Discurso do Ministro Mauro Vieira por ocasião do Dia do Diplomata - Brasília, 21 de novembro de 2023
Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva,
Senhora Secretária-geral das Relações Exteriores, embaixadora Maria Laura da Rocha,
Excelência reverendíssima, Arcebispo Giambattista Diquattro, Núncio Apostólico
Senhora Diretora-Geral do Instituto Rio Branco embaixadora Glivânia Maria de Oliveira,
Senhora paraninfa da Turma Mônica de Menezes Campos, embaixadora Maria Elisa Teófilo de Luna,
Senhor orador da Turma Mônica de Menezes Campos, Secretário Essí Rafael Mongenot Leal,
Colegas do serviço exterior brasileiro,
Formandos, familiares, amigos, senhoras e senhores,
Estendo aos formandos da Turma Mônica de Menezes Campos as mais calorosas boas-vindas a esta cerimônia tão aguardada.
Os novos colegas participaram do concurso de admissão à carreira diplomática em período especialmente desafiador para o Brasil, marcado por graves retrocessos políticos, sociais e econômicos, e pela pandemia de COVID-19.
Felizmente para todos nós, eles perseveraram, e hoje somam-se, oficialmente, a essa grande missão em prol do povo brasileiro que é o serviço exterior.
Permitam-me ilustrar, com uma experiência recente, a complexidade e a urgência dessa missão, bem como a relevância dos servidores que a desempenham.
Há cerca de uma semana, quando a aeronave VC-2, da Força Aérea Brasileira, abriu suas portas no aeroporto de Brasília, o país comoveu-se diante da alegria das crianças que, junto com suas famílias, pisavam, finalmente, o solo brasileiro.
Vinham da Faixa de Gaza, zona conflagrada do Oriente Médio da qual conseguiram partir em segurança após semanas de gestões incansáveis do governo federal, em todos os níveis – desde os funcionários de nossas embaixadas na região, até o próprio Presidente Lula.
Esse foi o décimo voo da Operação Voltando em Paz, por meio da qual foram repatriados 1477 brasileiros e familiares afetados pelo mais recente capítulo do conflito e da ocupação que seguem, há décadas, pendentes de resolução entre Israel e a Palestina.
Essa rápida resposta à crise mobilizou os principais instrumentos da política externa: da diplomacia bilateral, que cultiva o diálogo com todos os países, à diplomacia multilateral, que expressa nossa voz nos foros internacionais; da assistência a brasileiros no exterior à cooperação humanitária; das mais discretas tarefas administrativas a uma pujante diplomacia pública e presidencial.
Todas essas linhas de ação dependem de uma infraestrutura comum: a imprescindível rede de embaixadas, consulados e missões do Brasil no exterior. Essa presença política, logística e, sobretudo, humana no mundo, onde quer que estejam em jogo os interesses nacionais e globais do país, tem importância existencial para o nosso povo.
Senhoras e senhores,
Vinte anos separam a formatura de hoje da cerimônia da Turma Sérgio Vieira Melo, em 2003, a primeira das oito presididas pelo Presidente Lula ao longo de seus dois primeiros mandatos.
Naquela ocasião, assim dirigiu-se Vossa Excelência, Senhor Presidente, aos formandos, e cito: “Vocês ingressaram na carreira diplomática em um momento de mudanças, em que o Brasil se afirma com crescente desenvoltura e confiança perante o mundo. (...) Ao mesmo tempo, é preciso que lutemos por um sistema internacional mais justo”.
Essas foram as bases da política externa que magnificaria a grandeza do Brasil no mundo, a partir de um reencontro consigo mesmo e com nossa região, e redefiniria os termos do debate sobre relações internacionais em nosso país neste primeiro quarto do século XXI.
Seu principal expoente, o chanceler, e caro amigo, Celso Amorim, definiria essa exitosa política como “desassombrada e solidária”, ao dirigir-se aos formandos do seu último ano à frente do Ministério das Relações Exteriores, em 2010.
A passagem do tempo confirmou o acerto dessa visão arrojada. Ensinou, também, que nenhuma conquista é suficiente, nem definitiva: todas requerem atenção contínua ao seu aprofundamento, bem como à sua proteção contra retrocessos.
