafio da Cadeira Roseana

Há poucas semanas soube que a cadeira que vou ocupar nesta academia tem como patrono apenas, simplesmente, João Guimarães Rosa. Aquele saudado, no livro Primeiras Histórias, por Carlos Drummond, com o poema Um chamado João, cheio de perguntas: “João era fabulista? Fabuloso? Fábula? Sertão místico disparando, no exílio da linguagem comum?” 

Lógico que me senti honrado com essa ponte com Rosa - o escritor encantado, encantador de palavras de mil dicionários de centenas de línguas, existentes ou por ele criadas.

Essa ponte com o grande Rosa muito me honra. Mas também nela sinto-me perdido, como o filho de A Terceira Margem do Rio. Perdido naquele momento, em que, “ sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. ... Perguntei ´Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa? Ele só retornou o olhar em mim. ... Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte”.

Nesses momentos sombrios, tão distantes do self, da chama da alma do Jung, eu começava a ter consciência de que, lá em casa, quem nasceu para literatura foi Sônia, minha mulher, graduada em Letras, Mestre em Linguística, e fina sensibilidade que lembrava aquela livraria de Paris – Le Plaisir du Texte. Ou Thiago, o Filho da Revolução, nascido em Teerã, que por isso mesmo foi estudar História, doutorou-se em Literatura, escreveu o belo livro Nativo Ausente e é hoje BabalaôEsses dois entendem do riscado das letras. Mas, curiosa contradição, quem escreve histórias e ama de paixão a Terceira Margem do Rio sou eu e o filho Pedro – outro economista, vejam só. 

Nesses momentos sombrios, eu queria mesmo era engolir a sabedoria resignada do personagem daquela estória que começa assim. “Era um burrinho pedrês, miúdo e resignado. ... Na mocidade, muitas coisas lhe haviam acontecido. ... Trouxera, um dia, do pasto ... uma jararacussú, pendurada do focinho, como linda tromba negra com diagonais amarelas, da qual não morreu porque a lua foi boa e o benzedor acudiu pronto.” 

Às vezes também pensava que o melhor mesmo era telefonar para meu amigo de muitos anos, João como o Rosa, mas Almino Inteligente de nascimento, para me dar algum consolo. Ele, que ensinou Rosa a centenas de estrangeiros, em lugares de tanto prestígio como a Universidade Autônoma do México, Berkley, Stanford e Chicago. Ou então, pensei, apelar para a doce, sensível Heloisa Vilhena, escritora de cinco inspirados livros sobre Rosa. Ela bem que podia me dar um Chá de Erva Cidreira de Rosa, e me deixar mais sossegado nessa nobre e inquietante cadeira. 

Mas não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe. Por isso, também tive meus momentos de êxtase. Era quando eu saía da imaginária Terceira Margem para ingressar na primeira das Primeiras Estórias , aquela que exalta As Margens da Alegria. Aquela que começa quando “ia um Menino, com os tios, passar dias no lugar onde se construía a grande cidade. Era uma viagem inventada no feliz; para ele, produzia-se em caso de sonho.” 

De repente, nuvens escuras, sentimentos tristes me carregavam para outras margens, outras viagens, como a última estória – Os Cimos - do mesmo livro, com o mesmo Menino de letra maiúscula. “Outra era a vez. ... Entrara aturdido no avião, a êsmo tropeçante. ... Sabia que a Mãe estava doente.” 

De volta à Terceira Margem, fico matutando, o que pensaria Rosa de tudo isso? Jamais saberemos, nem ele provavelmente sabia. Mas para onde nos levam essas idas e vindas roseanas, “numa canoinha de nada”? Para onde nos leva, em Grande Sertão: Veredas, aquela fala de Diadorim para Riobaldo – “Viver é muito perigoso. Carece de ter muita coragem.”