A afirmação, pelo Presidente Lula, de que “nossa guerra é contra a fome” é tão pertinente hoje quanto o fora em 2003. A ordem internacional segue incapaz de “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra”, objetivo principal da quase octogenária Carta das Nações Unidas.
Países em desenvolvimento são crescentemente pressionados a alinhamentos automáticos. Nossa tradição diplomática é o melhor antídoto contra esse mau caminho. Ao longo de sua história, o Brasil soube navegar soberanamente a política do mundo, tendo como bússola os seus próprios valores, interesses e aspirações, além do direito internacional.
Recordo, aqui, um preceito de grande atualidade do ex-chanceler à época em que tomei posse como diplomata, Antonio Francisco Azeredo da Silveira, sob cuja liderança tive a honra de trabalhar em meu primeiro posto no exterior: o Brasil nunca será satélite de nenhum país ou bloco.
Como tem dito o Presidente Lula, o Brasil está de volta. Voltou, antes de tudo, a si mesmo, retomando o projeto da Constituição Federal de 1988 em sua plenitude. Voltou ao seu entorno geoestratégico na América do Sul e no Atlântico Sul e, a partir dele, ao contato com parceiros de todas as regiões do globo. Voltou, enfim, ao palco dos grandes debates internacionais.
A intensidade dessa correção de rumos evidencia-se nas mais de 200 interações do Presidente da República com autoridades estrangeiras, desde 1º de janeiro até o momento, na forma de participação em cúpulas e em reuniões bilaterais às suas margens; visitas realizadas e recebidas; telefonemas e videoconferências.
A recuperação do universalismo da política externa não poderia ter expressão mais clara.
Assim como o Brasil voltou ao mundo, o mundo também voltou ao Brasil. Nosso país será, nos próximos anos, a capital de foros internacionais da mais alta relevância, como o G20, a COP30 do Clima, o BRICS e a Zona de Paz e de Cooperação do Atlântico Sul, entre vários outros. Seguirá, igualmente, recebendo importantes visitas bilaterais.
Já no próximo mês, assumiremos duas imensas responsabilidades nessa caminhada.
A primeira delas será a assunção da presidência do G20, agrupamento que reúne as maiores economias do mundo e debaterá iniciativas concretas para enfrentar os principais desafios contemporâneos.
A segunda será a formalização da presidência brasileira da COP30 do Clima, a ser realizada em 2025, mas cuja preparação já começou. A COP constituirá oportunidade única para revitalizar o regime multilateral do clima; buscar limitar o aumento da temperatura global em 1,5 graus centígrados; e acelerar nossa própria transição ecológica e energética.
Essas duas linhas de ação receberão tratamento prioritário em 2024, em conjunto com uma terceira, de caráter permanente: seguir fortalecendo a integração regional, por meio do adensamento das relações bilaterais com os países latino-americanos e caribenhos e do seguimento dos resultados das cúpulas aqui sediadas no Brasil em 2023.
A aposta brasileira na integração, princípio constitucional que rege as relações internacionais do Brasil, seguirá sendo conduzida como projeto de Estado, que atende aos interesses de longo prazo do povo brasileiro, e transcende governos e orientações políticas.
Senhoras e senhores,
O ideal de política externa aqui enunciado, há 20 anos, pelo Presidente Lula segue mais atual do que nunca. Retomá-lo, em novas circunstâncias, exige análise atualizada do contexto internacional, atento aos desafios e aspirações contemporâneos de cada região e de cada país.
O sexagésimo aniversário do discurso proferido pelo chanceler Araújo Castro nas Nações Unidas, em 1963, sobre desenvolvimento, desarmamento e descolonização, convida-nos a reimpulsionar iniciativas diplomáticas voltadas para uma ordem internacional mais justa, pacífica, e capaz de reduzir desigualdades entre países e entre pessoas.
Os próprios parâmetros do exercício da diplomacia também devem ser atualizados, para internalizar o reconhecimento do protagonismo de mulheres, pessoas negras, LGBTQIA+, com deficiência e povos indígenas na história, e nos destinos, do Brasil e das relações internacionais.