Cada cabeça, uma sentença. Juntando os quebras e as cabeças, a gente vai encontrando sentidos. Para isso, tem serventia aquela Conversa de Bois. Também nos ajuda muito a pensar e a buscar significados aquela malvadeza sem fim de Nhô Augusto, e a redenção espiritualizada de Matraga, em A Hora e a vez de Augusto Matraga. Também nos serve de inspiração o provérbio capiau “Sapo não pula por boniteza, mas porém por percisão”. Mas, para entender os sabores e os ventos do mundo, eu prefiro mesmo a sabedoria mansa, resignada do Burrinho Pedrês.

 

O Inconsciente

Além daquela palavra mágica – amor - as razões para estar aqui nesta Academia de Letras de Brasília remontam também à missão impossível - qual Pedra de Sísifo - de tentar entender esse país que não é para principiantes. Isso me levou a estudar economia e depois política.

O interesse pela política mora no meu inconsciente e tem uma gênese curiosa. Nasceu num episódio de infância que conto no livro Diplomacia, Revolução e Afetos. De Vila Isabel a Teerã, uma historinha que tem como título Pai, Padeiro e Política, aqui reproduzida em parte.

“Todo dia de manhã, sentado na varanda de nossa casa da vila, meu pai abria o jornal. Lia e esperava o padeiro. Seu Horácio chegava carregando uma cesta enorme de pão nos ombros. Ele era filiado ao Partido Comunista, e meu pai, getulista. Eu ficava ouvindo, não entendia nada da discussão dos dois, mas mesmo assim achava o máximo. 

Para mim, aquilo era uma espécie de jogo de futebol. O padeiro sempre tinha a iniciativa, falava com grande convicção, parecia marcar um gol, mas vinha meu pai com uma ideia que colocava Seu Horácio na defensiva, até engrenar outro forte argumento “Florêncio. Não adianta falar de nacionalismo, criticar o Brigadeiro Eduardo Gomes e defender Getúlio! Enquanto você não aceitar a Luta de Classes, estará sempre equivocado! É isso que move a história. O resto são mentiras para iludir o povo.” 

Eu achava aquilo tudo fantástico. Muitas vezes o argumento de seu Horácio era um chute certeiro, entrando no gol. Mas meu pai conseguia retomar a pelota e a levava até o meio de campo adversário. Era sempre uma notícia que fazia o padeiro hesitar, e colocava meu pai na pequena área, muito perto de fazer um gol. 

Mas, novamente Seu Horácio defendia. Vinha com a história da Luta de Classes e trazia o exemplo da União Soviética, que eliminou a pobreza, a exploração do homem pelo homem com a revolução socialista. 

Aí eu pensava. Pronto. Acabou o jogo, Seu Horácio venceu. Mas, que nada, vinha meu pai com o argumento sempre utilizado nesses momentos decisivos - Ideias Fora do Lugar. Seu Horácio respirava fundo em silêncio. Eu ficava feliz da vida. 

Luta de classes versus Ideias Fora do Lugar. Mas a palavra final não vinha do Movimento Operário nem das Forças Nacionalistas. Esse jogo não tinha juiz, mas tinha fim, com o Imperativo Categórico Kantiano que calava os dois. Seu Horácio, envergonhado, não mais parecia o Senhor do Materialismo Histórico. O padeiro amigo resgatava sua cesta de pão e, dentro dela, lá ia embora o meu doce de bata doce. Dona Arlete, vizinha de porta, gritava bem alto para toda a vila da rua Silva Teles 14-A escutar. “Seu Horácio! Chega de conversa fiada com o Florêncio. Entrega logo o pão que chegou quentinho, mas vou comer frio!” 

 

A razão

Assim sempre terminavam as discussões diárias que povoaram o imaginário de minha infância. A lembrança dessa dialética é para mim repleta de significados. Hoje vejo aqueles debates matinais envolvendo dois contendores, ou dois tipos ideais weberianos: um partidário do totalitarismo, outro defensor do autoritarismo, sendo que a ideia de democracia nem sequer era ventilada. 

Anos mais tarde, estudante da Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), tive um encontro mais íntimo com a sociologia política. O mestre Guerreiro Ramos, nosso professor e um dos pais da sociologia no Brasil, formou um grupo de cinco alunos, como assistentes. Nossa função era ler livros e resumir oralmente, para subsidiar sua pesquisa que resultou no livro Administração e Estratégia do Desenvolvimento. Ganhava meio salário-mínimo por mês, mas foi o melhor emprego da minha vida!

Dessa convivência com o mestre Guerreiro, muita coisa ficou registrada para sempre. Por exemplo, do livro Agrarian Socialism, de Seymour Lipset, ficou aquela frase, discutida entre o mestre e o pupilo, que até hoje muito me intriga. “Você pode ensinar socialismo em poucas semanas para um engenheiro. Mas você não pode ensinar em poucas semanas engenharia para um socialista.”

Muitas décadas mais tarde, nos quatro anos que vivi no Irã como jovem diplomata, no final dos anos 1970, me defrontei empiricamente com o embate entre aqueles dois conceitos – o totalitarismo stalinista do padeiro, versus o autoritarismo getulista do pai. O binômio era o mesmo, mas os atores eram diferentes. Quando lá cheguei, o Xá estava no poder, governava com mão de ferro e o braço dos EUA, praticava um autoritarismo repressivo há quase quatro décadas. Mas sua monarquia desmoronou no início de 1979. A Revolução Iraniana, por poucos meses viveu o sonho de uma democracia liberal, e rapidamente o autoritarismo do Xá se transformou no totalitarismo do Aiatolá Khomeini. 

Assim, essa vivência com um Irã autoritário e depois totalitário estimulou em mim o desejo de compreender mais a fundo as razões históricas que levavam países como o Brasil ao pêndulo sem fim que ia de democracias imperfeitas para regimes autoritários. 

 

As Visões do Brasil. Sérgio Buarque e Raimundo Faoro.

Muitas décadas mais tarde, quando regressei ao Brasil após ter sido Embaixador do Brasil em Quito, Genebra (ONU), México e Cônsul Geral em Vancouver, fui trabalhar como pesquisador do IPEA, ao mesmo tempo em que dei aula de História da Política Externa Brasileira (HPEB), no Instituto Rio Branco, durante sete anos, entre 2016 e 2022. Sempre entendi a política externa como a resultante do encontro (ou desencontro) de dois universos - o mundo aqui dentro e o mundo lá fora, ou seja, nunca divorciada da realidade doméstica. Por isso, começava os cursos no Instituto Rio Branco com uma pergunta - Que País é Esse? - inspirada na música da Legião Urbana, de Renato Russo. 

Com essa pergunta em mente, me dediquei a estudar os grandes Intérpretes do Brasil. Mergulhei então na leitura de muitos autores – Guerreiro Ramos, Gilberto Freire, Darcy Ribeiro, Celso Furtado, Caio Prado Junior, José Murilo de Carvalho, Sergio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro. Os dois últimos são para mim as mais importantes fontes para compreender o Brasil de hoje, porque um analisa as raízes de nossa imperfeita democracia e o outro, o resiliente patrimonialismo/corporativismo. 

Sergio Buarque prioriza a “ética de fidalgos”, traço do espírito personalista do português, que marcou a conquista e a colonização do novo mundo. Essa ética condicionou o tipo ideal do aventureiro, que valoriza a audácia, o desafio, ao mesmo tempo que despreza a estabilidade e a segurança. Tem seu contraponto na figura do trabalhador, voltado para a rotina e para o trabalho árduo. 

Aquela “ética de fidalgos” se revela no horror ao trabalho manual e na admiração da atividade intelectual vista como dádiva – talento –, e não como produto do esforço e da disciplina Essa análise vai convergir para o homem cordial(que age com o coração), dotado de uma personalidade emotiva, avessa às convenções e às regras sociais.

Tudo isso fica muito distante da ideia de associativismo, de trabalho em equipe, de solidariedade social. Os diversos prismas e tipos ideais pelos quais Sergio Buarque analisa nossa sociedade – o aventureiro, a ética de fidalgos, o homem cordial – revelam as origens mais profundas e inconscientes de nosso sistema político. Daí a conhecida afirmação de Raízes do Brasil. “A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido”. 