A igualdade de gênero e a igualdade racial serão objetivos prioritários e transversais da política externa. O Brasil está em posição única para contribuir com formulações próprias para esse debate, a partir de suas múltiplas identidades como país do Sul, latino-americano, e da diáspora africana.
Prezados colegas,
A dedicação exemplar de seus servidores possibilitou que o Itamaraty conseguisse acompanhar a súbita, e muito bem-vinda, mudança do ritmo da política externa em janeiro deste ano – de um estado de inanição para o reengajamento simultâneo com todos os foros, temas e continentes.
Não obstante, é imperativo reconhecer um limite operacional inegável: a insuficiência de pessoal na Secretaria de Estado das Relações Exteriores.
A agenda da política externa para 2024 nos exigirá ainda mais: além do intenso trabalho habitual em suas áreas, os servidores farão o seguimento de iniciativas lançadas; realizarão cerca de 100 reuniões do G20; e prepararão, para as cúpulas a serem sediadas no Brasil em 2025, algo em torno de cem processos negociadores da COP30 do Clima e dezenas de reuniões do BRICS e do MERCOSUL.
Nesse quadro, questões relativas à gestão de pessoas – incluindo o ingresso, a alocação e a progressão de carreira dos servidores – revestem-se de fundamental importância para o êxito da política externa.
Serão tomadas medidas sistêmicas para, de um lado, mitigar o déficit de funcionários, a exemplo dos concursos já convocados para diplomatas e oficiais de chancelaria; e, de outro, para alocar a força de trabalho do Itamaraty de modo mais eficiente e alinhado com as prioridades estabelecidas pelo senhor Presidente da República.
o planejamento institucional do ministério para o período 2024-2027 conferirá especial atenção à ampliação da diversidade no quadro dos servidores, avançando a partir de conquistas já realizadas como o Programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco e da criação, neste governo, do sistema de diversidade e inclusão.
Trabalharemos para aprimorar a qualidade de vida no ambiente de trabalho, com particular atenção à segurança e à saúde física e mental de servidores, e a uma política robusta de prevenção e combate a assédios e a qualquer forma de discriminação.
Tais medidas – combinadas a uma abordagem inclusiva na gestão do patrimônio físico, histórico e artístico da diplomacia – fortalecerão o Itamaraty, e os serviços que presta à sociedade, como espaço de pertencimento físico, político e simbólico para todos os brasileiros.
A diplomacia pública e as relações com os demais ministérios, o Congresso Nacional, e os entes federativos, serão intensificadas. Em seu governo, Presidente Lula, o Itamaraty será mais diverso e permeável ao diálogo com o Estado, a academia e a sociedade brasileira.
Caros formandos,
Compraz-me receber os novos diplomatas ao lado de colegas com quem iniciei minha carreira e com quem compartilho a celebração hoje de 50 anos de serviço público.
Deixo uma palavra de reconhecimento e afeto aos colegas Carlos Antonio da Rocha Paranhos, João Almino de Souza Filho e Andréia Cristina Nogueira Rigueira, e aos colegas de turma do meu curso do Instituto Rio Branco: Piragibe dos Santos Tarragô, Carlos Alberto Lopes Asfora, Eduardo Prisco Paraíso Ramos e Moira Pinto Coelho.
Esse encontro entre as turmas de 2023 e 1973 confere sentido especial a uma palavra muito cara ao Itamaraty: tradição, a qual expressa um ato de entrega. A importância simbólica dessa formação de vínculos, dessa troca de saberes entre gerações, reside tanto em quem passa o bastão, como em quem o recebe.
É nesse espírito que peço aos jovens colegas que recebam as múltiplas matrizes da tradição viva da diplomacia brasileira: prontos a conhecê-la, a honrá-la e a transformá-la quando necessário. E a construir, a partir dela, as novas tradições que conduzirão o futuro do Brasil e do Itamaraty.
É, igualmente, nesse espírito que peço a todos os servidores do Ministério que recebam os formandos: abertos a seus valiosos aportes e ideias, dos quais todos temos muito a nos beneficiar.
Muitas felicidades a todos e muito obrigado.