Raymundo Faoro procura desvelar a etiologia nossas duas resilientes doenças irmãs – patrimonialismo e corporativismo. Os Donos do Poder denuncia a opressão do Estado sobre a sociedade, considerada a semente dos grandes males do país.

Faoro parte de uma crítica ao marxismo, que apenas em momentos históricos excepcionais – absolutismo, bonapartismo – admite a autonomia do Estado. Em contraste, segue Max Weber, ao atribuir grande peso ao Estado e ao estamento burocrático. A origem seria o Estado absolutista precoce em Portugal, que abriu caminho, no Brasil, para o patrimonialismo e para um capitalismo politicamente orientado, em que as atividades mercantis se subordinariam a um Estado patrimonial-estamental. 

Rupturas com esse modelo são ensaiadas, mas terminam fracassando. A Coroa exercia seu domínio hegemônico e, assim, impedia o avanço do liberalismo. 

A cisão entre Estado e nação é a grande chave explicativa para a recorrência de soluções autoritárias. O Estado patrimonial- estamental foi o grande inimigo da modernidade econômica e do Estado de direito. 

Esse adiamento de uma efetiva modernidade no Brasil engloba também o nacional-desenvolvimentismo e a ideologia nacionalista, uma vez que não se orientam pela ruptura com o arcaico Estado patrimonial-estamental. 

As intervenções autoritárias recorrentes têm papel semelhante. Como ele próprio afirma em Os Donos do Poder, “ o autoritarismo político seria constitutivo à nossa formação, ora sob formas brandas, ora exasperadas”. 

 

Minha visão do Brasil de hoje

O que penso sobre o Brasil de hoje talvez tenha seu começo no registro inconsciente das conversas do padeiro com o pai. Daí passaram, na adolescência, pela conhecida História da Riqueza do Homem, de Leo Huberman, prosseguiram com O Conceito Marxista do Homem, do popular Erich Fromm, e os Manuscritos Econômicos e Filosóficos, de Marx. As leituras avançaram (ou regrediram) com os grupos de estudo de Poulantzas, Althusser.

Já ingressando na graduação em Economia, as atenções se voltaram para a controvérsia Eugênio Gudin versus Roberto Simonsen, para as leituras sobre economia brasileira - Celso Furtado, Maria da Conceição Tavares, Fernando Henrique Cardoso da Teoria da Dependência e muitos cepalinos. Depois vieram as influências de grandes professores do início de Mestrado na Universidade de Brasília – Dionísio Carneiro, Edmar Bacha, Lauro Campos. 

No Mestrado concluído na Universidade de Ottawa, as divergências se ampliaram e englobaram ícones da teoria econômica. Alfred Marshall, o formulador original da teoria neoclássica e dos fundamentos de uma economia competitiva. Joseph Schumpeter, para quem a “destruição criativa” era o motor essencial do capitalismo. Joan Robinson, contestadora do modelo de concorrência perfeita e aguda analista das imperfeições de mercado que explicavam as discrepâncias nos salários e no emprego. Milton Friedman, reconhecido pela rigorosa análise das causas da Grande Depressão, mas popularizado como o inspirador de regimes autoritários, como o do general Pinochet. Finalmente, John Maynard Keynes, o formulador da Revolução Keynesiana, base do New Deal de Roosevelt, e da visão do déficit público como ferramenta para corrigir uma economia funcionando abaixo da plena capacidade. No plano da filosofia e da sociologia política, o fio condutor residiu, entre outros, em John Stuart Mill, do célebre ensaio Sobre a Liberdade, e em Max Weber, da Ética protestante e o Espírito do Capitalismo.

Aqueles Intérpretes do Brasil e esse diversificado conjunto de economistas são os pilares de meu pensamento sobre nosso país. Dois são os grandes desafios. Primeiro, fazer com que a democracia deixe de ser aquele “lamentável mal-entendido” do Sérgio Buarque. Segundo, curar as duas resilientes doenças denunciadas por Raymundo Faoro - o patrimonialismo e o corporativismo. A meta a alcançar será sempre a democracia liberal, baseada no avanço da economia e na ampliação da justiça social. 

Ao fim, relembro a miscigenação cultural que me trouxe ao mundo – o sertanejo do Seridó, que gostava de Humberto Teixeira, Catulo da Paixão Cearense, e a moça do Sacré Coeur, que falava francês e tocava piano. Resgato também o encontro com minha mulher Flor Amorosa, filhos, netos e netas. E finalizo como episódio preferido de meu pai - a sábia tirada do matuto nordestino. Quando perguntado sobre o que achava da vida, respondia sempre “Vivendo e achando bom”. 

 

Muito obrigado

 

Sergio Florencio de Abreu e Lima Sobrinho 

 

sábado, 9 de março de 2024

A democracia liberal tem futuro?- Sergio Florencio (portal Revista Interesse Nacional)

democracia liberal tem futuro?


Sergio Florencio 

portal Revista Interesse Nacional

8/03/2024


 

Duas grandes democracias – EUA e Brasil- venceram recentemente a  ameaça real de se transformarem em autocracias. Mas os riscos continuam, com a provável reeleição de Trump e com a resiliência do bolsonarismo.  Apesar dessas semelhanças, os dois países responderam de forma diferente às ameaças. No Brasil, o STF declarou Bolsonaro inelegível e intensas investigações estão em curso, enquanto nos EUA, o Partido Republicano continua a apoiar Trump, favorito nas eleições de 2024. Levitsky e Ziblatt, em Como salvar a democracia, sintetizam essas diferenças. “O Brasil rechaçou a recente ameaça à democracia, ao contrário dos EUA”.  Em que medida essas ameaças antidemocráticas refletem o declínio global das democracias? A democracia liberal tem futuro?

A parcela de países considerados democracias eleitorais subiu acentuadamente nos anos 1990,declinou a partir de então e situa-se atualmente em apenas 50%, segundo o Índice de Democracia publicado  pela Economist Intelligence Unit (EIU).Apesar desse forte declínio, curiosamente, em 2024 haverá eleições em mais de 70 países, com um total de 4 bilhões de habitantes, responsáveis por cerca de metade da população mundial

O mundo atual talvez seja a imagem reversa daqueledo início dos anos 1990, quando o triunfo da democracia inspirou a euforia de Francis Fukuyamaao anunciar o Fim da História e a hegemonia da democracia liberal. As origens de sua visão residiam na queda do Muro de Berlim, no desmembramento da União Soviética, na expansão do liberalismo, das economias de mercado e da globalização. As políticas econômicas adotadas a partir da década de 1990 se pautaram pela liberalização do comércio internacional, por maior liberdade dos fluxos de capital e pelo crescimento exponencial dos mercados financeiros. As exitosas reformas econômicasintroduzidas por Deng Xiaoping a partir de 1978 e a  inserção crescente da China  no mercado internacional alimentaram esse otimismo sobre os rumos da globalização. 

As democracias do mundo desenvolvido exibiam uma estabilidade sem paralelo, o que levou muitos analistas à ideia de “consolidação democrática”, que teria como substrato eleições livres, alternância no poder, sociedade civil vibrante e instituições representativas funcionais.  

Mas esse mundo começou  a perder solidez na década de 2010 e testemunhamos hoje a crise das democracias liberais, os sinais de declínio da hegemonia norte-americana, a crescente afirmação da China como superpotência rival e a expansão de regimes populistas autoritários

Três pilares que serviram de sustentação das democracias liberais começaram a perder solidez e criaram as condições para seu declínio. O primeiro pilar consistiu em crescimento econômico, inclusão social e elevado padrão de vida.  A prolongada estabilidade democrática do pós-guerra se fundamentava na significativa melhora do padrão de vida da população, resultante da chamada Era de Ouro do capitalismo, do pós-guerra até inicio dos anos 1970. Nos países da OCDE, a taxa média de crescimento do PIB nas décadas de 50 e 60 foi superior a 4,5%, reduzida para 3% e 2% nos períodos seguintes de 70 e 80. 

Esse declínio no crescimento dos países avançados afetou negativamente  a percepção da sociedadesobre o sistema político. Yascha Mounk, em O povo contra a democracia, assinala que, de 1935 a 1960, a renda de  uma família americana típica dobrou, o que voltou a ocorrer de 1960 a 1985, mas estagnou desde então. A confiança e o otimismo evaporaram, como assinala Mounk, com base em sua pesquisa“Mais de dois terços dos idosos americanos acreditam que é extremamente importante viver em uma democracia; entre os milennials ,menos de um terço pensa o mesmo. ... Em 1995, por exemplo, apenas uma em cada dezesseis pessoas acreditava que um governo militar era um bom sistema de governo; hoje, a proporção é de uma em seis”. 

Esses indicadores refletem a perda da confiança na democracia como o sistema político com maior capacidade de realizar as expectativas da sociedade. É o declínio de uma crença resiliente ao longo de quase meio século, o que abriu caminho para os populismos autoritários de diversas colorações ideológicas no mundo desenvolvido.

O segundo pilar abalado foi o binômio liberalismo e democraciaEm lugar dessa combinação virtuosa, tivemos disfunções e disfuncionalidades nos dois processos, que produziram tanto a democracia sem direitos, como os direitos sem democracia. 

A democracia sem direitos corresponde à tirania da maioria, tão temida por Tocqueville, e prevalecente nos regimes que promovem eleições recorrentes, com amplo apoio popular – como a  Venezuela  - mas não contemplam as aspirações de diversos segmentos da sociedademodelo dos direitos sem democracia predomina nos regimes que beneficiam uma reduzida camada da população de bilionários e tecnocratas – como a Rússia - mas excluem o povo das decisões políticas.

Mounk estuda dois casos aparentemente opostos – a ascensão populista na Hungria e o controle tecnocrático na Grécia. No primeiro caso, a Hungria, superado o legado comunista, a democracia parecia em processo de consolidação. Mas a percepção da maioria era que ela pouco se beneficiava do crescimento econômico. Quando a centro-esquerda no poder envolveu-se em amplo escândalo de corrupção, o repúdio popular elegeu Viktor Orbán, que trilhou o caminho populista de estabelecer vínculo direto com o povo e minar as instituições – aparelhamento de órgãos da imprensa, das estatais, da comissão eleitoral e do tribunal constitucional. Em síntesea vontade do povo marginalizou as instituições independentes responsáveis pelo Estado de direito.

No segundo caso, a Grécia, em 2015, vivia os efeitos de uma grande recessão e de exponencial dívida externa.  Uma política de austeridade apenas agravaria a fragilidade da economia, sem perspectiva de trazer solução para o endividamento. Ao mesmo tempo, o calote da Grécia poderia estimular outros países da Zona do Euro a seguir o mesmo rumo, o que seria um risco para a sobrevivência do sistema monetário europeuFoi realizado um referendo que rejeitou a política de austeridade defendida pela União Europeia e sobretudo  pela Alemanha. Apesar da rejeição popular, prevaleceu a diretriz da tecnocracia europeia.

As experiências da Hungria e da Grécia são emblemáticas.  Mounk assinala que no primeiro país, “as preferências do povo são cada vez mais iliberais”, ao demonstrarem tanto desencanto quanto às instituições, como intolerância em relação aos direitos de imigrantes, de minorias étnicas e religiosas. No segundo país, “as elites vêm assumindo o controle do sistema político e tornando-o cada vez mais insensível”, com os poderosos refratários às opiniões do povo.

Em síntese, na Hungria, com eleições recorrentes e aparelhamento das instituições, temos um caso de democracia sem direitos ou democracia iliberalNo outro espectro, a Grécia, onde prevaleceu o modelo tecnocrático, temos um caso de direitos sem democracia ou liberalismo antidemocrático. A conclusão de O povo contra a democracia éinescapável. “Como resultado, liberalismo e democracia, os dois elementos centrais de nosso sistema político, começam a entrar em conflito.” 

O terceiro pilar da democracia liberal foihistoricamente a homogeneidade étnica e cultural ou, na sua ausência, a hegemonia do segmento mais poderoso da sociedade. Assim, apesar de multiétnico, os EUA viram a democracia moderna florescerporque havia uma clara hierarquia racial, com os brancos monopolizando privilégios. Na Europa Ocidental, países fundados em bases monoétnicas, como Alemanha e Suécia, a democracia prevaleceu porque os direitos dos imigrantes não eram reconhecidos. 

Em seu último livro O grande experimento, Mounkafirma. “Esse grande experimento – [a construção de democracias diversificadas] – é o empreendimento mais importante de nossa época.” Na sua visão, “ democracia e diversidade podem , na verdade , dificultar o sucesso das sociedades. Primeiro, o confronto entre grupos identitários diferentes tem sido um dos grandes motores dos conflitos humanos ao longo da história. Em segundo lugar, as instituições democráticas podem tanto aliviar quando exacerbar o desafio da diversidade.”

O desgaste dos três pilares da democracia liberal  acima descritos se tornaram mais ameaçadores com a emergência da internet e a consequente proliferação exponencial das redes sociais. Esse ponto de inflexão – a internet retirou das elites políticas e econômicas o domínio exclusivo dos meios de comunicação e qualquer cidadão é capaz de viralizar uma informação.

Como acabamos de ver, o desgaste progressivo dos três pilares da democracia liberal, agravado pela disseminação das redes sociais, constituem ameaça existencial à democracias e aos valores fundacionais de nossa civilização. 

No contexto dessa ameaça, Mounk,  em O grande experimento, procurar desvendar percepções, caminhos e políticas que poderão contribuir para“salvar” as democracias liberais. Sua primeira advertência é no sentido de buscar ter consciência da atual realidade, mas sem cair na armadilha do pessimismo. Alega que, de fato, as atuas sociedades diversas têm maior dificuldade de preservar a democracia do  que no passado. Mas, ao mesmo tempo, a integração de minorias étnicas e culturais avançou muito ao longo das décadas, o que abre perspectivas mais promissoras para a convivência democrática. 

Para salvar a democracia é também essencial que os governos busquem políticas públicas inclusivas. Ao contemplarem os interesses não apenas de grupos específicos, mas do conjunto da  sociedade, essas políticas estarão arrefecendo conflitos, promovendo a cooperação e o bem estar da coletividade.

Mounk conclama as forças moderadas da sociedade, identificadas com a democracia, a buscarem diversas formas de  participação política mais efetiva, de forma a evitar que a atual polarização avance e se consolide. 

Como assinalado no início deste artigo, o sistema político de duas grandes democracias  EUA e Brasil - recentemente venceram a ameaça real de se transformarem em autocracias. Mas vencer a batalha não significa ganhar a guerra. A democracia ainda está ameaçada nesses dois países. 

Nos primeiro, as urnas poderão trazer de volta o presidente norte-americano que, nas palavras de Levitsky, mais ameaçou a democracia. No segundo, o personagem sai do palco, mas conta ainda com milhões de fiéis seguidores refratários à democracia liberal. No Brasil, o atual governo,  vitorioso nas urnas com margem inferior a 2%assumiu com apromissora bandeira da união nacional e da participação das forças de centro no gabinete, o que não ocorreu. Com exceção da economia, onde o pensamento liberal democrático tem força, nas demais áreas o governo assume posições ideológicas que o aproximam da militância radical e o afastam do centro democrático. Nesse quadro, a advertência de Mounk sobre a necessidade de políticas públicas inclusivas, de medidas destinadas a evitar a polarização e da maior participação das forças moderadas no governo assume importância decisiva para “ salvar” a democracia em nosso país